Tu podes: Lê e Previne!

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FICHA TÉCNICA Edição: edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro) Título: Tu Podes: Lê e Previne! Organização: Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte Arranjo de Capa: Patrícia Andrade Paginação: Nuno Almeida Revisão: Departamento de Educação para a Saúde-LPCC-NRN Sónia Coimbra; Mónica Gomes As histórias são da inteira responsabilidade dos autores. A informação apresentada é ficcionada representando apenas crenças e conhecimentos individuais. 1ª Edição Lisboa, janeiro 2016 ISBN: 978-989-8821-18-8 Depósito Legal: 404175/16 © Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte

PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

www.sitiodolivro.pt

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AGRADECIMENTOS:

Ao Pedro Chagas Freitas Aos ilustradores Aos que escrevem e lêem educando para a saúde

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•Introdução• ELP: “Escreve, Lê, Previne” foi o mote de ação do Departamento de Educação para a Saúde da Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte no ano letivo de 2013/2014. Para assinalar a Semana Europeia de Prevenção do Cancro do Colo do Útero, desafiamos a comunidade a escrever histórias. 245 pessoas com idades compreendidas entre os 11 e os 67 anos participaram no desafio, contribuindo para a criação de 40 histórias. O elemento comum a todos era a personagem principal, a Inês, que, no início de todos os contos, espera, ansiosamente, a sua vez para uma consulta. A partir daí “quem contou o conto acrescentou seu ponto” e as experiências, pensamentos e sentimentos sucederam-se, ao sabor da escrita dos concorrentes. Todas as histórias foram redigidas, sequencialmente, a 5 mãos ou vozes, que, na maioria dos casos, nem sequer se conheciam. Recebiam por e-mail uma história a que davam continuidade e que deixavam incompleta para ser retomada por outra pessoa no dia seguinte. As histórias de Inês agora apresentadas revelam muitas das crenças, dúvidas e medos da comunidade perante o cancro, e neste caso específico, do cancro do colo do útero. Agora, são 17 as histórias da Inês apresentadas ao mundo… e se em 2014, quando foram escritas, tornaram realidade o mote “Escreve e Previne”, agora vão contribuir para que todos os que as lerem, previnam! Porque afinal… “Tu podes: Lê e Previne!”

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•Prefácio•

H

á livros que são muito mais do que livros. Há livros que são manifestos, revolução, capacidade de superação. Este é um deles. Esta obra nasce da vontade de fazer a diferença. E da capacidade de a fazer mesmo – transformando palavras em actos, sonhos em acções, criatividade em produto. Mas não se pense que, por ser uma obra criada por muitos, não deixa de ser a obra de um só. Não. Esta é a obra do leitor que a agarrar com olhos de ler, sim; mas, mais ainda, esta é a obra do leitor que a procurar com olhos de sentir. E o que nela se sente é a força de muitas vozes unidas numa só – como uma orquestra de humanidade, um exército de paz. Uma metáfora desmedida. É esse o grande desafio que estas letras lançam a quem está desse lado: visitá-las sem segundas intenções, livremente percorrê-las, deixar-se envolver por elas, com elas, sem pensar no processo que as fez nascer. É também do destino que se faz a magia do caminho. Porque, no final das contas, esta é também uma obra muito bem escrita. Já não é pouco, convenhamos. Pedro Chagas Freitas

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•Uma história chamada coragem• Autores: Juanita Ferreira, André Monteiro, Diana Freitas, Sara de Jesus, Ana Ferreira Ilustração: Paulo Buchinho

I

nês espera, um pouco ansiosa. Fica sempre assim quando se trata de assuntos de saúde. Mesmo sendo uma consulta de rotina, como é o caso, acaba sempre por deixar para o último dia a decisão de marcar... E neste caso acabou mesmo por se “esquecer” e foi preciso o Jorge lembrar-lhe... Vai folheando revistas enquanto espera, para se distrair e, pensando em tudo o que tem que preparar para apresentar no trabalho... Até que finalmente é chamada… Entra no gabinete do doutor e saudando-o, pergunta-lhe se será necessário fazer alguns exames, análises, … aquelas “mariquices” em que os doutores insistem. Este responde de imediato a Inês que mais vale prevenir do que remediar. Ela concorda, mas sempre que faz exames nunca é diagnosticado nada e além disso os exames ou consultas são sempre marcados a horas inconvenientes. O doutor começa por escutar o seu batimento cardíaco e pergunta-lhe se notou algo de invulgar com o seu corpo, se sente cansaço, se está fraca… Inês responde-lhe que não, mas, ao pensar melhor, lembra-se que ultimamente tem um corrimento vaginal que não lhe parece normal e tem uma certa dor na região pélvica. O médico escuta as palavras dela :: 11 ::

