Propina - 20 de maio de 2012

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Agora A3

Domingo, 20 de maio de 2012

Editorial Direito à informação Com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, os brasileiros ganharam o direito de conhecer tudo que está nos bancos de dados sob a guarda dos órgãos públicos. Qualquer um pode solicitar informações. Mesmo nos casos em que os governantes julguem importante manter dados em segredo, foi fixado um tempo para isso. Uma informação só pode permanecer secreta por um período máximo de 50 anos. É um avanço. O país pode agora conhecer com mais profundidade sua própria história e controlar melhor a atuação do

governo. Outra consequência positiva da nova lei é que facilita a divulgação de quanto ganham os servidores públicos. A presidente Dilma Rousseff já assinou decreto determinando que os órgãos federais divulguem na rede de computadores suas folhas de pagamento, com os nomes dos funcionários. Embora a lei não obrigue a tomar essa iniciativa, a presidente deu um exemplo. É de esperar que ele seja seguido por todos: Justiça, Congresso, Estados e municípios. Tem gente, no entanto, que não está

gostando. A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, filiada à CUT, que diz representar 850 mil servidores, quer manter os vencimentos em segredo. Considera que a decisão da presidente quebra o sigilo do servidor. É uma interpretação equivocada. O poder público é mantido com os impostos pagos pela sociedade, que é, na verdade, o verdadeiro “patrão” dos políticos e autoridades. Natural, portanto, que os cidadãos possam saber como seu dinheiro está sendo empregado. Ou mal empregado, em tantos casos.

Você pode mais Publicado desde 22 de março de 1999 Grupo Folha Presidente: Luiz Frias Diretor Editorial: Otavio Frias Filho Editor Responsável: Nilson Camargo Al. Barão de Limeira, 425, 5º andar CEP 01202-900, São Paulo, SP

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Destaque do dia

Arquitetos dizem que pagam propina para liberar obras Robson Ventura/Folhapress

resposta

Prefeitura diz repudiar ação ilegal A Secretaria da Coordenação das Subprefeituras afirma repudiar qualquer conduta que envolva propina. Em nota, a pasta diz 20CL301 que as queixas devem ser 4.0 encaminhadas ao seu departamento jurídico com 28.0 “elementos mínimos contidos na denúncia”, para que a secretaria instaure processo administrativo e disciplinar. Segundo a secretaria, o tempo de aprovação varia de acordo com as demandas de cada subprefeitura e a apresentação dos documentos exigidos. Sobre o caso de Doris van Hess, a pasta afirma ■O aposentado Adauto Aparecido Reame, 66 anos, tenta regularizar sua casa, em Moema (zona sul), desde que o setor de aprovação 2003; profissionais confirmam que pagamento de propina garante agilização de processos na prefeitura aguarda o atendimento ao Comunique-se (pedido para entrega de informações). De acordo com o histórico, ainda segundo a secretaria, existiam questionamentos quanto Longe das propinas, cida- no, o aposentado Adauto “A impressão que tenho é prefeitura para demolir sua ao zoneamento do terre- dãos comuns aguardam até Aparecido Reame, 66 anos, que temos que agir por casa e construir uma nova no, o que ocasionou a de- nove anos para conseguir li- entrou em 2003 com um meios escusos, mas eu não —raízes de árvores provocamora. Em relação ao pro- berar seus projetos na pre- processo de anistia junto à vou fazer isso”, diz. ram rachaduras no imóvel. cesso de Adauto Reame, a feitura. Após fazer uma mu- Subprefeitura da Vila MariaEm Guarapiranga (zona “A casa corre risco. Arrusecretaria diz que o Co- dança na planta original de na para regularizar o imóvel. sul), a designer Doris van mamos uma coisa e a prefeimunique-se deve chegar sua casa em Moema (zona Ele não conseguiu a docu- Hess, 47 anos, espera há cin- tura pede outra. Criam uma (SM e FC) sul) e construir um mezani- mentação até agora. (FC) em até 15 dias. co anos a autorização da série de dificuldades.”

