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A CIDADE

DOMINGO, 18 DE DEZEMBRO DE 2011

Especial

GÊNIO NACIONAL Um dos maiores artistas plásticos brasileiros, o gravurista Marcello Grassmann nasceu na pequena São Simão JOYCE CURY / A CIDADE

NO BUNKER Grassmann, na sala de seu apartamento em SP

A morte e o artista

Grassmann entendeu e se apropriou da morte como ninguém para descobrir os meandros da vida SIMEI MORAIS simei@jornalacidade.com.br

DOCUMENTO

Marcello Grassmann, 86 anos, um dos maiores artistas plásticos brasileiros, talvez o último grande ainda vivo, é um zombeteiro. Como abelha, passou a vida a zunir no ouvido da morte, que nunca o deixou. Nem quando sai de casa, ele a solta da boca. Não há como. No começo de dezembro, ele foi à abertura de uma individual no Espaço Citi, na avenida Paulista, perto de sua residência, em São Paulo. Foi uma das raras saídas, já que enfrenta dificuldades de locomoção há pelo menos dois anos. Primeiro, por causa de uma mielomalacia, que lhe tirou a sensibilidade na planta dos pés. Uma das

WEBER SIAN / A CIDADE

pernas já estava ruim quando, no meio do ano passado, quebrou a outra, após uma peripécia doméstica: caiu ao derrubar água fervente que usava para descongelar a geladeira. Não deixa mais a muleta. Na exposição, ficou o tempo todo na cadeira, com a língua afiada de sempre. Ao ver-me chegar para mais uma entrevista, disparou: “Estão se aproveitando enquanto estou vivo. Tem um fotógrafo que está registrando alguns artistas para um livro. Quase toda semana ele vai em casa, na esperança de que eu morra para falar ‘olha, essa foi sua última foto’”, ri. Os Grassmann O descendente de alemães que nasceu na pequena - e desenvolta para a época - São Simão, em 1925, bebeu da morte a vida inteira para compor suas fantásticas gravuras e desenhos. Não é mera questão de inspiração. A morte sempre esteve presente em sua caminhada, numa ambivalência que deu sentido à filosofia do artista. Começou antes dos

CASA Imóvel da infância virou Casa de Cultura Marcello Grassmann, tombada pelo Patrimônio Histórico

anos 1950, quando se constituiu o cerne de sua obra, comenta a pesquisadora Mayra Laudanna, da USP. Marcello, o penúltimo de oito irmãos, mudou-se para São Paulo ainda pequeno. O pai, Otto, convencera a mulher, a professora Elpídia, a buscar ofertas de emprego para a filharada. Ele desenhava desde pequeno, tomando Roberto, o irmão caçula, como modelo. Sem

dinheiro para faculdade, se formou em fundição, mecânica e entalhe em madeira no Instituto Profissional Masculino, a atual Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas, no bairro Ipiranga. Quando se formou, já vendia uma e outra ilustração e se embrenhou no mercado de arte de tal maneira que rumou para Salvador, a fim de trabalhar no ateliê de Mário Cravo Júnior. Lá conheceu a primei-

ra mulher, a búlgara Anne Marie Elizabeth Graesse, que viria a se tornar a pintora Sonya Grassmann. Havia chegado há alguns meses, ao Brasil, como integrante de uma trupe feminina de luta greco-romana e logo ficaria “perdida”, após o agente fugir com os documentos das moças. Sonya se apaixonou por Grassmann, loiro e magro como um Fred Astaire mais baixinho, enquanto ele li-

dava no ateliê. Desceu para São Paulo atrás dele, que retornou para receber o prêmio do primeiro lugar do Salão Nacional de Arte Moderna, em 1950. Chegou à pauliceia para logo embarcar para a Europa, onde Grassmann foi investir o valor da bolsa em cursos. Ele pediu a amigos que arrumassem um meio de enviá-la de navio até a Itália, onde a esperaria. Foi apenas lá, onde alugou uma casa da atriz Gina Lollobrigida, que os dois se beijaram pela primeira vez. Grassmann ainda aproveitaria a viagem à Europa para providenciar novos documentos para Sonya. Os dois voltaram ainda com algum dinheiro, que deu para comprar um terreno, em Santo Amaro, para toda a família, que já havia perdido o patriarca. Na época, mal havia iluminação e asfalto. E o imóvel ficava em frente ao cemitério. “A vida inteira morei perto de cemitérios”, contou-me, rindo, há um ano, quando nos encontramos pela primeira vez. LEIA MAIS NAS PÁGINAS E04 E E05


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