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e pergunta-lhe se alguma vez tomou a vacina contra o HPV. Inês diz que nunca a tomou e, que, além disso, nem sabe muito sobre o assunto. Já lhe tinham falado sobre isso na escola, mas nunca percebeu bem o que era e não lhe parecia ser muito importante. O doutor continua a consulta e no final passa-lhe um exame. Inês fica logo desassossegada pois nunca o doutor lhe tinha passado tal exame. Ele diz-lhe para não se preocupar, que é apenas um exame como os outros. Inês sai da consulta, e liga para a sua amiga Mariana. Mariana é uma amiga de infância, tem sempre bons conselhos e opiniões a dar. É sempre sincera e já tem uma experiência de vida maior do que a da Inês. Inês sabe que pode confiar nela e liga-lhe. Conta-lhe o sucedido e Mariana contesta a opinião do doutor, diz a Inês que deve preocupar-se, “aquilo ainda seria coisa feia”. Inês ficou desanimada com as palavras da amiga, ficou com “um pé atrás e outro à frente” sobre o assunto, mas não pôde fazer nada até saber os resultados dos exames. Chega a casa e vai pesquisar um pouco sobre o cancro do colo do útero. Fica boquiaberta quando lê que cerca de 70% de pessoas sexualmente ativas são expostas ao Vírus do Papiloma Humano num determinado momento da sua vida, e que o Vírus do Papiloma Humano é a causa principal do cancro do colo do útero. Fica um pouco nervosa com estas informações, pois 70% não é nenhuma brincadeira. Inês marca uma nova consulta com o médico. Os dias passaram, as semanas passaram. Cada dia parecia mais longo do que o anterior, tal era a ansiedade sentida pela Inês. Após ter esperado imenso tempo, encontra-se no consultório com o médico. :: 12 ::

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O médico anuncia-lhe que é portadora do Vírus do Papiloma Humano. No entanto, também lhe comunica que o facto de ser portadora não é necessariamente mau – a maioria das pessoas é portadora deste vírus e só uma pequena percentagem é que desenvolve alguma doença. No entanto, Inês fica aterrorizada com a notícia, assustada com a possibilidade de poder ter uma doença grave. Após ter desabafado com Mariana, esta sua amiga aconselha-a a ir a um psicólogo, para ser ajudada a superar o seu medo de poder ter uma doença. Ela hesita, pois nunca foi a nenhuma consulta com um psicólogo. Acabou, contudo, por marcar a consulta. E o psicólogo, ao receber a Inês, percebe que aquilo se tratava de algo normal, pois medo é algo normal. Ajudou-a a superar esse medo, reforçando o que o médico disse à Inês: que apenas uma pequena parte das pessoas que estão infetadas com o HPV é que desenvolvem algum tipo de doença. Mostrou-lhe casos de pessoas que não tiveram qualquer tipo de problema e conversou com ela para a deixar mais tranquila. Após algumas consultas, Inês telefona à sua amiga. - Afinal tinhas razão! – diz Inês– Ir a um psicólogo é uma boa experiência. Ele conseguiu ajudar-me a não ter medo da minha situação. - Vês? Eu disse-te que seria ótimo para ti. – responde Mariana – Eu também já tive alguns problemas e situações menos boas em que recorri ao meu psicólogo e sempre me ajudou. Por isso é que te dei esse conselho. Inês cresceu. Vieram os filhos e o amor de um marido que lhe enchia o sorriso. Mas, por vezes, a realidade é dura. Os 70%, afinal, não eram mesmo brincadeira! A dor pélvica acentuada e as hemorragias anormais, enquanto :: 13 ::

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suportáveis, foram ignoradas. Mas chegaram os dias em que até fazer amor com o seu homem lhe doía. Quando o médico lhe disse que teria que realizar uma colposcopia, Inês nem sabia o que isso era, como também não sabia o quanto um nome era capaz de mudar uma vida. A visualização dos tecidos do colo do útero através da colposcopia seria, apenas, o início da sua luta. Inês tinha cancro. - “Porque não fizeste rastreios, Inês? Porque não investiste na prevenção? Porque deixaste de fazer o Papanicolau? Como pudeste ser tão estúpida ao ponto de colocares a tua vida na corda bamba?” “Porquê, Inês?”, perguntava-se. Depois, a revolta: “Porquê eu, justamente eu?” O medo, esse, era o rei e senhor dos seus dias. O médico explicava-lhe que o cancro também é vítima de mulheres lutadoras, que o cancro pode morrer em vez de matar. Mas enquanto ele dizia que se sobrevive ao cancro, Inês só pensava em morrer. Ele dizia-lhe que era normal, que as mulheres costumam pensar no cancro como uma sentença de morte, que Inês, tal como elas, foi habituada, socialmente, a pensar assim. O psicólogo até lhe deu um nome: crenças e representações sobre a doença e adicionou um nome, um tal de Leventhal. O psicólogo explicava a Inês os seus gritos, as lágrimas, o desespero até às entranhas com uma série de estudos acumulados na secretária. Falava-lhe de um investigador chamado Leventhal e da sua ideia sobre as crenças, como se as lágrimas se pudessem escrever em artigos científicos! Inês não lhe dizia, mas pensava: “quero lá saber da sua ciência! Leventhal nunca teve que enterrar uma filha, uma mãe, uma amiga, uma esposa, nunca derramou uma lágrima que fosse sobre o caixão de uma mulher vítima de cancro! Enquanto Leventhal escrevia as suas teorias, uma mulher morria vítima de cancro do cólo do útero! Parabéns, Leventhal, as tuas palavras serão certamente um consolo para os pais, filhos e maridos dessas mulheres quando elas forem a enterrar, quando as tuas crenças, afinal, forem mesmo a realidade!” Inês tinha medo e o medo paralisa. Inês já se dava como morta. Estava tão centrada na ideia de morrer, que nem pensava em sobreviver. Esqueceu-se da guerreira que era, dos horizontes desenhados com sonhos, esqueceu-se da força que brotava dentro dela. Só que essa força acabou por brotar e disse a si própria que uma :: 14 ::

