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Publicação da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista Edição Especial Dezembro de 2012
E mais:
Medicina Baseada em Evidências
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Treinamento
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Registro Brasileiro
Palavra do Presidente
Caros colegas,
C
om o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população, o Brasil enfrenta novos desafios na área da Saúde. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje são mais de 14 milhões de brasileiros com 65 anos ou mais, ressaltando o aumento da incidência de doenças características como a estenose da valva aórtica, presente em 4,5% da população idosa. Boa parte desses pacientes necessita de intervenção para a substituição cirúrgica da valva doente por uma prótese; todavia, estima-se que cerca de 30% dos pacientes não são elegíveis para troca valvar cirúrgica com o coração aberto. Para os casos em que a cirurgia convencional é contraindicada, a alternativa terapêutica mais eficaz é a bioprótese para o Implante Transcateter de Valva Aórtica (TAVI), aprovada para uso no Brasil desde 2008, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A técnica evita anestesia geral e cortes profundos. Por uma pequena incisão na virilha, o médico introduz um cateter que carrega a bioprótese até o coração. Além da rápida recuperação, o risco de complicações pós-cirúrgicas e a permanência no hospital são menores. Esta edição especial do Jornal da SBHCI trata deste tema com profundidade, abordando as principais ações da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI) desde o reconhecimento do TAVI pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como procedimento eficaz e seguro; opiniões de especialistas consagrados na área sobre a importância da incorporação da técnica no sistema de saúde no Brasil; bem como as evidências científicas e dados comprovados pelo Registro Brasileiro que justificam a inclusão do TAVI no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Sistema Único de Saúde (SUS). Nosso objetivo é mostrar a importância da incorporação deste procedimento nos sistemas de saúde público e suplementar para que a população tenha acesso à tecnologia, sobretudo por destinar-se a uma parcela de pacientes vulneráveis, idosos, sem outras perspectivas de tratamento. Em 2013, o Estatuto do Idoso completa uma década, ótima oportunidade para trazer o assunto à tona. Boa leitura!
Marcelo Queiroga Presidente
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índice
3 treinamento 4 AÇÕES DA SBHCI 8 LEGISLAÇão ÚNICO DE 9 SIstema SAúde 10 odadesenvolvimento técnica baseada 11 medicina em evidências
12 amb 12 evidências 13 registro brasileiro 14 opinião Jornal da SBHCI é uma publicação trimestral da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista – SBHCI. Os textos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores ou fontes consultadas e não refletem necessariamente a opinião da SBHCI. Conselho editorial | SBHCI | www.sbhci.org.br Marcelo Queiroga (PB) | presidente Pedro Alves Lemos Neto (SP) | diretor administrativo José Ary Boechat (RJ) | diretor de comunicação Luciana Constant Daher (GO) | editora Cesar Medeiros (RJ) e Breno Oliveira (SP) | coeditores Equipe técnica | take-a-coffee Comunicação Jornalista responsável | André Ciasca, mtb 31.963, andre@take-a-coffee.com Editora | Carla Ciasca, carla@take-a-coffee.com Projeto gráfico e direção de arte | Vagner Simonetti Fotografia e tratamento de imagens | Gis Ciasca | www.gisciasca.com.br Impressão | Grupo Vox | www.grupovox.net Tiragem | 30.000 exemplares Circulação | em todo o território nacional fone: (11) 2626.3921 contato@take-a-coffee.com skype: take.a.coffee twitter: @take_a_coffee
TREINAMENTO
Capacitação profissional Pedro Alves Lemos Neto (SP), diretor administrativo da SBHCI, fala sobre o processo de treinamento dos hemodinamicistas para a realização do procedimento de implante transcateter de valva aórtica (TAVI) e a situação atual dos centros médicos brasileiros no desenvolvimento desta técnica. Como deve ser realizado o treinamento para os médicos qualificados que já fazem cateterismo pelo Brasil afora, para a utilização desta técnica específica? Estes hemodinamicistas experientes precisam adquirir expertise teórica e prática para o novo procedimento. Existe um arcabouço teórico tanto do ponto de vista das evidências científicas a respeito do tema como também com relação aos pormenores técnicos de cada um dos dispositivos e detalhes anatômicos específicos da patologia. Esta carga teórica precisa ser assimilada durante o treinamento. Embora sejam hemodinamicistas treinados, eles precisam de um conhecimento teórico adicional a respeito desta nova técnica. O próximo passo é o desenvolvimento da parte prática, dividida em algumas fases. A primeira etapa consiste no acompanhamento do médico junto a algum profissional que já utilize a técnica; apenas para observação e aprendizado. Também, o treinamento em simuladores é uma atividade importante e deve ser enfatizado. Na etapa seguinte, o médico passa a realizar os procedimentos sob supervisão. A última fase é colocar em prática aquilo que visualizou e aprendeu durante as fases anteriores: o médico passa a fazer o procedimento sozinho, sendo de extrema importância que ele mantenha uma regularidade na realização de procedimentos. Ainda não existe um padrão-ouro, mas o que se imagina é que, nesta última fase, o profissional tenha de realizar, pelo menos, cerca de 25 casos por ano, ou seja, um a cada duas semanas, para manter a fluência da técnica. Como os centros de treinamento devem proceder no processo de capacitação de seus médicos e serviços? Os centros de treinamento devem treinar os seus pupilos o máximo que puderem. Obviamente, não será possível, em uma pri-
