SEXTA-FEIRA 13 - Antologia de Contos Assombrosos

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COLECÇÃO SUI GENERIS

SEXTA-FEIRA 13 ANTOLOGIA DE CONTOS ASSOMBROSOS


COLECÇÃO SUI GENERIS Obras colectivas: A BÍBLIA DOS PECADORES – Do Génesis ao Apocalipse O BEIJO DO VAMPIRO – Antologia de Contos Vampirescos VENDAVAL DE EMOÇÕES – Antologia de Poesia Lusófona GRAÇAS A DEUS! – Antologia de Natal NINGUÉM LEVA A MAL – Antologia de Estórias Carnavalescas TORRENTE DE PAIXÕES – Antologia de Poesia Lusófona SALOIOS & CAIPIRAS – Contos, Causos, Lendas e Poesias SEXTA-FEIRA 13 – Antologia de Contos Assombrosos Obras individuais: AMARGO AMARGAR – Isidro Sousa ALMAS FERIDAS – Suzete Fraga MAR EM MIM – Rosa Marques O PRANTO DO CISNE – Isidro Sousa DECIFRA-ME... OU DEVORO-TE! – Guadalupe Navarro


32 AUTORES

SEXTA-FEIRA 13 ANTOLOGIA DE CONTOS ASSOMBROSOS Organização e Coordenação ISIDRO SOUSA

EDIÇÕES SUI GENERIS EDITORA EUEDITO PORTUGAL


TEXTOS © 2017 SUI GENERIS E AUTORES

Título: Sexta-feira 13 Subtítulo: Antologia de Contos Assombrosos Autor: Vários Autores Organização e Coordenação: Isidro Sousa Revisão e Paginação: Isidro Sousa Capa (design): Artur Mósca Editores: Isidro Sousa e Paulo Lobo 1ª Edição – Maio 2017 ISBN: 978-989-8856-40-1 Depósito Legal: 425237/17 EDIÇÕES SUI GENERIS letras.suigeneris@gmail.com www.euedito.com/suigeneris http://letras-suigeneris.blogspot.pt https://issuu.com/sui.generis EUEDITO geral@euedito.com www.euedito.com Impressão Print On Demand Liberis A cópia ilegal viola os direitos dos autores. Os prejudicados somos todos nós. Direitos reservados pelo Organizador e pelos Autores. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, por quaisquer meios e em qualquer forma, sem a autorização prévia e escrita dos Editores ou do Organizador. Exceptua-se a transcrição de pequenos textos ou passagens para apresentação ou crítica do livro. Os Autores podem utilizar livremente os seus textos. A utilização, ou não, do actual Acordo Ortográfico foi deixada ao critério de cada Autor.


«Sexta-feira 13 é dia de sorte para alguns, dia de azar para outros,

gatos pretos e bruxas fazem parte da superstição. Mas o que é real mesmo é que sexta-feira é o dia da semana que antecede o sábado.» MARCOS ALVES DE ANDRADE


Triscaidecafobia / Parascavedecatriafobia / Frigatriscaidecafobia Triscaidecafobia é um medo irracional e incomum do número 13. Esse temor está ligado à crença supersticiosa de que a sexta-feira dia 13 é um dia de azar, e em casos extremos pode ser considerado uma fobia do número 13. O medo específico da sexta-feira 13 (fobia) é designado de Parascavedecatriafobia ou Frigatriscaidecafobia.


ÍNDICE

Prefácio ............................................................................................................. 9 O passageiro, Ademir Pascale ......................................................................... 13 Na noite mais escura, Akira Sam ................................................................ 17 Viste o pecado por aí?, Ana Paula Barbosa ................................................. 25 Até os cabelos ficam em pé, Angelina Violante .......................................... 29 Triscaidecafobia, Boriska Petrovna ................................................................ 33 Paraskevidekatriafobia, Carlos Arinto .......................................................... 39 O inferno é lá na esquina, Carmine Calicchio ............................................... 49 KM 13, Everton Medeiros ................................................................................ 59 O legado de Amélia, Fernanda Kruz ............................................................. 67 Luz negra, Fernando Magalhães ...................................................................... 75 Uma noite inesperada, Florizandra Porto ..................................................... 85 A armadura de Sancho, Guadalupe Navarro ................................................ 89 Terror na alcova, Hélio Sena ......................................................................... 95 A esposa de Luciano, Isidro Sousa ................................................................ 99 O pacto dos malditos vs as relíquias de Lúcifer, Jonnata Henrique ....... 109 Kikia, José Teixeira ........................................................................................ 123 O banquete das almas, Júlio Gomes ............................................................ 127 Sorte grande, Manuel Amaro Mendonça ...................................................... 137


Sorte no azar, Marcella Reis ......................................................................... Brutal, Márcio Rafael Lopes ........................................................................... Maria, a mulher que fez amor com um lobisomem, Marizeth Maria Pereira ................................................................................... Presa entre dois mundos, Paula Homem ................................................... Além do décimo terceiro andar, Ricardo de Lohem ................................... Filhos do diabo, Ricardo Solano ................................................................... O chapéu, Rosa Marques .............................................................................. O segredo de Frigga, Sandra Boveto ........................................................... O encantamento, Sara Timóteo ................................................................... Azul celeste, Sertorius ................................................................................... Oh, querido Richard, Stephanie Donnovan ................................................. O chamamento do cipreste, Suzete Fraga ................................................. Sexta-feira 13, uma aventura na noite!, Teresa Faria ............................... O décimo terceiro pesadelo, Wesley Pio .................................................... Os autores ..................................................................................................... Edições Sui Generis ....................................................................................

