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~ LODIAO BI´BULO
TREQUELAMBECO
DE ORELHAS
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FICHA TÉCNICA edição: Edições Vírgula ® (Chancela Sitio do Livro) título: Trequelambeco de Orelhas autor: Lodião Bíbulo capa: Patrícia Andrade desenhos de capa e separadores: Carlos Moreira paginação: Alda Teixeira 1.ª Edição Lisboa, setembro 2016 isbn: 978-989-8821-31-7 depósito legal: 414784/16 © João M. A. Soares
publicação e comercialização:
www.sitiodolivro.pt
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PREFÁCIO Lodião Bíbulo (L.B.) nasceu entre Torres Vedras e Lisboa (não se sabe ao certo onde), em dia indeterminado, logo no primeiro mês de 1967. Contava então 19 anos de idade, medidos em voltas da Terra em torno do Sol. Fascinado pela figura do Diablito de Descartes – o ludião, como se chama em português – que “vivia” incansavelmente num copo/proveta graduado, de vidro, tapado por uma membrana que, quando pressionada ou aliviada, o fazia descer ou subir no interior do meio aquoso, L.B. decidiu comparar-se com ele mas admitiu desde logo que o meio onde se movia era muito mais lodo que água. Daí o Lodião de nome próprio. Quanto ao apelido, Bíbulo, foi buscá-lo aos seus hábitos e excessos que terminavam, diária e invariavelmente, com uma caneca de vinho tinto e um pão com chouriço bem barrado com manteiga, antes de se entregar a Morfeu. Foi um dadaísta tardio com incursões no domínio das artes visuais (ficou “famosa” a sua representação da “Fome” – em colagem e desenho – que se perdeu) tendo-se fixado na ideia – que cultivava – que era possível não haver qualquer relação entre o pensamento e a expressão (prática de novo em voga entre muitas das figuras públicas actuais). Era um pândego, curioso e truculento que passava horas a ler Nietzsche, Guerra Junqueiro e Renan (que juntos fizeram implodir a sua fé na Igreja Católica), Bertrand Russel, Hitler e Ilitch Ulianov (e tudo o que eram, há data, livros “proíbidos”… pelo regime e pela Igreja), envolvendo-se com facilidade e frequência em cenas de “soft” pancadaria urbana. Ciente que nada disto tinha futuro ou poderia acabar bem, via na Morte (mística) a solução para quase todos os problemas. Viveu intensamente, escreveu profusamente em qualquer papel que apanhasse (daí grande parte da sua obra se ter perdido) e desapareceu 5
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(pensava-se que teria morrido…) sem deixar rasto, em 1971, poucos meses depois de se ter casado com uma mulher linda. Reapareceu, disfarçado de 14669769 e, de Janeiro de 1974 a Novembro de 1975 (!)…esteve na tropa, parecendo existir documentação suficiente para mais tarde vos poder revelar este período, literalmente aventuroso, após o qual, realmente, se “esfumou”. Não se lhe conhece viúva nem descendência e a meia dúzia (seis) dos seus companheiros de tertúlia registaram o seu desaparecimento sem saudade, memória ou alegria. É pois parte do que foi possível recuperar do seu espólio desorganizado – onde seguramente coexistem peças originais puras com variações de textos que leu, ouviu ou glosou – que aqui se publica, compilado pelo seu maior (e talvez único) admirador: Eu. Fi-lo porque numa noite de insónia tive a percepção de ter sido visitado pelo seu espírito que me deu esta tarefa, dizendo-me para dedicar este livro a todos os seus futuros seguidores. É o que faço com a sensação do dever cumprido.
joão m. a. soares
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REVOLTA Arruma, encaixa, enfia O quê, aonde, porquê? Não, basta e basta !!! Não arruma, nem encaixa, nem enfia Porque nas minhas coisas Nas minhas coisas, mexo eu Não sabe, desculpa, não sabia O quê, aonde, porquê? Foi a última vez Passa a saber e não desculpo, porque sabia Que nas minhas coisas Nas minhas coisas, mexo eu Irrito, sou chato, é mania? O quê, aonde, porquê Pois é verdade Quero irritar, ser chato – eu sei que é mania Mas nas minhas coisas Nas minhas coisas, mexo eu !!!