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mulher vítima de cancro do colo do útero não pode parar. Leventhal, curiosamente, tinha razão. O cancro, como sentença de morte, está na cabeça de cada um, é uma crença. Só acreditaria se quisesse. Então assumiu que assumiu que ia interpor recurso a essa sentença. Inês era corajosa, os filhos eram corajosos, o marido também e percebeu que a guerra não se ganharia fugindo do campo de batalha, que, por mais que o cancro fosse assustador, tinha armas poderosas: a ciência, o suporte social, a informação e, principalmente, uma força interior capaz de amedrontar o medo. Se, inicialmente, Inês ficou tão obcecada com a doença que nem pensava na cura, a verdade é que chegou também o momento em que percebeu que essa cura existia. Se para a noite existe o dia, se para o inferno existe o céu, se para o filho existe o pai, então para a doença teria que existir cura. E existiu. “O cancro também pode morrer em vez de matar”, repetiu-lhe o médico. E era verdade. Existem tratamentos. Perceber isso foi o início da sua resposta ao cancro… Inês, uma mulher com cancro no colo do útero, começou a fazer os tratamentos. Nos primeiros tempos chorava muito porque pensava que ia morrer, que ia perder os seus filhos, enfim... coisas que não devia pensar, mas em que todos pensam quando passam por estes obstáculos e estas provas da vida. O médico que a estava a acompanhar pediu que fizesse exames com regularidade. O dia da consulta para avaliação chegou e Inês estava nervosa. Para não preocupar os filhos e o marido, tentou pôr uma cara alegre. Fixou-se na relação com a sua família que a amava! No momento em que ia entrar no consultório, estava muito nervosa. O doutor lia o resultado dos exames e sorriu. Inês, com um ar nervoso, perguntou o que se passava. O Doutor, acabando de ver os resultados, voltou a dar um lindo sorriso a Inês e disse-lhe que tinha fortes possibilidades de vir a recuperar do seu problema de saúde! Inês e a família ficaram muito felizes com o que o médico disse! Desde essa consulta, Inês tem sido uma guerreira. Diverte-se com o seu marido, está sempre com um sorriso na cara, vai a todas as consultas com o objetivo de sair do consultório com um enorme sorriso no rosto. Inês é uma mulher forte, sabe as consequências da sua doença, mas está :: 15 ::

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sempre com um sorriso na cara. Faz de tudo para aproveitar cada segundo da sua vida. Chora, mas com a ajuda das pessoas que a rodeiam vence tudo e é uma mulher com objetivos. Pode até nem ser um sorriso sério mas só pelo seu esforço, deve ser considerado uma mulher forte, corajosa, valente, lutadora.. Luta contra a doença todos os dias, com um sorriso na cara. A cada segundo... Simplesmente, uma guerreira! Inês vai lutando. Tem que fazer os tratamentos de quimioterapia, é submetida a tratamentos de radioterapia. Mas ela luta sempre, mesmo quando o seu médico lhe diz que, dado o seu diagnóstico favorável, não tem que fazer uma cirurgia. Os efeitos dos tratamentos a que é submetida começam a sentir-se, mas Inês não desiste! A radiação causa-lhe náuseas, diarreia e alguns problemas urinários. Os pêlos da zona genital começam a cair e a pele da área tratada começa a ficar avermelhada, seca e sensível. Inês trata de si enquanto mulher, não pode deixar de o fazer, muito menos agora. Todos os dias coloca cremes corporais para ajudar na hidratação da pele, passeia pelos jardins da cidade sempre que pode, lê, ouve música, muita música para se distrair e não pensar em coisas que não deve! Inês é aconselhada a não ter relações sexuais durante o tratamento. Ela sabe que o seu marido é o seu anjo da guarda e que compreenderá mais esta limitação nesta fase das suas vidas. Inês também sabe que poderá retomar a sua atividade sexual algumas semanas após o tratamento terminar. E já não está muito longe do fim! Inês sente-se muito cansada durante a radioterapia, sobretudo nas últimas semanas de tratamento. O repouso é fundamental, embora o seu médico lhe recomende que se mantenha o mais ativa possível. A quimioterapia por sua vez começa também a manifestar-se de forma mais abrupta, provocando a queda do seu cabelo. “O cabelo vai voltar a nascer!”, pensa, “e provavelmente vou ter uma cor e textura ligeiramente diferentes! Quem sabe uns caracóis! Boa!”, todas as diferenças eram aceites e vividas como uma nova oportunidade de renascer e se conhecer melhor, a ela, à sua família, ao mundo e à vida… Tudo era vivido com muita intensidade e nada era pensado de forma negativa. Inês agradecia a Deus e a quem a rodeava todo o amor que era partilhado e que sentia. E sentia-o sempre e sempre cada vez mais… :: 16 ::

