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Doutrina do Direito de Kant João Matos edição: Edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro) autor: Manuel
Patrícia Espinha Ângela Espinha paginação: Paulo Resende revisão: capa:
1.ª edição Lisboa, agosto 2020 isbn:
978‑989-8867-94-0 469588/20
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depósito legal:
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título: A
© Manuel João Matos
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ew Índice
Agradecimentos 9 Edição e Abreviaturas das obras de Kant
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Introdução 13 capítulo i
KANT E O CONCEITO DE DIREITO
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capítulo ii
O SISTEMA DO DIREITO PRIVADO capítulo iii
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Conclusão 83 Bibliografia
Índice Onomástico
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ew Agradecimentos
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Os meus agradecimentos ao Professor Doutor Michel Renaud, Professor Catedrático aposentado da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, à Professora Isabel Renaud, Professora Catedrática aposentada da FCSH da Universidade Nova de Lisboa e ao Professor Doutor Francisco Caramelo, Director da FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Os meus agradecimentos à minha mãe Rosa Benedita Matos, à minha mulher Sílvia, ao meu filho João e à minha irmã Ana Matos.
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Edição e Abreviaturas das obras de Kant *
Kant’s Gesammelte Schriften, hrsg. von der Preussischen Akademie der Wissenschaften zu Berlin, 1902 (ainda em curso de publicação), à qual remetemos pela sigla AK, seguida do tomo em numeração romana e do número da página em numeração árabe.
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Idee – Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht (AK, VIII, 1784) (Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita)
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MAN – Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaft (AK, IV, 1786) (Primeiros princípios metafísicos da Ciência da Natureza) TP – Über den Gemeinspruch: Das mag in der Theorie richtig sein, taugt aber nicht für die Praxis (AK, VIII, 1793) (Sobre a expressão corrente: isto pode ser correcto na teoria, mas nada vale na prática)
ZeF – Zum ewigen Frieden. Ein philosophischer Entwurf (AK, VIII, 1795) (Projecto sobre a paz perpétua) MdS – Die Metaphysik der Sitten (AK, VI, 1797) (Metafísica dos costumes)
SF – Der Streit der Fakultäten (AK, VII, 1798) (O conflito das faculdades)
* As traduções dos títulos são nossas, não correspondendo sempre às traduções habituais.
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ew INTRODUÇÃO
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Segundo Kant, não se deve confundir a Constituição republicana com a democrática, como costuma acontecer. As formas de Estado (civitas) podem classificar-se segundo o número das pessoas que possuem o poder supremo ou segundo o modo de governar o povo, seja quem for o seu governante; a primeira é a forma da soberania (forma imperii) e só há três possíveis: a soberania é possuída por um só, ou por um número reduzido de pessoas que se unem entre si, ou por todos conjuntamente, formando a autocracia, a aristocracia e a democracia, consoante seja o poder do príncipe, da nobreza ou do povo. As formas de governo (forma regiminis) referem-se ao modo como o Estado faz uso da plenitude do seu poder baseado na Constituição: neste sentido, a Constituição é republicana ou despótica. O republicanismo é o princípio político da separação do poder executivo (governo) do legislativo; o despotismo é o princípio da execução arbitrária pelo Estado das leis que deu a si mesmo, portanto, a vontade pública é a vontade privada do governante. Das três formas de Estado, a democracia é, em sentido próprio, necessariamente um despotismo, porque funda o poder executivo na possibilidade de todos decidirem sobre todos, e também contra cada um, portanto, todos decidem sem, no entanto, serem todos, o que é uma contradição da vontade geral consigo própria e com a liberdade. Toda a forma de governo que não seja representativa é, em termos 13
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estritos, uma não-forma (eine Unform), porque o legislador não pode ser ao mesmo tempo executor da sua vontade numa e mesma pessoa e, embora, as duas outras duas Constituições políticas sejam defeituosas porque proporcionam espaço a um tal modo de governo, nelas pelo menos é possível que adoptem um modo de governo conforme ao espírito de um regime representativo, enquanto a Constituição democrática torna isso impossível porque todos querem ser o Soberano. Para Kant, quanto menor é o número de pessoas no poder estatal tanto maior é a representação dos mesmos, e tanto mais a Constituição se harmoniza com a possibilidade do republicanismo, esperando que, por fim, a ele se chegue mediante reformas graduais. Por tal razão, alcançar esta única Constituição plenamente jurídica é mais difícil na aristocracia do que na monarquia e é impossível na democracia, a não ser mediante uma revolução violenta. Ao modo de governo conforme à ideia de direito pertence o sistema representativo, o único em que é possível um modo de governo republicano e sem a qual todo o governo é despótico, seja qual for a Constituição. Nenhuma das repúblicas antigas conheceu este sistema representativo e dissolveram-se no despotismo, que, sob o poder supremo de um só, é ainda o mais aceitável de todos os despotismos. Conforme afirma Kant, «a soberania popular é uma expressão absurda»1 e, ao invés, «um estado pode governar-se como uma república embora ainda possua, segundo a Constituição vigente, um poder despótico, até que o povo se torna progressivamente capaz de receber a influência da pura autoridade da lei (como se esta possuísse força física) e, portanto, se encontre preparado para dar a si mesmo uma legislação própria que originariamente se funda no direito»2.
