Uma História de Vida

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Prós e Contras da Emigração


PAGINAÇÃO: Susana Soares REVISÃO: Isabel Castro CAPA: Ângela Espinha 1.ª EDIÇÃO, Lisboa dezembro, 2019

© Paulo Paca

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ISBN: 978-989-8867-58-2 DEPÓSITO LEGAL: 453695/19

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TÍTULO: Uma História de Vida - Prós e Contras da Emigração AUTOR: Paulo Paca EDIÇÃO GRÁFICA: edições ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)

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Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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Prós e Contras da Emigração

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Prefácio

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Vivemos tempos, que eu considero, serem os mais turbulentos, no que diz respeito à emigração e aos emigrantes. Aos conflitos político-religiosos somam-se os tsunamis, a seca e tantas outras calamidades naturais, na Ásia, em África e no Médio Oriente. Por essa razão, milhares de pessoas têm abandonado as suas zonas de origem em busca de paz, segurança e bem-estar social, sendo a Europa, a Austrália e os Estados Unidos da América os principais destinos de quem tem a emigração como a última opção para escapar a todos estes males que afetam o nosso planeta.

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Mas, nestes últimos anos, a emigração tem sido mais discutida pela sua associação ao crime e ao contrabando de pessoas do que pelo facto de ser um meio de sobrevivência para quem quer estudar, trabalhar ou, simplesmente, procurar novos horizontes num outro país, EMIGRANDO. Daí ter concebido a ideia de compilar as minhas experiências vividas aqui, na diáspora, neste livro. Assim sendo, trago aqui, em resumo, histórias baseadas em factos reais que vêm marcando as vidas dos emigrantes aqui, na Europa, e no resto do nosso planeta. Em todas estas narrativas, não cito os nomes das pessoas, respeitando a privacidade, à excepção daquelas pessoas de quem tive autorização ou então se forem pessoas já falecidas.

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Trago uma visão global sobre a EMIGRAÇÃO, sobre as suas vantagens e desvantagens, os ganhos e fracassos, sobre as situações a que todo o emigrante está ou estará sujeito, independentemente das circunstâncias que o levaram a emigrar.

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Convido, pois, o prezado leitor a prosseguir a leitura deste pequeno livro, que certamente lhe concederá uma visão panorâmica do fenómeno mais polémico, senão mesmo, um dos mais complexos dos nossos tempos, a EMIGRAÇÃO.

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Dedico este livro a todos aqueles que, por motivos distintos, abandonaram a sua casa, aldeia, província ou país à procura de segurança e de bem-estar social, encontrando-se hoje num campo de deslocados e refugiados, ou então acomodados e integrados numa nova sociedade.

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Deixo também aqui expressos os meus sentimentos de pesar por todos aqueles que perderam a vida pelo caminho, em particular na perigosa travessia do mar Mediterrâneo, e desejo muita coragem aos que estão a caminho, porque, infelizmente, as crises sociais, os conflitos político-religiosos, os tsunamis e outras calamidades naturais ainda vão continuar a mandar muita gente para o exílio. Agradeço a Deus pela forma como Ele transformou a minha vida através da sua palavra, fonte da minha inspiração. Luanda, dezembro 2016 P. Paca

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EMIGRAÇÃO: ALTOS E BAIXOS

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Há já alguns anos que comecei a fazer anotações sobre o meu dia-a-dia aqui na diáspora. Colocar estas experiências em livro foi a forma que eu encontrei para deixar estas memórias nos anais da História. Esta ideia ganhou força quando, em 2013, visitei o meu país (Angola), após 15 anos de ausência, devido à situação política e militar em que Angola se encontrava e se encontrou até o fim do conflito armado, em 2002.

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Estando longe do nosso país, acabamos por nos aperceber das oportunidades que desperdiçámos, quando estávamos em casa, do afeto e calor familiares que não valorizámos. Recordamos as brincadeiras duma infância que nos passou ao lado por causa das dificuldades.