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HISTÓRIA DE PORTUGAL NOS LICEUS Se não me falha a memória O primeiro rei da História Foi um tal Afonso Henriques Que ao ver tudo em despiques Acabou logo com as fitas Expulsando os Jesuítas Vem depois D. Dinis Que era pai de Egas Moniz E irmão do Prior do Crato Que pôs tudo ao desbarato E acabou em D. Maria A I.ª Dinastia E p’ra começar a IIª Dinastia Fundou-se a Casa Pia Para onde foi internado D. Sancho el-rei soldado Que era primo co-irmão De el-rei D. Sebastião Depois vem D. Duarte Que os mandou aquela parte No tempo do Vasco da Gama Que se meteu debaixo da cama Com medo do Adamastor De cognome o Lavrador Nesse tempo um tal Carmona Embaixador em Pamplona Mandou um elefante ao Papa Que morava então à Lapa Em casa do Herculano Inventor do aeroplano 10
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D. Luisa de Gusmão Casada com Diogo Cão Um dia em Aljubarrota Batendo com uma bota Matou sete espanhóis Que andavam aos caracóis
Os Filipes reinam então E no meio de grande confusão Começam os Descobrimentos Que deram muitos rendimentos Gastos na bebedeira Pelo Conde da Ericeira
Nos anos do Marquês de Pombal Houve grande bacanal Em que se comeram os Távoras assados Que tinham sido engordados Com sêmea e bolota P’la Rainha, D. Carlota
E para acabar com esse crava Apareceu o Pero de Trava Que proclamou a Restauração Com auxílio do Prestes João Um dos conhecidos frequentadores Do café dos Restauradores
E Pedro Nunes chegou E a todos espantou Expulsando os Ingleses Que juntamente com os franceses Queriam roubar o nónio Da capela de S. António
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Um tal Camões apareceu Que uma história escreveu Dedicada a D. Leonor Que andava perdida de amor Por D. Nuno Álvares Pereira Descobridor da Madeira
Veio então o período negro Passado na África do grego Quando el-rei Bernardino Machado Mais conhecido por Bombardino Rachado Foi da costa à contra-costa Montado numa possante mosca
Nesta época visitou-nos o rei Jordânico Que inaugurou o Jardim Botânico E nos trouxe a “Portuguesa” Encomendada ao autor da “Marselhesa” Foi por isso que o rei serviu de bobo E foi implantado o Estado Novo
Governa então o Cabeça de Vitelo Que manda erigir o Largo do Mitelo Donde parte para as terras do Prestes João Quando volta diz: Tenho as malas no porão Os presentes no beliche Quanto ao preto, que se lixe…
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SEM TÍTULO Filho que tive Suor em sangue Atraso do corpo Que fazer dele Ao vê-lo já Atraso do espírito Ajudá-lo E a mim também Matando-o Matando Quase um ano Da vida deles Se fôr ela a fazê-lo Deusa forte Auto-destruidora Aceite-se O sacrifício máximo De Abraão com Isaac Pois se ela o fez Acredito que seja Por pena… Por pena de si Que o pariu Com vergonha Com vergonha de ver Que não funciona Que está errada
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SEM TÍTULO Imbecil Boca à banda Que fala e diz Imbecil Papa de vida Gorda de mente Como um osso a um cão Dão-lhe trabalho, E por favor (Grande favor) Vendem-te pão Mal amassado
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ASSIM FALAVA… Zaratustra Homem que Vê, ri Fala e frustra Oh, grande astro, Que seria de ti, Sem mim, O homem?
Ele é um todo A vossa casa Que é e goza Que pensa e chora
Oh, besta que deves Corre ao largo, sê! Para poderes dizer Que queres
Oh, irmã amante A paixão pesa-te Cuida da carga que levas Não vá o peso esmagar-te
Oh, sábios virtuosos Virtudes quarentas Só uma, só Sonhas, sonhando
Oh, pessoas de bem Que me repugnam Usais as bóias Como muletas !!!