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PREFÁCIO Compreendem-se, há muito tempo, certos dias como sendo impregnados de algum tipo de infortúnio ou má sorte. O encontro da sextafeira com o dia 13 é repleto de lendas e crendices que deixam os mais supersticiosos de cabelos em pé. Sexta-feira 13 não é um dia propriamente admirado; só nos EUA, estima-se que entre 17 e 21 milhões de pessoas o temem ao ponto de isso ser classificado, oficialmente, como fobia. Associa-se tanto a sexta-feira quanto (separadamente) o número 13 ao azar. O que faz, então, a sexta-feira 13 ser considerada um dia do mal? Muitos acreditam que as conotações obscuras da sexta-feira nascem no Cristianismo. A tradição cristã assume que Jesus Cristo foi crucificado numa sexta-feira, estudiosos da Bíblia crêem que Eva ofereceu a maçã do pecado a Adão ao sexto dia da semana, Caim terá morto Abel numa sexta-feira e o Templo de Salomão terá sido destruído também nesse dia. Outros defendem que a má fama da sexta-feira antecede o Cristianismo, já que a palavra Friday, em inglês, foi escolhida em homenagem a Frigga, deusa nórdica do amor, da beleza, da sabedoria e da fertilidade. Acreditase que povos teutónicos consideravam a sexta-feira azarenta para casamentos, em parte devido à bela deusa que dá nome ao dia da semana. Por sua vez, em redor do número 13 existem sombras e desconfianças enraizadas em várias culturas e diversas possibilidades para explicar a sua origem, sendo a mais popular também decorrente do Cristianismo. É considerado de extrema má sorte ter 13 pessoas sentadas a uma mesa para jantar, porque Judas, o traidor, era a 13ª pessoa na Última Ceia, e o capítulo 13 do Apocalipse assume que o número da Besta é o 666. A Cabala, um ramo do esoterismo com ligações ao Judaísmo, enumera 13 espíritos malignos e os hindus acreditam, de igual modo, não ser bom reunir 13 pessoas para qualquer finalidade. No Norte da Europa, os vikings dos tempos antigos contam algo similar. Segundo a mitologia nórdica, doze deuses festejavam no salão de banquetes no Valhala quando Loki, deus da discórdia, apareceu sem ter sido convidado (algumas escrituras referem-no como o 13º convidado) e fez que Hod matasse o bom Balder com uma lança de visco, deixando todos em luto. Este é outro exemplo que demonstra não ser boa ideia reunir 13 pessoas para jantar... 9


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O que fez religiões distintas adoptarem uma tradição tão semelhante de demonizar o número 13? Há quem defenda que este número foi denegrido, de propósito, pelos fundadores das religiões patriarcais, para erradicar a influência de Frigga. Em culturas que adoravam deusas, era muitas vezes reverenciado, pois representava o número de ciclos lunares e menstruais que ocorrem anualmente. Os defensores desta teoria acreditam que tornou-se um número suspeito à medida que o calendário solar de doze meses suplantava o calendário lunar de treze meses. Porém, nem todas as civilizações do mundo antigo temiam o 13. Para os egípcios, por exemplo, a vida era uma jornada espiritual que se desdobrava em etapas; eles acreditavam que doze desses estágios ocorrem nesta vida, enquanto o décimo terceiro é uma ascensão transformadora e feliz para uma gloriosa vida eterna após a morte. Portanto, o número 13 representava a morte para os egípcios, mas não a decadência e o medo. Sem dúvida que este número está associado a uma série de lendas, mitos, curiosidades e superstições, e se conjugado com o dia de azar da semana (sexta-feira) tem-se, pela tradição, o mais desditoso dos dias. Mas onde está a origem do azar supremo que é juntar a sexta-feira ao número 13? Quando se uniram como um símbolo de má sorte para aterrorizar as massas? Há quem aponte para o último dia do reinado de Haroldo II da Inglaterra (sexta-feira, 13 de Outubro de 1066), em que Guilherme II da Normandia lhe deu a oportunidade de renunciar à coroa; como ele recusou, no dia seguinte tomou-a à força, na Batalha de Hastings, causando a morte de Haroldo. Esta é uma ideia moderna para explicar a origem do mito, sem base em qualquer história documentada. Mas outra versão, um evento de má memória relacionado com a prisão dos Templários, parece reunir maior consenso. No dia 13 de Outubro de 1307, o rei Filipe IV de França declarou ilegal a Ordem dos Cavaleiros Templários e executou alguns dos seus membros, que conheceram, desse modo, um fim sangrento após terem protegido o Reino de Jerusalém durante 189 anos. Dois séculos antes... tempos difíceis para os cristãos! Quem ia a Jerusalém, para rezar no berço do Cristianismo, era atacado pelos muçulmanos. Os cristãos careciam de protecção e um fidalgo francês decidiu criar, em 1118, uma organização de “anjos da guarda” para os peregrinos; Hugo de Payens juntou-se a oito cavaleiros e, com o aval do rei Balduíno II de Jerusalém, fez nascer a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, que ganhou isenções e privilégios, dentre os quais o direito de o seu líder se comunicar directamente com o Papa. A Ordem tornou-se uma das favoritas da caridade em toda a Cristandade e 10


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cresceu rapidamente, tanto em membros quanto em poder. Os seus membros, conhecidos por Cavaleiros Templários, estavam entre as mais qualificadas unidades de combate nas Cruzadas e os membros nãocombatentes geriam uma vasta infraestrutura económica, inovando em técnicas financeiras que constituíam o embrião de um sistema bancário e erguendo imensas fortificações por toda a Europa e na Terra Santa. Quem entrava na Ordem dos Templários fazia um voto de pobreza e castidade, entregando todos os seus bens à organização, que conquistou, durante dois séculos, um poder financeiro imensurável. Os Cavaleiros Templários eram vistos com grande prestígio na Europa, ganharam cada vez mais fiéis e a sua filosofia tinha de ser digna dos princípios cristãos. Mas um monarca francês, Filipe IV, O Belo, viu pouca pureza debaixo dos fatos brancos com a cruz de Cristo vermelha ao peito e armou-lhes uma cilada numa madrugada de Outubro de 1307. Era sexta-feira, dia 13. Filipe IV não gostava do poder que os Templários acumularam. A magnificência deles era tal que só o Papa, na época Clemente V, poderia ter mão sobre a Ordem. Por isso, tentou convencê-lo a acusar os Cavaleiros de crimes de heresia, mas a aliança do Papa com os Templários era útil para manter uma presença militar bem vincada na Palestina. Então, o rei planeou acusá-los de terem relações homossexuais entre si, o que era deveras humilhante no século XIV. Os motivos não eram verdadeiros nem tinham qualquer fundamento, mas a perseguição impunha-se por razões económicas: o rei necessitava da fortuna dos Templários. A Ordem era demasiado abastada para continuar a ser agiota da coroa francesa e de outras nações europeias e Filipe IV sabia que, com o poder e prestígio que os Cavaleiros haviam conquistado, só a morte os arruinaria. Convencer Clemente V a colaborar na perseguição não foi fácil pois ele precisava do apoio militar dos Templários na Palestina. E quando o grão-mestre Jacques de Molay chumbou o projecto para fundir todas as ordens militares, de modo a que ficassem sob o poder de um rei, o Papa não viu motivos para aliar-se a Filipe IV. Mas não foi capaz de travar o plano do monarca porque os boatos sobre os Templários começavam já a denegrir a imagem da própria Igreja; se continuasse a defender a Ordem, o bom nome da Igreja Católica seria, também, arrastado pela lama. A gota de água, para o soberano, foi quando Jacques de Molay, último grão-mestre da Ordem dos Templários, solicitou ao Papa que averiguasse a razão dos boatos sobre os Templários e pediu um documento oficial que lhes pusesse termo. Clemente V acedeu, porém, informou o rei. Este bateu punho e enviou uma carta a todo o reino com instruções 11


