Quando as estrelas acordam
FICHA TÉCNICA edição: Edições Vírgula
® (Chancela Sítio do Livro) título: Quando as estrelas acordam autor: Macedo Teixeira capa:
Patrícia Andrade paginação: Paulo S. Resende 1.ª edição Lisboa, Julho 2014 isbn:
978‑989-8714-12-1 377565/14
depósito legal:
© Macedo Teixeira publicação e comercialização
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Quando as estrelas acordam
Nótula do Autor
Quando as Estrelas Acordam surge como uma proposta de reflexão filosófico – cultural plasmada de raciocínios de conteúdo diversificado nas áreas do conhecimento. É estruturada com algumas explicações científicas que lhe dão um sentido objectivo e porventura mais prático. O Fogo, a Água, a Terra, o Ar são elementos naturais que sempre despertaram no Homem a vontade de os conhecer melhor. Porém, o sentido da Idealidade como aspiração, que se pretende propor como forma possível para equação de algumas das dificuldades na vivência contemporânea, faz também emergir a necessidade do pensamento subjectivo que integra a realidade, conferindo-lhe uma dimensão estética, uma dimensão religiosa e alguma ficção. Por isso, esta proposta inclui na nossa existência a possibilidade das Estrelas, que guiam e iluminam a totalidade do Ser. Já não serão apenas a Alma e o Corpo as partes da coexistência da nossa vida, mas também as Estrelas terão um papel 7
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tão importante como aquelas na coesão, formação e desenvolvimento da nossa humanidade. Assim, dadas as limitações dos ideais de Justiça, da Família, do Bem, da Verdade, do Amor, é-nos proposta uma interacção contextualizada em ambiente de integração geral de todos os elementos naturais e sociais. Esta interacção deve impelir-nos para o movimento da Idealidade, que permite o Absoluto, no qual será possível ser abstraída a mudança na Alma (ao nível da Razão/pensamento inteligível), no Corpo (ao nível dos Sentidos/sensibilidade das sensações), no Espírito (ao nível da Intuição/ no caminho da verdade e da vida). Este desenvolvimento e evolução ocorrem no despertar das Estrelas que guiam e iluminam a totalidade do Ser.
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Numa idade singular, um movimento tangencial toca em cada coisa como o ciciar do vento em escaninho percorre o espaço para se dissipar no som que deixa na lembrança imagens da eternidade. Toca em cada elemento de qualquer ordem e de qualquer origem com a leveza surda de exclamações sensíveis e particularidades definidas. Toca em cada coisa, despertando um olhar contemplativo e livre, formando o momento em que a alma liberta uma temporalidade de disposições, também singulares e só instantaneamente lembradas no olhar de quem as retém. Quando as estrelas acordam, nesta idade singular, guiamo-nos por dentro como sujeitos temporalmente físicos, sem racionalidade limitadora por um qualquer ideal nem esforço de intolerância pelo conhecimento do que nos falta para a compreensão plena de cada realidade ou acontecimento. Apenas deslumbramento, lembrança, memória, angústia, fim e desejo de estar ou de sair, de se ser outro e o mesmo, nesta 9
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impossibilidade de se ser nada nem de se ser tudo. Guiamo-nos por dentro, e cada passo e cada pensamento são espaços percorridos pela memória e “lembrança” de que já ali estivéramos, porque a reminiscência e a semelhança não nos deixam ver qualquer limite de divisibilidade em cada lugar em que se guardam os registos da memória e as singularidades não têm referência, apelam-nos, mas não nos identificam. Quando as estrelas acordam, numa idade singular, seremos já compreensivelmente nós, num eu plural, ou ainda a dominar somente o nosso eu, se a comunhão da vida, do tempo e do crescimento, ainda não se estenderam plenamente até às comunidades do ser e do existir plenamente. Nesta idade singular, guiamo-nos por dentro com uma plenitude ideal e uma força que é acção para a idealidade infinita. Uma idealidade que estará para além da medida das águas e das trapeiras que tranquilizam os olhares secos e expectantes da vida, que espera que os novos caudais percorram os sentidos estalados, para os encher e avivar, forçando de novo a erguerem-se os elementos naturais, pondo-os de pé, como se fossem braços que se erguem aos céus desta natureza distante. Desta natureza e num mundo onde já não será a chuva com os seus fios de água que perturba ou acalma as mentes, que incita à espera pela abertura do tempo ou convida a ficarmos entre os recantos, numa entrega silenciosa a movimentos interiores para a composição de uma outra ordem qualquer. Mesmo quando esta enche demais os rios, encharca os campos, aumenta os lagos das barragens e marca com mais severidade a distância e o receio pela imprevisibilidade da sua força. Ou quando, pelo poder do Sol, fica diminuída nos seus caudais, deixando secar os campos e as suas sementeiras, tornando-nos menos serena a sorte para ansiosamente a procurarmos em mergulhos e braçadas de liberdade até enchermos o nosso corpo com a sua própria vida. 10
