Guega chora a perda de seus "dois pais"_13/11/11

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Esportes

DOMINGO, 13 DE NOVEMBRO DE 2011

A CIDADE

D7

WEBER SIAN / A CIDADE

LUTO Campeão das cavalgadas conta histórias de quem o incentivou e ajudou a subir no pódio

Bronze no Pan, Guega chora pela perda de seus ‘dois pais’ Cavaleiro de Ribeirão sofre com morte de quem lhe deu a vida e do animal com o qual dividiu sua história SIMEI MORAIS simei@jornalacidade.com.br

Serguei “Guega” Foffanoff, cavaleiro de Ribeirão Preto, chora. Acabou de ganhar medalha de bronze por equipes nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, no México, e a vaga para a Olimpíada de Londres em 2012. Mas chora. Isso porque perdeu o pai, que lhe deu a vida, e o primeiro cavalo, que lhe tornou campeão mundial. Sérgio Fofanoff, o pai, nunca cavalgou, mas foi o maior incentivador do filho. Há 11 anos lutava contra um câncer que o deixou internado por duas vezes, no início do ano. Guega, de 42 anos, alternava noites no hospital com as seletivas para o Pan. “Você tem de caprichar nesse Pan para chegar a Londres e ao Rio”, orientava o progenitor, no leito. Ele sabia que o filho pretende encerrar a carreira em 2016. Nas últimas preocupações de Sérgio, 76, estava Éden, o primeiro cavalo de Guega. De trajetória excepcional, no hipismo e também para as características gerais de equinos, o animal estava velho e poderia deixar a família a qualquer momento. “Todos nós sabíamos que o Éden estava fazendo hora extra”, brinca Guega.

Sérgio morreu em abril. No mês passado, no pódio mexicano, enquanto a Seleção Brasileira sorria o bronze, Guega desaguava. Lembrou do sofrimento do pai e tudo o que lhe dissera. Éden era outro “idoso da família”, com quase 32 anos. Guega diz nunca ter visto um cavalo registrado que passasse dos 25, comenta. Filho de um garanhão alemão saltador com uma matriz anglo-argentina, Éden fazia parte da raça brasileira de hipismo, aprimorada há quatro décadas no País. Acumulou homenagens por ter sido o animal que mais participou de competições internacionais defendendo o Brasil. Foram 11 anos de competição, sete a mais do que a média de equinos de alto nível. O animal estava com Guega desde 1987, quando o cavaleiro tinha 17. Sagraram-se campeões brasileiros em 1989, 1991, 1993 e 1997, do Sul-Americano do Chile (1991) e do Pan de Mar del Plata (1995), além de irem à Olimpíada de Barcelona (1992) e à de Atlanta (1996). Do Pan do México, no qual competiu com a égua Bárbara, o campeão telefonava para Ribeirão, para perguntar do cavalo. Guega chegou em casa em 27 de outubro. No dia 29, brincou com Éden. À meia-noite do dia 30, um domingo, o vizinho viu Éden se deitar ao lado da cerca. Guega recebeu a notícia por telefone. “Ele me esperou chegar para partir. Perdi meus dois pais neste ano”, diz, em soluços.

TRISTEZA Apesar de ter conquistado a medalha de bronze por equipes nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, Guega lamenta perdas pessoais REPRODUCAO

PARA A HISTÓRIA Primeiro cavalo de Guega, Éder era o parceiro desde 1987 e morreu com quase 32 anos

Cavalo evitou aposentadoria “Ele [o cavalo Éden, com quase 32 anos] me esperou chegar para partir. Perdi meus dois pais neste ano” Guega Sobre a despedida após o Pan do México

Guega conheceu Fri Ribe Éden Itapuã quando foi trabalhar, aos 17 anos, em um haras de Pitangueiras. Com uma vida juntos, tentou aposentar Éden por mais de uma vez. Em 95, após o ouro na Argentina, o cavalo de 16 anos ganhou festa dentro da boate Kremlin, na Capital, na primeira despedida. Éden, porém, não queria parar. No ano seguinte, Guega o levou com mais

dois animais às seletivas para Atlanta. Éden tomou as rédeas e virou o titular. E repetiu a teimosia em 97, com o quarto título brasileiro. Guega atribui a longevidade do cavalo ao jeito com que o tratou. Depois de uma grande prova, sempre deu folga reforçada aos bichos. “Ganhamos os brasileiros em anos ímpares e os internacionais em anos pares, para dar férias a ele.”

“Sempre deu certo porque tínhamos tanto respeito, um com o outro, que era como se fosse um casamento” Guega Sobre a relação com o cavalo Éden

Guega relembra que disse ‘sim’ ao lado de Éden De uns anos para cá, Guega começou a usar uma frase em honra a Éden: “montei meu cavalo e ele me levou para o mundo.” Os dois viajaram por 11 países. Éden não levou Guega apenas aos pódios, mas o conduziu ao casamento com Renata, em 2008. De terno azul, o noivo chegou ao altar, na última vez em que montou o cavalo. E o amarrou na árvore que fez sombra ao enlace, como testemunha. “Até quando vou chorar por ele? Para sempre. Vou para meu terceiro filho, no casamento para o qual ele me levou.” Éden passou os últimos anos treinando novos competidores, na escola. De 2009 para cá, Guega pediu para tirar Éden dos obstáculos. O amigo já perdia os dentes. A última tarefa do cavalo foi apadrinhar quatro potros, quando faleceu. Naquela segunda-feira, o cavaleiro cuidou do funeral. Encomendou uma máquina para abrir um buraco. Amarrou o bicho no trator e o colocou na cova. Ao acomodá-lo, aparou a cabeça dele como se estivesse dormindo. Éden foi sepultado às 11h30, no canto que mais gostava de ficar no pasto. Guega pretende instalar uma placa com o histórico do cavalo, no local. “Para que todos saibam que tudo isso foi graças a ele”, declara, emocionado.


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