Reinado e Poder no Sul das Minas Gerais

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Maria JosĂŠ de Souza - Tita

Reinado e Poder no Sul das

Minas Gerais


“São Benedito e Santa Efigênia, a igreja era pequena, eu cantava até chegá, a igreja ficou grande. Eu não posso chegar lá”


Maria JosĂŠ de Souza - Tita

Reinado e Poder no Sul das

Minas Gerais



Festa de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros Autor: Johann Moritz Rugendas, Séc. XIX Biblioteca Nacional Digital Disponível em: <http://bndigital.bn.br/ acervodigital>. Acesso em: agos. de 2015.


REINADO E PODER NO SUL DAS MINAS GERAIS Copyright @ 2015 | Todos os direitos reservados.

CONTATOS E VENDAS: e-mail: tita-maria31@hotmail.com Tel: (35) 3721 3063 | Poços de Caldas | MG Formato do livro: 20X26cm Capa colorida, impressa em papel Cartão 300g/m2, com duas orelhas Miolo com 360 páginas em papel creme Luxcream 80g/m2 (impresso em preto e branco, intercalado por cadernos de fotos coloridas)

Projeto gráfico: Sylvia Vartuli Diagramação: Sylvia Vartuli e Letícia Santana Capa: design de Sylvia Vartuli sobre ilustração de Antônio Geraldo Brito Revisão: André Luiz Silva Imagens Fotografias: Hélio Ferreira de Araújo - Jacaré | Sylvia Vartuli | Letícia Santana | Acervo da autora e autores desconhecidos

Arquivo Público Mineiro | Biblioteca Nacional Digital | Instituto Inhotim | Memorial Minas Gerais Vale

Obras: Bruno Filisberti | página 357 Carlos

Julião | páginas 71, 137, 287

Jean-Baptiste Debret | página 267

Johann Moritz Rugendas | páginas 2-3, 217

John Ahearn e Rigoberto Torres | página 219

Laurent Deroy | página 241

Patrocínio: Apoio:

S729r

Prefeitura Municipal de Poços de Caldas | Lei Municipal de Incentivo de Cultura - 2008 DME Distribuição Fundação Nacional da Arte | FUNARTE: Financiamento Pesquisa de Campo – 1978 Hotel Nacional Vilage Ltda.

Souza, Maria José de. Reinado e poder no Sul das Minas Gerais / Maria José de Souza (Tita). – Belo Horizonte: Mazza Edições, 2015. 360 p. ISBN: 978-85-7160-668-5 1. Minas Gerais – Congadas – História. 2. Danças folclóricas – Minas Gerais. 3. Identidade cultural. 4. Identidade étnica. I. Título. CDD: 981.51 CDU: 981(815)


Festa de Congado em 1897 | Foto: JosĂŠ Severino Soares | Acervo do Arquivo PĂşblico Mineiro


sumário

Prefácio

13

Introdução

17

Capítulo 1

Os descaminhos do processo civilizatório no Sul das Minas Gerais 27

1 Pelas veredas do ouro

28

2 Questões de fronteiras

30

3 Novos descobertos e os descobertos do Rio Pardo: dos registros do ouro à origem de núcleos populacionais 3.1 Fundação e desenvolvimento de São Sebastião do Paraíso 3.2 Fundação e desenvolvimento de Passos 3.3 Pratápolis, Cássia e Alpinópolis 3.4 O município de Machado 3.5 Fundação e desenvolvimento de Poços de Caldas 3.5.1 Uma hipótese política 3.5.2 As águas termais e a fundação da cidade

41 42 44 45 46 48 53 55

60

4 Restrospecto econômico

ANEXOS

65


Capítulo 2

Da permissão de organização: um Reinado fictício 71

1 Raízes da congada em Minas Gerais

72

2 Os santos da devoção 2.1 A devoção de Nossa Senhora do Rosário 2.2 A devoção de Santa Efigênia 2.3 A devoção de São Benedito

80 81 84 86

87

3 Origem da tradição religiosa

4 A constituição do Reinado 4.1 Quem eram os congadeiros? 4.2 O processo organizatório 4.3 Neste contexto qual o papel destes negros na História?