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Agora, na experiência da Idealidade, a chuva tornar-se-á na água que se toca e se contempla, que, sendo mais que qualquer medida das suas gotas, subirá aos céus e descerá à Terra para regar os montes, as planícies e os desertos e para deixar-se levar pelas mãos do homem, até aos campos onde a verdura se mistura com o brilho da luz e se formam tonalidades estéticas num espectro ainda muito mais infinito. É nesta Idealidade que, agora, a água e outros elementos naturais, como o fogo, o ar, a terra, desejam, na vitalidade do ser regular, a vida em todos os mistérios, sem amargura e desalento, mas com a ternura de quem acorda sem limites de solidão e com o entusiasmo para alcançar o que é mais profundo e mais oculto. Este pensamento de raiz analógica tem como finalidade a reflexão filosófica sobre o Bem da Vida e o bem da água que é fonte desta e, na oportunidade de evocarmos um conhecimento mais objectivo, torna-se interessante desenvolver um pouco mais a analogia pela necessidade de avaliar também este valor físico, pela sensibilidade e para além da sua materialidade. Para Tales de Mileto, que viveu entre os finais do século VII a.C. e começos do século VI a.C, a água era princípio material de tudo quanto existe (1). A água cai do céu, emana da terra e enche os mares. O filósofo grego afirmava que o ar, o fogo e a terra tinham-se formado na substância água. De certo modo, Tales tinha razão: a água resulta da união de duas substâncias básicas – oxigénio e hidrogénio – sendo o elemento mais frequente no Universo. No final do século XVIII, vários investigadores estudaram a composição da água, descobrindo que um dos seus elementos integrantes era o oxigénio. Em 1780, Henri Cavendish observou que, quando se efectuava a combustão de oxigénio e “ar combustível” (isto é, hidrogénio), em certas proporções, 11
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ocorria uma forte explosão. O mais notável, porém, era que no recipiente utilizado para a experiência apareciam gotinhas de água. O inglês Dalton, pai da moderna teoria atómica, estabeleceu que uma molécula de água se compunha de um átomo de oxigénio e outro de hidrogénio. Mais tarde, o italiano Avogadro chegou à fórmula molecular correcta da água: dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio, que se expressa em linguagem simbólica pela conhecida fórmula H2O. Porém, a água não se compõe de um só tipo de moléculas. Os átomos de oxigénio, como os de hidrogénio, podem apresentar ligeiras diferenças entre si: diz-se que esses elementos têm isótopos diferentes. Um dos que aparecem no hidrogénio (entra em 0,01%) pesa o dobro que o próprio átomo de hidrogénio. Se a água o possuir, é mais pesada que a normal, recebendo o nome de água pesada; não mata a sede e é frequentemente utilizada em trabalhos de radioactividade. As moléculas da água têm também outra propriedade. As suas cargas eléctricas repartem-se nos extremos da molécula, de modo que um deles se torna positivo e o outro negativo. As moléculas são, pois, bipolares e por isso atraem-se, como se fossem pequenos imãs. A esse tipo de união é chamado ponte de hidrogénio e dá origem a várias propriedades da água. Em pequena quantidade a água é incolor, mas em volumes maiores, em piscinas, por exemplo, aparece de cor azul esverdeada. Isto porque a água absorve as ondas amarelas e vermelhas do espectro (ondas largas), mas reflecte os raios azuis e verdes. As moléculas da água mantêm-se unidas graças às pontes de hidrogénio e esta substância permanece em forma líquida até aos 100 graus centígrados. Devido à união muito forte das moléculas, a água, para aumentar de temperatura, necessita de mais calor que quase todas as outras substâncias, mas porque 12
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o armazena melhor que estas, faz com que o nosso planeta seja habitável graças à grande capacidade calorífera da água. A que é aquecida no Equador dirige-se ao Norte e ao Sul, aquecendo as costas às quais chega. Quando enchemos um copo com água fresca, não imaginamos que já tenha sido utilizada milhares de vezes. A quantidade de água que há no mundo é sempre a mesma: a que hoje corre através das condutas já existia há milhões de anos. O facto de que possamos utilizar várias vezes a mesma água é o resultado do seu percurso num ciclo constante na natureza. A água que se encontra à superfície da terra passa ao ar por meio da evaporação. Quando o vapor de água contido no ar alcança certa