ANOS 80
TAKE.COM.PT | ANO 9 | NÚMERO 47
CRÍTICAS O Novo Herói Americano 16 First Blood & Rambo 18 Lethal Weapon 1 & 2 20 Commando 21 Die Hard 22 Cobra 22 Predator 23 Missing in Action 23 Big Trouble in Little China Ficção Científica 40 Blade Runner 42 The Terminator 44 Back to the Future 45 Robocop 47 Tron 48 Escape from New York 48 Dune 49 Brazil 49 The Fly Terror 58 The Shining 60 Gremlins 62 The Evil Dead 64 Poltergeist 65 Friday, the 13th 66 Bad Taste 66 The Lost Boys 67 The Thing 67 Child's Play Comédia 90 This Is Spinal Tap 92 A Fish Called Wanda 94 Airplane! 96 Police Academy 97 The Naked Gun: From the Files of Police Squad! 98 Coming to America 98 The Meaning of Life 99 Raising Arizona 99 The Blues Brothers Deliciosas Adolescências 108 Ferris Bueller's Day off 110 The Goonies 112 The Breakfast Club 114 The Karate Kid 115 Stand by Me
116 116 117 117
Say Anything... Risky Business Pretty in Pink Fast Times at Ridgemont High
187 Beverly Hills Cop 187 Road House Guerra 192 Platoon 194 Full Metal Jacket 194 Good Morning, Vietnam 195 Grave of the Fireflies 195 Das Boot
Romance 122 When Harry Met Sally… 124 Romancing the Stone 126 Dirty Dancing 127 Dangerous Liaisons 128 An Officer and a Gentleman 128 The Unbearable Lightness Of Being 129 The War of the Roses 129 Cocktail
Domingo à Tarde, na TV 200 National Lampoon's Vacation 202 Conan the Barbarian 202 Labyrinth 203 Who Fr amed Roger Rabbit? 203 Big
Fora de Circuito 134 Blue Velvet 136 Videodrome 139 Sex, Lies, and Videotape 140 The Cook, the Thief, His Wife & Her Lover 141 Henry: Portrait of a Serial Killer 142 The Elephant Man 142 Paris, Texas 143 Koyaanisqatsi 143 Santa Sangre
Outras Cinematografias 208 Nuovo Cinema Paradiso 210 Wings of Desire 210 Fitzcarraldo 211 Tonari No Totoro 211 Kagemusha
Spielberg | Scorsese | Allen 216 E.T. the Extra-Terrestrial 217 The Color Purple 217 Empire of the Sun 218 After Hours 219 The King of Comedy 219 The Last Temptation of Christ 220 Hannah and Her Sisters 221 Zelig 221 The Purple Rose of Cairo Award Eaters 230 Ordinary People 230 Chariots of Fire 231 Gandhi 231 Out of Africa 232 Amadeus 232 Rain Man 233 My Left Foot: The Story of Christy Brown 233 Sophie's Choice 234 Ishtar 234 Heaven's Gate TV 270 Blackadder
ARTIGOS
Retratos Americanos 154 Scarface 156 Raging Bull 156 Top Gun 157 Once Upon a Time in America 157 The Decline of Western Civilization
04 It's not the years, honey, it's the mileage . editorial 06 Nostalgia dos anos 80 24 Indiana Jones 32 A Guerra Fria ao Murro 68 A Nightmare on Elm Street 76 Os três Cês do terror dos anos 80 100 ZAZ Style 144 Cannon: Da Era Dourada a Estatuto de Culto 174 Mad Max 222 A Escola Spielberg 264 A televisão dos anos 80 . tv 272 À conversa com Nuno Markl . entrevista
Filmes Portugueses 162 Recordações da Casa Amarela 164 O Sangue 164 Kilas, o Mau da Fita 165 Balada da Praia dos Cães 165 O Lugar do Morto À Beira da Cadeira 170 Blood Simple 172 The Untouchables 172 Dressed to Kill 173 Blow Out 173 The Postman Always Rings Twice
Director José Soares. josesoares@take.com.pt Editora Sara Galvão. Editor adjunto José Carlos Maltez. Colaboraram nesta edição António Araújo. Cátia Alexandre. Diana Martins. Filipe Lopes. Hélder Almeida. João Bizarro. J. B. Martins. João Paulo Costa. José Carlos Maltez. Pedro Miguel Fernandes. Pedro Soares. Rui Alves de Sousa. Sandra Gaspar. Sara Galvão. Design José Soares. Ilustração Aires . facebook.com/airesmeloarts Imagens Arquivo Take. Alambique. Big Picture Films. Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema. Cine Mundo. Columbia TriStar Warner Portugal. Costa do Castelo Filmes. Fox Portugal. Films 4 You. iStock. LNK Audiovisuais. Lanterna de Pedra Filmes. Leopardo Filmes. NOS Audiovisuais. Midas Filmes. Nitrato Filmes. Outsider Filmes. Pris Audiovisuais. Sony Pictures Portugal. Universal Pictures Portugal. Valentim de Carvalho Multimédia. Vendetta Filmes. Imagem de capa E.T. - O Extra-Terrestre (1982) © Universal Pictures. © 2017 Take Cinema Magazine - Todos os direitos reservados. As imagens usadas têm direitos reservados e são propriedade dos seus respectivos donos.