96 96 104 107

5 Quilombos nas Minas Gerais 5.1 O Quilombo do Ambrósio ou do Campo Grande 5.2 A resistência caiapó

108 108 115

120

6 Liberdade: uma proposta

ANEXOS

127


Capítulo 3

Fé, tambores, cores e sabores 137

1 A caracterização da congada no Sul das Minas

138

2 A lenda de Nossa Senhora do Rosário e as origens dos congados e dos moçambiques

141

3 O Reinado

146

4 As figuras que integram o Reinado 4.1 Os personagens 4.2 Os ternos 4.3 Vestes, adornos e cores 4.4 Instrumentos musicais 4.5 A música 4.6 As danças: coreografia do corpo e dos tambores 4.7 A Cavalhada 4.8 O devoto cumpre promessa 4.9 As festas: em dois exemplos 4.9.1 A Festa de São Benedito em Machado 4.9.2 A Festa de São Benedito em Poços de Caldas

152 152 158 160 164 166 173 174 177 178 178 183

ANEXOS

191

Capítulo 4

A congada em suas relações mais expessivas 219

1 Quem é e como vive o congadeiro em seu dia a dia 1.1 Em Poços de Caldas 1.2 Em Passos 1.3 Em São Sebastião do Paraíso 1.4 Em Cássia e em Pratápolis

220 220 223 223 225

2 A cultura como capital social

225

3 A congada como expressão social

230

4 Reis congos: autoridade e prestígio 4.1 Em Passos 4.2 Em São Sebastião do Paraíso 4.3 Em Cássia 4.4 Em Poços de Caldas

232 232 233 235 235

236

5 Raça: sua conotação no fenômeno


Capítulo 5

Elementos de configuração dinâmica 241

1 Conflitos internos: liderança e feitiço

242

2 Conflitos externos 2.1 Em Passos 2.2 Em Poços de Caldas 2.3 Em São Sebastião do Paraíso 2.4 Em Passos e Pratápolis 2.5 As irmandades perdem o poder

249 251 252 256 258 258

3 Reinado e congada: significado, celebração e atualidade

259

Capítulo 6

Trabalho, cultura, pertencimento e poder 267

1 O trabalho livre sem livre escolha

268

2 Cultura: sobrevivência e pertencimento

276

3 Cultura negra: um ritual estético

283

Capítulo 7

Análise sintetizadora do fenômeno 287

1 Reinado: resultante de coerção social

288

2 Os elementos míticos da congada

294

3 Congado: significado, atualidade e perspectivas futuras

306

Considerações conclusivas 315

a autora 336

Referências 338


Terno de Caiap贸s: Flecheiro com bugrinhos/as em Po莽os de Caldas Foto: autor desconhecido