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para que só fosse aberta na noite de 12 de Outubro. Na noite marcada, Jacques de Molay e a maior parte dos Templários foram capturados. Não houve oposição: estavam só, em França, os soldados mais velhos. Na madrugada seguinte, Filipe IV emitiu um comunicado no qual sugeria que o Papa concordava com a morte dos Templários. Enfurecido, o Papa enviou dois cardeais para repreender o rei e os cardeais regressaram com um negócio nas mãos: a Igreja ficava com uma parte dos bens dos Templários já confiscados pela Inquisição, mas o rei podia escolher o modo de os julgar. Decidiu condená-los de acordo com o direito canónico, o mais pesado. E, nas mãos do Papa Clemente V, eles foram acusados de sacrilégio à cruz, heresia, sodomia e adoração a ídolos pagãos. A Inquisição, recorrendo a torturas cruéis, obteve as confissões que desejava. Durante a leitura das sentenças em Notre-Dame, condenaram alguns a prisão perpétua; os outros seriam queimados pelo fogo. Todavia, o grão-mestre, antes de ser atirado à fogueira, lançou uma maldição sobre Filipe IV e Clemente V. «Deus sabe que nos condenaram ao umbral da morte com grande injustiça. Não tardará a vir uma enorme calamidade para aqueles que nos condenaram sem respeitar a justiça autêntica. Deus vai responsabilizar-se pelas represálias da nossa morte. Vou perecer com essa garantia», foram as últimas palavras proferidas por Jacques de Molay. E, de facto, concretizaram-se; um ano volvido, o rei morreu com um derrame cerebral e, pouco depois, o Papa também sucumbiu. O povo levou a sério a ameaça de Molay, que ecoou por todo o reino, e, desde então, qualquer sexta-feira 13 passou a ser vista com receio: o azar, nesse dia, podia bater à porta de qualquer um. Embora o medo se espalhasse pelo mundo, a sexta-feira e o número 13 só ganharam verdadeira fama de azarados em meados do século XIX, quando os dois se terão unido como sendo o pior dia de azar. Esse medo foi ainda mais instigado já no século XX, com o lançamento do livro “Sexta-feira 13” por Nathaniel Lachenmeyer, que argumenta que a sextafeira é um dia pouco afortunado e o número 13 está cheio de fantasmas. Há outras versões acerca das origens da sexta-feira 13 e é difícil deslindar qual é a correcta; o que se sabe ao certo é que este dia está relacionado com maldições e assombrações. E é justamente em torno dele que se debruçam os textos literários incluídos nesta antologia. Que contêm estórias verdadeiramente assombrosas, recheadas de mitos e superstições, ambientadas numa sexta-feira 13, tendo sido redigidas por 32 autores lusófonos. E que vão proporcionar, seguramente, boas leituras. Isidro Sousa 12


O PASSAGEIRO Ademir Pascale

Sexta-feira, 13 de julho de 2012. 1h00 da manhã. Um táxi – fuscão preto – cruza a Avenida Paulista sentido centro da cidade. Todas as luzes do veículo estão apagadas, a única fonte de luz vem da ponta do cigarro do motorista, que, com os olhos semicerrados e mãos grudadas no volante, continua seu trajeto, até alguém dar sinal em frente ao Hotel Indian, na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, altura do nº 200. O passageiro, um rapaz negro de aproximadamente trinta e cinco anos, óculos fundo de garrafa, camisa manga longa listrada, calça social cinza, cinto preto e tênis branco esportivo, entra e senta no banco traseiro. – Boa noite! Me leva para a Estação da Luz, quero dar uns rolê por lá e vê cara nova. Sabe cumé, tô de saco cheio da patroa pegando no meu pé. Quando a gente se conheceu era amorzinho pra cá, amorzinho pra lá. Ela me chamava de “bebê chocolate”, sentava no meu colo e fazia aquele amor gostoso. Agora só me maltrata... Como as coisas mudam, não é? Cê é casado? O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e cigarro no canto esquerdo da boca. – Ah, beleza, cê num qué fala porque deve passar pelo mesmo que eu, num é? Sabe cumé, tem hora que torra a paciência ouvir reclamação o dia inteiro: Já num falei para limpar os pés antes de entrar em casa? Já falei para não deixar a toalha molhada em cima da cama, seu folgado. Agora é hora da minha novela, vai tomar no... o seu jogo do Corinthians. Vai lavar a louça e só lava os pratos? Os copos e as panelas não fazem parte? Vai lavar logo, seu preguiçoso. Vou me separar de você e arrumar um cara rico e que more lá no Morumbi, tô por aqui desse seu salarinho de merda, seu merda. E se tá a fim de transar, vai escovar os dentes. Parece que mataram um gambá aí dentro. Mas transa rápido porque tô cum 13


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sono. E não esquece que amanhã tem que ir buscar a minha mãe na rodoviária. Num tô nem aí que você tá sem dinheiro, vai dá seus pulo. Pô, isso é jeito de uma mulher tratar um homem? Cara, num aguento mais. Véi, na boa, cê num conhece algum terreiro bom pra fazê uma macumba pra essa mulher parar de pegá no pé e virá uma santa? Sabe cumé, tipo uma daquelas macumba que faz lavagem cerebral na pessoa. Cê sabe cumé? Sabe cumé? O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e cigarro no canto esquerdo da boca. – Cara, fala comigo. Dá uns conselhos. Cê parece um cara bem vivido... Sabe cumé, motorista de táxi tem bastante vivência nas ruas. Eu já tô quase fazendo uma loucura, pois num sei mais o que fazê. Me ajuda. Sabe cumé, sou homem mas tenho o coração mole. Já cansei de chorar escondido no banheiro. E cadê esse Deus? Canso de rezar e ele nunca me ajuda. E você, acredita em Deus? O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e cigarro no canto esquerdo da boca. – Tá certo em não acreditar. Veja em que merda estou? Quem disse que Deus é brasileiro é um viado sem noção. Deus deve vivê nos EUA, sabe cumé, lá eles vive tudo bem, ganha em dólar, comem bacon no café da manhã e tem um monte de feriado para comemorar... Cê gosta de feriado? Cê faz mais corridas em feriado, num é? Acredita que a minha mulher quebrou a minha caneca do Corinthians no último feriado? Só porque eu disse que tava cansado pra lavá roupa. Cara, o que qui tá acontecendo com essas mulher? Elas num quê mais sabê de lavá roupa, fazê comida e nem limpá a casa. Só sabem ficar mandando e mandando. E a sua mulher, manda você fazê as coisa em casa? O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e cigarro no canto esquerdo da boca. – Tá certo, cê tá trabalhando de madrugada, deve chegar em casa cansadão. Sua mulher deve respeitar você, num é? Num é? Sabe cumé, às veis é muito melhor trabalhá o dia inteiro, cê chega em casa cansadão e vai dormí. A sua mulher deixa você dormí? A minha quando dá na louca fica assistindo Jô Soares e tudo esses programa que passa nas madrugada, Serginho sei lá o quê, uns clip doido, e num me deixa dormí. Véi, na boa, tô cansado pacas dessa vida de merda... Deve sê bom ser motorista de táxi, num é? Sabe cumé, ouvi os passageiro, visita lugar diferente, vive passeando e ainda ganha dinheiro. Num é bem assim? Num é? O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e ci14