concentração, condensa-se e volta à terra em forma de precipitação. A fonte de energia para o ciclo da água é o Sol. Com efeito, o Sol liberta a energia exacta para que a água, ao evaporar, passe à atmosfera e possa voltar a cair sobre a terra (2). Tales de Mileto também tinha razão quando dizia que a água era fonte e princípio de vida. Nascemos dentro de uma tina de água (sendo a parte líquida superior à parte sólida do planeta) e não podemos viver sem ela, uma vez que é fonte e princípio de vida e é uma das principais substâncias para tornar habitável o nosso planeta. E assim se deseja que se mantenha. Na Idealidade que proponho para viver, esta e outras substâncias devem ser utilizadas e apreciadas em forma de contemplação e com a máxima sensibilidade pela sua importância na nossa sobrevivência. Desta primeira reflexão, sobre as substâncias, pode concluir-se que a Terra encerra mistérios incontáveis, mesmo nas riquezas já exploradas; possui formas e relevos que seguimos nos pensamentos e nos agarram nos picos e montanhas para se aproximarem do horizonte e ficarem mais perto de Deus. As 13
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formas físicas são os traços geométricos das hipóteses a concluir noutras formas ainda mais complexas. Neste deslumbramento, o nosso pensamento agita-se em frenesim para elevar-se da fisicalidade dos montes e dos desfiladeiros até à dimensão estelar da Natureza, onde o nosso olhar se queda e as várias questões se levantam. Mais perplexa a sua origem, mas também a de todos os demais planetas e todos os elementos do Universo. A Ciência descreve que a Terra formou-se a partir de uma nuvem de poeiras e gás que vagueava no espaço. Os minerais densos concentraram-se na região central enquanto os menos densos constituíram uma delgada crosta rochosa. Contudo, as primeiras formas de vida conhecidas (bactérias e cianobactérias) apenas apareceram há cerca de 3.500 milhões de anos. Conhecendo-se plantas e animais mais complexos desde há 570 milhões de anos. A partir de então, surgiram milhares de espécies animais e vegetais. Algumas delas subsistem enquanto outras se extinguiram. Tal como as espécies que a habitam, a Terra encontra-se em permanente modificação: os continentes atingiram a sua localização actual há cerca de 50 milhões de anos, embora continuem a deslocar-se lentamente na superfície do planeta. Os diversos fenómenos que se referem nesta pequena história podem explicar-se racionalmente, interpretar-se na relação de causa – efeito, mas o embelezamento que nos proporciona cada imagem que destas formas retiramos superará qualquer exame de laboratório para nos levar até uma quietude inexplicável. Ao contemplar, expressiva e dinamicamente a Terra, o nosso pensamento místico, comunga com a alma e o corpo num resgate incondicional de qualquer prisão, obstáculo ou impedimento, para que assim tudo se liberte nas formas do nosso ser. 14
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Das hipóteses vamos acordando para as certezas possíveis e os traços geométricos vão identificando as ordens e transformações do espaço. Incontáveis são também as riquezas a explorar no desconhecido; qualquer sentido do pensar abre clareiras e desperta registos que a memória nos apelará para a sua decifração. Nestes segredos abre-se-nos uma inquietação que não sossega com as hipóteses nem certezas previamente captadas; se é possível alguma serenidade, esta é o resultado do encontro com as origens noutras partes e noutros lugares, um encontro com a nossa própria origem. São estas formas que se erguem às alturas ou descem às profundidades que em silêncio natural abrem os caminhos do pensar nas coisas, não apenas como objectos que nos servem nos modos mais elementares, mas sobretudo como elementos que participam num movimento que não acaba em cada mudança ou transformação. Sobretudo, como elementos que, arrancados à sua origem, nos deixam a impressão que ficarão sós a gemer de dor até que uma outra função os torne significativos. Quando as estrelas acordam não nos deixam mais sem piedade nem indiferença; não nos deixam mais a existência sem companhia nem sem vontade de sermos relacionais e interactivos com a Humanidade e com a Natureza. São elas que, para um sujeito autor da arte, quando inspirado pela luz da criação, o inclinam a olhar e a registar cada forma e cada ser no seu modo de sentir e manifestar o sofrimento, quando arrancados do seu lugar e alterados na sua estrutura. O Universo respira por uma ordem constituída por elementos que escapam a qualquer conta que se pretenda acabada; qualquer dos seus elementos faz parte de uma composição que excede qualquer limite ou qualquer quantidade. É de crer que esta seja uma das razões que nos torna expectantes e nos motiva a imaginar o Mundo para além do que nos 15