Prefácio O extraordinário ensaio científico Reinado e poder no Sul das Minas Gerais, de autoria de Maria José de Souza, Tita, embora o reinado analisado seja simbólico, ele se reveste de conteúdo de poder e de enorme significado social. O essencial era o invisível para os nossos olhos. O iluminismo e o positivismo influenciaram muito os estudiosos ­ocidentais na busca de imparcialidade no trato dos fenômenos sociais. Mas o não engajamento do autor; aquela distância que o pesquisador devia manter do objetivo pesquisado, visava somente inibir o pesquisador para que ele não se distanciasse das ideologias dominantes. Durkheim diz que os fatos sociais são coisas e devem ser tratados como tais. Nada mais frio e indesejado que esse comportamento metodológico. É o mesmo que colocar máscara, luvas e pinça nas mãos do cientista social, isto é, tomar cuidados para não infectar com a causa dos desvalidos do mundo. Mas como tratar o desigual com igualdade; o injusto com condescendência? Isso não significa que a autora vai tratar as camadas dominantes com adjetivação preconceituosa, mas sim, com crítica bem fundamentada e isenta de paixão. Se Tita tivesse feito uma análise vendo a população negra sul-mineira como coisa, meia dúzia de laudas seria bastante. Mas ela viu os congadeiros como pessoas, como sujeitos e não como objetos. Reinados e congados são instrumentos com os quais os congadeiros aparecem como elementos que representam papeis e ostentam posições dignificantes. Inicia o trabalho colocando em evidência os interesses e as disputas pelo controle do Sul de Minas que, por suas riquezas naturais, atraiu os potentados mineradores e agropecuaristas. Consequentemente, a ­população negra marca forte presença na região. Em seguida, Tita a­ nalisa a decadência das minas e a fuga para a lavoura, sendo nos primórdios o gado, a cana e, a partir do século XIX, o café. Tita mostra as peculiaridades históricas dos reinados e congados do Sul de Minas e não se engana com a hipótese de transplante temporal e espacial dos mesmos, das cidades históricas para aquela região. Valoriza o papel do negro na história, isto é, sua contribuição cultural e econômica; a luta pela sobrevivência e mais que isso, o direito de expressar suas origens culturais e o modo de interagir. Cada figura da congada simboliza um elemento da vida real ou símbolo da existência social. A religiosidade da região é uma herança dos povos ibéricos, transplantada para o novo mundo e reformulada em simbiose com a religiosidade africana. O reinado é fruto dessa relação sincrônica, facilitada pela similitude da cultura banta.


Os historiadores tradicionais e o próprio clero católico tendem a desprezar esses valores, mas Tita soube superar tais estereótipos e atribuir ao afrodescendente um papel relevante na formação cultural do país. Analisando as congadas na atualidade, Tita ressalta que a conotação que se faz é que na memória atávica as guardas de congadas simbolizam as lutas nos quilombos e nas fugas da escravidão. A narrativa integral dos rituais de danças, cânticos, encenações dramáticas são dispostas como invólucro da religiosidade cristã, significando a assimilação da cultura ­européia dominante. Na forma e no visual, as congadas são africanas; enquanto no conteúdo, elas são sincréticas, isto é afro-europeias. O reinado e a congada são uma ponte que liga o negro à sociedade como um todo e significa um capital social na concepção de Bourdieu. O que é mais importante é o registro da memória cultural afro-brasileira no Sul de Minas. Tudo foi exposto de forma clara: as posições e os papéis exercidos pelos congadeiros, dentro e fora das congadas. A autora teve uma capacidade rara, entre os estudiosos sociais, que foi a de conseguir ­examinar a estratificação social no interior dos grupos de dançadores, esclarecendo os ­conflitos existentes sem, contudo, depreciá-los na narração de fatos cotidianos. Amizade e parentesco contribuem com a disciplina. São relações políticas internas que, uma vez ou outra, transbordam, permitindo interferência de sacerdotes ou de figuras externas. O que cada segmento social espera ou aprecia nas congadas forma um elenco de necessidades, razão de sua permanência histórica no Sul de Minas. Para Tita, os partícipes das congadas são remanescentes da escravidão e, como tal, ­ xcluídos da cultura oficial elitizada. Trabalhadores livres, na maioria, localizados no meio e rural exercendo atividades próprias do setor primário da economia e por esse motivo, portadores da cultura tradicional, como suporte de sua formação social. As reminiscências da vida na África foram passadas de geração em geração, tendo como marca a preservação de sentimento religioso. Ser autêntico, para os dançadores, é demonstrar ser herdeiro de ensinamentos e tradições vindas de passado distante, a perder de vista: coisas dos tempos da escravidão – costumam dizer. Tita localiza nessas tradições uma relativa passividade de grande parte da população negra do país, mas, ao mesmo tempo, o limiar de uma nova consciência e espírito de luta. Por fim, Tita faz uma análise sociológica muito apurada do significado do reinado como resultado de coerção social. O ritual dramático foi mantido como fenômeno vivo, em face da permissão da superestrutura, mas também pela manutenção da cultura estabelecida nas relações de trabalho escravo, cujos resíduos vieram até a atualidade. A razão dessa permanência foi a não inserção dos descendentes de escravos nos setores secundários e terciários da economia.