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garro no canto esquerdo da boca. – Véi, na boa, olhando bem pra você cê parece aqueles cowboy de filme de faroeste. Cumé o nome mesmo daquele ator? Clint Restwood... Wood... sei lá, algo assim... Cê parece ele, num é? Já não te falaram que cê parece ele? A sua mulher já disse que cê parece ele? Tenho certeza que algum passageiro já disse que cê parece ele, num é? O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e cigarro no canto esquerdo da boca. – Ah, cê num deve assisti filme, né? Tá trabalhando a noite inteira, num é? Mas deve passar na sessão da tarde. Cê assiste a sessão da tarde? Passa uns filme repetido, mas é bacana. Sabe cumé, faz a gente passá o tempo e cê esquece da vida e dos problema. A minha mulher assiste a sessão da tarde comigo já faz três meses. Tô desempregado e recebendo o seguro desemprego. Às veis, quando sobra um dinheirinho, compro uns chocolate pra ela comê cumigo vendo os filme. Sabe cumé, ela é chata, mas tá cumigo faz treze anos... Véi, na boa, será qui é por isso qui a gente anda brigando tanto? Treze anos... O número treze dá azar, num é? Num é? Cê acredita nessas coisa? O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e cigarro no canto esquerdo da boca. – Entendi, cê deve ser ateu. Num tem nenhuma cruizinha e nenhuma imagem de santo no seu táxi, num é? Motorista de táxi gosta dessas coisa, num é? Ah, menos você que é ateu. Véi, na boa, é bom ser ateu? Eu disse que num acredito em Deus, mas no fundo acredito. Minha família sempre foi muito religiosa. A minha mãe vivia na igreja e o meu pai cantava lá no coro todos os domingos. Aliás, foi na igreja que conheci a Roberta. E a sua mulher, vai na igreja ou é atéia? Véi, na boa, cê já ouviu falar sobre Charles Darwin? Ele era ateu e não acreditava em Deus, assim como você. Ele dizia que a evolução das espécies era uma prova de que Deus não existia. Muitas pessoas diziam que Charles se converteu e passou a acreditar em Deus, isso pouco antes de morrer, mas segundo a minha esposa que lê e estuda bastante, isso é pura mentira. Não passa de lenda urbana. Cê acredita nisso? Cê acha que ele se converteu ou continuou ateu até morrer? Hein, hein? O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e cigarro no canto esquerdo da boca. – Véi, na boa, sabe cumé, já pensei em me jogar da ponte de Pinheiros. Dizem que quem se suicida num vai pró céu e fica vagando no nada para sempre. Será que isso é verdade? Hein, hein? Ah, mas cê num acre15


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dita em Deus mesmo, num é? Mas cê num acredita nem um pouquinho? Hein, hein? O motorista dá uma freada brusca, fazendo o passageiro parar no banco da frente. Ele desgruda com dificuldade as mãos do volante, deixando pedaços da sua pele grudados nele. Logo em seguida segura com uma das suas mãos o passageiro pelo colarinho e escancara seus dentes apodrecidos, deixando seu cigarro cair da boca. Seus olhos enfurecidos revelam que ele realmente deixou de acreditar em Deus já faz muito tempo. Estica o seu braço esquelético e com seus dedos longos e magros abre a porta do veículo e chuta o passageiro para fora. Em seguida sai cantando os pneus enquanto solta um grunhido inumano de sua boca demoníaca: – Arrrggh! O motorista continua o seu trajeto calado, de olhar semicerrado e sem o cigarro no canto esquerdo da boca. Ouvindo apenas o som dos carros que passam por ele; aliviado, olha para o taxímetro parado desde 1985, data em que virou um morto-vivo. O passageiro, sentado na calçada, percebe que o motorista retornou e o deixou em frente ao Hotel Indian, na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, local de onde ele saiu. Raciocinando sobre os fatos, ele conclui e fala para si mesmo: – Aquele cara entende das coisa. Além de não cobrar pela corrida me trouxe de volta, pois sabe que amo a minha mulher. E com o dinheiro que economizei, vou comprar um maço de flores para ela. Agora eu tenho a plena certeza que Deus existe. AMOR, O SEU BEBÊ CHOCOLATE VOLTOU.

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NA NOITE MAIS ESCURA Akira Sam

Um vento frio soprava na escuridão da noite, um medo antigo rondava a alma perturbada e solitária que se encolhia no sofá da sala, já deveria ter perdido o medo do escuro, o medo das tempestades, era um adulto agora, mas infelizmente o passar do tempo em nada mudou esse sentimento. – Droga! Controle-se Louis, é apenas o vento na janela, você já tem quase dezessete anos, um adulto, não pode ter medo de uma chuvinha dessas! Mas o ribombar de mais um trovão o fez se encolher todo no sofá choramingando. Desde que seus pais morreram num acidente de carro, quando ele ainda era só um garotinho de seis anos, o medo de noites assim o acompanhava sem tréguas, viver com aquele tio solitário não ajudava muito e agora era ainda pior, ele vivia fora, sempre viajando a negócios, sempre longe. Suspirou resignado, deveria estar acostumado a ficar sozinho, mas era sexta-feira 13, um vento assustador rodopiava a casa e uma chuva torrencial caía lá fora, seus pingos escorriam pelo vidro da janela como dedos cadavéricos, e o frio o invadia completamente. Decidiu ver um pouco de televisão, quem sabe um filminho clássico fizesse bem? Ligou o aparelho moderno, ouvindo o leve chiado, e uma cena surgiu na grande tela, um vampiro de orelhas pontudas e olhar ameaçador avançava para sua indefesa vítima, que se encolhia de medo e usava uma camisola branca de rendas que mostrava seu belo corpo, a cena era em preto e branco e o filme realmente um clássico, mas não exatamente o que ele queria ver. Mudou rapidamente de canal e um grito se ouviu, uma faca ensanguentada era levantada repetidas vezes no ar, seu brilho maquiavélico dando um ar de terror à cena já tão macabra, impossível isso, desligou o aparelho. Era sexta-feira 13. No dia das bruxas, o que esperava encontrar na te17