Oh, vós que vêdes Para além daqui Sofredores e impotentes Olhai o corpo
Oh, guerreiros Fazei a guerra em vós Vós sois aquilo Que não volta atrás
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PEDRO CONTRABANDISTA Algures uma sombra que corre, e corre É o Pedro contrabandista. Vêde-o ó gentes… Vêde o Pedro contrabandista !!! Tem sangue frio e coração de leão O Pedro contrabandista. Tem pulso de ferro e olho de lince O Pedro contrabandista. Mas sofre, corre e sofre O Pedro contrabandista. Porque tem pé chato e perna de pau E mais, o Pedro contrabandista. Oh, o pobre, corre, que sofre Tem barriga de água e bicos de papagaio!! É o Pedro contrabandista... Um tiro se ouve Um tiro houve Um grito se ouve Um grito houve Foi o Pedro contrabandista Com o seu sangue frio e coração de leão, Pulso de ferro e olho de lince, Pé chato, perna de pau, Barriga de água e bicos de papagaio Que é pobre, que sofre e corre Que disse O Pedro contrabandista, corre, corre, corre… Mas nunca morre!
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BÍBLICOS Adão, Adão Queres cá vir? Eu não!! Adão, Adão Andavas nú? Eu não!! Adão, Adão Tiveste a Eva? Eu não!! Adão, Adão Foste um grande … Rosa branca ao peito A todos vai bem, olaré!! E a ti também, olaré Meu grande… Adão ✳ ✳ ✳
Lá prós lados do Jordão Um primo de Abraão De seu nome Esaú Que era filho de Jacob E neto do pobre Job Ficou famoso por levar nu.. Uns banhinhos de Sol…
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AO DESAFIO Ó Musa bela e amorosa Não o inspires nem lhe faças a mão firme Pois se a sua prosa é horrorosa O seu poema é um crime Sublime sim, é este meu cantar Que da lira faz lançar Num lesto dedilhar Poemas d’encantar Ilumina o verso deste que se excusa Deste teu dado cantor Qu’exalta o belo e o amor Obrigado ó linda Musa E diz rápido a Minerva Que Aquele bruto m’enerva
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JMPB Eis o povo português Num só pedaço d’alma. Todo o dia, todo o mês Ninguém lhe leva a palma Vai da chata P’ra enxada Mas tem tal lata Que ninguém lhe diz nada Com tanto salsifré E com expressão enfática Ele estuda Matemática!! Chamado Zé Só pode ser esta rês Pois vai chumbar outra vez Da guerra ele não gosta Em favor da sua pança Pois antes quer uma tosta Que uma faca ou uma lança Do serviço militar, Não o livram concerteza. Há-de ir lá e vai gostar Concluirá com surpresa Mas antes d’ir p’rá tropa Ele irá além fronteiras Fazer as suas babuzeiras Vai passear pela Europa E com os “petits trucs qu’il connait” Vai de carro e volta a pé
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AO JMPB Branco e furioso Vai o noivo Tão lamentoso Na mão um goivo D’ora em diante Ele vai lavar Os pratos, mal jante E a roupa, depois de almoçar
Choros de morte Na nova casa Que pobre sorte Tem quem se casa
Tempos marcados P’ra trabalhar Aventais riscados Para limpar
E vai ficar Com a esperança vã De não aturar A sogra mamã
E vai gritando E vai gemendo Assim cantando Ele vai dizendo:
Agora ele chora O desgraçado Mas que má hora Que triste fado
Adeus noitadas Adeus meu fado Noites fanadas Vou ser casado
Que cretinice Que estupidez Eu bem lho disse Mas ele o fez Pois é bem feito E eu diria Que o sujeito Chora é d’alegria
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ORAÇÃO – PROFECIA Que o vosso espírito Heróis de bronze Pensadores de pedra Artistas de mármore Me não abandone A vós mostrarei, se o souber A imagem da vossa pátria Dos que suam da terra Dos que vivem da troca Dos que ganham da guerra
Vós, justiceiros de antanho, Servidos pela sabedoria petrificada Varrereis deste país que foi vosso Os agiotas, os prepotentes, os capciosos, Os falsos profetas e os ditadores
E se no fim de tudo ouvirem Puderdes continuar de bronze De pedra ou mármore Do cimo dos vossos pedestais… É porque a minha pena falhou Mas se a minha pena falhar Virá outra… mais fina, Outra e outra ainda Até que um dia Sacudireis o vosso torpor Descereis das vossas peanhas Dispostos a fazer justiça Do bronze fareis espadas As pedras irão p’ra fundas E o mármore será sangue E enquanto os artistas chorarem Feridos nas suas almas delicadas Ao verem passar exércitos de mendigos, Jovens de membros amputados E operários escravizados
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GRAN FINALE Na rua vem um enterro. Porque terá morrido? Quem vai dentro do caixão? Como teria vivido? Na rua vai um enterro. Quem seria que morreu? Velho, novo, rico ou pobre? Será mais feliz do que eu? Se foi velho que morreu Chegou ao fim seu penar Será mais feliz do que eu Que não paro de chorar? Se é defunto novo Seu corpo não sofre mais Da velhice se livrou E só choram os seus pais Se rico era o cadáver Tudo viu quando viveu Não irá nada mais ver Agora que já morreu Se o morto era pobre Terminou sua tristeza Pois a terra o tem e cobre Com o seu manto de riqueza Na rua foi um enterro Não tenho pena dele Velho, novo, rico ou pobre Sou mais feliz do que ele!