Na verdade, faltava a Minas Gerais um estudioso do quilate de Tita, de vez que os ­ xistentes, até então, só estudaram a cultura afro-brasileira como coisa apenas curiosa, ou e como fenômeno folclórico. Não havia em Minas, até então, nenhum estudioso que pudesse se identificar com Clóvis Moura e Abdias do Nascimento. Digo isso porque tive o privilégio de ler Reinado e poder no Sul das Minas Gerais, antes de ser editado.

Belo Horizonte, 29 de junho de 2011. Antônio de Paiva Moura Professor de História de Minas Gerais e História da Arte Pesquisador da história social e cultural de Minas Gerais


terno de congado em São Sebastião do Paraíso Foto: Joaquim Rodrigues


Introdução REINADO E PODER no Sul das Minas Gerais é resultado de pesquisa, realizada em 1978, cujo projeto foi apresentado à FUNARTE, a fim de ­incentivo financeiro com o tema: “A CONGADA E SUAS ORIGENS NO SUL DE MINAS NUMA RELAÇÃO DE PODER LOCAL”. Ao realizar a pesquisa encontrei pessoas maravilhosas e que foram grandes colaboradoras, mas, atualmente não tenho condições para saber se elas ainda fazem parte do nosso convívio de experiências. Quero deixar claro que esta corresponde a uma pesquisa participativa, uma vez que minha interferência se faz presente nas atividades culturais desenvolvidas, principalmente, na cidade de Poços de Caldas. O objetivo principal desta obra não se centra no interesse financeiro e nem no prestígio, mas, sim, na vontade única de deixar um registro ­histórico cultural da ação de negros e negras que, reunidos para celebrar a devoção dos santos negros no Sul de Minas Gerais foram capazes de perpetuar a memória dos Caiapós, dos moçambiques, dos congados e dos seus fazeres na construção do Reinado. A pesquisa empírica foi realizada nas cidades de Passos, São Sebastião do Paraíso, Cássia, Pratápolis e Alpinópolis que ficam próximas ao vale do Rio Grande e, também, nas cidades de Machado na margem esquerda do Rio Sapucaí e Poços de Caldas, aproximada do vale do Rio Pardo. Todas à margem esquerda do Grande rio, em região aproximada do Rio Sapucaí, determinante para abertura de caminhos e adentramento para os que vinham de São Paulo ou da Estrada Real em direção ao Rio de Janeiro ou às Minas. Os destaques foram para Passos, São Sebastião do Paraíso e Poços de Caldas por serem as cidades mais desenvolvidas economicamente. A preocupação com a situação geográfica foi porque a área ocupacional foi considerada importante para as justificativas do fenômeno em questão. Inclusive, os sete municípios integram o mapeamento religioso da diocese de Guaxupé. Foram apresentadas caracterizações generalizadoras e particulares dos grupos pesquisados. Junto à caracterização das congadas foi apresentada também a dos grupos de dançadores de Moçambique e de Caiapó – ­condição necessária em determinadas regiões para se realizar as congadas e o Reinado. Semelhanças e diferenças foram realçadas. A atividade econômica, desenvolvida para a realização da necessidade fundamental, que se caracteriza nas relações de produção dentro do


Grupo de pessoas na festa de Congado de Nossa Senhora do Rosário, 1889 Foto: José Severino Soares | Acervo do Arquivo Público Mineiro


“Aquele que é mais prejudicado é o que mais recebe o conforto de Deus e dá o conhecimento por todos aqueles que a maior força é a paz com Deus. Todos aqueles que têm o dom de agradecer a Deus ao som da zabumba têm que continuar o que foi traçado pela família, nem que seja de um mais do que bisavô lá atrás que eles nem sabem. Eles em nome de Deus saíam ao som da zabumba feita pelas próprias mãos. E, depois, enquanto existisse sangue do sangue deles, o som da zabumba era desfilando pelas ruas da cidade agradecendo a Deus em nome deles e daqueles que já agradeceram também, e para o nosso próprio bem e da nossa liberdade” Jerônimo dos Santos – Passos