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levisão? Um romance doce e cheio de encanto? Foi então que um trovão mais alto se fez ouvir, a própria casa estremeceu e tudo ficou escuro de repente. – Não! Não! – Gritou sem pensar o jovem apavorado com a escuridão. Uma coisa era ter o medo relativamente controlado dentro de uma casa toda iluminada, outra bem diferente era estar nesta mesma casa na completa escuridão. Tateou pelos bolsos à procura do celular, sua intenção era usar a luz do aparelho para ir à cozinha buscar as velas que sabia que o tio guardava no armário sob a pia, mas lembrou que tinha atendido uma chamada de um amigo da escola há pouco tempo e tinha deixado o celular em algum lugar entre a sala e o quarto, só não conseguia lembrar onde. – Calma, está tudo bem, não tem nada aqui para te assustar, é apenas escuridão... – Mas assim que falou essas palavras seu medo cresceu, parecia que as sombras causadas pelos breves instantes de luz dos relâmpagos eram mais ameaçadoras, maiores e assustadoras que antes, e a escuridão ganhava vida pelos cantos da casa simples, sempre tão acolhedora. Sentou no chão, encolhido feito uma bola, e choramingou. Não estava ligando mais para sua pose de adulto macho, ninguém estava vendo mesmo, podia resmungar e chorar à vontade, ainda que seu orgulho ficasse levemente arranhado com isso, mas ouviu leves batidas na porta, parou de chorar para prestar mais atenção e ouviu as batidas de novo. Naquela tempestade, naquele frio, e mesmo assim tinha alguém na porta da frente, sentiu medo, mas ao mesmo tempo ficou aliviado, se levantou e tateou até à porta, tentou olhar pelo olho mágico, mas a escuridão só permitia divisar um vulto alto parado ali, provavelmente ensopado e gelado, podia ser um bandido, um assassino ou apenas um pobre coitado que foi pego na tempestade e agora buscava algum auxílio. Resolveu abrir a porta. Tocou a maçaneta e levemente a girou, dando de cara com um homem alto, moreno e muito bonito. – Olá, desculpe incomodar, mas meu carro quebrou e estou sem bateria no meu celular, se bem que duvido que consiga um guincho a essa hora e nesta chuva, posso usar seu telefone? – A voz do homem era macia como seda, seus olhos eram ainda mais negros que a noite à sua volta, perturbadores e estranhos, e Louis se pegou perdido neles. – Meu nome é Alastar, eu posso entrar? – O homem estendeu a mão. Louis tocou a mão um tanto vacilante, e envergonhado por ter ficado tão impressionado pelo estranho, ele nunca tinha pensado muito nessa coisa de géneros, sempre achou homens e mulheres bonitos, já tinha 18


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namorado algumas garotas, mas aquele homem à sua frente o tinha deixado totalmente sem fôlego, sua beleza exótica era perturbadora demais. – Oi, meu nome é Louis. Por favor, entre. Estou sem energia e não sei se o telefone está funcionando, mas pode tentar. O estranho sorriu, e seu sorriso era magnífico, fazia covinhas nas bochechas lhe dando um ar mais humano, menos irreal, mas mesmo assim aqueles olhos profundos estavam lá para dizer a todos os pelos do seu corpo que deviam se arrepiar, e foi exatamente isso que aconteceu, uma corrente de eletricidade percorreu o corpo do jovem e ele ficou todo arrepiado, mas deu passagem para o homem entrar e fechou a porta em seguida. Os passos leves nem mesmo pareciam tocar o chão, ele se aproximou do telefone e o pegou, para logo em seguida colocar de volta na base, olhando de novo para Louis, desanimado. – Mudo. A tempestade fez as linhas caírem também, que pena! Já vou indo então, mas obrigado pela gentileza. – Espere. Está caindo uma tempestade lá fora, está frio e... Pode ficar aqui se quiser, até a chuva passar, eu não me importo na verdade. Alastar sorriu, mostrando as covinhas nas bochechas e se aproximando perigosamente do rapaz, parecia ser em tudo sedutor, no jeito de andar, na maneira quase obscena de manter os olhos fixos no outro, até estar tão perto que seus corpos quase se tocaram na escuridão entrecortada por relâmpagos furiosos. – Tem certeza, Louis? Eu posso mesmo ficar? – A voz de seda sussurrou em seus ouvidos arrepiando seu corpo inteiro e o fazendo estremecer. – T-tenho... fique à vontade... – Respondeu completamente inseguro o jovem. – Hum... Acho que vou gostar de ficar com você. Espera, ele tinha ouvido direito? O que foi que aquele estranho disse mesmo? Mas foi nesse mesmo instante que o outro deu mais um passo e seus corpos se chocaram um contra o outro, as mãos fortes e frias deslizaram rapidamente até seu queixo, que foi erguido, e a boca voluptuosa do homem tomou a sua de maneira intensa, a princípio sobre os lábios, mas em seguida pedindo passagem para adentrar com a língua e o enlouquecer completamente. Sem pensar muito, o jovem cedeu, aturdido pela novidade quente; suas línguas travaram uma luta intensa e insana, numa guerra sem vencedores, as mãos o apertando tanto que chegava a doer, mas era muito bom, muito bom mesmo! Se soltaram por pura falta de ar, 19


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ofegantes, mas as mãos do estranho ainda seguravam seu pescoço e sem aviso deslizaram pelos ombros, descendo mansamente pelos braços que tremiam. – Está com medo de mim, pequeno Louis? Aquela voz macia, quente, tão gostosa, lhe arrepiando a pele, quase causando uma combustão instantânea em seu corpo. – Eu não sei, nunca beijei um homem antes, acho que não sou gay... – Para quem não é gay parece que ficou bem excitado, não é? – Retrucou o belo homem, descendo a mão até o membro do pequeno, que se assustou com o toque inesperado em sua intimidade e para seu total desespero acabou gemendo. O outro riu, uma risada baixa e forte, inebriante em sua sonoridade densa, e mais uma vez sem pedir permissão o tomou em um beijo cheio de fome e desejo, o soltando somente para descer os lábios pelo pescoço alvo, onde a pele arrepiada cheirava a medo, desejo e baunilha, e num instante suas presas afiadas irromperam, e com agilidade se enterraram na carne nua, a mordida fez o jovem soltar um grito aturdido, mas em seguida se sentiu plenamente maravilhado, aquela mordida era um afrodisíaco potente que o fez gemer, preso aos braços do outro. «Ele é um vampiro!», foi seu último pensamento coerente, antes de se entregar ao prazer indefinido e maravilhoso que parecia derreter seu corpo e enlouquecer suas células em um verdadeiro orgasmo que estremecia todo seu corpo. O vampiro tomava o doce sangue maravilhado, aquele garoto era mesmo delicioso, uma refeição completa, mas tinha algo mais nele, um gosto único e insano que estalava em sua língua. Apertou mais os braços ao redor de sua vítima, sentindo o calor do corpo do outro contra o seu, ouvindo seus gemidos deliciosos enquanto sugava sua vida, pretendia matá-lo como a todos os outros, mas aquele sabor tão intenso e aqueles gemidos tão puros o deixaram desnorteado e no último instante, onde a barreira do suportável se definia à sua frente, acabou se refreando, pela primeira vez em três séculos, e retraindo as presas saiu do menino, lambeu ainda os pequenos pontos por onde o sangue vivo descia, e eles se fecharam com sua saliva curativa. O corpo do garoto se soltou em seus braços ainda trêmulo e ele, sem nem mesmo saber porquê, o pegou nos braços e beijou seus lábios pálidos, e fez algo ainda mais incrível, o levou embora. «O que estou fazendo agora?», se perguntou o vampiro Alastar, já indo em direção ao seu carro com o garoto nos braços, tentava se conven20