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PRESO Lógica no nascer Lógica no morrer Mal pude perceber Logo me fizeram pensar Premissas e conclusões Todos querem que raciocine A minha dor é admissível E o meu prazer calculável Sou uma máquina de calcular Com uma vida por acréscimo Habituado a raciocinar, Sou, no entanto, o único a fazê-lo Vou em breve libertar-me Vou deixar de calcular Vou tentar perceber a guerra Vou tentar perceber o ódio Mas, até aqui eu vejo o lucro, Até aqui eu vejo a perda Assim só há um método P’ra da lógica me soltar Pois se até o demente pensa, Só me resta morrer
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PORQUÊ DEVER? PORQUÊ DIREITO? Dever de respeitar, Dever de cumprir, Dever de realizar… Dever de ser. Se cumpris o dever, Tendes… Direito a respeito, Direito a cumprir, Direito a realizar… Direito a ser. Se usais do direito, Ficais na… Obrigação de respeitar, Obrigação de deixar cumprir, Obrigação de deixar realizar… Obrigação de deixar ser. E se vos obrigais, É por… Dever de respeitar. É por… Dever de ser.
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FRACO Quero, Quero e não posso; Gritar que não quero, Não quero viver. Choro, Choro de dor; De dor ao ver, Que há quem não veja. Vergonha Tenho vergonha; De tudo me darem, E eu nada dar. Medo, Vivo com medo; Que aqueles que esqueço, Se esqueçam de mim. Sou eu, Um monte de mim; Onde tudo há E tudo escorrega. Quero afinal, Chorar de vergonha; Porque o medo que tenho, Tenho-o de mim.
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SEM TÍTULO Fonte sem água, Mar sem peixe, Gente sem casa, Festa sem riso, Menino sem mãe, Grito sem dor, Sou eu sem ti.
INDEFINIDO Oco. Oco é pouco, Para dizer de tanto, Tanto oco. Vazio. Vazio é nada, Para dizer do muito, Muito vazio. Só. Só é tudo, Para dizer do todo, Todo só. Oco, vazio e só. Só, oco e vazio. Vazio, oco e só. … Que mete dó. 29
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SEM TÍTULO D’entre os que têm, os que não sabem, Sabem apenas que têm também. Não sabem que ter, é ter e saber, Saber que se sabe o que se tem. Sou dos que têm, sei o que tenho Mas, não sei se tenho, o ter que quero. Sou dos que sabem, tenho o que sei, E sei que tenho o ser que quero.
VIETNAM – EUA – NÓS A inaudita perseverança Daqueles que sem esperança Sempre esperam É o exemplo belo Para aqueles que Com esperança Já não esperam É o apelo máximo Àqueles que Na dúvida Desesperam Vietnam Estados Unidos Nós 30
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(E) Quero ter milhões de beijos, Quero ter. P’ra poder-tos oferecer, A ti. P’ra que deles gostes, Hoje. Como gostarei de ti, (E) sempre.