Ilustração à esquerda, Planta da Capitania de Minas Gerais nos fins da Era Colonial Documento cartográfico do Arquivo Público Mineiro

Ilustração abaixo, Planta Geral da Capitania Minas Gerais Documento cartográfico do Arquivo Público Mineiro


Capítulo 1

OS DESCAMINHOS DO PROCESSO CIVILIZATÓRIO NO SUL DAS MINAS GERAIS

P

ara se tratar da origem histórica da congada no Sul das Minas, buscou-se primeiro uma retrospectiva na formação da colonização brasileira e, principalmente, nos fatores que levaram a Metrópole a ­ ­desenvolver a expansão territorial e a busca de novos descobertos de ouro pelo ­in­terior da terra que se processava através do que pode ser compreendido, na linguagem europeia, como civilizatório. Isto, devido ­ à tentativa que se propõe em interligar o fenômeno que ora se trata: “­Congada no Sul das Minas” – com a distribuição de mão-de-obra escrava que, partindo das Minas Gerais, da Capitania, exploradores de ouro, guardafronteiras, sesmeiros interessados na lavoura, posseiros ou outros vieram não só oferecer seu trabalho forçado ou não, como construir as tradições que ora enriquecem a cultura nacional. O objetivo não só visa mostrar-se integrado com uma realidade h ­ istórica dentro de uma localização geográfico-ocupacional como, também, com as razões econômicas fundamentais que fez com que se ocupassem as ­terras que constituem a região salientada e, que resume o esboço histórico dos descaminhos que tomaram o processo civilizatório no Sertão do Sul das Minas.

Assim, dentro do retrospecto realizado, foram demonstradas as razões e, também, como foi efetuada a ocupação e as principais p ­ reocupações com esta região mineira. Pois, isto fazendo, pretendeu-se demonstrar, ainda, os centros de origens de onde foram buscados os negros que vieram ocupar estas plagas. Cássia Passos Pratápolis

Mapa com recorte

MINAS GERAIS

São Sebastião do Paraíso

Alpinópolis

geográfico Localização das cidades na região Centro-sul de Minas Gerais, Brasil.

Machado

Mapa ilustrativo e fora de escala.

Poços de Caldas



Capítulo 3

FÉ, TAMBORES, CORES E SABORES

A

congada no Sul das Minas, exemplificada por meio das existentes nas cidades selecionadas para esta pesquisa, apresenta pouca variação.

Em Minas, os negros aprenderam a rezar o Rosário com os f­ ranciscanos que, de tempo em tempo, faziam as desobrigas ou missões pelos rincões distantes dos centros maiores. Esses rosários eram trazidos no pescoço. Hoje, eles ainda permanecem nos pescoços dos negros congadeiros, pois Jerônimo, chefe de fandango em Passos, não saía com a congada sem tê-lo junto ao peito. Afirmando mesmo: “Aqui está a minha proteção e com este ninguém pode”. Mostrou também que ganhara um terço das “sete linhas” muito comum na Umbanda, mas –, quanto a este, disse que nunca o usou, pois sua fé estava no antigo Rosário de seus ancestrais.

À esquerda, a tradição de oferecer o café da rainha na cidade de Sabará - MG Foto: Sylvia Vartuli

Ilustração à direita, Cortejo da Rainha Negra na festa de Reis Autor: Carlos Julião Biblioteca Nacional Digital. Disponível em: < http://bdlb.bn.br/ acervo/>. Acesso em: agos. de 2015.