meira fase, que todos os centros de treinamento do Brasil passem a treinar os seus residentes em procedimentos ultraespecializados. O ideal é que haja uma multiplicação, ao longo do território brasileiro, dos centros que já realizam o TAVI e que passem a treinar profissionais neste novo procedimento. Mas para isso é preciso que o centro reúna um conjunto de características, em especial duas delas: fazer casos com regularidade – no mínimo, 25 casos ao ano –, e a constituição do heart team, uma equipe multidisciplinar em pleno funcionamento que possua uma sinergia grande entre os serviços de hemodinâmica, de cardiologia clínica, de cirurgia, de imagem e anestesiologia, uma vez que este procedimento exige que o trabalho do hemodinamicista caminhe de braços dados com o trabalho do cirurgião e de profissionais de outras especialidades. Existem, hoje, no Brasil, médicos capazes de fazer essa supervisão? Nós temos centros de treinamento preparados para receber estes profissionais interessados em aprender a técnica? Atualmente nós temos no País mais de dez profissionais que realizam a técnica plenamente e capacitados para supervisionar outros profissionais interessados em aprender o novo procedimento. Existem, pelo menos, quatro ou cinco centros de treinamento que estariam habilitados para receber profissionais para fazer este treinamento. Qual o papel da SBHCI na certificação de hospitais e cardiologistas intervencionistas no contexto do TAVI? Cabe à SBHCI nortear a normatização e certificação, devendo oferecer diretrizes para o treinamento de cardiologistas intervencionistas e para a adequação de centros de treinamento. ■
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AÇÕES DA SBHCI
Marcelo Queiroga (PB), presidente da SBHCI, e André Longo (PB), cardiologista e diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
Marcelo Queiroga (PB) apresenta evidências médicas sobre o benefício do tratamento por TAVI durante Plenária do Conselho Federal de Medicina (CFM), em agosto de 2011
A atuação da SBHCI em prol da cardiologia intervencionista no Brasil No ano de 2012, a SBHCI conquistou um importante avanço para o tratamento por implante transcateter de valva aórtica (TAVI) visando à incorporação da técnica no sistema de saúde no País em benefício da população idosa. É uma questão de cidadania. 4
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m entrevista ao Jornal da SBHCI, o presidente Marcelo Queiroga (PB) fala sobre o reconhecimento do implante transcateter de valva aórtica (TAVI) pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como procedimento eficaz e seguro e as ações da Sociedade na busca pela inclusão do TAVI no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a aprovação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), permitindo o acesso abrangente da terapêutica da valvopatia aórtica por cateter. Qual o papel da SBHCI na validação do implante transcateter valvar aórtico (TAVI) no Brasil? A SBHCI, em conformidade com suas finalidades estatutárias, vem atuando em prol do desenvolvimento da cardiologia intervencionista no Brasil. A incorporação do TAVI no sistema de saúde é emblemática, pois é um procedimento de vanguarda destinado a pacientes portadores de estenose valvar aórtica severa, com contraindicação ou alto risco cirúrgico para a troca valvar a “céu aberto”.
em Brasília
Um avanço importante
Desde 2009, a SBHCI atua para incluir essa técnica no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Marcelo Queiroga (PB) presidente da SBHCI
Em 2011, ao tomar conhecimento do parecer do CFM, que considerava a técnica experimental, de imediato, procuramos o presidente Roberto Luiz d’Ávila (SC), solicitando a revisão desse parecer. Eu, Maurício de Rezende Barbosa (MG), presidente da SBHCI na gestão 2010-2011, e Pedro Lemos (SP), atual diretor administrativo, solicitamos uma reunião para apresentar evidências médicas, sobretudo o estudo PARTNER, o qual mostrava, de maneira categórica, o benefício do tratamento. Outra ação importante foi a publicação do Consenso Brasileiro sobre Implante Transcateter de Prótese Valvar Aórtica na Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva (RBCI), que abordou todos os aspectos do procedimento, inclusive bioéticos. Essa ação precedeu inclusive a publicação americana de documento semelhante. Esse consenso foi ratificado integralmente pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), e tal aval foi fundamental para fortalecer a posição da SBHCI. Destaco a grande mobilização dos experts brasileiros nessa técnica, que prontamente se dispuseram a elaborar esse importante documento.
No dia 22 de novembro, o subprocurador-geral da República e coordenador da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), Eitel Santiago de Brito Pereira (DF), convidou a SBHCI, representada pelo presidente Marcelo Queiroga (PB), para a primeira reunião sobre a inclusão da bioprótese para o implante transcateter de valva aórtica (TAVI) no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Na oportunidade, foram discutidas todas as especificidades da técnica e os detalhes da solicitação de reposicionamento da ANS sobre a inclusão da técnica no âmbito da saúde suplementar (rol de procedimentos). Sob a coordenação do subprocurador-geral Eitel Pereira, participaram da audiência pública diversos procuradores da República, Marcelo Queiroga e o professor Tercio Sampaio Ferraz Junior (SP), assessor jurídico da SBHCI. Foram apresentados os principais aspectos relativos à incorporação do TAVI na saúde suplementar, sobretudo detalhes do processo administrativo que já tramita na ANS, de iniciativa da SBHCI, para ter esse importante método terapêutico incluído imediatamente no rol de procedimentos da Agência, antes da atualização prevista para 2014. O objetivo desta reunião foi contar com o apoio do MPF nesta contenda, preferencialmente no âmbito administrativo; todavia, não está descartado, caso não haja sucesso, que o próprio MPF impetre uma ação civil pública visando implementar esse pleito. Há um amplo arcabouço jurídico suportando a petição da SBHCI, ademais, em ações individuais movidas por pacientes visando à autorização judicial para realização do TAVI, não há notícia de deliberações desfavoráveis, ou seja, geralmente o Poder Judiciário tem determinado a realização do procedimento, inclusive em serviços públicos. O assessor jurídico da SBHCI, professor Tercio Sampaio Ferraz Junior, elaborou um documento muito bem fundamentado, o qual explicita o conjunto de ações da SBHCI visando à incorporação da técnica no Sistema da Saúde do Brasil. Há, também, uma série de colocações acerca do papel da ANS nesse contexto, sobretudo uma análise detida acerca da discricionariedade técnica da agência, incluindo considerações sobre a discricionariedade própria e imprópria, as quais constituem contribuições originais do ilustre jurista, desde já incorporadas à doutrina sobre o assunto. Enfim, uma excelente reunião que trouxe à tona esse assunto muito importante, que é o acesso dos idosos a terapias no sistema de saúde do Brasil.
