Esculápios e Esculapices

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Joรฃo M. A. Soares

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FICHA TÉCNICA TÍTULO:

Esculápios e Esculapices João M. A. Soares ® EDIÇÃO: edições Ex-Libris (Chancela Sítio do Livro) AUTOR:

PAGINAÇÃO:

Alda Teixeira Ângela Espinha DESENHOS: João Bernardo Soares IMAGEM DA CAPA: Quadro de Rubens intitulado A Lição de Anatomia do Dr. Tulp 1.a Edição Lisboa, Dezembro 2019 978-989-8986-07-8 462729/19

DEPÓSITO LEGAL:

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ISBN:

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ARRANJO DE CAPA:

© JOÃO M. A. SOARES

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PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500

NOTA: Por opção do autor, este livro foi impresso em papel de fibra virgem, de origem portuguesa e não respeita o Novo Acordo Ortográfico de 1990.

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PREFÁCIO Nos deuses que foram deuses existiu, como em todo o lado

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e em todas as coisas, uma ordem hierárquica explícita ou implícita que se seguiu ao deus primeiro: o Caos.

E se é verdade que Caos morreu de velho, encontramos todos os dias provas de que ele deixou descendência um

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pouco por todo o lado e em Portugal especialmente.

Mas após o Caos, Júpiter foi o indiscutível e inequívoco “número um”, não podendo encontrar-se com facilidade o

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lugar relativo de muitos outros deuses. Desde logo, porque uns foram “deuses de nascença” e outros foram “humanos heróicos” elevados à categoria de deuses pelos seus feitos notáveis.

Curiosamente, se dos primeiros ficou a aura e a fama, de

alguns dos segundos ficaram eternos e inúmeros seguidores.

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É este o caso de Esculápio, nascido de Apolo, um dos filhos

de Júpiter que se viria a enamorar pela (mortal) ninfa Coronis (que terá ou não por ele sido fecundada e que gerou o filho

que lhe foi removido, por cesariana, após a sua morte). A sua capacidade de curar – e até de ressuscitar – terá feito de Esculápio (quem sabe…) uma figura de referência para o futuro

percurso de Jesus Cristo.

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Nasce filho de um deus e de uma mulher, casada com o homem que a não fertilizou, faz milagres/curas de espantar e morre de forma violenta para ressuscitar mais tarde, como até aí ressuscitara doentes que não pudera socorrer em vida. Esta é a visão curta e mais ou menos “oficial” de Esculápio, o deus dos médicos e da Medicina.

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Bem para além de Hipócrates (que não sendo deus, jurava por Esculápio e suas filhas Hígia e Panacea) – cujo juramento para a prática de bons actos curativos se “mantém” –, Escu-

lápio tinha tais poderes que Júpiter o chamou para o seu lado,

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para exercer no Olimpo, elevando-o à categoria de deus, ficando então proibido de curar todos os enfermos…porque, se não, tal implicaria o “desemprego” de Plutão e o fecho de

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um precioso local de encontros, chamado Inferno.

Não sabemos nós quantos pacientes curou, quantos deixou

na mesma, mas, seguramente, “aprendeu fazendo” (como agora se diz…), implicando isso que muitos erros e disparates – que aqui se chamam “esculapices” – terá deixado pelo caminho, antes de “ser chamado para a direita” de Júpiter.

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Nos tempos actuais, são aos milhares os discípulos, crentes

e imitadores de Esculápio que saem anualmente das Universidades e dos Hospitais Escolares, saciando a sua ansiedade (ou sofreguidão) numa população em explosão e crescentes níveis de sobrevivência, razão pela qual a aprendizes de Esculápio e a esculapices, poucos leitores poderão dizer-se, ainda, imunes.

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As estórias que vão ler são verdadeiras e constituem uma boa base de aprendizagem de como um enfermo (simples mortal) deve aprender a encarar os Esculápios (quase deuses) a quem vamos pagando no sistema público ou no privado, para serem imunes às aflições individuais, perspicazes perante os “sempre doentes” e fortes e interventivos (tantas “nada ficou por analisar”.

