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CONTO TRAIÇÂO

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Leandro Bertoldo

Leandro Bertoldo

E se Machado de Assis soubesse?

Dom Casmurro caiu em profundo silêncio, olhar pesado, trêmulo, corpo estirado na cadeira como se nunca mais se levantaria dali. Chorou, absolveu Capitu, pediu-lhe perdão em desespero. O dia passou lento e dali ele não se levantou, petrificado. Ante a realidade que só agora chega a seus conhecimentos. Quanto arrependimento!

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“olhos de ressaca/ De ressaca? Cigana oblíqua e dissimulada? Essas palavras incorporava-as como verdadeiras e incontestáveis. Pudesse ele ter revelações além-tumulares para uma nova proposta de diálogo com Capitu. Olhá-la, segurar-lhes as mãos, voltar ao muro onde escreveram jovens os seus nomes com um prego, unidos pelo amor. Perceber a sua fragilidade feminina e suplicar-lhe mil vezes perdão. Capitu descansava das dores da vida. Jamais ouviria a sua voz, as suas risadas, o arrastar leve das suas chinelas, a menina que vivia nela, espontânea menina/adolescente/mulher ora submissa ora autoritária mas sempre à espera do esposo e dedicada ao filho e ao lar.

Dom Casmurro/Otelo cometeu o pecado de acusar Capitu/ Desdêmona como adúltera, traidora, vulgar e dissimulada. Con- denou-se como juiz de si mesmo e martirizou-se. Recebeu a pena imposta em profunda tristeza. Noite, alta noite, sozinho e na mesma posição num vasto interrogatório.

De repente descobre-se novamente no mesmo Bentinho obsessivo e imaturo de antes: o ciúme volta a atormentar lhe. Sem a ideia da traição o que restaria dele? Alimentar-se-ia de que? Foi então que um novo pensamento maligno voltou a perturbar a sua mente. Deu um forte soco na mesa, reagiu, saiu da prostração questionando-se.

Antes entendera que as semelhanças entre o menino Ezequiel e Escobar eram cabíveis pelos laços de sangue e não pela suposta traição da esposa.

Agora, novamente no plano das incertezas surpreende-se com uma nova e terrível acusação. Capitu, o casamento insosso, tantos anos sem filhos, uma gravidez que surge de repente após tanta espera. Seria ele estéril e Capitu concebera, sem saber dos laços de sangue, gerando um filho do próprio cunhado?

Na verdade quando mudou o foco da sua ansiedade mórbida tendo em mãos a confirmação da lealdade da esposa sentiu-se um trapo, incapaz de continuar a viver. De que se alimentaria nas horas de solidão? Justamente por isso volta ao caminho das pesadas acusações, ainda mais graves: Capitu tivera um caso com o cunhado e gerara um filho. Ezequiel seria então seu sobrinho/ enteado? Enclausurou-se. Lamentou ter saído do Seminário. Se um dia fugira da clausura religiosa hoje por opção prefere esconder-se do mundo perdido nas suas suspeitas e acusações. Como provar? O que provar? Por que provar? Se todos descansam em seus jazigos. Não há como fugir dos fatos que criamos.

E Dom Casmurro lembra a teoria do maestro: “a vida é uma ópera”.

“Deus teria escrito o libreto da peça. Satanás levou o libreto para o inferno e compôs a partitura pedindo autorização a Deus para partilhar a autoria e montar o espetáculo. Deus aceita, mas lhe confere o planeta terra para os seus ensaios.”

Disso resulta:

• “DEUS É O POETA.

• SATANÁS O MAESTRO

• SHEAKESPEARE UM MERO PLAGIADOR.

• DOM CASMURRO MIRA-SE NO PLAGIADOR, ACEITA A TEORIA DO MAESTRO E RESOLVE ENSAIÁ-LA NA SUA

VIDA PASSADA.” NO PLANETA TERRA.

Antes tivesse voltado à História dos Subúrbios!

Certamente, O agregado José Dias, o amaríssimo, pois gostava de superlativos, de onde estivesse suspiraria aliviado confessando ao amigo Dr. Santiago a fidelidade que tivera ao levar às costas o peso de tão grave segredo tentando aliviar as penas que a presença de Escobar trouxera à família de Dona Glória.

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