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AÇÕES DA SBHCI
Participaram da audiência pública: Marcelo Queiroga (PB), presidente da SBHCI; Eitel Santiago Brito Pereira (DF), subprocurador-geral da República; Tercio Sampaio Ferraz Junior (SP), assessor jurídico da SBHCI; Aurea Maria Etelvina Nogueira Lustosa Pierre (DF), subprocuradora-geral da República; Anna Paula Coutinho de Barcelos Moreira (DF), procuradora da República; e Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho (DF), subprocurador-geral da República
Quais os efeitos da decisão do CFM, que retirou o caráter experimental da técnica? Do ponto de vista prático, a decisão do CFM validou a realização do procedimento no Brasil. Anteriormente, o TAVI somente poderia ser praticado no âmbito da pesquisa clínica, isso limitava muito a sua aplicação. Com a revisão do parecer, o procedimento foi liberado e pode ser realizado como método terapêutico com segurança e eficácia reconhecidas. A decisão do CFM obriga a cobertura do TAVI pelas operadoras de planos de saúde? Não, a decisão do CFM não obriga a cobertura pelas
operadoras da técnica, mas foi um passo importante para a incorporação desse tratamento no sistema de saúde brasileiro. A saúde suplementar é regida por legislação específica, a qual criou a ANS, a quem compete regulamentar o setor. Os procedimentos experimentais ou antiéticos são excluídos de cobertura pela lei e por resoluções da ANS, assim a decisão do CFM retira o TAVI da relação de procedimentos excluídos de cobertura, o que não implica na imediata inclusão no rol de procedimentos, referência de cobertura obrigatória. Hoje, já há operadoras que aceitam reembolsar o procedimento, mesmo sem sua inclusão no rol, a própria Câmara Técnica da Unimed do Brasil já exarou parecer favorável.
pronunciamento público
Apoio federal No dia 8 de novembro, o deputado federal Hugo Motta (PB) fez um pronunciamento público no Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), ao defender a implantação do implante transcateter de valva aórtica (TAVI) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O deputado destacou a premência de se possibilitar o acesso da população brasileira ao tratamento, justificando a importância de sua incorporação ao sistema de saúde do País. “Nossa população está envelhecendo, devemos promover condições de saúde e medidas importantes para aumentar a expectativa de vida e melhorar a qualidade de vida em todo o Brasil”, disse o deputado. “Peço que o nosso pronunciamento seja levado aos órgãos de comunicação desta Casa e que o Brasil saiba que esta Casa defende também medidas importantes para a vida de nosso povo.“
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Quais as ações que a SBHCI está desenvolvendo para incluir a técnica no rol da ANS? Desde 2009, a SBHCI atua para incluir essa importante técnica no rol da ANS. A pressão das operadoras de planos de saúde é grande para não incorporar procedimentos de alta complexidade em virtude dos supostos custos elevados. A primeira consulta feita ao CFM foi solicitada pela Unimed de Santa Catarina (litoral sul), salvo melhor juízo, visava à exclusão de cobertura do procedimento pelos planos de saúde, não a segurança de seus usuários. Em fevereiro deste ano, solicitamos oficialmente um reposicionamento da ANS sobre o TAVI pleiteando sua inclusão antes da revisão do rol de procedimentos em 2014, a qual está em tramitação. Já avançamos muito! Temos o apoio da SBC e da Associação Médica Brasileira (AMB). A própria AMB, por meio da Câmara Técnica, já aprovou a inclusão do TAVI na próxima edição da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM). Não há base, nem legal, tampouco médica, para a ANS não incluir imediatamente o método em seu rol de procedimentos. Faremos uma grande mobilização nacional em prol da inclusão do TAVI no rol de procedimentos da ANS! Enquanto o procedimento não for incluído no rol da ANS, como pode ser realizado o método no Brasil? Essa é uma técnica complexa, que exige treinamento específico do hemodinamicista e deve ser realizada em hospitais com infraestrutura adequada. Além disso, os centros que começam sua experiência devem ter a supervisão de especialistas habilitados no método. Em relação à cobertura do procedimento pelos planos de saúde, mesmo sem constar do rol de procedimentos da ANS, podem ser reembolsados, mas, na prática, grande parte dos pacientes recorre ao Poder Judiciário, que, via de regra, determina a cobertura da técnica. Também pode ser efetivado o tratamento em caráter particular. Estamos realizando uma grande mobilização nacional para alertar sobre o tratamento de estenose valvar aórtica severa, em destaque o TAVI, e isso inclui o lançamento da Campanha Jovens Corações, no dia 7 de dezembro. Fomos convidados pelo Ministério Público Federal, em Brasília (DF), para discutir a inclusão do TAVI no Rol de Políticas de Saúde. Essa parceria se estende às Sociedades Brasileiras de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV) e de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Em relação aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), há possibilidades de acesso ao método? A SBHCI também vai solicitar à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) a inclusão do método nas políticas públicas de Saúde, por intermédio do SUS, mas essa ação requer um planejamento mais detalhado e uma atuação de médio prazo. No entanto, a implementação de direitos individuais por meio do Judiciário, com base no artigo 196 de nossa Constituição Federal, permite que a técnica seja acessível no âmbito do SUS, mesmo sem a existência de uma política pública própria. O Judiciário brasileiro já prolatou diversas decisões determinando a realização do TAVI. Além da norma constitucional, destacamos o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), que completa uma década em 2013, o qual obriga o fornecimento gratuito pelo SUS de próteses, com base no parágrafo 2º do artigo 15. Assim, não há como não prover esse tratamento também no sistema público de saúde. É uma questão de cidadania por não haver alternativa terapêutica de igual eficácia! ■
Ministério Público Federal
Políticas de saúde O subprocurador-geral da República e coordenador da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), Eitel Santiago de Brito Pereira (DF), concedeu uma breve entrevista exclusiva para esta edição especial do Jornal da SBHCI. Qual o papel do MPF nas demandas visando à implementação de serviços de saúde? A Constituição entregou ao Ministério Público a defesa dos direitos assegurados no seu texto, entre os quais o direito à saúde. Para cumprir sua missão, podem os procuradores da República instaurar inquéritos civis, fazer recomendações às autoridades responsáveis, e até ajuizar ações civis para garantir a eficiente prestação dos serviços de saúde. Como vê a implementação de políticas de saúde por intermédio do Poder Judiciário (ativismo judicial)? Cabe ao Executivo implementar políticas públicas que garantam a todos o direito à saúde. Porém, se o Executivo não cumpre o seu dever e há provocação dos interessados, por seus advogados ou por intermédio do Ministério Público Federal, o Judiciário intervém para que sejam respeitados os direitos dos cidadãos. Essa conduta ativista é importante, porque não se pode falar em Estado Democrático de Direito quando não são preservados os direitos fundamentais. Na sua opinião, qual o papel das sociedades científicas, como a SBHCI, na temática da ampliação do acesso aos bens de saúde? As sociedades científicas têm o dever de contribuir para que todos tenham acesso aos bens de saúde.
