Sábado, 22 de março de 2008
Cidades
PARA ENTENDER J.F.PIMENTA
Obstáculos à vista
O
presidente Lula tem algumas obsessões em matéria de economia das quais não abre mão. Uma delas é evitar a qualquer custo “a maldita da inflação”. Uma outra é a alegria de dizer que o FMI já não está mais no Brasil e que não temos mais dívida externa. Lula gosta de contar que sentiu a maior inveja quando visitou a Índia em 2004 e verificou que o país tinha cerca de U$ 100 bilhões em reservas cambiais. Hoje, temos cerca de U$ 200 bilhões, o que nos permitiu “zerar a dívida externa”. Mas definir o que seja isso exatamente não é tarefa trivial, pois por alguns critérios técnicos seria preciso mais US$ 45 bilhões para cobrir os investimentos de multinacionais que geram remessas de lucros para o exterior. Para evitar a volta da inflação, Lula é capaz até mesmo de aceitar que o Banco Central não reduza os juros tão rapidamente quanto gostaria, mas não está preparado ainda para aceitar que subam os juros. O papel do câmbio no controle da inflação é fundamental na política econômica atual, mas, em contrapartida, a valorização do real está causando uma deterioração das contas correntes que pode a médio prazo provocar um novo endividamento externo. Velha disputa Como sempre acontece em todos os governos, a velha disputa entre os economistas chamados ortodoxos e os desenvolvimentistas surge também nessa área. Já temos seguidos números de déficit na balança comercial, o que prevê um superávit bem menor este ano, e tudo indica que teremos um resultado de contas correntes deficitário, prognosticado em cerca de US$ 7 bilhões. Depois de mais de quatro anos de superávits sucessivos, em janeiro registrou-se o primeiro déficit em transações correntes no acumulado de 12 meses desde maio de 2003, de US$ 1,169 bilhão, equivalente a 0,09% do PIB. O que assusta o governo é que a conta corrente foi negativa em US$ 4,232 bilhões, resultado próximo do déficit de US$ 4,95 bilhões de outubro de 1998, o que fez com que o então presidente Fernando Henrique Cardoso fosse reeleito naquele ano, mas tivesse que desvalorizar o real logo no início do seu segundo mandato. Os economistas ortodoxos consideram saudável um pequeno resultado negativo nas transações de bens e serviços do país, porque significaria que estamos recebendo poupança externa.
P C M A
Dispêndio Por esse raciocínio, como temos um sistema de assistência social muito dispendioso, não temos condições de poupança interna e, conseqüentemente, não investimos o necessário para garantir um crescimento sustentado. Teríamos que contar com investimentos externos, e aí entram as privatizações como pomo de dis-
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A VALORIZAÇÃO DO REAL ESTÁ PROVOCANDO UMA DETERIORAÇÃO DAS CONTAS CORRENTES córdia. Já os assim chamados desenvolvimentistas consideram que a dependência externa impede o crescimento saudável da economia. Não é por outra razão que o governo está mobilizado para incentivar as exportações de manufaturados, através de uma política industrial a ser anunciada. Esse xadrez da economia, para manter o país numa rota de crescimento saudável e sustentado, tem complicações políticas adicionais. Pressões O aumento do funcionalismo público continua acontecendo, e o governo está sendo pressionado por greves em setores estratégicos, como os auditores fiscais, que podem ameaçar inclusive o fluxo de comércio exterior. Dois projetos cruciais estão parados no Congresso e o governo não mobiliza sua base para votá-los: o que regulamenta a greve no serviço público, proibindo que setores como os fiscais façam greve, e o que limita o aumento de gastos do governo. O consumo dos cidadãos, que provoca pressões inflacionárias, está acompanhado também do aumento de consumo do próprio governo, que não pára de aumentar seus gastos num ritmo próximo de 8% ao ano. Os custos da Previdência, o maior gasto do governo, não serão controlados por uma nova reforma, pelo menos neste governo. Inclusive porque a política de recuperação do salário mínimo, que afeta a Previdência em cheio, não será alterada. O superávit primário, que continuará na casa dos 4% do PIB, mesmo com o governo podendo descontar alguns projetos de investimentos em infra-estrutura, é alcançado sobretudo devido à alta carga tributária, que continua batendo recordes mês após mês. E a reforma trabalhista não sairá do papel enquanto as centrais sindicais continuarem com o prestígio que têm dentro da estrutura governamental. Em recente palestra para o Instituto Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial) sobre economia informal, o professor Friederich Schneider, da Universidade de Linz, na Áustria, demonstrou que a economia informal no Brasil está na faixa de 41,8% do PIB oficial, e uma das causas principais é a alta carga de tributos e a rigidez da legislação trabalhista. Pelo estudo do professor austríaco, a maior causa da economia informal, com 36%, é a carga tributária, que no Brasil cresceu de 29,74% em 1998 para 36,40% em 2006. Em relação à legislação trabalhista, o Brasil é o mais rígido dos 21 países estudados por ele.
