Domingo, 26 de outubro de 2008
Especial
A CIDADE
A 13
“Há complexidades, é preciso ter cautela para fazer uma boa investigação [do tráfico eletrônico]. Se não houver pessoas que saibam lidar, queima-se o trabalho”, diz o delegado seccional de polícia de Ribeirão Preto, Rafael Rabinovici
TRÁFICO S.A.
COMO FUNCIONAM AS CENTRAIS DE ATENDIMENTO PELA INTERNET Os pedidos são recebidos por e-mail; traficantes anotam endereço e mandam fazer a entrega via motoqueiro, em domicílio, com moto plotada
Tráfico cria o peça-droga pela internet Peça on-line, por e-mail, e receba em casa: é a última jogada de marketing dos traficantes de Ribeirão Preto, para vender mais WEBER SIAN
SIMEI MORAIS
M
eio-dia. Um motoqueiro chega à boca-de-fumo de uma favela de Ribeirão Preto. “É pedra ou é pó?”, grita o vendedor ao motociclista que busca mercadoria. Eles estão a pelo menos 50 metros da reportagem. Os moradores em volta escutam a negociação da “loja física” do tráfico. Mas há as lojas virtuais, privadas entre dois computadores conectados à internet, em que vendedores ficam à espera dos clientes para atendê-los on-line. Hoje, até 30% das drogas que circulam na cidade vêm de vendas pela internet, afirma Amilton, nome fictício de um traficante de 26 anos, que há 13 está no crime. “Hoje, por e-mail, a pessoa socilita (a droga) e já chega aonde ela pedir”, comenta. O traficante conta que o serviço foi criado para atender melhor à clientela que não quer “descer” para a boca-de-fumo. “O ‘boy’ não sai da Ribeirânia (bairro de classe média alta na zona Leste) para ir na boca. Não vai deixar o conforto, a festa rolando”, diz Amilton. Claro que tem muito “boy” que ainda desconhece a comunicação on-line e vai até a rua comprar droga. Eles não têm os contatos quentes, diz o criminoso.
P C M A
On line Para os diletos que já têm acesso à droga pela internet, há regras já acertadas entre as partes. Os vendedores ficam à disposição numa determinada faixa de horário, como se fossem uma central de atendimento ao consumidor. O final da tarde é o começo do expediente para a maioria dos traficantes virtuais. “É o ‘lugar’ que o cara entra e sabe que vai achar. A maioria usa (a internet) à noite, porque sabe desse horário padrão”, conta Amilton. O horário não é à toa, mas apropriado para atender às demandas dos clientes. A maioria das baladas é à noite, destaca o criminoso. O público é, na maior parte, de classe média e de estudantes universitários. As drogas que mais saem, no canal on-line, são as sintéticas, como o LSD (ácido lisérgico), também conhecido por “doce”. Há ainda as “balas”, codinome para êxtase. Os sintéticos custam de R$ 20 a R$ 30. Amilton não abre endereço algum de e-mail, à reportagem. “Tem que ter os contatos”, repete.
O LADO DA LEI
Polícia não investiga vendas online em RP
DROGAS APREENDIDAS EM RIBEIRÃO PRETO A polícia não investiga a nova modalidade de tráfico eletrônico, mas reconhece que existe
Apesar de parecer terra de ninguém, a internet também não é seara em que traficante pode fazer publicidade à vontade. “Quando você achar alguém (que vende drogas), ele vai conversar com você por códigos”, esclarece. O traficante corrobora o clichê, verdadeiro, de que comunicação é a alma do negócio. “A comunicação com o consumidor final é que manda”, assegura. Marketing Tal postura, como de um homem de negócios, chama a atenção de quem conhece os fluxos gerenciais. “É um negócio como outro qualquer, com alta margem de lucro, e em que os negociadores precisam de maneiras diferentes de atingir as metas”, comenta um professor de marketing da FEARP/USP, que prefere o anonimato, na entrevista inusitada. O pesquisador diz que a comunicação se torna fundamental, nesse tipo de negócio. “Eles não podem fazer propaganda, então se valem de redes de contato”, comenta.