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Por outro lado, nos 15 anos em que vivi na Europa, mais concretamente na Holanda, aprendi muito. Compreendi que neste mundo nada acontece por acaso, que o Homem precisa de trabalho para operar as mudanças necessárias no seu habitat. A Holanda é um país pequeno, mas maravilhoso. É uma das potências económicas da Europa. A liberdade é o slogan impregnado na consciência do holandês. Cada um é livre de viver a sua vida como quiser e com quem quiser. Na Holanda, por exemplo, as pessoas que fazem uso da marijuana e de outros estupefacientes podem

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adquiri-los nos postos de venda autorizados, vulgo, coffeshops. A polícia e as forças de autoridade têm tudo sob controlo. Raramente se vê vandalismo ou tumultos, provocados por elementos sob influência de drogas. Na verdade, os que provocam distúrbios, tanto nos estádios de futebol como noutros lugares, assumem que o fazem como forma de protesto, por algum descontentamento.

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A emigração tem, portanto, altos e baixos, aspetos positivos e alguns aspetos negativos, ou menos positivos. Falarei de um pouco de todos esses aspetos.

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A MINHA CHEGADA À HOLANDA EMIGRAÇÃO É UM FENÓMENO NATURAL

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Sou crente praticante e acredito plenamente naquilo que está escrito nas Sagradas Escrituras. E é precisamente na Bíblia que encontramos a história de Abraão, um homem que foi aconselhado por Deus a deixar o seu país e a partir para outro que lhe seria indicado pelo próprio Deus (Gênesis 12). Abraão emigrou, obedecendo à voz do Soberano Deus. Segundo a Bíblia, da linhagem de Abraão viria nascer a nação hebraica, mais conhecida pelo povo judaico, os judeus. Vemos, assim, que Deus, O Criador de tudo, mandou Abraão emigrar para que se cumprisse o que estava previsto acontecer na vida desse homem. Hoje, todos conhecemos a história de Abraão, o mundo religioso reconhece Abraão como fiel servo de Deus. Judeus, Cristãos, Muçulmanos, Budistas e todos os outros crentes reverenciam Abraão como um bom exemplo de fé e dão o seu testemunho, o testemunho de um emigrante. Quando eu estava ainda em Angola, pensava que o Brasil e os Estados Unidos da América eram os países mais multiculturais, porque já naquele tempo via na televisão americanos de origem africana, chinesa, europeia ou japonesa, tal como acontece no Brasil onde

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há brasileiros de múltiplas origens. Mas, mal cheguei à Holanda, acabei por descobrir o que é uma sociedade verdadeiramente multicultural, pois eu vim fazer parte desse multiculturalismo. Por essa razão, eu tenho a firme convicção de que a emigração é o meio que Deus, o Criador, tem utilizado, ao longo dos tempos, para obrigar os seres humanos a conviverem em harmonia uns com os outros, independentemente da cultura, religião ou raça, impossibilitando, assim, o preconceito, o tribalismo, o separatismo, a segregação racial, a discriminação e todos os outros males. Creio que Deus, através da sua omnisciência, sabendo da complexidade da raça humana, utiliza este método para fazer cumprir o seu propósito, o de nos unir como uma família, todos filhos de um mesmo pai e uma mesma mãe.