Os Heróis que Merecemos 184 Ghostbusters 186 Flash Gordon 186 Highlander
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IT'S NOT THE YEARS, HONEY, IT'S THE MILEAGE SARA GALVÃO
Os Anos 80 voltaram para ficar. Felizmente, não nas roupas ou penteados — mas na sétima arte, (e no pequeno monstro da sala de estar, agora já na sua idade adulta), parece que nenhuma outra década consegue ter o mesmo encanto. Talvez porque a geração que nasceu e cresceu nos anos 80 esteja agora a precisar da sua dose de nostalgia, ou talvez — controverso — porque foi uma época exímia na produção de um certo tipo de filmes que ainda hoje nos povoam a imaginação. Se por serem bons ou porque foram impressos nas nossas mentes impressionáveis de crianças, essa é uma discussão para outro dia. Fazer uma edição sobre o cinema dos anos 80 é, contudo, uma tarefa destinada ao fracasso. Há demasiados filmes que dariam eles próprios uma edição exclusiva (vide Take 41: Star Wars), há favoritos que, por espaço e tempo, tiveram de ficar de fora e, apesar de tentarmos o mais possível não sermos demasiado americanizados, não podemos negar o impacto e a quantidade de filmes de Hollywood que, pura e simplesmente, tiveram de ser incluídos em detrimento de títulos mais “obscuros”. Apesar de todas as escolhas difíceis que tivemos de fazer, esperamos que esta edição faça jus a uma época que, longe de estar povoada de blockbusters como muitos puristas nos querem fazer crer, mostrou que a originalidade pode bater recordes de bilheteira. De lágrimas na chuva a maus dias para parar de snifar cola, bem-vindos de volta aos Anos 80.
Desesperadamente Procurando Susana, 1985
Psicopata Americano, 2000
NOSTALGIA DOS ANOS 80 ANTÓNIO ARAÚJO
Independentemente do dicionário consultado, vamos encontrar sempre a mesma definição de nostalgia com pequenas variantes. “Estado melancólico causado pela falta de algo ou de alguém.” Ou “sentimento de melancolia provocado pela lembrança de alegrias passadas”. Normalmente é um estado de espírito que se associa a pessoas adultas, ocasionalmente resultando da visão romantizada e idealizada da sua juventude. Porque é nessa fase da vida que as paixões são mais intensas e o mundo ainda proporciona surpresas e descobertas. É naquela neblina que nos leva à idade adulta que os acontecimentos mais marcantes ficam registados para sempre, sucessivamente refinados por recordações cada vez mais tingidas de… nostalgia.