PAPEL ‘SECUNDÁRIO’
Moto com marca de empresa entrega a droga Se a comunicação ocupa papel prioritário na cadeia do negócio de entorpecentes, Amilton, o traficante entrevistado, não poupa o melhor de seu vocabulário para explicar como é feito o transporte da mercadoria. A reportagem pergunta se o lendário Fusca entregador de drogas, que atua em Ribeirão, é de seu grupo. “Fusca? Pode-se usar o que quiser. O que manda é a inteligência do fornecedor; o transporte é secundário”, esnoba. Mas tem papel de destaque. Tanto que há quem use motocicletas com logotipos de empresas. Amilton não diz se a estratégia é utilizada por ele. Nem se as marcas estampadas nas motos são de instituições verdadeiras e conhecidas do grande público, ou se são de empresas fantasmas. “O transporte é sempre
acima de qualquer suspeita”, explica. Leva-se a droga até em motel. Há garotas de programa que têm canal aberto com traficantes. Elas ligam e pedem a droga para seus clientes. Mas a mercadoria não fica “estocada” com as prostitutas, adverte Amilton. “Tem garota de programa que usa também, aí põe em perigo”, diz. E como todo delivery, sim, cobra-se uma taxa de entrega. Em média, R$ 10, dependendo do preço do motorista. E do endereço do abonado usuário. O produto A “categoria” nos negócios começa com a droga em mãos. Amilton diz que não usa cocaína, mas sabe reconhecer um “bom pó” só de cheirar a peça, sem “aspirar o produto”, diz. Mas o teste fiel de qualidade, aponta, são os vi-
ciados mais próximos. “É só levar para um menino que usa para ele contar”, comenta. O pó custa R$ 10, a cápsula de 1 grama. “Mas todo mundo sabe que não vem 1 grama certinho”, brinca. A maioria da cocaína vendida na cidade é batizada, conta ele. Usa-se bicarbonato de sódio para baratear o produto. Mas também há “iguarias”. Amilton conta que às vezes circula um pó tão puro quanto à heroína vendida nos Estados Unidos. “Mas é para consumidor de alto escalão, para poucos”, conta. A maconha, ou “massa”, no linguajar crimonoso, sai a R$ 50, o “tijolo” de 50 gramas. Quando falta carregamento, ou em fase de pico na demanda, como final de ano e carnaval, o preço da “verdinha” sobe. “É o preço que mais varia. Vai de R$ 80 a R$ 100, na seca”, diz.
Apesar do comércio virtual de drogas já ser realidade, em Ribeirão Preto, não há na cidade investigações em andamento sobre esse tipo de crime. A afirmação é do delegado Paulo Martins de Castro, da Dise (Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes). Investigações desse tipo demandam um grande número de policiais e um tempo maior, diz Castro. “Há complexidades, tem que ter cautela para uma boa investigação. Se não houver pessoas que sabem lidar, queima-se o trabalho”, comenta Rafael Rabinovici, titular da Seccional de Ribeirão. Há um ano, no entanto, houve a prisão de parte de uma quadrilha que trocava informações pela internet. “Mas era entre os vendedores, e não com consumidores”, diz Castro, da Dise. Os delegados não se dizem surpresos com o uso do meio virtual. Eles contam que há quem utilize os Correios e envie droga por Sedex, a carta com entrega rápida. “Hoje os Correios são o meio mais seguro de fazer qualquer entrega”, diz Rabinovici. Castro comenta, entretanto, que a própria empresa já usa detectores de entorpecentes na maioria das agências. “Mas podese enviar micropontos de LSD na parte de trás do selo”, diz. O usuário, nesse caso, põe o selo na língua, para obter o material. De quem é a droga Amilton, o traficante entrevistado, diz não saber quantos grupos de venda de droga existam, em Ribeirão. Ele evita dizer, ainda, se todos são ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital). Explica, no entanto, que as ligações são como uma “árvore genealógica”. “Há os irmãos, depois os primos, depois os chegados, os amigos, até chegar nos conhecidos, que têm menos relações”, conta. Uma árvore cada vez mais cheia de ramificações, entregando frutos proibidos.