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cer de que o queria apenas mais uma vez, uma nova mordida e pronto, depois a morte cálida, mas em seu interior já sabia que era algo diferente, algo novo que ardia em sua pele e em seu coração antigo, algo que ele ainda não tinha sentido em toda a sua longa e solitária existência. A chuva molhou a ambos enquanto ele andava até o carro e se pegou subitamente preocupado com o jovem em seus braços, por isso o colocou rapidamente no carro e disparou noite adentro, rumando para o hotel em que estava hospedado. Já era madrugada, a entrada estaria vazia e o atendendo da noite não lhe causaria problemas ao ver o garoto em seus braços desacordado. Parou e entrou no estacionamento do hotel, desceu e pegou Louis nos braços, o levando para a sua suíte que ficava no último andar, e era o mais caro e exclusivo da cidade, onde desfrutava da mais completa privacidade, sendo um ser imortal era fácil se entediar, por isso recorria a viagens constantes, nas quais ficava hospedado em hotéis caros para desfrutar do conforto humano e na maioria das vezes pegar uma ou duas vítimas para matar o tempo e aplacar a sede. O atendendo o olhou desinteressado, e nem mesmo esboçou um sorriso ao ver a situação, voltando sua atenção ao livro que lia. Alastar subiu até sua suíte e entrou, indo deitar o garoto em sua grande cama, se ocupando em observá-lo por inteiro, afinal de contas o que viu naquele humano que chamou sua atenção desse modo? O garoto era jovem, quase um adolescente ainda, magro, pequeno, no máximo 1,60 de altura, tinha a pele ligeiramente pálida, tanto pela perda de sangue quanto por sua própria natureza, seu rosto de traços delicados lhe proporcionava uma beleza invejável, olhos levemente puxados indicavam alguma descendência asiática, os cabelos estavam pintados em um tom bonito de azulescuro, o que lhe dava um ar rebelde, algo que combinava com os brincos pequenos de argola na orelha direita, mas o que mais chamou sua atenção foi a boca perfeitamente desenhada, modelada como se feita a pincel por um artista da Renascença, rosada e macia, muito macia. Sem conseguir resistir, se abaixou e beijou a boca, deslizou os lábios pelo peito alvo, abrindo a camisa branca e molhada, e percebendo isso decidiu tirar toda a roupa dele, a camisa revelou sua beleza jovem, mamilos rosados e bonitos que beijou um por um, deliciado com o sabor de chuva e pele fresca, desceu a calça jeans que também estava encharcada pela chuva e revelou pernas lisas e inesperadamente bem modeladas, sem falar na cintura fina que adorou tocar, por último tirou a cueca box revelando a intimidade dele, e ao ver o pequeno nu em sua cama ficou subitamente excitado e atordoado, um vampiro geralmente se ocupa do pra21


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zer de morder e sugar sangue, mas pode também fazer sexo, muito embora esse desejo seja quase sempre deixado de lado até que se encontre seu verdadeiro amor. – Espere um pouco, estou apaixonado? É por isso que me sinto quente e estranho? Não, não, impossível! – Falou em voz alto o vampiro, tentando se localizar dentro de seus próprios sentimentos confusos, e talvez sua voz tenha sido o suficiente para acordar o garoto, que se mexeu ligeiramente na cama, seus cílios tremeram e ele abriu os olhos, deixando o vampiro meio apavorado, sem saber o que fazer em seguida. – Onde... onde estou, Alastar? O vampiro achou isso interessante, o garoto não gritou, não esperneou, nem mesmo demonstrou medo ao acordar ali em sua companhia. – Está em meu quarto, na minha suíte de hotel, como se sente? Está dolorido, cansado? Louis se sentou e tocou o pescoço levemente com dedos vacilantes, ficando corado. Percebeu que estava nu na frente do outro, que permanecia completamente vestido, e seu rosto ardeu em vergonha, o fazendo puxar um lençol para se cobrir antes de encarar o belo homem à sua frente. – E-estou bem, não estou dolorido... Alastar, você é um vampiro, não é? Vai me matar? Essas perguntas feitas de maneira tão doce pegaram o vampiro de surpresa, ele sentiu tristeza e dor em suas palavras, algo estranho para alguém tão jovem assim, por isso decidiu responder sinceramente, colocando seu coração em suas palavras: – Eu entrei em sua casa para te matar, você seria só mais uma vítima em uma noite escura, mas quando te mordi não consegui fazê-lo, eu não sei explicar direito, gostei de você e isso não é comum, em trezentos anos nunca fiz isso antes. O rapaz sorriu e se deitou na cama, se sentia cansado, não se importava de morrer, sua vida era mesmo muito superficial, se sentia sempre sozinho, tinha amigos mas não se encontrava em local algum, se sentia sempre deslocado, morrer nas mãos de um vampiro sedutor parecia mais interessante, por isso mesmo esperou pelo seu fim, e fechou os olhos, aguardando a mordida fatal, mas o que sentiu foi quente e reconfortante, o outro o abraçou apertado e procurou sua boca em um novo beijo gostoso, é verdade que nunca antes tinha se interessado por homens, mas aquele não era necessariamente um homem, era um vampiro, bonito em um limite perturbador, se entregou a ele completamente. Alastar sugou 22