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diz o determinismo universal: nada acontece na natureza sem que uma causa lhe dê origem. A imagem que vamos formando do Universo leva-nos para além do que o nosso pensamento causal propõe; não existem causas para tudo o que acontece. E se o Universo é infinito, nenhuma conta real o poderá quantificar e as causas estão relacionadas com os fenómenos que são na maior parte das vezes realidades localizadas, embora estas estejam em conexão com outras realidades de uma sucessão infinita. Esta apetência para desvendar o Universo impele-nos para a actividade de investigar para além das causas e das quantificações, justificando, deste modo, aquela que é uma das competências do nosso raciocínio: relacionar tudo aquilo sobre o qual se pensa, propondo e resolvendo as dificuldades que o desconhecido nos vai mostrando, admitindo sempre que as causas relacionam os factos, mas estes podem não se esgotar nas quantidades nem servir para todos os fenómenos, mesmo que sejam iguais. Sem este poder de pensar para além de todos os limites, não conheceríamos as leis nem seríamos capazes de atingir outras possibilidades ainda mais complexas. Tudo relacionamos e quantificamos; e só quando emergimos na abstracção das possibilidades e dos limites é que percebemos se temos de nos conter um pouco, já que algumas realidades se distendem para além do finito e da temporalidade, elevando-se até outra ordem pelos domínios da transcendência. Verificamos, deste modo, que algumas realidades se projectam numa idealidade dinâmica inatingível, em que a vida de cada elemento é a forma da sua essência infinita, mas mesmo assim, continuaremos a sonhar com a possibilidade de uma abstracção desta essência, ainda que seja infinita. É necessário pensar deste modo e torna-se necessário viver de modo semelhante, isto é, viver segundo um ideal formal e material, mas também numa idealidade que exceda 16
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a vida locomotora e biológica e se torne também mental e emocional. Uma idealidade que se viva na espécie e que permita uma possibilidade mais criadora para dar fundamento a todas as ordens e traçar no planeta planos fixos para tornar possível a sua convergência. A unificação do ser resulta de uma dinâmica expressiva que se complementa com aquilo que vai para além do seu suporte como base para a sobrevivência. Ressalvando os exageros, poderemos dizer que tudo quanto o Universo cria ou o Homem inventa é necessário para a unificação do ser e para manter a sua indivisibilidade, sendo que a sua totalidade excederá estes limites. Há, por isso, uma necessidade de crescermos em relação com o ambiente e de sermos completados com experiências de realidades que nos integrem e nos façam descobrir as diferenças entre os seres. Já não se tratará, naturalmente, de utilizar os bens naturais, mas de ser também uma expressão dessa utilização. Partindo de uma idealidade a priori, na qual vivenciaremos um sentimento de contentamento resultante do valor que cresce em nós com a possibilidade da apropriação de qualquer bem, ainda que reconhecendo que é algo que muda e se transforma, que não permanece sempre igual. Quando as estrelas acordam abrem-nos o pensamento para a Idealidade, para um estado de pensamento puro que se entrega na doação do espírito até aos limites da transcendência. Já não será tanto a causa que nos interpela, mas mais o poder que a torna possível. Os ideais são necessários, mas sem uma abertura ao ser do próprio ideal na sua eterna pureza e ilimitada mudança não experimentaremos o sentimento inexplicável da doação plena aos mistérios do Universo. Um ideal é aquilo a que aspiramos, mas se verificarmos como se vão revelando as expressões do Mundo nas diversas composições, se repararmos na sua permanente alteração, 17
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somos inclinados voluntariamente a admitir que o ideal é limitativo e, em certos casos, tornámo-lo fantasioso, pois tendemos para sentimentos e preferências demasiado pessoais e excessivamente contrárias à ordem natural da vida. Cortar árvores, secar as fontes, drenar os lagos pode ser uma atitude tecnológica que tem em conta certos ideais de progresso e modernidade. Mas se pensarmos no que estas acções resolvem em relação à vida do grupo e no que afectam em relação à vida humana, ficamos a pensar se não seria preferível que uma estrada tivesse mais pontes, fosse menos rectilínea ou fosse mais longo o caminho; o dinheiro, quando se gasta em excesso, faz diferença na economia dos povos; mas a vida, quando doente, aprecia pouco as vantagens e o dinheiro tem menos significado. Se pensarmos na quantidade de ar puro que precisamos para viver e se pensarmos na dificuldade que a natureza tem para manter os valores