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Muitos não concordam com este pensamento, puramente bíblico, e nós respeitamos tal opinião. Porém, está escrito:

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Gênesis 17-4,5. Quanto a mim, será contigo a minha aliança; serás pai de numerosas nações. Abrão já não será mais o teu nome, e sim Abraão; porque por pai de numerosas nações te constituí. Gálatas 3-28. Desse modo não pode haver Judeu, Grego, Livre ou Escravo, nem Homem, nem Mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão, e herdeiros segundo a promessa. No mundo atual não existe conflito tão mediático, tão conhecido e com repercussões tão avassaladoras como o conflito Israelo-Palestiniano. Ora, só na literatura bíblica conseguimos encontrar as razões deste conflito, que 12


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vai passando de geração em geração: “É um conflito motivado por questões migratórias”. Quem o afirma é o historiador judeu Flávio Josefo, que, na sua grande obra, intitulada a História dos Hebreus, narra a origem deste conflito. Neste livro, o autor aborda muitos assuntos já referidos na Bíblia Sagrada, a começar pela criação da raça humana por Deus, passando também pela vida de Abraão e pelas sucessivas deslocações dos Judeus de um lugar para outro. Flávio viveu em Roma entre o ano 37 e 103 d. C. Quando o seu povo foi derrotado pelos Romanos, ele foi capturado e levado para essa cidade onde viveu até o fim da sua vida.

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Considero que Flávio Josefo foi também um emigrante, contra a sua vontade, é certo, e morreu emigrante, apesar de ter sido naturalizado romano antes da sua morte.

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VISÃO GLOBAL DA EMIGRAÇÃO

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NOS NOSSOS DIAS

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Nos nossos dias, a emigração é mais vista como um mal a ser combatido com todos meios do que como algo bom. Atualmente, na Europa, há mais preocupação relativamente à emigração ilegal do que relativamente a qualquer outra situação. Tal deve-se ao facto de a emigração, que, anteriormente era vista como um meio de se conseguir mão-de-obra barata para alavancar a economia, se ter transformado numa das piores dores de cabeça para os países ocidentais que acolhem milhares de refugiados provenientes de diversos países.

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A História recente da Europa mostra-nos que, depois do fim da Segunda Guerra Mundial, isto é, entre os anos 1946-1950, a Europa precisou de muita mão-de-obra, visto estar em fase de reconstrução de infraestruturas destruídas pela guerra. Por essa razão, os holandeses, os belgas, os alemães e os franceses recorreram a países como a Turquia e Marrocos em busca de mão-de-obra para reforço nas suas indústrias. Estes emigrantes abriram as portas do velho continente e nós temo-los visto e podemos confirmar a sua presença através das suas comunidades existentes em praticamente todos os cantos da Europa.

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Por curiosidade minha, tenho conversado muito com pessoas mais velhas, oriundas dos países acima citados. Essas pessoas contam como foi maravilhosa a sua chegada à Europa. A maioria delas chegou aqui quando era muito jovem. Dizem que foram recebidos com muito entusiasmo, nada de preconceitos. O lema era trabalho, trabalho e trabalho. Segundo eles, naquele tempo, ninguém se importava com a integração dos emigrantes. Fator que muitos alegam ser hoje o motivo de bastantes filhos de emigrantes não se reverem na cultura europeia, mesmo tendo nascido e crescido neste continente.

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A consequente separação entre comunidades locais e comunidades de emigrantes por fatores culturais tem sido motivada por certos líderes políticos que fazem da emigração o principal alvo da sua agenda política. Infelizmente, têm sido bem-sucedidos, atendendo à conjuntura atual de extremismo, fundamentalismo, ódio, exclusão social, ataques terroristas, perseguição racial e religiosa, enfim, de tudo a quanto temos assistido nestes últimos tempos.

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OS EMIGRANTES E O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO NA SOCIEDADE HOLANDESA

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Hoje, compreendo bem porque é que os Holandeses insistiam tanto connosco sobre a necessidade de aprender a língua e saber como funcionava a sociedade holandesa. E recordo muito bem as aulas de integração que então tive.