inesquecível personagem Fonzie, interpretada por Henry Winkler. Ou as histórias sobre a década de sessenta produzidas nos anos oitenta — Os Amigos de Alex (The Big Chill, Lawrence Kasdan, 1983), Platoon - Os Bravos do Pelotão (Platoon, Oliver Stone, 1986), Dirty Dancing: Dança Comigo (Dirty Dancing, Emile Ardolino, 1987) ou a sitcom The Wonder Years. Ou até a recuperação dos anos setenta em clássicos da última década do milénio — Juventude Inconsciente (Dazed and Confused, Richard Linklater, 1993), Jogos de Prazer (Boogie Nights, Paul Thomas Anderson, 1997) ou a comédia para o pequeno ecrã Que Loucura de Família, (That 70’s Show). Claro que a cultura popular não se faz só de cinema. E, quando Psicopata Americano (American Psycho, Marry Harron, 2000) e Donnie Darko (Richard Kelly, 2001) deram o pontapé de saída não oficial à recuperação da década de oitenta no grande ecrã, bandas como os Interpol ou The Killers juntavam-se aos regressos de nomes consagrados (como os Blondie, por exemplo) no reavivar da sonoridade New Wave do princípio desse período. Foi com uma banda sonora apropriada que, durante os anos seguintes, assistimos a filmes que recuperavam os gloriosos anos que nos deram o cubo mágico, não só em espírito, como no espaço temporal das narrativas. Alguns exemplos: o regresso (logo esquecido) do herói de chapéu e chicote Indiana Jones e o Reino da Caveira de
É natural, portanto, que a cultura popular se recicle continuamente e ciclicamente em ondas de nostalgia. Os jovens de hoje serão os adultos e criadores de amanhã e, ao produzirem música, livros e filmes assentes nas suas paixões, é inevitável que deixem transparecer a época em que estas eram mais fortes e significativas. Este ciclo de nostalgia costumava ser um fenómeno relativamente consistente. Veja-se o fascínio dos autores dos anos setenta pelos anos cinquenta — Iniciação Carnal (Carnal Knowledge, Mike Nichols, 1971), American Graffiti: Nova Geração (American Graffiti, George Lucas, 1973), Brilhantina (Grease, Randal Kleiser, 1978) ou a série televisiva Happy Days que nos deu a 7
Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, Steven Spielberg, 2008); a adaptação da propriedade infantil Transformers (Michael Bay, 2007); a adaptação da banda desenhada consagrada Watchmen: Os Guardiões (Watchmen, Zack Snyder, 2009); o filme de prestígio Este País Não É Para Velhos (No Country for Old Men, Joel e Ethan Coen, 2007); o filme de terror escandinavo Deixa-me Entrar (Låt den rätte komma in, Tomas Alfredson, 2008); ou as comédias dramáticas independentes A Lula e a Baleia (The Squid and the Whale, Noah Baumbach, 2005) e Adventureland (Greg Mottola, 2009). Quando em 2010, Oliver Stone estreia a sequela do seu sucesso de 1987, Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme (Wall Street: Money Never Sleeps), parecia o fechar de um ciclo. Apesar do parco sucesso financeiro e de crítica, o filme fazia a ponte entre a ganância retratada no original através do yuppie Gordon Gekko e a situação de crise financeira na entrada para uma nova década. Mas a verdade é que o fascínio pelos anos oitenta não só não se desvaneceu, como pareceu ganhar uma nova força que se mantém até aos dias de hoje sem fim no horizonte. Continuando a temática da crise financeira, só em 2013 vimos dois filmes que exploravam os excessos de quando a “ganância era boa”: O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, Martin Scorcese) e Golpada Americana (American Hustle, David O. Russel).
O Lobo de Wall Street, 2013
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Golpada Americana, 2013 Podem haver muitas razões que expliquem o fenómeno deste prolongamento nostálgico e um factor importante que não podemos descurar é o impacto da expansão da era digital neste processo. Por um lado, o aparecimento da internet delineou os anos oitenta como a última década completa que não sucumbiu ao ataque da nossa capacidade de concentração com informação à distância de um clique. Por outro, e à primeira vista paradoxalmente, foi a facilidade do acesso à informação na internet — especialmente aos conteúdos no YouTube — que facilitou a disseminação das memórias de toda uma geração pelos seus filhos, sobrinhos e amigos. Pela primeira vez na história da cultura popular, a referência a um filme, música ou livro podia ser imediatamente consubstanciada pela própria obra em si. Com isto, abriram-se os diques que inundaram uma geração com as referências da geração anterior.
dos que mais proveito tem tirado da inspiração da década de oitenta. Em 2011, Attack the Block (Joe Cornish) recuperava o espírito do (agora reconhecido) mestre John Carpenter, bem como Vai Seguir-te (It Follows, David Robert Mitchell) três anos mais tarde — neste caso com a banda sonora a ser uma colagem assumida aos temas que o realizador compunha para os seus filmes. Este revivalismo tem permitido a Carpenter — que não realiza um filme para cinema desde 2010 — lançar álbuns de música original, com o qual tem partido em digressões esgotadas, bem como uma compilação dos seus temas clássicos remisturados a editar este ano —o que vem de certa forma “legitimar” a carolice de bandas de pendor revivalista destas sonoridades como os Perturbator. Na sequência disto, é digno de nota o sucesso mundial de séries televisivas como Stranger Things, pasticho assumido de distintas influências culturais que acabou por ser consumido em massa três décadas depois das influências em que se inspira serem olhadas de lado pelo mainstream.