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PRIORIDADE Welson Gasparini, prefeito de RP, diz que já recebeu propostas de várias empresas interessadas em explorar o gás do aterro. “Mas vamos priorizar uma nova destinação final para o lixo”, afirma.
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Merval Pereira
A CIDADE
MISTURA GERAL Lixão de RP, na Rodovia Mário Donegá: depósito com materiais de várias origens
‘Sistema do lixo de Ribeirão é atrasado’ Gestão desde a residência gera ganhos, alerta especialista SIMEI MORAIS
O
lixo de Ribeirão poderia dar uma aula de administração básica. Poderia, porque ainda não dá. O sistema de coleta e destinação final dos resíduos da cidade é atrasado, afirma o professor de engenharia Bernardo Teixeira, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Especialista em gestão de resíduos, ele afirma que o sistema que visa apenas a destinação final do lixo, sem priorizar as etapas anteriores, é arcaico. Em Ribeirão, como na maioria dos municípios brasileiros, é esse o sistema operado. “Pensam sempre na tecnologia final, mas não
vêem o que deve ser feito antes”, diz. O problema, explica, é que quando chega no destino final, geralmente num aterro sanitário, todos os tipos de materiais estão misturados. Isso dificulta o tratamento e gera perdas econômicas e ambientais. O raciocínio é o mesmo de uma linha de produção, e considera que todas as etapas sejam gerenciadas para não embolar o final, o chamado gargalo, que compromete toda a cadeia. Se o lixo fosse separado antes de chegar ao destino final, seria possível “desviar” os materiais que ainda têm retorno financeiro, como os recicláveis, e são nocivos ao ambiente. A esses, seria possível dar um tratamento adequado, diz.
Ao destino final, chegaria uma quantidade mínima de lixo, predominantemente orgânico (como os restos de comida). “É melhor aterrar 100 (objetos) do que mil”, compara o especialista da UFSCar. A gestão global do lixo é necessária para qualquer tecnologia de destinação final, diz. “O lixo é muito heterogêneo, não existe uma solução miraculosa”. Essa gestão exige investimento nas etapas anteriores ao destino final. “Gasta mais na coleta, mas ganha mais no final”, define. Facilitar o acesso à coleta seletiva, distribuir recipientes adequados a cada material e oferecer informação à população são alguns desses investimentos, exemplifica o professor.
PÉ NO CHÃO
Aterro ainda é imprescindível, diz Teixeira O professor Bernardo Teixeira, especialista em gestão de resíduos da UFSCar, diz considerar o sistema de aterro sanitário imprescindível, ainda, no Brasil. “O ideal é recuperar quase tudo, do lixo. Fazendo gestão das etapas
anteriores, é possível direcionar o mínimo para o aterro”, explica. Ele diz que esse é o sistema vigente em países como os da Europa, em que se elimina ao máximo a quantidade de material aterrado. Entre brasileiros, ele
cita Londrina como um exemplo de separação de resíduos. E comenta que no Estado de São Paulo ainda há poucos casos que servem de referencial. “Alguns estão começando, mas ainda há poucas experiências consolidadas”, diz.