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Lembro-me muito bem, como se fosse hoje… O centro para o qual fomos transferidos, depois da nossa apresentação no centro de acolhimento, tinha salas de aula onde começámos a receber as primeiras informações sobre a vida nos Países Baixos. Foi impressionante ouvir falar de liberdade, de todos os tipos de liberdade. A igualdade entre mulheres e homens, os direitos dos animais domésticos e selvagens, a imparcialidade dos órgãos judiciais, enfim, todos estes foram assuntos que despertaram o meu interesse e me deixavam com muita vontade de assistir às aulas. Nesta fase, a maioria das pessoas que se encontrava nos centros de asilo (AZC) não possuía ainda autorização de residência. Estávamos à espera do desenrolar do processo de pedido de asilo político ou então da legalização

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por outra razão. O facto de se viver em incerteza levava muita gente a não considerar estas aulas de integração. Eu próprio também me questionava sempre: “Faço o curso de integração ou não?”; “E se, no futuro, o meu pedido de asilo não for aceite, de que me serve a língua holandesa, falada em tão poucos países?”

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Estas perguntas originaram muitos debates entre nós, até porque havia muitos pessimistas, pessoas que, em tudo, viam um problema, desde a comida, à cultura, ao rigor das regras. Alguns perdiam o sono.

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Bem, eu fui sempre otimista. De cada vez que era assaltado por aquelas dúvidas, pensava: “O saber não ocupa lugar. Tudo o que eu poder aprender aqui será um acréscimo para os meus conhecimentos. Não importa o que vai acontecer, o importante é que, de momento, tenho algo a aprender.” Hoje, olhando para trás, posso dizer que valeu a pena ter aguentado porque venci.

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De um modo geral o tema da integração tem suscitado muitos debates aqui na Europa, devido à sua complexidade. A cultura, as línguas, a religião, os hábitos e os costumes têm sido, em grande parte, um obstáculo no caminho de uma integração que se quer bem-sucedida. Anteriormente eu pensava que a integração era apenas uma questão de saber falar a língua do país de acolhimento, no caso da Holanda, o Holandês. Mas depois de começarmos a entender bem a língua, começamos também a perceber que muitas pessoas, mesmo tendo nascido na Holanda e tendo o Holandês como língua materna, tinham, ou melhor, têm ainda problemas em integrar-se. Tal acontece porque essas pessoas, apesar de terem nascido, crescido e vivido na Holanda, não se 17


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revêm na cultura holandesa. Ora, este tem sido um dos motivos de tensão entre os nativos e os emigrantes. E todos nós conhecemos o resultado final: o aparecimento de líderes políticos e religiosos que apregoam o extremismo, o fundamentalismo e o radicalismo e que assolam o continente.

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Entre nós, emigrantes, este assunto nunca deixou de dominar as nossas conversas do dia-a-dia. Basta olharmos para o desemprego, a marginalização, discriminação e a exclusão social de que muitos emigrantes alegam serem vítimas. Quando tal acontece, a integração passa obrigatoriamente a ser o centro da conversa.

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PROBLEMÁTICA SOBRE A INTEGRAÇÃO DOS EMIGRANTES

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Ninguém quer assumir as suas responsabilidades. De um lado está o Estado (holandês) que garante que tudo fez para integrar todas pessoas que chegam ao país e inseri-las na sociedade. Do outro lado, há muita gente que acredita que pouco tem sido feito para facilitar a integração das comunidades emigrantes na sociedade. Eu oiço isso também de muitos dos meus amigos e colegas de trabalho, tanto de autóctones holandeses como de emigrantes. As opiniões divergem muito, mas podemos concluir que todos têm um pouco de razão.

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Tenho amigos de longa data, que conheci aqui na diáspora. Muitos destes amigos nunca trabalharam: ou porque ninguém aceita empregá-los, pelo facto de não dominarem a língua, ou pelo facto de terem uma cor diferente (discriminação), enfim... Na realidade estas situações ocorrem em alguns lugares, razão pela qual existem organizações que lutam pela defesa das minorias étnicas, no que diz respeito à discriminação, na escola, no trabalho ou mesmo na vizinhança. Um exemplo de uma destas organizações é a Stop Discriminatie.nl. Esta, e muitas outras organizações, tem feito um trabalho notável.