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LEGISLAÇÃO
Aspectos Jurídicos
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notável professor Tercio Sampaio Ferraz Junior, jurista e filósofo, com doutorado em Filosofia pela Johannes Gutemberg Universitat de Mainz (1968) e doutorado em Direito pela Universidade de São Paulo (1970), aceitou participar das ações da SBHCI visando incluir o implante transcateter de valva aórtica (TAVI) no Rol de Políticas Públicas de Saúde. O professor Tercio formou uma geração dos mais importantes juristas brasileiros e, atualmente, é consultor da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, professor titular da Faculdade Autônoma de Direito, professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP. Apesar do reconhecimento do tratamento por implante transcateter de valva aórtica (TAVI) no âmbito da cardiologia, ainda não há aprovação desta técnica no sistema de saúde brasileiro, acarretando um série de ações judiciais visando implementar o direito de acesso a esse tratamento. Avaliando sob o conceito jurídico, quais aspectos relevantes relativos à incorporação de procedimentos em idosos devem ser observados? O produto (a válvula) já tem a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O que ainda não foi aprovado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é o procedimento, o que exige sua inclusão em lista que a agência revê e publica oficialmente a cada dois anos. Essa publicação tem por efeito tornar a técnica de cobertura obrigatória para os planos de saúde. Enquanto isso não ocorre, deveriam valer as cláusulas contratuais que excluem esse tipo de prótese, em desfavor dos beneficiários dos planos de saúde. Em sede de direito individual, no entanto, o que se alega, com sucesso junto aos tribunais, é que a função social do contrato é a preservação da vida e da saúde, de forma que o segurado não pode ficar à mercê da atualização de um rol pela agência reguladora quando há tratamento apto a diminuir seu sofrimento. Nesse sentido, a ausência da técnica no rol de procedimentos editado pela ANS não impediria a sua utilização, mormente quando é notória a sua eficácia para o tratamento, a frequência com que vem sendo utilizada e os benefícios que acarreta à condição geral de saúde do paciente. Ou seja, a formalidade administrativa (incluir no rol) diante da notória eficácia (procedimento reconhecido) não prevalece sobre o direito à saúde e à vida. A cláusula é considerada abusiva, conceito jurídico a significar que, embora os planos tenham, formalmente, o direito de recusar a cobertura, esse direito é excessivo em face do direito fundamental à saúde e à vida. E aí reside o fundamento jurídico relevante, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta. A legislação brasileira, particularmente o Estatuto do Idoso, assegura o direito ao acesso prioritário dos idosos aos serviços em geral com base no inciso I do artigo 3º, proporcionando tratamento mais adequado a esta população. Em sua opinião, esta legislação é aplicável aos casos de negativa de acesso, na saúde pública ou suplementar, ao emprego de TAVI em pacientes portadores de estenose aórtica severa?
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No presente caso, em que se trata de procedimento necessário para que se torne viável o tratamento de pacientes que não podem se submeter à cirurgia convencional, especialmente idosos, com comprovada e reconhecida eficácia, é lamentável que a única via para se obter a cobertura seja por meio de ações judiciais individuais. Essa realidade é prejudicial a todos: (i) aos enfermos, porque grande parte deles não sabe da possibilidade de se conseguir o tratamento por via judicial – sendo beneficiados apenas aqueles que têm esse conhecimento e iniciativa, normalmente os que são economicamente mais privilegiados – e os que ingressam com a ação precisam arcar com todos os custos envolvidos (econômicos, emocionais e de tempo de espera); (ii) ao Judiciário, que fica sobrecarregado com um sem-número de ações individuais; e (iii) aos médicos, que muitas vezes, quando os pacientes conseguem decisão judicial favorável, sofrem reprimendas por parte das operadoras de plano de saúde, que muitas vezes dão inícios a processos administrativos nos Conselhos Regionais de Medicina em face deles. Vale, nesse sentido, fazer referência ao Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/2003), que dispõe ser obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida e à saúde, compreendendo o atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população (art. 3º, parágrafo único, I) e a garantia de prioridade e preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas (art. 3º, parágrafo único, II), bem como estabelece a competência do Ministério Público para “instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso” (art. 74, I) e para “zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados ao idoso, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis” (art. 74, VII). O CFM recentemente aprovou resoluções acerca da terminalidade da vida. A primeira validava a ortotanásia e, mais recentemente, versa-se sobre as diretivas antecipadas de vontade. Considerando que boa parte dos pacientes submetidos ao implante transcateter de valva aórtica são indivíduos com mais de 75 anos, com contraindicação para a cirurgia cardíaca tradicional, como sopesar a indicação deste método, destinado sobretudo a pacientes idosos, frente às questões atinentes à terminalidade da vida? Existe, na interpretação da Constituição, uma polêmica sobre a ponderação entre direitos fundamentais reconhecidos. Há um caso famoso em que um paciente recusava-se, por convicção religiosa, a submeter-se a uma transfusão de sangue. Contra a sua vontade, o médico pediu autorização judicial para realizá-la e obteve: o paciente salvou-se (conheci o juiz que me relatou ter sido visitado pelo paciente, após a transfusão, não para agradecê-lo, mas para dizer-lhe: “o senhor desgraçou minha existência”). Não obstante, a questão levanta o problema da contraposição entre direitos indisponíveis (direito à vida, donde a condenação de quem colabora com o suicídio de alguém) e a liberdade humana (autonomia da vontade: ninguém pode ser obrigado a viver para a sua saúde). Do ângulo objetivo, no entanto, a indicação do método, em termos de política pública da saúde, deve prevalecer. ■
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Experiência e inovação Como é possível que um hospital público esteja equiparado a uma das maiores e mais importantes instituições de saúde privadas no País no que se refere ao TAVI?