1 KANT, I., ZeF, AK, VIII, 354. 2 KANT, I., ZeF, AK, VIII, 372. 14
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Esta é a tipologia das Constituições (formas de Estado e formas de Governo), segundo Kant, em que se contrapõe frontalmente com Rousseau. Rousseau diverge de Kant, que definiu a monarquia, a aristocracia e a democracia como formas de soberania e não de governo3, contrapondo-as à Constituição republicana enquanto sistema representativo. A crítica de Kant à democracia como um regime despótico por confundir os poderes legislativo e executivo, não tem qualquer sentido para Rousseau porque, na distinção entre a soberania e o governo, a democracia como forma de Estado é subsumida na forma da soberania democrática. O governo democrático é a forma de governo que Rousseau mais critica como própria de «um povo de Deuses», relegando-a como utópica porque ultrapassa a «condição humana» pela «confusão» dos «poderes» legislativo e executivo. A forma democrática de governo, confundida com a soberania democrática, não perfaz o princípio do «direito político» da separação dos poderes legislativo e executivo: «Se houvesse um povo de Deuses, governarse-ia democraticamente». «Um governo tão perfeito, acrescenta Rousseau, não convém aos homens»4. Kant declara que «toda a verdadeira república é, e não pode ser de outro modo, um sistema representativo do povo, que pretende em nome do povo e mediante a união de todos os cidadãos, cuidar dos seus direitos, por intermédio dos seus delegados (deputados)»5. A partir da distinção entre a Constituição republicana e a despótica, Kant considera o modo de governo mais importante do que as formas de Estado, pois revelarse-á como o meio da realização do republicanismo assegurando uma reforma por cima, a única concebível por Kant. Se é o modo de governo,
3 KANT, I., ZeF, AK, VIII, 352. 4 ROUSSEAU, J.-J., Contrat social, III, 4, O. C., III, p. 406. 5 KANT, I., MdS, AK, VI, 341. 15
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e não a forma de dominação (forma de Estado), que é posto como o ponto central da reflexão kantiana, é necessário encontrar um motivo filosoficamente relevante para tal posição. Ora, se não está presente na Doutrina do direito, é possível encontrá-la no texto preparatório ao Projecto sobre a paz perpétua, no qual Kant afirma que a primeira divisão se refere à substância do Estado, ao passo que a segunda é relativa ao modo de governo, quanto à sua forma6. Substância, por um lado, forma, por outro lado, quer dizer que Kant opera nessa distinção conceptual, a matéria e a forma dos conceitos da reflexão. A opção pelo modo de governo torna-se então mais clara: não podendo determinar nada a priori quanto à matéria, resta encontrar tal determinação relativamente à forma, isto é, o modo de governo resulta da ideia de contrato originário e o imperativo categórico opera no mundo no domínio jurídico-político, ou seja, o modo de governo implica a sua conformidade com a ideia do contrato originário. Transpostos os termos para o âmbito da razão pura jurídico-política, a forma imperii repousa, em última instância, em razões históricas, em circunstâncias determinadas empiricamente e de modo subjectivo, contingentes e às quais não é possível remontar. O problema da razão jurídico-política concentra-se no modo de governar, a reflexão indo de um pólo ao outro: daquilo que é dado à exigência da razão. Assim, o modo de governo faz a mediação entre, por um lado, a ideia da república, por outro lado, as instituições efectivas, da mesma maneira que a faculdade de julgar faz a junção entre a razão e a sensibilidade, ou entre a razão e o entendimento. Os §§ 51-52 que ocupam uma posição central na Doutrina do direito partem da ideia pura que possui realidade objectiva, chegando ao seu esquema ou símbolo: «Os três poderes no Estado, que procedem do
6 KANT, I., Vor. ewig. Frieden, AK, XXIII, 165. 16
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conceito de uma república em geral (res publica latius dicta), são umas tantas relações da vontade unificada do povo, tal como é extraída a priori da razão, e eles correspondem a uma ideia pura, que possui realidade objectiva, de uma autoridade política (Staatsoberhaupt). Mas a essa autoridade (o soberano) que é, nessa medida apenas um ente da razão, faz falta ainda uma pessoa física que represente o mais alto poder político (Staatsgewalt) e dê a essa Ideia eficácia sobre a vontade do povo»7. Enquanto a forma imperii se liga ao mecanismo de controlo das paixões e dos instintos dos diversos indivíduos no seio da sociedade, a razão de peso dado ao modo de governo reside em que é ele que vincula, antes de tudo, a actividade reflexionante e totalizante, que se opõe à tensão do instinto, isto é, que conduz à solução dos conflitos, em particular, os relativos ao «meu e ao teu». Se as formas de Estado podem ser consideradas como a «letra» da legislação originária, o modo de governo, na medida em que nele se pensa a obrigação de adequação das instituições efectivas à sua Ideia, representa o «espírito» do contrato originário: «As formas de Estado (Staatsformen) são apenas a letra (littera) da legislação originária no estado civil, e podem então permanecer como pertencentes ao mecanismo das Constituições – e isso por um antigo e longo hábito (então apenas de modo subjectivo) –, pelo tempo que forem consideradas necessárias. Mas o espírito do contrato originário (anima pacti originarii) comporta a obrigação de a ir modificando paulatina e continuadamente até que esteja de acordo, quanto aos seus efeitos, com a única Constituição conforme ao direito, quer dizer, à Constituição de uma república pura, até que aquelas formas empíricas (estatuárias), que só serviam para efectuar a submissão do povo, se resolvam na forma originária (racional), […]
7 KANT, I., MdS, AK, VI, 338. 17