Eric shAuN TaN
Ilustrações por susana barroso
Eric shAuN TaN
Ilustrações por susana barroso
Aqui há uns anos tivemos um universitário estrangeiro dum programa de intercâmbio a viver connosco. Tinha um nome muito difícil de pronunciar, mas ele não fez questão disso. Disse-nos para lhe chamar-mos só “Eric”.
Tínhamos pintado o quarto de hóspedes, comprado tapetes e móveis novos, enfim, feito o possível para que ele se sentisse confortável. Por isso não sei dizer por que razão Eric preferia geralmente dormir e estudar na despensa da cozinha.
- Deve fazer parte da herança cultural dele – disse a minha mãe. – O que é preciso é que se sinta bem. Passámos a guardar a comida e as coisas da cozinha noutros armários, para evitar incomodá-lo.
Às vezes eu ficava a pensar se Eric se sentiria realmente bem. Ele era tão educado que duvido que nos dissesse se alguma coisa lhe desagradasse. Acontecia vê-lo pela fresta da porta da dispensa, a estudar intensamente, em silêncio, e imaginava como seria para ele viver aqui na nossa terra.
Secretamente eu tinha sempre querido ter um visitante estrangeiro – tinha tantas coisas para lhe mostrar! Era a minha oportunidade de ser um perito local, uma fonte de factos e opiniþes interessantes. Por sorte Eric era muito curioso e fazia sempre imensas perguntas.
Só que não eram as perguntas que eu tinha imaginado. Na maior parte das vezes eu só podia dizer-lhe “Não sei bem” ou “Pois, mas é assim”. Não me parecia que estivesse a ajudá-lo muito.
Tinha planeado fazermos juntos algumas excursĂľes semanais, porque queria muito mostrar ao nosso visitante os locais mais notĂĄveis da cidade e dos arredores. Julgo que Eric gostava dessas viagens, mas por outro lado era difĂcil ter a certeza.
Em geral, Eric parecia mais interessado em coisas minúsculas que encontrava no chão. Era um mania que podia ser um tato irritante, mas eu lembravame do que a minha mãe tinha dito, de ser uma coisa cultural dele, e já não me importava muito.
Mesmo assim, todos ficamos perplexos pela maneira como Eric deixou a nossa casa: uma manh達 cedo, pouco mais que um aceno e um adeus de cortesia.
LevĂĄmos algum tempo a compreender que Eric nĂŁo ia voltar.
Nessa noite, ao jantar, não conseguíamos parar de nos interrogar uns aos outros. Eric parecia aborrecido? Teria gostado da sua estada? Voltaríamos a ter notícias dele? Havia uma sensação de desconforto no ambiente, de uma coisa inacabada, mal resolvida... Não sossegamos durante horas, ou pelo menos até que um de nós descobriu o que estava na dispensa.
Vá, vão ver. Ainda lá está, ao fim destes anos todos, a florir na penumbra. É a primeira coisa que mostramos quando vêm convidados cá a casa. “Vejam a prenda de despedida que o nosso estudante de intercâmbio nos deixou”, dizemos. - Deve fazer parte da herança cultural dele – diz a minha mãe.