Veja-se como exemplo as inúmeras sequelas, recriações e recomeços de populares filmes de terror que os últimos anos nos ofereceram: Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, Marcus Nispel, 2009), Pesadelo em Elm Street (A Nightmare on Elm Street, Samuel Bayer, 2010), Poltergeist (Gil Kenan, 2015), A Maldição de Chucky (Curse of Chucky, 2013) e Cult of Chucky (2017), ambos de Don Mancini, bem como It (Andrés Muschietti, 2017), porta-estandarte (ainda antes de ter estreado) do revivalismo actual do celebrado escritor Stephen King. Aliás, o género de terror é um
Os anos oitenta parecem inspirar uma identificação profunda dos autores com a época que resulta numa mistura da sua história pessoal com o próprio conceito de nostalgia. Talvez um dos melhores exemplos disto seja a série de comédia The Goldbergs, uma produção do canal televisivo americano ABC em que a experiência pessoal do criador 9
Prometheus, 2012
Blade Runner 2049, 2017
Adam F. Goldberg, capturada durante a sua infância e adolescência com uma câmara de filmar amadora, se traduz em narrativas recheadas de referências à cultura popular da altura. Sing Street (John Carney, 2016) parece também encerrar apontamentos autobiográficos numa história que recupera (numa versão condensada) os estilos musicais da década de oitenta que inspiraram o seu autor. Mas nem só de recriações se fazem estes exercícios de nostalgia pessoais. Ridley Scott, contra todas as expectativas, tem estado ocupado a revisitar os seus títulos mais míticos — é certo que Alien - O 8.º Passageiro (Alien, 1979) é do final da década anterior, mas o seu impacto prolongou-se pelos anos posteriores — ao realizar Prometheus (2012) e Alien Covenant (2017), e ao produzir Blade Runner 2049 (Denis Villeneuve, 2017), a sequela do seu clássico Blade Runner: Perigo Iminente (Blade Runner, 1982), aclamada criticamente depois de uma antecipação com iguais doses de expectativa e trepidação.
de acção pura e dura com uma banda sonora recheada de sucessos da altura em regime greatest hits e onde a nostalgia é apenas cortina de fumo: este não é mais que um filme revisionista do espírito James Bond pela lente de Jason Bourne com uma perspectiva feminina e moderna. Mas o zénite da regurgitação da cultura popular com que vibrávamos há três décadas pode mesmo vir a ser o próximo filme do realizador que foi responsável por alguns dos títulos mais marcantes da nossa infância: Steven Spielberg. Em Ready Player One, com estreia prevista para Março de 2018, Spielberg leva ao grande ecrã o popular livro de Ernest Cline onde o autor destilou todos os seus interesses de cultura pop numa história que retrata um futuro distópico onde as pessoas se ligam numa rede virtual e interagem com uma panóplia interminável de referências que só podiam ter sido sonhadas por quem cresceu em plena década de oitenta. "nostalgia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 20082013, https://www.priberam.pt/dlpo/nostalgia [consultado em 01-092017]. nostalgia in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2017. [consult. 2017-0901 13:18:55]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/ lingua-portuguesa/nostalgia
Actualmente, a presença dos anos oitenta nas salas de cinema não só parece não ter abrandado, como parece fait accompli. Podemos depararnos com as suas influências em qualquer registo ou género. Exemplo disto é Atomic Blonde - Agente Especial (Atomic Blonde, David Leitch, 2017), o filme que, numa altura em que somos surpreendidos com novas ameaças nucleares, recupera a espionagem da guerra fria para um filme 10
Atomic Blonde - Agente Especial, 2017
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O NOVO HERÓI AMERICANO
O NOVO HERÓI AMERICANO JOSÈ CARLOS MALTEZ
Em 1981, Ronald Reagan vencia as eleições presidenciais americanas com uma postura confrontacional, denunciando a União Soviética como o “Império do Mal” e assumindo-se paladino da “american way of life”. O cinema da década de 80 não ficou imune a isto. Da denúncia da guerra no Afeganistão ao Irangate, do bombardeamento na Líbia e intervenções na América Latina à sonhada Iniciativa de Defesa Estratégica, vulgo “Guerra das Estrelas”, Reagan trouxe a ideia de uns Estados Unidos como polícia do que chamava o “Mundo Livre” e um novo tipo de herói caseiro que dá a vida por valores tradicionais, fazendo justiça pelas próprias mãos, e, se tudo correr bem, salvando o mundo no processo. Foi o tempo de Sylvester Stallone como Rambo, Rocky ou Cobra, de Arnold Schwarzenegger em Comando, Predador e Exterminador Implacável, de Bruce Willis na série Assalto ao Arranha-Céus e tantos outros que mostraram o modelo americano de trazer paz ao mundo… à lei da bala, murro, explosões… e muitas pipocas.