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Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo (SP), foi o segundo Serviço de Hemodinâmica a realizar a técnica de implante transcateter de valva aórtica (TAVI) no Brasil, em 2008, e hoje já acumula 100 casos de pacientes tratados. Em entrevista ao Jornal da SBHCI, o diretor do Centro de Intervenções Estruturais do Coração do Instituto, J. Eduardo Sousa (SP), falou sobre a experiência do hospital e da importância da inclusão do procedimento no sistema de saúde brasileiro. Como o senhor avalia o desenvolvimento do implante transcateter de valva aórtica (TAVI) desde a consolidação do Registro Brasileiro e qual a sua análise sobre a importância de sua incorporação ao Sistema Único de Saúde do Brasil? O Conselho Federal de Medicina (CFM) reconheceu o implante transcateter de valva aórtica como procedimento eficaz e seguro e é extremamente importante que o Sistema Único de Saúde (SUS) incorpore essa tecnologia para beneficiar a população idosa no Brasil. Existem, hoje, mais de 60 mil casos de pacientes tratados por TAVI na Europa e nos Estados Unidos, com bons resultados clínicos. O estudo randomizado PARTNER demonstrou vantagem do emprego da técnica por via percutânea em comparação com os procedimentos cirúrgicos clássicos ou tratamento clínico convencional. O forte crescimento dessa tecnologia indica que o SUS tem alguma obrigação de oferecê-la à população idosa brasileira, que não é pequena. No Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia já foram realizados vários procedimentos dessa natureza, mesmo sem cobertura específica do setor público. Qual o impacto da introdução desse tratamento no SUS na abordagem dos pacientes portadores de estenose valvar aórtica?
Ainda estamos no início dessa tecnologia, mas os resultados já alcançados são bastante estimulantes. J. Eduardo Sousa (SP), diretor do Centro de Intervenções Estruturais do Coração do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
O primeiro centro médico que desenvolveu essa técnica no Brasil foi o Hospital Albert Einstein, há cerca de quatro anos. Seis meses depois, nós começamos a utilizar essa tecnologia no Dante Pazzanese graças à criação, nessa instituição, do Centro de Intervenção em Doenças Estruturais do Coração (CIDEC), que hoje tem um orçamento dedicado ao desenvolvimento desta tecnologia na instituição. O CIDEC congrega os intervencionistas, cirurgiões, clínicos, especialistas em ecocardiografia, tomografia e anestesistas. Assim, temos 100 pacientes tratados, dos quais 94 pela via percutânea e seis pelas vias transaórtica e apical do ventrículo esquerdo. Utilizamos predominantemente as próteses da Medtronic, da Edwards, e mais recentemente fomos incluídos no ensaio clínico com a prótese suíça Symetis. No Brasil temos um grande potencial para criarmos os centros que atuem em benefício dos nossos idosos, pelo SUS. A SBHCI tem trabalhado para que isso seja ampliado, inclusive junto às companhias de seguro de saúde. Creio que ainda estamos no início dessa tecnologia entre nós, mas os resultados já alcançados são bastante estimulantes. ■
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O DESENVOLVIMENTO DA TÉCNICA
A alternativa e a revolução na cirurgia cardíaca
A O implante transapical de valva aórtica transcateter tem sido a alternativa de procedimento seguro e com resultados de médio prazo satisfatórios e eficazes em pacientes bem selecionados
Por Domingo Marcolino Braile (SP), professor emérito da Faculdade de Medicina de Rio Preto (FAMERP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); pró-Reitor da FAMERP e editor da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular
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estenose valvar aórtica calcificada é a lesão valvar mais frequente em idosos atingindo uma prevalência de 2,5% em torno dos 75 anos de idade podendo chegar a 8% aos 85 anos. A expectativa de vida é baixa caso não haja intervenção sendo que o curso natural leva a uma taxa de sobrevida de apenas 40% em cinco anos. Para o tratamento dessa afecção, a substituição valvar por meio da cirurgia ainda é o padrão-ouro com vários trabalhos constatando a segurança e eficácia dessa abordagem. É referido, porém, que aproximadamente um terço dos pacientes com 75 anos ou mais, portadores de estenose valvar aórtica grave e sintomáticos, não chega a receber tratamento cirúrgico em decorrência de terem idade avançada, disfunção ventricular esquerda ou outra comorbidade. O implante transapical de valva aórtica transcateter tem sido a alternativa de procedimento seguro e com resultados de médio prazo satisfatórios e eficazes em pacientes bem selecionados. No Brasil, o desenvolvimento pela Braile Biomédica da INOVARE Válvula Transcateter gerou significativa contribuição para a saúde humana na medida em que possibilitou o tratamento de doenças valvares de maneira menos agressiva, permitindo redução substancial da mortalidade, da morbidade e tempo de recuperação, anteriormente associadas ao procedimento convencional. Pacientes anteriormente contraindicados para a cirurgia convencional de troca valvar puderam ser tratados de maneira eficaz e segura. As válvulas transcateter representam uma revolução na cirurgia cardíaca, pois tratam doenças estruturais sem parada circulatória, circulação extracorpórea e grandes incisões. O advento desta nova técnica e dispositivo estão permitindo que grande número de pacientes seja beneficiado com ganho efetivo de tempo e qualidade de vida. A INOVARE Válvula Transcateter foi desenvolvida a partir da parceria indústria-universidade, firmada entre Braile Biomédica e o Departamento de Cirurgia Cardíaca da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O desenvolvimento da INOVARE Valvula Transcateter permite o acesso de todos os pacientes às tecnologias de ponta existentes no mercado internacional. ■