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Só não dá conta do empenho destas organizações quem vive distraído e à custa dos subsídios do Estado.

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Mas também existem pessoas que não gostam de se esforçar ou de aprender, pessoas que arranjam sempre uma razão para fugirem das suas obrigações. No momento em que deviam aprender a língua do país de acolhimento diziam que não tinham a certeza se iriam ou não ficar na Holanda. Hoje a conversa mudou e fala-se muito em discriminação e na falta de oportunidades.

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Lembro-me da intervenção de um senhor holandês num evento que a V.V.N. Rijswijk (Serviço Holandês de Assistência aos Refugiados) havia organizado sob o lema “Refugiados e integração na sociedade”. Disse ele, e cito: “Estes senhores emigrantes estão sempre a reclamar por falta de oportunidades. O Estado holandês já deu o passo de vos conceder os documentos de residência, casa para morar e outros apoios para organizarem a vida aqui neste país. Agora querem também que o Estado vá à procura de trabalho para vocês? Oportunidades têm todos, agora cabe a cada um saber aproveitar o que tem à vista!” Este desabafo foi de um cidadão indignado com as reclamações dos emigrantes, e com razão. Infelizmente, não faltam emigrantes que não querem fazer nada, mas querem ter um smartphone, um plasma, um carro de marca e tantos outros bens materiais que não são de primeira necessidade.

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O FRACASSO DO PROCESSO DA INTEGRAÇÃO

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Políticos, líderes religiosos e diversos grupos da sociedade civil são unânimes a considerar que muitos emigrantes não têm sido bem-sucedidos na sua vida profissional porque não tiveram uma boa integração. Tenho conversado com jovens de origem turca e marroquina, a maioria deles nascidos aqui na Holanda, e quando tento saber o que fazem na vida, muitos deles afirmam estarem desempregados, porque são discriminados e vistos como criminosos, desordeiros e estrangeiros indesejados na sociedade. Mas, se olharmos para o outro lado, podemos encontrar no mosaico da sociedade holandesa, pessoas de todas origens, desde o topo, entre governantes e funcionários públicos. Por isso, penso que, se alguém alega a discriminação como motivo para não conseguir emprego, eu diria antes que esse sujeito deve ser preguiçoso e não deve gostar de trabalhar. Por uma empresa discriminar não significa que todas as outras vão fazer o mesmo. Procurar outra empresa é a melhor solução. Quem procura acha, diz um adágio popular.

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SEGREGAÇÃO E CRIAÇÃO DAS FAMOSAS ESCOLAS NEGRAS EM DEN HAAG

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Vivemos num mundo em que a globalização se evidencia em todos cantos de cada cidade, aldeia ou bairro. Na cidade de Den Haag, Haia, onde eu vivo, há bairros maioritariamente habitados por emigrantes de origem marroquina e turca, concretamente os bairros Schilderswijk e Transvalr. Por conseguinte, nas escolas destes bairros, dificilmente encontramos alunos ou crianças holandesas autóctones, porque os pais, constatando que as escolas onde os seus filhos estudam têm mais estrangeiros que holandeses de origem, acabam por retirar os seus filhos, levando-os para escolas onde 85% a 90% dos alunos são holandeses de origem. À medida que os emigrantes chegam vão sendo acomodados na periferia e no centro da cidade, o que obriga muitos holandeses a uma deslocação para áreas onde acreditam estar longe da confusão. No entanto, ainda que haja holandeses que optam por abandonar o centro da cidade, para se afastarem do fluxo dos emigrantes que a invadiram, existem muitos outros que nasceram, cresceram e nunca foram morar para outra cidade ou zona da cidade. Assim, apesar do grande esforço que as autoridades holandesas têm feito para evitar a segregação no seio

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das comunidades, sejam elas emigrantes ou autóctones, ela existe e acontece automaticamente. É o caso dos bairros em Haia já citados. Estes dois bairros são bem conhecidos. Em brincadeira, até gostamos de dizer: é melhor não provocar uma luta com um marroquino, porque certamente será derrotado pela comunidade, o mesmo acontecendo com um turco do bairro de Transvalr. A segregação acontece porque as pessoas querem viver junto daqueles com quem partilham laços culturais, religião e costumes.