Moradores esperam até 9 anos

Servidor vira alvo de investigação O ex-diretor do Aprov Hussain Aref Saab é investigado por suspeita de enriquecimento ilícito pela Corregedoria-Geral do Município, Polícia Civil e o grupo do Ministério Público que apura lavagem de dinheiro. Nos sete anos em que ficou como chefe no Aprov, o servidor público, com uma renda declarada de R$ 20 mil mensais, teria acumulado 106 apartamentos. Há suposta ligação entre as aquisições e a liberação de obras irregulares. Ele pediu demissão no mês passado. A defesa do ex-diretor diz que os bens dele estão declarados aos órgãos competentes e que todas as compras feitas estavam dentro da lei. (SM e FSP)

Saiba mais

órgãos responsáveis pela análise de projetos O que faz Emite alvarás de aprovação, execução e reforma de empreendimentos a partir de 1.500 metros quadrados ou salões de reunião para mais de 500 pessoas ■ Também aprova Habitese (certificado de conclusão) para HIS (habitação de interesse social) e indústria ■

Aprov

Departamento de Aprovação de Edificações ■

Funciona no prédio da Sehab (Secretaria da Habitação): rua São Bento, 45 (centro)

O que fazem Emitem alvarás e Habite-se para construções e reformas menores, aquelas não atendidas pelo Aprov ■ O processo deve ser registrado na subprefeitura que abrange o bairro ■

Subprefeituras ■

São 31 na cidade

Fonte: Prefeitura de São Paulo

Empreiteiro afirma ter pago R$ 5.000 Um empreiteiro confessou ter acabado de pagar R$ 5.000, em dinheiro e à vista, na Subprefeitura da Mooca (zona leste), na última quinta-feira, para liberar a obra e obter o Habite-se em um processo parado há um ano e meio. A repórter entrevistou

o empreiteiro no local —ele não quis se identificar. “Eles [técnicos] dizem ter muito serviço. Toda vez que você vem falar com uma pessoa, não está ou fala ‘amanhã vou ver’. De uma mesa para outra, [o processo] de(SM) mora uma semana.”

Burocracia dificulta, afirma especialista A burocracia na administração pública é um dos principais influenciadores da corrupção em vários escalões, diz a cientista política Maria do Socorro Souza Braga, da USP. “A corrupção se camufla nesse mecanismo.”

Outro fator, segundo a professora, é a punição onerosa e não eficiente. Para ela, os governantes devem responder com medidas de transparência que irradiem por toda a gestão pública. (SM)

Escritórios calculam até R$ 3.000 para dar a servidores e agilizar pedidos nas subprefeituras Arquitetos e engenheiros afirmam que pagam propina nos departamentos de aprovação de obras das subprefeituras de São Paulo para agilizar o andamento de projetos. O valor varia bastante —chega a R$ 3.000. Além desses profissionais, a reportagem conversou com um empreiteiro que disse ter acabado de pagar R$ 5.000 para liberar um processo parado em uma subprefeitura (leia texto nesta página). As declarações de arquitetos e engenheiros, que não sabiam que falavam com uma repórter, mostram que não há indícios de corrupção só no alto escalão, como apontam investigações sobre Hussain Aref Saab, ex-diretor do Aprov, órgão da prefeitura que libera grandes projetos. Nos setores de aprovação das subprefeituras concentram-se projetos de pequeno porte, maioria na cidade. A repórter ligou para profissionais identificando-se como proprietária de uma casa já construída. O pedido era para aprovar a documentação e tirar o Habite-se (certificado de conclusão) para poder vender o imóvel. Em conversas gravadas, os seis profissionais procurados disseram que a cobrança de propina existe. Três afirmaram que agilizariam o processo com grana extra. Contatos O funcionário de um escritório na Vila Prudente (zona leste) disse que tem contatos em várias subprefeituras, o que facilita “a assessoria”. “[A aprovação] vai depender de como estão a obra e a planta. Se estiverem bonitinhas, com ‘um pelinho’ [é um preço]. Mas se estiverem muito fora [da lei], o custo sai mais alto, porque ele [o servidor público] vai ter de fazer vista grossa.” Ele calculou R$ 3.000 de propina. Um arquiteto de São Miguel (zona leste) achou o valor alto, pois ele só costuma pagar um “café” — entre R$ 40 ou R$ 50. Já um arquiteto de Aricanduva (zona leste) diz que construtores “preferem contratar quem tem essa ‘garantia’ e não corre risco da obra atrasar”. (Simei Morais)


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