Medicina Baseada em Evidências
Há evidências para incorporação do TAVI no Brasil? Operadora de saúde busca respostas na Literatura Médica pelas melhores evidências científicas Por Alexandre Miranda Pagnoncelli (RS), diretor presidente da AUDITA Consultoria Ltda e coordenador da Câmara Técnica de Medicina Baseada em Evidências do Rio Grande do Sul (MBE)
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stando cientes do parecer do Conselho Federal de Me- vel ao procedimento cirúrgico, entretanto, somente em paciendicina (CFM) e de algumas solicitações para cobertura tes que não eram candidatos à cirurgia houve benefício clínico econômica deste procedimento, a Unimed do Brasil, atra- do TAVI, com redução, inclusive, de mortalidade total em um vés de sua Câmara Técnica de Medicina Baseada em Evidências ano. Em pacientes com risco cirúrgico elevado, porém candidatos (CT de MBE), realizou um estudo de revisão da Literatura Médica indexada no ano de 2012, buscando as melhores evidências à cirurgia, não houve diferença em mortalidade aos 30 dias ou científicas sobre o tema. A Câmara Técnica buscou respostas em um ano de seguimento. Além disso, nesta população, o risco de acidente vascular cerebral (AVC) foi signina Literatura Médica sobre o nível de evidência científica quanto a este procedimento. O ficativamente maior nos pacientes submetidos Qual o perfil ao TAVI do que naqueles submetidos à cirurprocedimento seria eficiente? Seguro para os gia convencional. Em ambos os estudos, foi pacientes? Qual o perfil de paciente que aprede paciente que utilizada a válvula Sapiens (Edwards). senta maior benefício com a técnica? Estudos observacionais comparados, estuNa opinião da CT de MBE, já dispomos de apresenta maior evidências científicas para a incorporação dos de registro e metanálises destes estudos avaliaram a segurança tanto da válvula Sapiens desta tecnologia no Brasil; para o tratamento benefício com (Edwards) quanto da válvula CoreValve (Meda estenose aórtica grave, sintomática, em padtronic). Estes estudos confirmam, em uma cientes com risco cirúrgico proibitivo. a técnica? quantidade maior de pacientes, com seguimenDois ensaios clínicos randomizados foram to aproximado de um ano, o perfil de seguranconduzidos para avaliação do implante transcateter de valva aórtica (TAVI) no tratamento de pacientes com ça e eficácia observado nos ensaios clínicos. estenose aórtica grave. No primeiro (Leon MB, 2010), o TAVI Diretrizes internacionais e consensos de sociedades propõem foi comparado ao tratamento clínico padrão associado à valvu- o uso do TAVI em pacientes com estenose aórtica grave, sinloplastia por balão quando necessário em pacientes não candi- tomática, com risco cirúrgico proibitivo. As evidências para o datos à cirurgia devido ao risco proibitivo. No segundo (Smith uso do TAVI em casos de risco cirúrgico elevado, porém não CR, 2011), o TAVI foi comparado à cirurgia de troca valvar em proibitivo, são consideradas insuficientes para recomendar o pacientes com risco cirúrgico elevado, porém ainda candidatos procedimento fora de condições especiais de consentimento do à cirurgia. Em ambos, o TAVI mostrou ser uma alternativa viá- paciente ou de pesquisa clínica. ■
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AMB
EVIDÊNCIAS
O aval da AMB Com Emílio César Zilli (RJ), cardiologista e diretor de Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira (AMB)
Como o senhor avalia a conquista do reconhecimento do implante transcateter de valva aórtica (TAVI) pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como procedimento eficaz e seguro e quais os próximos desafios visando à sua inclusão do rol de procedimentos da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM)? Avalio essa conquista com muito otimismo e alegria, pois o TAVI é um método que salva vidas de quem não tem outra opção de tratamento, além disso também melhora a qualidade de vida das pessoas. Hoje, no mundo inteiro, o método é utilizado com bastante sucesso nos pacientes elegíveis. Essa conquista da SBHCI muito nos alegra. É com satisfação que vejo o sistema suplementar de saúde do Brasil evoluir ao ponto de implementar o TAVI como um procedimento para uso cotidiano. A SBHCI solicitou que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) antecipasse a inclusão desse método no rol de procedimentos obrigatórios para cobertura pelos planos de saúde, com o apoio da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diante da inexistência de alternativa eficaz para um subgrupo de enfermos muito graves, sem perspectivas cirúrgicas, impõe-se a realização do TAVI. O que a AMB poderia fazer para apoiar a disponibilização imediata do procedimento no sistema de saúde do Brasil? Na verdade, a AMB já fez. Enviamos uma carta para o diretor presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, André Longo (PB), ressaltando a importância de o TAVI ser implementado no rol de procedimentos e demonstrando o apoio ao pedido da SBHCI. Esse comunicado foi assinado por mim e pelo presidente da AMB, Florentino Cardoso (SP). Quanto à inclusão imediata no rol de procedimentos, que obrigaria as operadoras de saúde suplementar a assumir o ônus dessa indicação, existe outro processo. Quando nós incorporarmos o TAVI ao rol de procedimentos da CBHPM, tomaremos o cuidado de incorporá-lo de maneira muito técnica e científica, com uma diretriz de utilização e com as normas de inclusão/ exclusão. A intenção é deixar claro o uso de forma precisa, específica e apenas nos doentes elegíveis. Agora, vamos esperar o parecer da ANS. ■
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Resultados melhores Por Carisi Anne Polanczyk (RS), Rodrigo Wainstein (RS) e Luis Carlos Bergoli (RS)