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O seu marido e filhos, pilares da sua família, apoiam-na em tudo! “Há males que vêm por bem…”, pensa. Sim, porque toda esta mudança drástica nas sua vidas fez com que toda a família se unisse ainda mais. As suas duas filhotas, agora no auge da adolescência, têm muito em que pensar e muito que aprender… o seu rapazinho mais novinho sabe que também tem que se portar bem pois ele como homem, pode ser portador do vírus do Papiloma e transmissor para outras meninas! “Tenho que vacinar os meus filhos! Tenho que lhes transmitir o que hoje sei e aprendi a muito custo, tenho muito para ensinar, não quero que passem o que eu passei por falta de informação”, pensava Inês… E o seu marido, esse, ama-a ainda mais e demonstra-o a cada dia que passa com um sorriso e um abraço bem apertado e sussurra-lhe ao ouvido todas as manhãs ao acordar “Eu e Tu, Só Nós Dois… Adoro-te Inês!”, e Inês sai para mais um dia de tratamentos cheia de esperança pois está a um passo de vencer o seu cancro… Durante este longo período, Inês conversa muito com outras mulheres, com as quais muito aprende, e também com o seu psicólogo que também tem sido um bom apoio emocional. Além da vertente profissional, tornara-se, durante todas estas consultas, um verdadeiro confidente e motor espiritual. Foi com ele que aprendeu técnicas de Reiki, que muito a ajudaram a restabelecer o seu equilíbrio natural, não só espiritual, mas também emocional e físico. Inês aos 49 anos de idade e depois de longos tratamentos sai da sua última consulta médica daquele ciclo de tratamentos e grita ao mundo “eu sobrevivi!”. Estava imensamente feliz com a resposta do seu médico, os tratamentos tinham terminado e o cancro tinha sido tratado. Abraçou o marido e os filhos num abraço profundo e apertado e exclamou “sim sobrevivi, mas também vivi!” Sobreviveu, só que aquele cancro não acabava por ali, ele ia acompanhá-la para sempre. Inês já é matura e sabe perfeitamente que terá que lidar com a doença e sabe também que muitas pessoas que não estão tão preparadas e que não tem quem explique este tipo de cancro. Ela quer ajudar a espalhar esta informação, os cuidados que a população deve ter. Como se vive com esta doença sem ser engolido por ela. Vai pensando no assunto. :: 17 ::

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Entretanto o seu psicólogo, depois de refletir sobre o processo de cura da mulher que outrora padecia de uma doença capaz de a arrasar – seja física, emocional ou psicologicamente, e de como desenvolveu mecanismos de defesa tão grandes que conseguiram ser superiores à magnitude da doença preservando o mínimo de qualidade de vida para si, para o seu marido e os seus filhos, resolveu incentivar Inês a escrever um pequeno diário sobre as suas batalhas, perdas e vitórias. Esse pequeno diário rapidamente incendiou um gosto pela escrita em Inês, o que fez com que escrevesse um livro. Inês sempre foi boa a escrever e neste momento da sua vida, sente-se inspirada, confiante, sente que é o momento de passar para o papel o que viveu. Os dias passam, Inês volta a estar em modo “Zombie”, muito introspetiva. Não fala muito com a sua família, apenas escreve, escreve e escreve, nada mais importa. Ela quer terminar o seu livro, mas quanto mais escreve mais risca, nunca está bem para ela. Lê e relê. Volta a ler e reler. Mas nunca se satisfaz. Na altura, o seu psicólogo viu isto com bons olhos: quanto mais ela escrevesse – e sobretudo quanto mais apaixonada por escrever ela estivesse – melhores iriam ser os seus efeitos da escrita no processo de convívio com a doença. Até que um dia de manhã a sua filha mais velha que agora tem 17 anos pergunta à sua mãe porque ela se tinha desligado tanto? O que era mais importante do que a família? Inês não sabe o que responder e fica a pensar… Decide que já dedicou tempo suficiente ao livro e que chegou o momento do “regresso” à sua família! Guarda os seus apontamentos e livros de rascunho numa caixa velha cheia de pó que está na garagem de casa. Passou-se um ano. Inês decide mudar de casa, passa agora para uma região à beira mar, pois sempre sonhou com isso. Com essas mudanças, a sua filha mais nova encontra a caixa velha. Decide pô-la de lado para ver o mistério que ela continha e resolve abri-la… Quando Catarina abre a caixa, é interrompida pelo seu pai que entra no quarto de rompante, para lhe dar um recado. Apanha, então, :: 18 ::

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Catarina com o livro na mão. De imediato ficou com uma expressão de desilusão, sentando-se à beira da filha para tentar perceber o que é que ela estava a fazer com o livro. Ela explica que sempre teve curiosidade em saber o que é que a mãe andava a escrever, o que é que lhe estava no pensamento que a fazia ocupar tanto tempo ao ponto de se desligar da família. “Compreendo a tua curiosidade, Catarina. – disse o pai – Mas tens de compreender que isso são coisas apenas da tua mãe, que provavelmente ela escreveu em tom de desabafo. Se respeitas a tua mãe, creio que não devias ler isso”. E saiu do quarto. Ao início, Catarina ficou reticente. Depois, pensou bem nas palavras que o pai lhe tinha dito e deu-lhe razão. Não iria ser uma atitude muito justa ler o que a mãe tinha escrito. Se não o tinha partilhado com ninguém, é porque era algo mesmo pessoal. Acabou por perceber e, assim, fechou a caixa, arrumando o assunto ou assim pensava ela. A curiosidade, preocupação e imaginação começaram a tomar conta da cabeça de Catarina e teimavam em não sair! Até que, ela decide perguntar à sua mãe o que é que estava ali escrito. Um dia, chamou-a ao seu quarto e libertou os pensamentos que a assolavam nos últimos dias. A mãe, ao ouvir as palavras da sua filha, sorriu. Compreendeu perfeitamente a sua preocupação disfarçada de curiosidade. E então explicou-lhe que, em situações adversas, é normal as pessoas pensarem em coisas más. Quando as pessoas têm “experiências quase-morte”, daquelas que duram breves segundos, têm uma sensação como se a vida lhes passasse à frente dos olhos. E a Inês tinha tido uma “experiência quase-morte” que não durou breves segundos, mas sim meses e anos. Portanto, todas os pensamentos negativos e derrotistas seriam normais, tendo em conta a enorme experiência e lição de vida. Catarina sabia-o. Viu dias em que a mãe envelhecia décadas e dias em que a mãe chorava oceanos e dias em que a mãe partia os espelhos… Quantos espelhos foi preciso comprar? E quantos mais precisas de partir para te sentires bela?... Mas talvez fosse esse o preço a pagar pelos dias em que a mãe sorria e lutava e a mãe renascia e era a mãe acima de qualquer cancro. Dias em que era a mãe com toda a força que tem uma mulher :: 19 ::