Capítulo 5

Elementos de configuração dinâmica

E

videnciadas as atividades desenvolvidas pelo congadeiro, no campo e na cidade, e o tipo de relacionamento social que pode estabelecer com a comunidade, partindo do papel que desempenha dentro do seu grupo de dança, dever-se-á, aqui, desenvolver uma análise dos ­resultados objetivos a que o tipo de relação estabelecida propõe. Objetivação mediante as relações de poder, conflitos e tensões dentro do grupo e com a sociedade mais ampla. Podendo se perguntar, ainda, quais as forças manipuladas ou manipuladores para ativar ou diminuir essas próprias tensões e os resultados encontrados.

CARREGADORES DE Água | Autor: Laurent Deroy, séc. XIX | Biblioteca Nacional Digital. | Disponível em: < http://bdlb.bn.br/acervo/>. Acesso em: agos. de 2015. Fotografia à esquerda, representação de Rei e Rainha durante procissão no bairro Concórdia, em Belo Horizonte-MG | Foto: Letícia Santana



Capítulo 7

análise sintetizadora do fenômeno

O

Reinado, como foi caracterizado, pode ser considerado entre os ­chamados grupos organizados. Isso porque em definição e regulação de posse, uso e eficácia, governo e direção há um objetivo caracterizado por meio das expressões particulares sintetizadas em relação aos festejos dos santos negros, ao redor dos quais, em forma de interação solidária, aspirações (significados e valores) e ações das diversas partes se auxiliam e interagem em função do proposto: o cumprimento da devoção. Do ponto de vista da organização de um terno, especificamente, o grupo pode ser considerado solidário ou rival com menor, ou maior tensão ou conflito. Mas, em relação aos outros ternos, que constituem o Reinado, cada grupo pode ser caracterizado como elemento de tensão ou conflito.

No Reinado, aspirações e condutas dos elementos integrantes (os ternos e outros) são em parte solidárias, e em parte antagônicas; isso posto, colocase em relação aos conflitos internos já considerados, o fato de haver um esquema estratificado de papéis, em que os ­integrantes tentam manipular forças de ascensão dentro ou fora do grupo, numa definição de status e busca de poder. Essa característica se apresenta de certa forma, em relação aos grupos, parcialmente antagônica e ­parcialmente solidária, em que a coerção aparece limitada apenas em função da manutenção e continuidade do objetivo – o Reinado. Mas pode aparecer na definição das relações com os grupos de congados; antagonismos maiores em que a ordem e a lei oficial deverão ser ­mantidas por uma coerção sem limites em relação com a sociedade – nas ­experiências fora do grupo. Coroação de uma Rainha Negra na festa de Reis Autor: Carlos Julião, séc. XIX, Biblioteca Nacional Digital. Disponível em: < http://bdlb.bn.br/acervo/>. Acesso em: agos. de 2015

À esquerda, fotografia do mastro na festa de Nossa Senhora do Rosário, em Sabará - MG Foto: Sylvia Vartuli


192 REINADO E PODER NO SUL DAS MINAS GERAIS Capítulo 3

FÉ, TAMBORES, CORES E SABORES

ANEXO II Fandango Fandango – Já registrado por Korter em 1815 para designar a chegança de marujos que viu em Itamaracá. Origem – Fandango – espanhol é uma dança em compasso ternário que se caracteriza pelo m ­ ovimento rápido, ‘uma das mais selvagens, mas excitantes e impetuosas dentre as da Espanha’. Da Espanha, o fandango passou para Portugal, onde se generalizou. Embora já diferenciado do espanhol o fandango também em Portugal se caracterizou pela sua violência, pois nele predomina, em ‘Trás-os­-Montes’, ‘movimento agitado das pernas, com apoio ora no metatarso, ora na ponta dos pés, grandes saltos e muitas voltas e reviravoltas’. No Brasil, a palavra importada observou a tendência para tomar sentido genérico bem como para designar danças caracterizadas pela v­ iolência de movimento. Pode designar ainda ‘qualquer dança’ ou baile ou principiar briga ou encrenca. Chegança – indicava no século XVIII, uma coreografia complicada violenta, em que o dançarino parecia endemoinhado, ‘batendo os pés’. Talvez por esta s­ emelhança e movimentação coreográfica, a palavra ‘fandango’, de uso mais íntimo e generalizado no povo brasileiro, tenha substituído ‘­chegança’ para ­indicar popularmente o bailado, por uma espécie de sinonímia popular. (Andrade, Mário de, 1º t., 1959, p. 114–115–11.). Fandango – Com vários sentidos, no Brasil fandango é o bailado dos marujos ou marujada e ainda chegança dos marujos ou barca nalguns estados do Nordeste e Norte. O fandango ou marujada no Leste e Sul do Brasil é representado no ciclo do Natal, com personagens vestindo fardas de oficiais da Marinha e marinheiros cantando e dançando ao som de instrumentos de corda’ (Andrade, Mário de, , p. 114–115–116) (Cascudo, Luís da Câmara, v. I., 1962, p. 305–306.).