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vezes de mais ou sem motivo), para terem a certeza de que Se ao doente custa sair de uma consulta sem uma lista de remédios e a prescrição de uns quantos meios de diagnóstico,

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poucos são os Esculápios que, com a sua sagaz intuição, não

vêem a oportunidade de aprender, espreitar e até de avançar para procedimentos intrusivos que mais tarde se reconhecem

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de valor duvidoso.

Tive por educação “respeitar o saber do Sr. Doutor” e

“agradecer no fim a atenção que ele se me dignou prestar”. Estas estórias valorizam igualmente a forma como cumpri

com essas directivas e a minha permanente disponibilidade para “ser visto” pelo médico, em oposição ao meu horror

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para “ser visto” pelo social.

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O INÍCIO

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Nasci, saudável, em casa, por volta das sete da tarde.

Não sei bem que pessoas da família lá estavam mas a

minha mãe garantiu-me que o meu pai e ela estiveram presentes, o que foi uma sorte.

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Uma sorte porque, percebi mais tarde, o meu pai saía

todos os dias de madrugada para trabalhar (com o bilhete de operário) e só regressava por volta das oito da noite, e a minha

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mãe passava muito tempo na rua, às compras.

Tudo isto para dizer que vim ao mundo sem um médico

por perto, talvez por ser o quinto da prole e já todos estarem familiarizados com a função.

Durante a minha infância e juventude tive todas as doen-

ças próprias da idade e até consegui apanhar febre tifóide!

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Como ao nosso lado morava um médico do exército – mais

especializado em inspecções aos saloios que vinham às sortes –, era a ele que a minha mãe recorria quando eu tinha febre. Talvez por ser amigo da minha mãe (e meu …), ele curou-

-me de tudo com as amostras de novos medicamentos que os “propagandistas” (era assim que se chamavam os actuais “delegados de informação médica”… se ainda não mudaram

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de nome novamente…) lá iam deixando em casa quase todos os dias, juntamente com papéis, brindes, jogos e bugigangas. O mais difícil foi a febre tifóide: caíram-me os cabelos aos molhos, a febre não baixava e um dia dei comigo no tecto do quarto a olhar para mim, deitado na cama. Li, anos mais passar-se para o lado de lá…

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tarde, que há relatos destes, de tipos que estiveram quase a Mas médico em acção, em ambiente profissional, só vi (e voltaria a ver) anos mais tarde.

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E aqui fica a justa e merecida vénia aos Esculápios (a sério) com

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que me cruzei, nas pessoas do Dr. João Sá, ilustre internista e “Anjo da Guarda” da nossa Família e do Dr. Francisco Pereira Machado, cardiologista “milagroso” que já me permitiu sobreviver sem sequelas de maior

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a três enfartes agudos do miocárdio.

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O DENTISTA E AS BROCAS

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Aos dezassete anos pensei

candidatar-me

à

Academia

Militar. Fui ver as habilitações físicas e académicas exigidas e

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achei-me pronto; mas ao ler o longo folheto de instruções veri-

fiquei que não podia ter cáries.

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Como nunca tinha ido ao dentista, a minha mãe achou que seria prudente consultar um

dentista, tendo considerado que o melhor seria um que praticava numa policlínica num primeiro andar, do outro lado da rua, mesmo em frente da nossa casa. Lá fui e, para meu

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espanto, o clínico, depois de me observar com uma espécie de lanterna de mineiro na testa, começou a escarafunchar violentamente o esmalte dos dentes com um objecto metálico em ângulo recto que terminava numa ponta afiada. Ao fim de várias e violentas perscrutações, o instrumento lá ficou preso não sei onde e ele ditou que eu tinha dois começos de

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cáries nos molares inferiores. Disse que era coisa simples: “É só colocar uma protecção superficial”. Inocente, como sempre fui, e com a minha mãe convencida da ciência do dentista, foi no dia seguinte iniciada a “reparação”. Com uma broca ultra-vibradora e ruidosa, operada atra-