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TODOS TEMOS UM PAPEL

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NA SOCIEDADE

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Eu acredito que todos temos um papel na sociedade e julgo que cada um de nós deve procurar dar o seu contributo para o bem da sociedade, dentro das suas capacidades, pois todos temos algum talento. A sociedade oferece muito, mas também espera algo em troca.

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Na Holanda, e de modo geral na Europa, as oportunidades e os direitos são para todos, cabe a cada um de nós saber aproveitar o que estiver à sua disposição para depois retribuir. Na Holanda, por exemplo, o ensino é gratuito até o 2.º ciclo, do ensino médio para diante o Estado disponibiliza verbas para todos os estudantes, sob a forma de um empréstimo que deverá ser pago no futuro logo que o indivíduo tiver o seu primeiro emprego. Ninguém é impedido de estudar que por ser emigrante, preto, branco ou amarelo. “Todos são iguais perante a lei.” Vemos, assim, como o velho continente superou as dificuldades sociais, sendo hoje visto, por muitos emigrantes, como um paraíso na terra. As liberdades, o bem-estar social e a democracia são os principais atrativos, os fatores que levam muitos a olharem para esta parte do planeta como o melhor espaço para se viver.

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AS PERGUNTAS COM QUE MAIS SOMOS CONFRONTADOS NA DIASPÓRA

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Uma das questões que os holandeses mais colocam aos emigrantes é: “Porque é que está aqui no nosso país? Porque é que escolheu a Holanda, e não a França, a Bélgica ou Portugal?” Na verdade, de cada vez que simpatizamos com um holandês, não importa se é jovem ou mais velho, estas são as duas questões que ele/a coloca, antes de a conversa fluir. Porém, para nós, emigrantes, estas perguntas são o que mais nos incomoda, porque é como se estivéssemos de novo a ser interrogados por um agente de emigração.

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Levei algum tempo a compreender porque é que quase todos os holandeses fazem este tipo de perguntas aos emigrantes. É uma questão cultural, na realidade. Quando conhecem alguém, os holandeses querem logo saber quem é a pessoa, a sua origem, os motivos que a levaram a vir para Holanda, quanto tempo vai ficar, se veio para ficar e porquê e assim por diante. Foram educados assim. De início, incomodava-me muito, mas com o andar do tempo, e depois de conversar muito com os holandeses, compreendi. Há também uma outra questão importante e que é recorrentemente abordada pelos holandeses: África. Muitos por cá pensam que África é um país. Por isso,

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PAULO PACA Deixou Angola em 1998 rumo a Holanda onde encontrou refúgio e paz. Foi recebido por alguns Centros de Acolhimento para Refugiados. Com muita perseverança realizou alguns cursos Técnicos que lhe permitiram aceder ao mercado de trabalho. C

Neste livro, pretende relatar as suas boas (e menos boas) experiências que vivenciou na fase da sua vida de emigrante, em que a esperança prevaleceu conseguindo, assim, concretizar o sonho de ter uma vida melhor.

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UMA HISTÓRIA DE VIDA PRÓS E CONTRAS DA EMIGRAÇÃO

Paulo Paca nasceu em 1981 no Uige em Angola. Filho de Daniel Paca e de Isabel Luzala, uma família modesta e humilde onde imperava o amor no seio de uma guerra civil que impossibilitou que concluísse os estudos do secundário.

UMA HISTÓRIA

DE VIDA

PRÓS E CONTRAS

DA EMIGRAÇÃO PAULO PACA


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