O implante transcateter de válvula aórtica (TAVI) emergiu como uma alternativa promissora à troca valvar cirúrgica convencional em pacientes com estenose aórtica grave e que, caso contrário, não eram tratados pelo elevado risco cirúrgico. Desde o primeiro implante transcateter de valva aórtica em 2002, diversos avanços nos dispositivos e no manejo do procedimento levaram a taxas de sucesso cada vez maiores. Atualmente, o TAVI deve ser considerado para todos pacientes de risco extremamente elevado ou “inoperáveis” e alternativa válida para pacientes “operáveis” com alto risco operatório. Os resultados de grandes registros multicêntricos incluindo os dois dispositivos atualmente utilizados, Sapien (Edwards) expansível por balão e CoreValve (Medtronic) autoexpasível, vêm sendo vistos com grande entusiasmo pela comunidade médica, com taxas de sucesso e mortalidade em um ano, respectivamente, de 96,9% e 76%, em mais de três mil pacientes. A eficácia e segurança do TAVI demonstradas no seguimento de um ano do estudo randomizado PARTNER, seja em pacientes considerados inoperáveis (PARTNER B) como em pacientes de alto risco cirúrgico (PARTNER A), ganhou maior consistência após a publicação recente do seguimento de dois anos, que confirmou os resultados promissores em ambos os cenários. Novos estudos randomizados, utilizando dispositivos de nova geração e incluindo diferentes perfis de pacientes estão sendo aguardados para os próximos anos. Embora os resultados do procedimento sejam cada vez melhores, é importante destacar que os mesmos têm sido feitos em centro de excelência, onde o treinamento e capacitação da equipe são importantes e este fato não deve ser minimizado com a difusão da técnica. Embora as análises de custo-efetividade sejam vistas com entusiasmo de acordo com perspectivas americanas, são necessárias avaliações criteriosas desse tipo no contexto da realidade brasileira. É fundamental também que a indicação do procedimento seja individualizada, amplamente discutida entre cardiologista, hemodinamicista e cirurgião cardíaco e, acima de tudo, com o paciente. ■
REGISTRO BRASILEIRO
O estado atual do Registro Brasileiro de Implante por Cateter de Bioprótese Valvar Aórtica Os dados encontrados em nosso meio são absolutamente comparáveis aos resultados de outros Registros internacionais e demonstram a segurança e eficácia desta nova modalidade de tratamento Por Fábio Sândoli de Brito Jr. (SP), cardiologista intervencionista do Hospital Israelita Albert Einstein
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Registro Brasileiro de Implante por Cateter de Bio- de mortalidade cirúrgica de acordo com os escores Euroscore prótese Valvar Aórtica foi concebido pela SBHCI para logístico e STS desta população correspondem a 20,7 ± 14% e conhecimento dos resultados desta nova técnica em 14,2 ± 13 %, respectivamente. As próteses autoexpansível Corevalve TM e balão-expansível nosso País, indicada para pacientes portadores de estenose aórtica sintomática com contraindicação ou alto risco para o Sapien XT TM foram empregadas em 90,2% e 9,8% dos casos, tratamento cirúrgico convencional. O Registro inclui pacien- respectivamente. Os procedimentos foram realizados por tes tratados desde 2008 e permite analisar o perfil demográfi- acesso femoral na maioria dos casos (96,7%). Obteve-se sucesso do dispositivo em 87% dos pacienco e clínico dos pacientes, além dos aspectos técnicos e resultados imediatos e tardios do tes, com significativa redução do gradiente Atualmente, procedimento. de pressão transvalvar médio (52,6 ± 16 p/ Trata-se de um Registro de mundo real, em 10,1 ± 6 mmHg). As complicações incluíram o Registro conta que participam centros brasileiros com exacidente vascular cerebral (AVC) em 4,3% e periência de três ou mais casos. A monitoria vasculares maiores em 5,4%; implancom 300 pacientes eventos eletrônica é feita em 100% dos casos, confete de marcapasso permanente foi requerido rindo maior confiabilidade aos dados. Nele, em 21,5% dos pacientes. A taxa de sobrevida incluídos em aos 30 dias foi de 90,3% com 94,7% dos paincluem-se pacientes tratados por via transarterial (femoral, subclávia ou transaórtica), cientes em classe funcional I/II. 12 centros. com as biopróteses CoreValve (Medtronic) e Esses dados encontrados em nosso meio Sapien (Edwards). Os desfechos clínicos são são absolutamente comparáveis aos resultaanalisados conforme os critérios VARC (Valve Academic Rese- dos de outros Registros internacionais e demonstram a seguarch Consortium). rança e eficácia desta nova modalidade de tratamento, com Atualmente, o Registro conta com 300 pacientes incluídos expressiva melhora hemodinâmica e da classe funcional dos em 12 centros, sendo cinco em São Paulo, três no Rio de Ja- pacientes, com mortalidade inferior a estimada por escores neiro, dois no Rio Grande do Sul, um em Santa Catarina e um cirúrgicos. A SBHCI continuará monitorando as informações em Minas Gerais. A média de idade dos pacientes é de 81,7 provenientes do Registro para que, no futuro próximo, essa ± 7,6 anos, sendo 57,4% mulheres e 81,9% em classe funcio- técnica possa ser empregada em um maior número de centros nal III/IV (NYHA) de insuficiência cardíaca. As estimativas em nosso País, beneficiando cada vez mais pacientes. ■
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OPINIÃO
Perspectivas de crescimento no Brasil Flávio Tarasoutchi (SP), livre docente em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), médico assistente da Equipe Médica de Cardiopatias Valvares da Divisão de Clínica do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP e editor da Diretriz Brasileira de Valvopatias da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), fala sobre o panorama de evolução do implante transcateter de valva aórtica (TAVI) no Brasil e as peculiaridades dos pacientes indicados ao tratamento.