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desde o dia em que nasce. Por isso, debaixo do copo de leite, deixou-lhe esta carta: “Mãe, porque te preocupava o cabelo? Não sabes tu que és tão bonita que até dói, não vês que o pai te ama para além dos cabelos e da pele e dos órgãos e de todas as efemeridades da vida? Mãe, eras e és tão bonita que, um dia – juro que é verdade! – remechi todas as gavetas da cozinha à procura da tesoura para cortar o meu cabelo… para quê um cabelo, se a mulher mais linda do mundo não tem cabelo e nem por isso deixa de ser a mulher mais linda do mundo? E eu, tão pequena, só não o fiz, porque nem em bicos de pés chegava à prateleira mais alta do armário onde guardavas as tesouras. Uma prateleira tão inatingível para mim como a tua força, uma força tão colossal que nem te cabia nos olhos. Mãe, eu era tão pequena que nem sabia o que era a radioterapia. Tu chegavas com as tuas manchas sobre a pele e eu jurava que tinhas chegado de uma batalha onde tudo o que os monstros te conseguiam fazer era registar-te na pele o quanto eras forte e invencível. E nunca, nunca, minha mãe, deixaste de chegar, porque nunca deixaste que o cancro te levasse. Diz-me, mãe, porque choravas essas manchas, se elas eram apenas o testemunho visível de que toda a mulher pode ser mais forte do que um cancro? Sabes, quando saías para o tratamento de braço dado com o pai, eu ficava na janela a ver-te partir e hoje choro de emoção ao lembrar que não falhavas um passo, a cabeça erguida como se só o céu te pudesse parar, os passos firmes como se o desgraçado do cancro estivesse deitado na rua e tu o calcasses, o sorriso nos lábios a dizer não às lágrimas nos olhos… Mãe, queres mulher mais bela do que esta? Tu e a Ricardina da quimioterapia e a Sara da radioterapia e a Helena e a Cristina e a Maria e todas as outras de todas as quimioterapias e radioterapias e cirurgias, serão sempre as mulheres mais lindas do mundo, porque não há beleza maior do que a coragem. O cancro é uma besta sacana que vos rouba energia, que vos fatiga, que vos leva os cabelos, que vos destrói a pele, mas é a besta mais estúpida do mundo, se pensa que isso basta para vos roubar a força que tendes. O cancro, minha mãe, é a besta mais estúpida do mundo se acha que a coragem se pode matar. Ele quis destruir-te mãe, mas és tão forte, tão forte, :: 20 ::

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tão forte, que sobreviver sempre foi a tua primeira e única opção. Nunca paraste, mãe, nunca, nem quando vomitavas, nem com as feridas na boca, nem quando as articulações te doíam, nem quando as pernas te inchavam. E quando perdias o equilíbrio, tentavas dar a tua melhor gargalhada e só por isso o mundo valia a pena. Nem quando os tratamentos te cansavam, tu te cansavas de viver. E por isso, talvez por isso, vivias. Mãe, és tão bela, tão bela, tão bela, que até dói! Já te tinha dito?” Nessa manhã, Inês leu e chorou. Apanhou flores, fez um bolo, comprou um vestido e, depois, voltou a ler a carta da sua Catarina. Durante o tempo em que esteve arredada da escrita, o psicólogo de Inês continuava orgulhoso da sua paciente. Apercebeu-se que nunca tinha tido uma paciente que fosse mentalmente tão forte como Inês. Ela tinha desenvolvido barreiras que impediam o cancro de afetar demasiado a sua vida. Essas barreiras não foram apenas construídas por Inês, toda a família ajudou na sua edificação. Chegou, então, a concluir que, para além de ter sido uma paciente extremamente bem-sucedida, foi também um exemplo para as outras mulheres. Sim, Inês foi, e é um exemplo! Um exemplo de boa disposição, de enorme coragem e espírito positivo para enfrentar as enormes adversidades que a assolaram, bem como à sua família. E ela nunca deixou que a sua doença afetasse a sua família! Foi no seguimento desta reflexão, que o psicólogo teve a ideia das palestras: “Quem melhor para falar de vencer um cancro de forma exemplar do que a própria Inês?” – pensou ele. E que bela ideia que o Luís teve, Inês não fazia ideia da ótima experiência que aí vinha. Foi assim que Inês começou a participar em palestras e a dar o seu testemunho pelo país e é sempre com a carta da filha que começa e é também com ela que termina “Mulheres, sois tão belas, tão belas, tão belas, que até dói! Já alguém vos disse?!” Hoje é dia de mais uma palestra: muitas pessoas com os olhos fixos nela, a procurar-lhe as marcas da luta que ela vai ali testemunhar. E sim, a coragem é tão bela! Bela é Inês por todos os sorrisos lindos que deu tendo o cancro… Inês prova que a mulher tem fraquezas que são difíceis de superar mas a solução está simplesmente num sorriso. Seus filhos orgulham-se da mãe que têm. Mãe há só uma, mas quem é que não sonha ter :: 21 ::