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aqueles lábios macios, mordeu levemente sem machucar a pele rosada e se deliciou ao ouvir os gemidos que provocava naquele humano, levou suas mãos aos cabelos um tanto longos e azuis e enfiou os dedos os puxando, queria devorar, possuir, enlouquecer aquele ser, e a julgar pelos gemidos que ouvia estava conseguindo. – Vou te amar, belo Louis. Você é meu agora. – Faça o que quiser comigo, faça tudo, eu quero... – Respondeu ofegante o garoto, revirando os olhos ao sentir as mãos que puxavam seus cabelos e se misturavam aos fios sedosos. Alastar nunca tinha sentido tamanho desejo como aquele que o queimava agora, queria provar o garoto inteiro, por isso puxou o lençol que ainda o cobria e desnudou seu corpo, começando a beijar seu pescoço e traçando uma linha de beijos e leves mordidas que desceram pelo peito, se demorando nos mamilos turgidos, fazendo o garoto arquear o corpo perante a carícia nova, sentindo uma volúpia intensa ao ser tocado onde ainda nunca tinha sido antes, era inebriante e perturbador, ele queria sentir mais, muito mais. O belo vampiro lambeu sua barriga lisa e desceu até o umbigo, onde enfiou a língua atrevida, e continuou descendo até chegar à virilha do garoto, neste ponto se demorou beijando e mordiscando, até por fim tomar o membro já pulsante de desejo na boca ávida e o sugar inteiro, quase levando o pequeno ao delírio, se empenhou em dar prazer a ele, se aprofundou na carícia e o sorveu completamente quando ele chegou ao orgasmo rapidamente, vencido pela novidade de ser masturbado e receber um oral maravilhoso de um vampiro secular. Quando o corpo jovem tremeu em suas mãos e o seu líquido se derramou em sua boca, o vampiro se sentiu mais vivo do que nunca, deslizou as mãos para as pernas macias dele e as abriu lentamente, buscando aquele ponto mais íntimo que queria possuir, e o preparou com calma, pois já tinha percebido que o garoto não tinha ainda feito nada do tipo antes, o que o deixou ainda mais excitado, sentia o garoto se contorcer e gemer quando colocou seu dedo médio no pequeno espaço ainda virgem dele, mas não parou, estava enlouquecido de prazer, quando o sentiu mais receptivo se posicionou sobre ele e entrou, inteiro e lentamente, fazendo o pequeno arquear o corpo e gritar, apertando suas mãos finas em seu pescoço, arranhando a pele macia e gemendo alto. – Alastar... Alastar... Embora só chamasse o nome do outro, isso era suficiente para enlouquecê-lo por completo e aumentar as estocadas já quase furiosas dentro do corpo trémulo que possuía agora, tanto prazer mesclado naquele 23


CONTOS ASSOMBROSOS

momento os estava envolvendo completamente, seus corpos suados se debatiam, unidos neste encontro louco, até que caíram juntos em um último espasmo, no delírio derradeiro do orgasmo intenso que tomou os dois completamente. Alastar se deitou de lado, puxando o outro para junto de si, o apertando com carinho e beijando seus cabelos azuis completamente revoltados agora, e ainda assim lindos em sua maneira, acariciou o rosto com dedos frios, o mantendo em seus braços, antes de sorrir. – Louis, estou apaixonado por você, o que faço agora? O garoto se levantou um pouco para observar o rosto bonito do vampiro que tinha acabado de possuir seu corpo e roubar sua alma. – Fique comigo, me leve com você, me ame sempre que quiser, porque não poderei viver longe dos seus braços. – Respondeu com sinceridade alarmante o jovem. Alastar sorriu e beijou o topo da cabeça do menino, em seguida o deitou na cama e cravou seus dentes afiados no pescoço dele, novamente o levando ao delírio, até que o sentiu à beira da morte, então rasgou a própria garganta e o fez tomar seu sangue secular, somente um pouco já era o suficiente, pois não poderia viver mais sem ele, e nem mesmo imaginar o tempo traiçoeiro o mudando, ele o desejava assim, perfeito e maravilhoso para sempre ao seu lado. Quando o garoto provou o sangue quente na ponta da língua sentiu o coração quase explodir, sugou o líquido vermelho e espesso com sofreguidão até se sentir saciado e depois adormeceu, acalentado em braços protetores, acordou algumas horas mais tarde, já com a química potente que o havia transformado para sempre, e sorriu para seu amante imortal que o aguardava de braços abertos. – Venha até mim, meu amado, meu amor, e vamos sair para a noite mais escura e viver juntos pela eternidade. – Falou o vampiro Alastar que agora aos olhos do garoto estava ainda mais belo e sedutor. Louis estendeu a mão pálida e se surpreendeu com a textura nova que sentiu na pele do outro, e sentiu novo arrepio a percorrer seu corpo jovem, o fazendo sorrir. – Alastar, meu amor, podemos ir mais tarde? Quero te sentir novamente dentro de mim, agora como um igual... O vampiro também sorriu, deliciado com a ideia do companheiro, e não perdeu tempo em responder com palavras, já que sabia muito bem responder com beijos.

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VISTE O PECADO POR AÍ? Ana Paula Barbosa

Endireitou o colarinho da camisa, observando-se ao espelho, que refletia aquilo a que a sua avó chamaria “um belo rapaz”: não sendo de uma beleza clássica, todo o conjunto revelava equilíbrio, como talhado por um escultor, nada lhe era desproporcional ou excessivo... ou deficitário. João estava satisfeito com o contraste da cor branca, realçando o pescoço bem torneado e as mãos quase esguias, quase fugidias quando queria. Abotoou-a com cuidado não exagerado e sorriu à imagem reflexa: estava habituado com algum sucesso, não só no meio feminino, mas também no masculino. Não o transformou num Don Juan, “mas quase”, como tantas vezes Camila o provocara. Que fazer? A vida tinha-lhe sorrido, seria injusto que o negasse: a profissão de piloto profissional era a ocupação que escolhera, da escola de PPA a PPL foi um abrir e fechar de olhos; rápido percebera que, com os conhecimentos adequados – e esses contactos eram-lhe fáceis, fáceis... – bastava-lhe demonstrar alguma disponibilidade perante as pessoas certas. Antes de completar 35 anos, deu por si a permitir-se uma viagem por ano (duas, quando muito), cobrando o suficiente para viver desafogadamente. Naturalmente, havia riscos sempre imponderáveis, mas onde é que não residem?! Alguma adrenalina palpitava nas suas veias e considerava a sua vida bastante satisfatória, sem vaidades nem vã-glórias. Satisfeito com a aparência, adornou-a com autoconfiança, tão inata quanto profunda. A reunião com o novo cliente seria dentro de uma hora, o contrato estava na pasta – tal como tudo que precisava para se apresentar: credenciais, certificados, nada podia faltar. Ao sair de casa, sentiu um leve arrepio, invulgar e estranho: o vento quase não se fazia sentir, a rua estava ainda tranquila. Sem dar grande importância, dirigiuse ao carro, impecavelmente brilhante, destacando as características des25