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vés de um pedal (tipo acelerador) e cujas cabeças se colocavam

e apertavam como os recentemente aparecidos berbequins

para trabalhos domésticos, atacou-me de um lado e de outro,

fazendo-me vibrar a cabeça (literalmente), e espernear como

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se estivesse a ser torturado. Quanto mais eu gritava mais o

homem concluía que afinal a cárie já existia…e me tornava a picar as gengivas com uma enorme seringa clássica para

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“melhorar um pouco a anestesia local”. Foram sessões de verdadeira tortura que terminaram com dois molares “chumbados” e com uma capa provisória que teria de ser substituída mais tarde. Como acabei por não ingressar na Academia Militar, nunca substituí as capas provisórias por chumbos definitivos e, passados uns anos, surgiram cáries a sério nos

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molares “tratados”. Como a minha anterior e única experiência com dentistas tinha sido um pesadelo, nunca tratei as agora “verdadeiras” cáries e os dois dentes acabaram por ter que ser arrancados. Resultado: dois dentes a menos (os únicos que ainda hoje me faltam), exactamente aqueles que um zeloso médico dentista decidiu que precisavam de tratamento… para ficarem bons…

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O OTORRINOLARINGOLOGISTA I E O OUVIDO

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Anos mais tarde, de novo outro igualmente zeloso clínico, deixou em mim a sua marca, agora num ouvido.

Tenho – sempre tive – o canal auricular esquerdo dema-

siado estreito e a água que para lá entra (duches, banhos de

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mar, piscinas, etc.) nunca de lá sai completamente. Isso dava

origem, periodicamente, à necessidade de proceder a uma lavagem com água morna, no consultório do otorrino, para

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amaciar a cera e as películas que se iam acumulando junto ao tímpano, diminuindo seriamente a audição. Tudo se passou normalmente – tratou-se, aliás, de um pro-

cedimento simples e habitual durante anos –, até que um dia, o otorrino a que normalmente recorria se apresentou particularmente mal disposto e agastado quando eu entrei, vá-se lá

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saber porquê ou com o quê ou com quem… já que eu sempre paguei pontualmente as consultas… A lavagem foi feita como habitualmente mas o médico –

espreitando o ouvido com os devidos aparelhos – entendeu que o “rolhão” não estava a soltar-se e que era melhor ajudar a desfazê-lo de outra maneira.

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Meu dito, meu feito, avançou com um objecto metálico acabado em curva (ou ângulo recto… sei lá eu!) e introduziu-o no canal auditivo escarafunchando com jeito. A dita cera não se soltava e a sua má disposição crescia… como se a culpa fosse minha… e ele a querer despachar-se. Voltou à carga duas e três vezes e… da última vez, depois

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de alguns pulos doridos da minha parte, o ferro foi longe demais e provocou-me uma dor bem violenta!

Uma atrapalhação no licenciado, um sabor a sangue na minha boca e… o tímpano furado! Fim apressado das mano-

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bras e a garantia que “isso depois torna a fechar”. Até hoje! Quando me assoo com força lá sai ar pelo ouvido esquerdo

que continua a não tolerar água e que ouve cada vez pior…

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em resultado de uma manobra desastrada de quem sabe e

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estudou…

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O GASTROENTEROLOGISTA E O FÍGADO

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Com o passar do tempo, a

saúde que tinha foi-se gastando

e um dia fui parar ao Hospital Curry Cabral com inexplicadas

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febres altíssimas e dores nas costas.

Análises e atenções redobra-

das terminaram, após uns dias de

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internamento, com o diagnóstico “claro” de uma “virose não específica” que me alterara profundamente alguns marcadores típicos da função hepática…

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Os clínicos entendiam que

sendo eu agrónomo e florestal (de secretária…), tinha de ter apa-

nhado um “bicho”… no campo… Excluída essa pista, interrogaram-me e a todos os familia-

res e visitantes que recebi – se “o Sr. Engenheiro não bebia em excesso…”.

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