A hora da estrela

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O

romance narra as desventuras de Macabéa, uma moça

sonhadora e ingênua, recém-chegada do Nordeste ao Rio de Janeiro, às voltas com valores e cultura diferentes. Macabéa leva uma vida simples e sem grandes emoções. Começa a namorar Olímpico de Jesus, que não vê nela chances de ascensão social de qualquer tipo. Assim sendo, abandona-a para ficar com Glória (colega de trabalho de Macabéa), cujo pai era açougueiro, o que sugeria ao ambicioso nordestino a possibilidade de melhora financeira. Sentindo dores constantes, Macabéa vai ao médico e descobre que tem tuberculose, mas não conta a ninguém. Glória percebe a tristeza da colega e a aconselha a buscar consolo numa cartomante. Madame Carlota prevê um futuro feliz, que viria de um estrangeiro que ela conheceria assim que ela saísse daquela casa, homem louro com quem casaria. De certa forma, é o que acontece: ao sair da casa da cartomante, Macabéa é atropelada por uma Mercedes amarela guiada por um homem louro e cai no asfalto, onde morre.








Além da história de Macabéa, há no romance a história de Rodrigo S. M., o narrador, e a descrição do processo criativo (discurso metalinguístico). Rodrigo e Macabéa não fazem parte do mesmo espaço periférico, esta por sua condição de retirante e aquele por ser visto com maus olhos pela classe média e não conseguir alcançar pessoas como a protagonista.

Toda a expressão do texto é para se explicar. Rodrigo acaba priorizando o relato dos recursos textuais a falar de Macabéa, que ironicamente só ganha papel de destaque perto da hora de sua morte. É nesse ponto que compreendemos o significado do título: A hora da estrela é a hora da nossa morte, pois, nesse momento, o ser humano deixa de ser invisível às pessoas, que percebem que ele existe apenas quando já não existe mais.




Clarice adota um discurso regionalista em “A hora da estrela”, algo incomum em suas obras. Através da personagem Macabéa, a autora descreve uma nordestina que tenta escapar da miséria e do subdesenvolvimento, abandonando Alagoas pela possibilidade de melhores condições de vida no Rio de Janeiro. Clarice foi muitas vezes criticada por se afastar da literatura regional emergente do modernismo. Em A hora da estrela, ela foge do "hermetismo" característico de suas primeiras obras e alia sua linguagem à vertente regionalista da segunda geração do modernismo brasileiro. Na época da publicação, o crítico literário Eduardo Portella falou do surgimento de uma "nova Clarice", com uma narrativa extrovertida e "o coração selvagem comprometido com a situação do Nordeste brasileiro".

A hora da estrela é uma obra-prima da literatura brasileira, principalmente, pelas reflexões de Rodrigo sobre o ato de escrever, sua própria vida e a anti-heroína Macabéa.




Clarice comentou “A Hora da Estrela” em sua única entrevista televisionada, concedida em fevereiro de 1977 ao repórter Júlio Lerner para a TV Cultura, de São Paulo. Na entrevista, ela menciona que acabara de completar um livro com "treze nomes, treze títulos", embora ela tenha se recusado a citá-los. Ela diz, que o livro é "a estória de uma moça, tão pobre que só comia cachorro quente. Mas a estória não é isso, é sobre uma inocência pisada, de uma miséria anônima." Na mesma entrevista, Clarice diz que usou como referência para Macabéa a sua própria infância no nordeste brasileiro, além de uma visita a um aterro onde nordestinos se reuniam em São Cristóvão. Ela diz ter sido neste local que capturou "o ar meio perdido" do nordestino na cidade do Rio de Janeiro. Outra inspiração para a trama do livro foi uma visita que Clarice fez a uma cartomante. Na época, ela imaginou como "seria engraçado se na saída, ela fosse atropelada por um táxi depois de ouvir todas coisas boas que a cartomante previra.

O romance foi escrito à mão em diversos fragmentos de papel, a partir dos quais Lispector, com a ajuda da sua secretária Olga Borelli, compôs a versão final. O livro foi publicado em 26 de outubro de 1977, pouco antes da autora ingressar no hospital do INPS da Lagoa, no Rio de Janeiro.



“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da préhistória havia a pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.“ “As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins porque o que amadurece plenamente pode apodrecer." “Essa moça não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz." "Quem não é um acaso na vida?" "A eternidade é o estado das coisas neste momento." "Aliás - descubro eu agora - eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria." "Não tenho medo nem das chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas. Pois eu também sou o escuro da noite."




"Não se pode dar uma prova de existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando." "Talvez a pergunta vazia fosse apenas para que um dia alguém não viesse a dizer que ela nem ao menos havia perguntado. Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim." - Sabe o que mais eu aprendi? Eles disseram que se devia ter alegria de viver. Então eu tenho. Eu também ouvi uma música linda, eu até chorei. -Era samba? - Acho que era. E cantada por um homem chamado Caruso que se diz que já morreu. A voz era tão macia que até doía ouvir. A música chamava-se "Una Furtiva Lacrima". Não sei por que eles não disseram lágrima.




"Una Furtiva Lacrima" fora a única coisa belíssima na sua vida. Enxugando as próprias lágrimas tentou cantar o que ouvira. Mas a sua voz era crua e tão desafinada como ela mesma era. Quando ouviu começara a chorar. Era a primeira vez que chorava, não sabia que tinha tanta água nos olhos. Chorava, assoava o nariz sem saber mais por que chorava. Não chorava por causa da vida que levava: porque, não tendo conhecido outros modos de viver, aceitara que com ela era "assim". Mas também creio que chorava porque, através da música, adivinhava talvez que havia outros modos de sentir, havia existências mais delicadas e até com um certo luxo de alma."

"Macabéa ficou um pouco aturdida sem saber se atravessaria a rua pois sua vida já estava mudada. E mudada por palavras - desde Moisés se sabe que a palavra é Divina. Até para atravessar a rua ela já era outra pessoa. Uma pessoa grávida de futuro. " "E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre . Mas - mas eu também?! Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim."



Referências Vieira, Nelson. "Jewish Voices in Brazilian Literature: A Prophetic Discourse of Alterity", Pág 111-112, University Press of Florida, 1995 ISBN 0-8130-1418-2, ISBN 978-0-8130-1418-0 Lerner, Júlio. Entrevista com Clarice Lispector, televisionado originalmente na TV Cultura, filmado em fevereiro de 1977. Esta entrevista está disponível na internet, no YouTube em outras fontes. Dezembro de 2008 Cadernos de Literatura Brasileira : Clarice Lispector (Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles). 2004. Miguez, Cristina (10 de dezembro de 1977). «A morte de Clarice Lispector» (PDF). Folha de S.Paulo, Caderno Ilustrada [S.l.: s.n.] Consultado em 30 de dezembro de 2008. NOTAS pt.wikipedia.org/wiki/A_Hora_da_Estrela http://christianesantiago.blogspot.com.br/2010/08/hora-daestrela.html



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