NO CAMPO DAS IDÉIAS
Prefeitura pode ter ecopontos A prefeitura planeja espalhar ecopontos pela cidade para receber lixo reciclável. O plano independe do novo sistema de destinação e tratamento do lixo que o município pode adotar - o governo discute possíveis tecnologias para substituir o modelo de aterro. O ecoponto é um conteiner adaptado para receber o lixo separado por tipo, como papel, vidro e alumínio, por exemplo. O objetivo é ampliar a coleta seletiva, que hoje ocorre em apenas 32 bairros de Ribeirão, diz Marilene Falsarella, chefe da seção de resíduos sólidos do Daerp. Atualmente, 4 das 500 toneladas diárias de lixo são recicláveis, o que equivale a 0,8% do total. “É muito pou-
co. No lixo que vai para o aterro, há muito material reciclável”, conta. Em Sorocaba, que produz 400 toneladas de lixo por dia, mesmo tendo uma população maior (584 mil habitantes, 27 mil a mais que Ribeirão), a reciclagem “salva” do aterro 10 toneladas e meia de materiais diariamente (2,6% do lixo). Hoje, a coleta seletiva ribeirão-pretana é feita uma vez por semana, com caminhão. Para expandir o programa, o Daerp faz um estudo em conjunto com a secretaria de Assistência Social. A intenção é inserir catadores de recicláveis nesse processo, por meio do projeto Mãos Dadas, que tem um núcleo de trabalhadores cadastrado desde o ano passa-
do. O programa registra catadores desde novembro, informa Marilene. O projeto prevê a divulgação da coleta e um curso preparatório para padronizar o serviço dos catadores. “Ainda há quem mexa no lixo e deixe material esparramado”, cita. A expectativa é de que até o meio do ano o programa seja ampliado. “Isso vai aumentar a vida útil do aterro, diminuindo as toneladas. E ainda tem o ganho social, de gerar renda a esse grupo”, aponta Marilene. O atual aterro, com 17 anos de atividade, tem 102 mil m2 de área com 2,4 milhões de toneladas de lixo. São quase 12 estádios do Comercial transbordando com uma “pilha” de 24 metros de lixo compactado.
O problema do lixo no município O lixo virou uma espécie de bomba-relógio, em Ribeirão, quando o Daerp, que administra o serviço, pediu o encerramento do atual aterro, no no ano passado, enquanto preparava licitação para a escolha da concessionária que iria operar o sistema. A licitação foi cancelada, por ordem do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que apontou erros no edital. A licença ambiental do aterro já expirou e o local tem de fechar atpe 19 de agosto, por determinação da Cetesb. O problema é que, a cinco meses do limite, a prefeitura ainda não lançou a segunda licitação do lixo. O edital que estava prestes a ser lançado foi questionado pelo Ministério Público e pela Comissão Especial de Estudos (CEE) da Câmara que acompanha o caso. Eles apontaram falhas que provocariam problemas jurídicos e perdas financeiras e ambientais. Agora, prefeitura e vereadores discutem uma tecnologia que possa substituir o aterro, e que seja especificada no edital, sem margens para problemas legais. A prefeitura aposta que a secretaria estadual de Meio Ambiente amplie o prazo do aterro, até implantar o novo sistema para o lixo.
DINHEIRO NO LIXO
Gás do aterro pode ser explorado O prefeito Welson Gasparini afirma que empresas já manifestaram interesse em explorar o gás do aterro de Ribeirão. Diz, no entanto, que está priorizando a busca por um novo sistema de destinação do lixo. Mas o município pode lucrar com o gás metano originado na decomposição do lixo. O gás, 23 vezes mais nocivo que o CO2 (gás carbônico), pode gerar energia elétrica, na queima, e ser trocado por créditos de carbono no mercado mundial, explica Sônia Valle Walter Borges, professora da FEARP/USP, especialista em mecanismos de desenvolvimento limpo. “Isso é totalmente viável”, afirma. “Não é só questão de aquecimento global, mas de desordem meteorológica, que já afeta a economia e a sociedade”, complementa. Um estudo encomendado pelo vereador Gilberto Abreu (PV), da CEE do lixo na Câmara, aponta que a exploração pode render R$ 11 milhões ao município, por ano, até 2029. Atualmente, o aterro emite 18 milhões m3 de metano na atmosfera de Ribeirão, diz o levantamento. J.F.PIMENTA
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