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uma mãe como Inês? Uma mulher de garra e lutadora! Lutou cada segundo da sua vida para ultrapassar o seu problema de saúde! Toda a gente adorou a palestra! Cada palavra que se escutava fazia ressoar um orgulho por estar presente a ouvi-la! Todas as semanas há uma palestra. Desde que começaram as palestras, que Inês tem frequentado todas, com um sorriso na cara. Toda a família a tem acompanhado e todos com o objetivo de ajudar Inês a viver bem com a sua doença. Os colegas dos filhos de Inês por vezes falam de suas mães e os filhos de Inês também falam de sua mãe como fosse a sua guerreira! Os amigos de seus filhos, ficam espantados com a forma como falam de Inês, com cada palavra que sai de suas bocas, com ternura, com carinho, com orgulho! Inês continua a frequentar o psicólogo para lhe falar de tudo que se passa em relação à sua vida! O psicólogo falou com o seu marido e disse-lhe que havia melhoras na sua maneira de pensar, que Inês se tinha mentalizado que tem uma doença, que não a vai matar, custe o que custar… O psicólogo, ao partilhar esta informação ao marido de Inês, recorda a primeira palestra que ela proferiu: “A primeira vítima de cancro do colo do útero de que vos quero falar chama-se Miguel. Sim, ouviram bem: Miguel. Nunca ninguém vos disse que o cancro também mata a alma, mesmo que não mate o corpo? Mesmo que ainda hoje respire, ele morreu de cancro, porque o cancro lhe matou a filha. Eu soube-o claramente quando o vi, pensativo, naquela sessão de radioterapia. Madalena vai morrer, tem a certeza. Madalena vai morrer e tudo o que ele quer é que ela lhe morra nos braços, os braços que um dia lhe pegaram ao colo. Madalena, que o vai deixar sozinho no mundo, órfão de filha, a Madalena dos olhos esmeralda. O cancro não olha a olhos bonitos, nem a raças, nem a dinheiro, o cancro não olha ao amor de um pai. Miguel sabe que ela vai morrer. Levanta o pescoço com a dignidade de um rei e não derrama uma lágrima, mas elas estão lá porque os exames tardaram, foram demasiados anos sem consultas nem médicos. Até ela sabe que vai morrer, por mais que insista no tratamento. E eu choro por mim, mas também por ela, pela Madalena que tem os olhos mais lindos à face da Terra. O :: 22 ::

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cancro cobiçou-lhe os olhos, só pode! Agora os olhos dela são apenas dois olhos sem brilho, restou apenas um grito silenciado no lugar dos olhos. Reparo que a filha tem os olhos do pai e o pai tem o grito da filha. E é por Miguel que lamento, mais que tudo. A segunda vítima do meu testemunho chama-se Marta e acompanha a irmã, Lara. Invejo-lhe o cabelo loiro rigorosamente desenhado para o rosto de boneca e noto que é gente fina pelo vestido caxemira. Olha-me de relance, enquanto acaricia os dedos esqueléticos, mas desiste de nos encarar – a mim, a Miguel, a Madalena – e fica à janela, de costas. Quero dizer-lhe que há esperança, que a irmã foi diagnosticada a tempo, que o cuidado com os exames de rotina provavelmente a salvariam, mas as rugas cansadas de Miguel desencorajam-me. Olho para Lara, vejo o quanto é parecida com a irmã – que elegância! – e reconheço o nervosismo da primeira sessão. Reparo que treme quando folheia um jornal desportivo – estranho, ia jurar que não faz o género dela – e só depois reparo que o faz para distrair os olhos das lágrimas prestes a saltar e agora saltam mesmo – lágrima que é lágrima deve ser rebelde! – e acompanho a carícia dos dedos de pianista a limpar o rosto, o anel de diamantes a roçar a pálpebra. Entretanto, os músculos de Marta não estremecem, mas sei que chora, nem que seja apenas por dentro, ela chora. Quando regressa para a cadeira ao lado da irmã, não sei quem chora mais, se ela por dentro ou se Lara por fora e não restam dúvidas de que o cancro também mata por dentro – sim, se mata! – e mata a Lara que o tem, mas também a Marta que o sente – sim, se sente! – o cancro sente-se, sabiam? Também eu tenho Miguéis e Martas: a Catarina que quer ser atriz, a Ana aracnóloga e o Fred que gosta de dinossauros e legos.” Luís recorda também o senhor de chapéu que chorava no fundo da sala, e de como Inês não hesitou e prosseguiu o seu testemunho. “Eu tenho cancro e decido, todos os dias, não ser a Madalena deles. Eu quero viver. Sei que muitas Laras sobrevivem e muitas Madalenas morrem. Mas quero viver. E estou aqui para vos pedir que não esperem pelo cancro para se decidirem pela vida. A sua filha, esposa, mãe ou você, mulher, pode decidir muito antes. Quer ser uma Madalena ou uma Lara, quer morrer ou viver? É você que escolhe de que lado quer estar. Está :: 23 ::