ÚTIL? Eu sou o burro sábio, Que não sabe o que é ser burro. Eu sou o burro sábio, Que não sabe o que é ser sábio. Pois se o soubesse, sabia, Que era um sábio burro. Sei contar e sei falar, Sei as matérias a fio, Até conheço as Ciências. Só não sei o que quero, Nem às vezes porque quero, Por não saber quem eu sou. Se eu soubesse quem sou, Não era sábio nem burro, Não contava nem falava, Nem conhecia as Ciências. Sabia bem o que queria, Sabia bem porque queria. Era (?!) 31
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SUBMISSÃO Respiro. O signo. Morte, seta do signo. Deixo de respirar. O signo Vivo. O signo. Vermelho, sangue e o signo. Deixo de viver. O signo Zodíaco. Senhor zonado da vida. Zumbe, zumbe e zumbe e zumbe… O signo… … O signo… Um, três, sete, doze… Signos. Corno, água, força e outros… Signos… zodiacais
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TEMPO Descobriram a terra, Descobriram o homem. Fizeram a guerra, Mataram o homem.
Uns quedam para sempre, Outros ficam por ora.
Mas homens ficaram, Escaparam à morte,
… E crescem flores … Regadas com sangue.
Que filhos tiveram, Chorando os seus.
Descubram a Terra, Descubram o Homem.
Cresceram os corpos, Floriram os ódios.
Façam a Guerra, Mas, salvem o Homem.
À terra juraram, Morte aos homens.
Para quê correr, Se ela há-de chegar?
A jura cumprem, A morte chega.
Que os filhos chorem, Só o que os pais não tiveram.
Para quê descobrir, A terra e o homem?
Cresçam os corpos, Floresçam os espíritos.
Sugam o todo, Matam por ele.
Jurem à Terra, Vida ao Homem.
Fazem a guerra. Trazem a dor.
Cumpram a jura, A vida que chegue. Descubram a Terra, Descubram o Homem.
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CICLO Abrigos cavados, Obuses e balas. Jazem deitados, Corpos em talas. Grandes matanças, Gases que cegam. Poucas esperanças, P’ra aqueles que chegam. Acabam-se os medos, São todos cruéis. Cortam-se dedos, P’ra roubar anéis. Descargas certeiras, Uma mina que estala. Há famílias inteiras, Numa só vala. Rios de sangue, Onde se banham vampiros. A gente exangue, Já nem ouve os tiros… Abrigos cavados, Obuses e balas. Jazem deitados, Corpos em talas
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SEM TÍTULO Na calçada fria e nua Caminho sem saber Se será a imagem tua Que me faz assim sofrer O céu é a melodia As estrelas os compassos Da triste sinfonia Do som dos meus passos Nesta pauta sem autor Há orgia de tristeza Há música sem beleza São vidas sem amor São compositoras puras De tão tristes partituras
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SEM TÍTULO Oiço bater, Vou ver. Gente a fazer, Doer. Martelo na mão Prego na carne Sangue no pau E ninguém chora E ninguém ri Ossos que partem Fúria impotente Daquele que vê A vida fugir-lhe Do alto da cruz
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SEM TÍTULO Temo, Não sei porque temo. Escrevo, Não sei porque escrevo. Não temo o que escrevo, Nem escrevo o que temo. Será por perder? Será para dizer? Não quis perder Não quero dizer. Dizer que temer Dizer que perder. Não são pr’a escrever Não são pr’a dizer. São pr’a chorar Só.
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NA (MINHA) CASA Vivo, Vivo fechado Na minha casa. Ouço-os, Ouço-os lá fora, Da minha casa. Quero, Quero ir p’ra fora, Da minha casa. Vê-los, Já que os não vejo, Da minha casa. Saio, Quero falar-lhes, Da minha casa. Ouço-os, vejo-os E falo-lhes, Da minha casa. Ouvem, riem E troçam, Da minha casa. Quero, Viver fechado, Na minha casa.
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SEM TÍTULO Sinto passar Por sobre mim Minutos de ser Que nada deixam E continuo… Sei que lá fora E à minha volta A vida segue E morre gente E continuo… Sei que algures, Na minha terra A morte se rende E nascem corpos E continuo… Sei que em toda a parte À volta da Terra Há células úteis Há seres que são E continuo… A não ser. Não morro nem nasço. Só sinto que nada fica, Em mim. Só sei Que os outros, os outros… E continuo… Triste.
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