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portivas tão harmoniosas com a personalidade do proprietário. A autoestrada encontrava-se bastante disponível, o que permitiu uma viagem, apesar de curta, a descontração apoderou-se do seu espírito. A paisagem verdejante beijada pelo rio transmitiu-lhe uma sensação de paz: habituado a vê-la sob um prisma superior, in loco não deixava de ser também bela; João sorriu com os seus pensamentos: não obstante amar voar e toda a liberdade que a profissão lhe proporcionava, na realidade sabia que – um dia, longe ainda – teria de a abandonar. “Talvez num dia igual... uma sexta-feira 13, inundada pelo Sol.” O GPS confirmou-lhe que estava no local certo, que revelava uma moradia de três andares e traça clássica, em tons neutros. Para lá dos muros, um jardim bem cuidado, com árvores exóticas, traduzia o bom gosto dos moradores. Encaminhou-se para o portão, onde se fez anunciar: transpor a pequena ladeira confirmou as suas observações – estava perante pessoas de finíssimo gosto estético. Estacionou no lugar indicado, movendo-se com passos descontraídos, vestindo e abotoando o casaco. A porta foi aberta por um mordomo, revelando o hall decorado de belas e raras obras de arte. Sem se deixar impressionar pela imponência, João seguiu-o até à bela sala de estar, onde lhe pediram para aguardar. À sua volta, um pequeno bar repousava numa mesa de madeira, em oposição aos copos de fino cristal. Uns candelabros davam o toque romântico ao espaço, soberbamente iluminado de luz natural vinda do jardim, cujas amplas janelas recebiam o lago com cisnes quase dentro de casa. De pé, observava a estante recheada de livros, de lombadas brilhantes. Voltou-se para a porta, ao sentir um leve movimento, e uma figura feminina invadiu a sala. João não manifestou surpresa perante a bela mulher que se dirigia em sua direção: – Sou Isabel Guedes de Almeida – e João apertou com vigor a mão esguia que ela lhe oferecia. – João Mendonça – acrescentando – tenho uma reunião às 11 horas com... – Eu sei – assentiu. – A reunião é comigo. Sente-se, por favor. João encaminhou-se para o sofá indicado, desabotoou o casaco e instalou-se, colocando a pasta sobre a pequena mesa que o separava de Isabel, disposto a cumprir as formalidades habituais. – Admirado? – quis saber. – Não, nem um pouco. – Contactei-o devido à sua reputação, porque preciso de... 26


SEXTA-FEIRA 13

João encarou-a, agora sim, com curiosidade: por princípio, era-lhe indiferente; estava habituado a executar funções dignas de excêntricos, milionários, revolucionários. Se Isabel queria ir às compras a Nova Iorque ou ao Dubai, que importância tinha. Estava prestes a esboçar um sorriso, quando se deteve perante o olhar insinuador. – Preciso de toda a sua competência profissional para executar o serviço que pretendo. Exijo eficácia, sem a menor margem de erro. Faça o seu preço. Habituado a estas palavras, João não reagiu, “mais do mesmo”: a excentricidade alheia era-lhe tão familiar quanto o ar que respirava. – Pode dizer, o meu avião está à sua disposição. Exponha o que pretende. A determinação assegurada por João incentivou Isabel, que respirou fundo, dando azo à excitação que sentia. Sem delongas, avançou: – Quero que concretize um acidente, a vítima é o meu marido. Sentindo o sangue acelerar nas veias – e, de novo, o leve arrepio que tinha notado horas antes –, João predispôs-se a levantar-se. – Espere. Ouça o meu plano – impôs Isabel. Por milionésimos de segundos, paralisou, facto que Isabel aproveitou para se aproximar. Deteve-se a poucos centímetros e, sem soltar o olhar do dele, ajoelhou-se entre as pernas de João. Mãos longas e finas abriram a fivela do cinto. A boca quente apoderou-se do seu corpo e João fechou os olhos. A porta da sala mantinha-se aberta, o receio – ou o susto – de serem surpreendidos transformou-se num fator-chave de elevada excitação para ambos. Quando satisfeita com o visível e exuberante resultado obtido, lentamente Isabel deslizou pelo corpo rendido e, de joelhos sob a maciez do veludo do sofá, apoderou-se de toda a masculinidade que João lhe oferecia. Um gemido de prazer abraçou a sala, João entregou-se ao prazer, beijando com avareza a pele branca e quente, tão próxima, tão ardente. Apesar do susto com a revelação da missão pretendida, João não deixaria de desfrutar do momento que Isabel lhe proporcionava. Um forte orgasmo roubou-lhes os sentidos, quase em simultâneo, e o cheiro a sexo, selvagem e imperativo, subjugou a sala. Isabel ergueu-se, compôs as roupas e os cabelos em desalinho, dirigiu-se ao bar, servindo dois copos. Estendeu um a João, já perfilado e disposto a abandonar o local, quando insistiu: – E agora – com sorriso malicioso – quer escutar o meu plano? A resposta não se fez ouvir; sons vindos da porta principal da mansão despertaram a atenção de ambos e rapidamente uma voz masculina fez27


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se ouvir, entrando na sala: – Decidi vir almoçar a casa – comunicou, beijando ao de leve a face de Isabel. Ao encarar João, o espanto tomou posse dos dois homens: sem a menor sombra de dúvidas eram iguais. Verdadeiramente iguais; o rosto, a estrutura física, a postura... iguais como duas gotas de água. João levou a mão à testa húmida, num gesto de complexidade: já tinha ouvido falar de sósias, mas... – Sim, são gémeos – esclareceu Isabel, friamente. – Fiz uma longa investigação e tenho provas do que afirmo. O meu marido foi roubado à nascença e levado para Inglaterra, onde cresceu no seio de uma família abastada, porém sem descendentes. Regressámos no ano passado e premeditei este momento há muito tempo. Ambos a olhavam estupefactos, sem coragem para se observarem; imagem refletida num espelho, o “eu e eu” separados por um ténue espaço. João cedeu. Apertou a mão com tanta força que o cristal estilhaçou em cima do tapete persa. O líquido vertido foi decorado com finas gotas de sangue. Transformou-se. Transformando-se, já não era ele próprio: sem controlo na sua mente, no seu corpo. Inclinou-se para a pasta que pousara na mesa e, abrindo-a com calma, retirou um pequeno revólver. A loucura cegou-o, disparando quase à queima-roupa. Abandonou o espaço em passos largos, em direção ao carro estacionado onde o deixara. Com ele, jazia uma vida. O ranger de pneus quase o trouxe à realidade, mas não fora suficiente. O portão abriu-se de par em par e João acelerou rumo ao desconhecido. Tentou que o raciocínio voltasse, puxou-o com todas as suas forças. Impotência máxima. Desesperado, usou o telefone: – Camila, vou para o hangar. – Quando voltas? – Quando? Só se o pecado desaparecer.

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ESTE LIVRO TEM 270 PÁGINAS

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