Em sua opinião, há elementos suficientes para a incorporação do TAVI no sistema de saúde do Brasil? A estenose aórtica é uma doença em ascensão em nosso meio, principalmente quando o foco é a população de idosos, a qual está crescendo em nosso País. É muito frequente encontrar na população acima de 65 anos algum grau de calcificação da válvula aórtica, exigindo preparo da classe médica para tratar de maneira adequada esses pacientes. A prevalência de estenose valvar aórtica é de 3% na população geral. A senescência populacional associada à crescente melhora no acesso e na qualidade do sistema de saúde deverá elevar este contingente de pacientes. Projeções indicam que, nas próximas décadas, o Brasil terá cerca de três a quatro milhões de pessoas portadoras de estenose aórtica grave com necessidade de tratamento especializado, elevando esta condição à categoria de problema de saúde pública. O único método terapêutico previsto no sistema de saúde brasileiro para estes enfermos é a valvoplastia com balão. Há fundamentação científica para justificar o emprego de valvoplastia em vez de TAVI neste subgrupo de pacientes graves com contraindicação de cirurgia? Nos últimos cinco anos, cerca de 50 mil pacientes se beneficiaram com esse tratamento por implante de bioprótese via cateter. Nós sabemos que a valvoplastia por cateter balão sem o implante da bioprótese é sujeita a restenose em menos de um ano em cerca de 60% a 80% dos casos, o que não justificaria esse investimento. Hoje esta técnica é considerada como uma ponte terapêutica, destinada ao alívio de sintomas até a realização de uma modalidade de tratamento definitiva. Neste cenário, a técnica de TAVI se apresenta como uma terapia segura e eficaz para um subgrupo de pacientes graves com contraindicação ou considerados como de alto risco para cirurgia valvar convencional.
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O código de ética médica veda a realização de atos médicos sem a obtenção do consentimento informado prévio. Quais as peculiaridades da obtenção deste termo de consentimento em indivíduos idosos? Um dos dados para indicação do TAVI é que o paciente tenha um nível cognitivo adequado para se beneficiar do procedimento de uma forma plena. Conscientemente, todos os procedimentos em que temos participado partem do paciente e logicamente com anuência da família. Por ser um procedimento eletivo, é possível reunir as pessoas interessadas – paciente e familiares – e conversar com o objetivo de conseguir o consentimento informado. O CFM recentemente aprovou resoluções acerca da terminalidade da vida. A primeira validava a ortotanásia e, mais recentemente, versa-se sobre as diretivas antecipadas de vontade. Considerando que boa parte dos pacientes submetidos ao TAVI são indivíduos com mais de 75 anos, com contraindicação para a cirurgia cardíaca tradicional, como sopesar a indicação deste método frente às questões atinentes à terminalidade da vida? Este é um método de sobrevida. Seu objetivo é melhorar a qualidade e o tempo de vida do paciente. Se o mesmo encontra-se em uma situação clínica de terminalidade e o médico acredita que a doença valvar possua algum grau de influência nesta limitação, recomendamos uma discussão mais ampla através da formação de um grupo de especialistas multidisciplinar (heart team). Se houver a doença cardíaca com outras doenças concomitantes, com expectativa de vida menor que um ano, usualmente não indicamos o procedimento. A realização do TAVI justifica-se quan-
OPINIÃO
O objetivo do método é melhorar a qualidade e o tempo de vida do paciente. Flávio Tarasoutchi (SP), editor da Diretriz Brasileira de Valvopatias da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)
do existe perspectiva de aumento do tempo de vida acima de 12 meses. Estes são os novos conceitos que têm sido discutidos nas diversas diretrizes, sempre com a participação do heart team. Apesar deste tratamento ser validado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como método não experimental, ainda não foi incluído no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tampouco no Sistema Único de Saúde (SUS), resultando em demandas judiciais. Ocorre que, geralmente para iniciar essas demandas, é necessário um relatório médico circunstanciado, qual deve ser o papel do médico nesse contexto? Como acentuamos anteriormente, se o método estiver bem indicado e em consonância com as Diretrizes de Valvopatia e de Hemodinâmica, cabe ao médico elaborar um relatório em que descreve as condições clínicas do paciente bem como as indicações do procedimento, deixando claro o benefício do TAVI na sobrevida do paciente. ■
Investindo no heart team Por Rogério Sarmento-Leite (RS), diretor científico da SBHCI
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Diretriz Brasileira de Valvopatias, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em conjunto com a Sociedade Interamericana de Cardiologia (SIAC), classificou o tratamento por implante transcateter de valva aórtica (TAVI) como uma indicação com classe de recomendação I e nível de evidência B para pacientes portadores de estenose valvar aórtica grave que sejam contraindicados para tratamento cirúrgico e classe de recomendação IIa e nível de evidência B para pacientes com alto risco cirúrgico. Estas indicações tornam o TAVI uma alternativa eficaz pelas vias femoral ou transapical, abrindo uma perspectiva para o pacientes que não tinham nenhuma opção de tratamento. Embora sejam ancoradas pelas comunidades médicas dentro do conceito do heart team, as evidências trazem um procedimento relativamente novo e que exige uma curva de aprendizado que não é pequena. Os dispositivos utilizados para esta técnica ainda estão em fase de maturação e desenvolvimento; ou seja, os dispositivos que usamos hoje são melhores do que aqueles que usávamos há dois anos e, certamente, os que vamos usar daqui três ou quatro anos serão superiores. São próteses que acompanham a evolução do método e a incorporação tecnológica. Isso obviamente envolve um grande preparo e um treinamento extensivo. É indispensável que médicos e serviços constituam, em seus centros, equipes multidisciplinares (heart team), que unam suas diferentes habilidades em prol da qualidade do procedimento. E depois de constituído, esse time precisará dominar as áreas de procedimentos minimamente invasivos, cirúrgica, de anestesia e de imagem. Todas as equipes devem ser treinadas e a responsabilidade pela coordenação deste treinamento é das Sociedades Brasileiras de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI) e de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV), bem como dos centros por elas credenciados. ■
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Apesar da idade, o meu coração ainda é jovem. A Estenose Aórtica é uma doença que obstrui a válvula do coração e pode acometer principalmente os idosos. Hoje, existe um novo tratamento para os portadores desta doença. Saiba mais no site: www.sbhci.org.br/tavi
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