Especial Marcello Grassmann_Pág8_A Cidade_18/12/11

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A CIDADE

DOMINGO, 18 DE DEZEMBRO DE 2011

Especial JOYCE CURY / A CIDADE

CONTRASTES Avesso a se expor, estendeu entrevista até a madrugada

‘Eu não sou mórbido, apenas um irônico’ A arte do claro e escuro na ambivalência da vida, pelo próprio Grassmann

PLANOS PARA 2012 Exposição de Grassmann está programada para Galeria Marcelo Guarnieri, em RP

SIMEI MORAIS simei@jornalacidade.com.br

DOCUMENTO

Uma amiga dele avisou que esse custoso Grassmann me atenderia por, no máximo, uma hora e meia, que depois disso provavelmente se cansaria. Fui à casa dele, um apartamento emprestado por um colecionador, no centro de

São Paulo, a uns 500 metros, olha só, do cemitério da Consolação. Abarrotou-me de comentários desgostosos sobre a imprensa nem bem nos apresentamos. Era começo de tarde e o primeiro encontro ultrapassaria a meia-noite. Ele dedicou-se à entrevista como o faz com suas obsessões. Alô, o senhor está vivo? O telefone esgoelava. Do outro lado, um atendente queria saber se estava tudo bem com Grassmann, que deveria ter acionado um botão nos minutos anteriores para informar à central que não precisava de ajuda. O procedimento faz parte do monitoramento remoto que uma empresa presta, por uma quantia mensal, a idosos sem companhia. Contratou o pacote há quatro anos, após se separar de Zizi. “Querem saber se estou vivo ou se providenciam alguém para buscar o defunto”, explicava-me. O telefonista insistia em ligações para que apertasse o tal pino, enquanto Grassmann se movia num indo e vindo ininterrupto na cadeira de rodas, em ideias sobre vida e arte. “Você está falando comigo, estou vivo, não está me ouvindo?.” Grassmann rejeitava o serviço para continuar em sua nova obsessão, a conversa. Mais Grassmann Os últimos trabalhos de Grassmann em suas “sessões de obsessão” devem ganhar uma exposição em Ribeirão Preto, no próximo ano, diz Zizi, na Galeria Marcelo Guarnieri. Serão desenhos, porque gravar já exige muito do físico dele. O artista, porém, não deve vir para a abertura porque sair de casa não tem estado em seus planos. Mas vai continuar desenhando, garante. “A vida, para ele, é o trabalho”, afirma Zizi. Apesar da limitação física, os temas seguem no mesmo vigor, explorando a finitude tanto em caveiras quanto em cavalos de grandes falos. “Ele tem uma energia de vida muito grande; sua mola propulsora sempre foi a libido como origem de tudo”, comenta. Seus monstros também estão lá. Mais irônicos do que assustadores, diz o autor. Nas cores, Grassmann usa majoritariamente tintas preta e branca e, quando muito, um quase nada de ocre ou azul acinzentado. É com elas e com os encavos que arquiteta os contrastes entre claro e escuro nas matrizes, numa analogia à sua filosofia de ambivalência, de vida e morte. “Ele é o cara dos contrastes, nem ele mesmo sabe disso”, descreve Kossovitch. E, nos desenhos, continua bebendo da morte como interlocutora. “A morte é um bom papo”, brinca. “Na verdade, na hora de pensar um desenho, há um papo entre duas coisas: o vivo e o morto. Podem ser animais, pessoas, o que for, e eu me divirto. Não que eu seja mórbido, mas irônico.”


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