ambientais necessários, não se poderá defender nenhum ideal de progresso que constranja estas forças vitais e enfraqueça a sua existência. Assim, será mais sensato que aspiremos a um ideal de relação que mantenha o ser e a ordem cósmica integrados, sem lhes criar dependências nem fracturas; aspirar a um ideal de movimento e vida que possa regenerar-se; um ideal que não seja tão limitativo e que tenha mais de idealidade do que de limitação. O valor da existência está na sua dinâmica e mudança e não no que força a vida a determinar-se e a limitar-se por constrangimento. Pensar e fazer devem acontecer sempre como movimentos da vontade de mudar, mas serem conforme a necessidade de viver. O ar que respiramos é uma fonte da vida que, como todas as outras fontes, não se compadece com qualquer ideal de progresso que não considere estes valores como a razão do sucesso no desenvolvimento saudável da nossa espécie. Já nos bastam 18
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as consequências negativas resultantes das mudanças naturais, especialmente das mudanças mais imprevisíveis e perigosas. Há um tempo dos sentidos e da razão, um tempo em que a idade é exclusiva do eu que é afirmativo e dominador, que se opõe a todos os elementos que vêm de fora e que aparentemente lhe podem alterar a vontade. É um tempo em que a vontade é maior do que a razão e tantas vezes maior que a verdade; um tempo em que as idades são de conflito nos desejos e, por consequência, na formação da consciência sobre a vontade para o que devemos ter. Somos mais exteriores, vemos e sentimos a realidade com os nossos olhos iluminados por desejos muito emotivos e insistimos à força que se realizem contra o que é racional e moralmente bom. Pode dizer-se que este tempo é aplicável no crescimento das civilizações, como no crescimento da Humanidade; no crescimento do progresso como dos conhecimentos, porém não se pode omitir que este tempo não seja composto de uma certa dificuldade para as decisões sobre a verdade que é preciso manter e descobrir em toda a sua dimensão. Ser com a existência e com a mudança implica um recolhimento do nosso ser em relação a todas as confusões exteriores, que apesar de normais, precisam de ser depuradas, para uma compreensão mais perfeita do que significam e do sentido a dar-lhes. A individualidade é um valor, mas não é o valor mais elevado, e o estado de consciência geral sobre os valores não se adquire só pela vontade de cada um; não temos força suficiente para nos libertarmos do sentimento errado de superioridade que se enraizou na nossa espécie. Só a força do espírito esclarece o que falta ao corpo; e a vontade é uma força do desejo que, por sua vez, remete para uma parte do inconsciente que enquanto não é esclarecido provoca efeito nebuloso na vida da nossa alma e do nosso ser. Há uma certa necessidade 19
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do corpo em manter uma ligação de todas as partes, ele é animado pela alma e só através dessa ligação e coexistência poderá manter todas as partes vitais intactas. É no corpo que se sente a dor das coisas más e a alegria das coisas boas. Destas razões decorre a necessidade deste ser a imagem real de cada pessoa, mas até conseguir-se a auto-consciência dessa imagem é necessária uma busca permanente do sentido corporal e necessário um guia interior que nos oriente para o sentido desse caminho. E enquanto não pudermos ser nós de uma forma autónoma a percorrê-lo com a nossa existência e mudança, que possamos ao menos coexistir em simultâneo, com o poder Daquele que é a luz e força que nos ilumina em todas as caminhadas. Há em cada um de nós um sentimento natural sobre todas as coisas e todos os seres; apreciar o que há de belo e bom e contemplar o que nos fascina e atrai são qualidades do gosto mas também do hábito que mantemos com elas. As veredas são as direcções dos lugares; os montes são as elevações dos caminhos; os vales são as depressões entre os montes, mas há em tudo isto uma ponte para os nossos olhares, que despertam sentimentos de paixão pelo extraordinário enquanto os hábitos para o infinito nos vão levando mais além. São qualidades que se desenvolvem com as nossas experiências desde a mais tenra idade, que têm uma orientação local na raiz da cidade ou do campo e que se vão misturando nos saltos da adaptação ao ambiente em geral. Quem foi habituado a usar a terra para tirar dela o seu sustento manterá hábitos de maior ruralidade e de maior aspereza sobre a beleza do que há na Terra. Está habituado a usá-la para sobreviver, trabalhando os campos para o seu sustento. Não será como o viajante que passa pelos lugares para fotografar as paisagens recolhendo as imagens do que é mais belo; apreendendo a matéria como arte de impressionar pelo seu fascínio. Uma paisagem 20