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disposto a prevenir? Se, um dia, o cancro chegar, surpreenda-o a ele e não deixe que ele o surpreenda a si. A vida, muitas vezes, está num simples exame. E lembre-se, não é só a sua vida, é também a deles – dos Miguéis e das Martas que as amam.” Inês continuou as suas palestras. Inês era símbolo de quem decidiu lutar pela vida e cada pessoa da família sentia-se orgulhosa por ter Inês na sua família… Entretanto propuseram a Inês escrever a sua história de vida num pequeno livro com a ajuda de sua família e de alguns amigos chegados. Inês começou a trabalhar nesse livro dias atrás de dias, noites atrás de noites… e ela que tinha tantos rascunhos e relatos do tempo em que escreveu para si própria. O livro teve muito sucesso, praticamente todas as pessoas com cancro o compraram e o dinheiro da venda foi para uma associação que ajudava as pessoas com cancro e também para Inês por tudo o que passou, afinal também eram as suas experiências ali relatadas. Cada passo que Inês dava, vinham pessoas agradecer por ter escrito o livro e incentivavam-na a não ficar por aquele… Claro que não foi fácil para Inês escrever a história de sua vida, mas no seu pensamento era uma fraqueza não o escrever, sabendo que tinha expetativas e bons resultados para o fazer… Inês aconselhou todos os seus amigos a criarem um blog anónimo e a desabafar tudo que sentiam para lá e o seu conselho foi seguido... Hoje em dia, esses blogues são muito visitados e Inês, ao ler cada página do blog, cria mais esperanças na sua cura e na dos outros… Provavelmente Inês não foi a primeira nem vai ser a última mulher a ter cancro, mas com certeza que vai ser das poucas mulheres com coragem e esforço para admitirem o seu problema e para ajudarem os outros… Inês é um orgulho para todos, mas principalmente para os seus!!! É curioso quando a vida põe à prova uma pessoa. Às vezes tem-se tudo na vida e por vezes não se dá valor ao que se tem, mais, é-se ambicioso, não se olha para o próximo que está naquele momento ali ao lado… e por vezes apenas se olha para o umbigo e isso faz da pessoa um ser humano pior! Inês tinha tudo na vida. Mesmo quando ficou sem um pouco da sua :: 24 ::

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saúde, soube lutar porque se soube agarrar à vida que tinha com todo o seu amor... Sem amor nada na vida resulta ou vale a pena e ela sabia isso, pois tinha o amor do seu marido que tanto amava e o amor dos seus filhos e, de uma maneira geral, o amor através da amizade e cuidado de todos os seus familiares e amigos. Que maior riqueza senão todo este amor? Ela sabia que estava bem espiritualmente e sabia-se em completa harmonia com a natureza e Deus. Se um dia deixasse esta terra e este corpo terreno, sabia que espiritualmente existiria sempre nas memórias daqueles que a conheceram e que a amaram de uma ou outra forma, pois o amor tem muitas maneiras de existir dentro de nós e de acontecer... Inês sabia que viveria sempre com a sua doença. Que tinha que saber como lidar com ela e nunca se deixar abater. Mas sempre foi uma lutadora e conseguiu viver. Envelhecer junto do seu marido e ver os seus filhos crescer era o seu melhor destino e ela sabia que, por muitos obstáculos que tivesse que ultrapassar, sairia sempre vitoriosa pois essa era a sua vontade. Todo o seu trajeto de vida desde que soube que era doente de cancro mudou a sua maneira de ser e de pensar em muitas coisas. Antigamente era um pouco negligente no que diz respeito à saúde, pois, ao não fazer exames ginecológicos com regularidade, podia ter posto a sua vida em risco. Graças a Deus que ainda foi a tempo da cura, pois o diagnóstico atempado neste tipo de doença é a melhor hipótese de sobrevivência que podemos ter e Inês sabe isso agora. Infelizmente teve de sofrer muito para saber o quanto dói sermos negligentes connosco próprios, mas agora passar o testemunho a outras mulheres e homens nas :: 25 ::

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suas palestras e livros foi a maior vitória que Inês conseguiu. Ajudar os seus filhos e sociedade e ensiná-los que muitas vezes é na prevenção que está a cura! Inês passou por um período de muito sofrimento que a levou a questionar a essência da vida. No início, quando soube da sua doença, teve dificuldades em aceitar e até só via a morte à sua frente, viveu ainda algum tempo com muito desespero... A ajuda do seu psicólogo foi preciosa. Conseguiu mudar o seu pensamento e começou a sentir que de facto em vez de morrer poderia matar o seu cancro e ser uma sobrevivente! Foi o que aconteceu. E é isso que Inês hoje tem para transmitir: a esperança na possibilidade da sobrevivência e por isso, enquanto se vive, tem que se tentar ao máximo ser feliz e viver!!! Muitas vezes a morte não quer a pessoa porque vê a força com que ela se agarra à vida! Queridos leitores lutem sempre, por favor, amem sempre por favor, sejam felizes pois a vida enquanto a tivermos é única para todos nós, mas infinita para todo o mundo...