Terno visitante. Procissão em Poços de Caldas - MG | Foto: Hélio Ferreira de Araújo (Jacaré)


345

O altar com os três santos de devoção: São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia | Memorial Minas Gerais Vale. Foto: Sylvia Vartuli


194


195

Página à esquerda, Poços de Caldas: Terno de São Benedito, Rainha Floripes Foto: Hélio Ferreira de Araújo (Jacaré) À direita, Cássia: Procissão Cássia: Príncipe, Rainha de promessa, Rainha Perpétua, Rei Congo e Rainha Perpétua Fotos: autor desconhecido


198

Machado: levantamento de Mastro. Guarda-coroas protegem o Rei Joaquim Santana | Foto: Tita


199

Poços de Caldas: Terno São Benedito, Princesa Floripes | Foto: Hélio Ferreira de Araújo (Jacaré)


346

Luiz Siqueira, Imperador Carlos Magno, mais de 60 anos de danรงa no congado | Foto: autor desconhecido


347

Poços de Caldas: Terno São Benedito. Carlos Magno e Almirante Balão Foto à esquerda: Tita Fotos abaixo: Hélio Ferreira de Araújo (Jacaré)


348

Poços de Caldas: Terno Nossa Senhora do Rosário | Foto: Hélio Ferreira de Araújo (Jacaré)


349

Poços de Caldas: A presença feminina no Terno de Caiapós | Foto: autor desconhecido Poços de Caldas: Terno São Benedito - Cordão Vermelho Foto: Hélio Ferreira de Araújo (Jacaré) À esquerda, Terno Nossa Senhora do Rosário - Benedito Luis (Capitão Ditinho) | Foto: Hélio F. de Araújo (Jacaré)


350

Poços de Caldas: Mantenedores da fé | Terno de Santa Bárbara Oiá/Ogum Guerreiro | Fotos: Hélio Ferreira de Araújo (Jacaré)


351

Terno de Caiapós: Pedro Antônio Ramos | Terno Nossa Senhora Carmo | Terno Nossa Senhora do Rosário Fotos: Hélio Ferreira de Araújo (Jacaré)


congada | Foto: Arsenio da Silva Biblioteca Nacional Digital |

DisponĂ­vel em: < http://bdlb.bn.br/acervo/>. Acesso em: agos. de 2015.

Este livro foi composto em tipologia Candara , TT book e Goodlife. Impresso em papel CartĂŁo 300g/m2 (capa) e papel Luxcream 80g/m2 (miolo), em dezembro de 2015.


“Antigamente a gente cantava assim: A congada é de Nossa Senhora todo dia toda hora. O Terno é da Virgem Maria todo ano e todo dia”

“Oh minha mãe, vamo simbora. Oh minha mãe, vamo simbora. E fomos com Deus e Nossa Senhora”


Reinado e Poder no Sul das Minas Gerais Esta obra é um registro histórico-cultural da ação de negros e negras que, reunidos para celebrar a devoção dos santos negros no Sul das Minas Gerais, foram capazes de perpetuar a memória dos Caiapós, dos Moçambiques, dos Congados e dos seus fazeres na construção do Reinado.

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