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•A vida nem sempre é um pesadelo• Autores: Maria Couto, Rafaela Raimundo, Ana Monteiro, André Vilaça, Inês da Silva Ilustração: Sónia Cântara

I

nês espera, um pouco ansiosa. Fica sempre assim quando se trata de assuntos de saúde. Mesmo sendo uma consulta de rotina, como é o caso, acaba sempre por deixar para o último dia a decisão de marcar... E neste caso acabou mesmo por se “esquecer” e foi preciso o Jorge lembrar-lhe... Vai folheando revistas enquanto espera, para se distrair, e pensando em tudo o que tem que preparar para apresentar no trabalho... Até que finalmente é chamada... A enfermeira que a acompanha até ao consultório médico esboça um sorriso bastante cordial, o que deixa Inês mais descontraída. Assim que chegam ao destino, a simpática enfermeira bate suavemente à porta e entra, deixando Inês à espera por uns instantes. Estes instantes assemelham-se a uma eternidade e Inês aproveitou para refletir como seria a sua vida caso descobrisse algo perturbador. Veio-lhe logo à cabeça doenças como hepatite, e logo as três: A, B e C, sida, tumor cerebral, cancro da mama, cancro do colo do útero… “ Eu sei lá… Há tanta coisa a que uma pessoa está sujeita e que, mesmo tomando todas as precauções necessárias, não consegue evitar. Por exemplo, a minha vizinha Ana Maria descobriu recentemente que tem :: 27 ::

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cancro do colo do útero e ela é das pessoas mais responsáveis no que toca à saúde que eu conheço. Só porque no último ano, como estava em França com o marido, não fez o seu habitual Papanicolau, tudo descarrilou. Foi a uma consulta de rotina no Centro de Saúde e, por acaso, queixou-se de que os seus períodos menstruais estavam estranhamente irregulares e que tinha dores pélvicas. A partir daqui a sua médica, desconfiada, recambiou-a para o hospital de forma a realizar imediatamente uma catrefada de exames e ser devidamente informada e tratada. E não é que, a desgraçada da senhora, descobre que tem cancro do colo do útero de estadio III. Agora passa a vida no hospital, nas rádios e nas quimioterapias. E ela até é nova…”, pensou para consigo Inês. Nisto parou, pensando seriamente se teria uma doença tão grave como a da sua vizinha, logo ela que não ligava nada a essas coisas dos rastreios e dos papanicolaus. Uma série de interrogações assolaram-lhe a mente: “ Eu ainda posso querer ter filhos e, se me arrancarem o útero e eu tiver que envelhecer sozinha, sem filhos, sem netinhos, sem nada? E se me cair o cabelo e eu ficar horrível? Eu ainda estou em início de carreira e, se eu tiver que faltar ao trabalho para ir fazer a quimioterapia, e for despedida?” E se? E se?” Inês conseguia ser bastante pragmática no trabalho, mas, quando se tratava da sua vida, era capaz de engendrar uma quantidade exorbitante de melodramas. Estava ela absorta nos seus “ E se…”, quando a enfermeira abre a porta e, muito sorridente, a manda entrar. O que fosse que a esperasse, sabia que tinha que ser forte e dali para a frente mais responsável com a sua saúde. O médico levanta-se quando Inês entra. Cumprimentam-se. – Então, Inês, o que a traz por cá? – Bem, Doutor, nada em específico. Contudo, creio estar na altura de agendar o meu primeiro Papanicolau. – Vejo que, finalmente, se convenceu! Já passou a barreira dos vinte e um anos há algum tempo. – Tenho adiado a consulta por receio. Têm surgido campanhas de sensibilização por todo o lado... E não consigo deixar de pensar no pior. – Vamos tentar não nos preocupar antes do tempo. Para já, vamos :: 28 ::

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agendar a consulta e marcar umas análises de rotina. Em princípio estará tudo bem com a Inês. É jovem e saudável, tudo bons indicadores. Inês abandona o consultório mais calma, sorrindo para a enfermeira. “O primeiro passo está dado”, pensa. Duas semanas depois, Inês está de volta ao consultório. Quando chegou ao centro de saúde, foi encaminhada para uma sala com um enfermeiro. Pesou-se, respondeu a umas perguntas e entrou numa sala contígua, onde o médico de família a esperava. Respondeu a mais algumas perguntas e o médico procedeu ao exame. De seguida, dirigiu-se com o Doutor Augusto para o seu consultório, onde lhe entregou o resultado das análises pedidas. O médico percorre os resultados com um olhar sereno, que se vai agravando. – Bem Inês, no geral as análises indicam estar tudo bem. Há só um ou outro que não está dentro do desejado mas, para já, não nos devemos preocupar com isso. Assim que tiver os resultados do papanicolau, voltamos a encontrar-nos. – Muito bem, Doutor. Boa tarde. Inês regressa a casa, novamente mais descansada do que à chegada ao consultório. Saber estar a tomar as rédeas na manutenção da sua saúde fá-la sentir-se melhor consigo mesma. Contudo, a possibilidade de um resultado preocupante não lhe abandona o pensamento. Tenta afastá-lo, desvalorizando a situação. Sem efeito, “como se pudesse, simplesmente, não me preocupar. Mal posso esperar pelos resultados”. Três dias depois, recebe um telefonema para levantar os resultados do papanicolau. Liga imediatamente para o centro de saúde, agendando a consulta para a semana seguinte. “Bolas!”, suspira, quando desliga a chamada. A perspetiva de esperar uma semana inteira para saber se se passava algo de errado deixa-a frustrada. O Jorge entra, nesse momento, em casa. – O que se passa, Inês? Pareces tão nervosa. – Não é nada querido. – Como não é nada? Eu conheço-te. O teu olhar feliz, agora, triste e preocupado. O que foi? Diz-me. Nós sempre confiamos um no outro. – Está bem, apanhaste-me! Eu fui fazer uns exames, o papanicolau, e tenho medo do resultado. :: 29 ::

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