MENÇÕES HONROSAS
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Caçada Implacável (Death Hunt, Peter R. Hunt, 1981) Impacto Súbito (Sudden Impact, Clint Eastwood, 1983) Desaparecido em Combate 2 (Missing in Action 2: The Beginning, Lance Hool, 1985) Força Delta (The Delta Force, Menahem Golan, 1986) Rendição Incondicional (No Retreat, No Surrender, Corey Yuen, 1986) Escorpião Vermelho (Red Scorpion, Joseph Zito, 1988) Força Destruidora (Bloodsport, Newt Arnold, 1988) Golpe de Vingança (Kickboxer, Mark DiSalle & David Worth, 1989) Tango & Cash (Andrey Konchalovskiy, 1989)
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Título nacional: A Fúria do Herói Realização: Ted Kotcheff Elenco: Sylvester Stallone, Brian Dennehy, Richard Crenna Ano: 1982 Título nacional: Rambo II - A Vingança do Herói Realização: George P. Cosmatos Elenco: Sylvester Stallone, Richard Crenna, Charles Napier
FIRST BLOOD RAMBO: FIRST BLOOD PART II RAMBO III
Ano: 1985 Título nacional: Rambo III Realização: Peter MacDonald Elenco: Sylvester Stallone, Richard Crenna, Marc de Jonge Ano: 1988
PEDRO SOARES
entrou em cena o seu antigo Coronel (Richard Crenna), que vem tentar pôr algum bom senso na cabeça do xerife e trazer Rambo de volta à razão. É ele também que faz a contextualização da personagem de John Rambo, transformando Rambo: A Fúria do Herói num dos melhores filmes sobre a desumanização da guerra e derramando alguma luz sobre os incompreendidos retornados do Vietname numa América pouco tolerante. O sucesso de Rambo: A Fúria do Herói levou o filme a ter várias sequelas e a ser um fenómeno da cultura popular ocidental, mas é curioso ver que o primeiro contacto com John Rambo é uma verdadeira antítese do que a personagem viria a tornar-se mais tarde — um herói da direita norte-americana que empunhava a bandeira dos Estados Unidos pelo mundo fora em nome da democracia, rebentando todos aqueles que se opunham à sua ideia de liberdade. Eram os anos de Ronald Reagan, que confessa ter em Rambo o seu herói de eleição. E é por isso que a trilogia termina num Rambo III over the top, com Stallone a derrotar sozinho os soviéticos no Afeganistão. Pelo meio existe ainda Rambo II: A Vingança do Herói, filme de transição que faz a ponte entre o anti-herói atormentado pela guerra e o super-herói belicista. Com a mesma história que a Cannon haveria de pilhar para fazer antes o seu Desaparecido em Combate (Missing in Action, Joseph Zito, 1984), protagonizado por Chuck Norris, John Rambo regressa ao Vietname para, em missão secreta, resgatar antigos companheiros feitos prisioneiros. É um filme atabalhoado, escrito a meias entre o próprio Stallone e um então ainda desconhecido James Cameron.
Existem dois tipos de pessoas no mundo: as que gostam do Rambo e as que gostam do Rocky. É possível gostar de ambas as personagens que imortalizaram Sylvester Stallone nos anos 80, mas toda a gente preferirá sempre um ao outro. É como os Rolling Stones e os Beatles. Ou se prefere o pugilista que acabou com a Guerra Fria sozinho ao derrotar o soviético Ivan Drago (Dolph Lundgren) ou se prefere o Boina Verde que derrotou os soviéticos no Afeganistão ao lado dos talibãs. Gostar dos dois por igual é que é impossível. No entanto, a primeira vez que ouvimos falar de John Rambo, ele era ainda muito diferente do herói de direita que fez as delícias de Ronald Reagan. Rambo era um soldado de elite especialista em guerrilha, e o último sobrevivente do seu esquadrão, que nos foi apresentado a deambular pelos Estados Unidos, sem trabalho e com problemas de readaptação. Por azar, vai parar a um vilarejo pertinentemente chamado Hope que de tolerante tem muito pouco. E depois de ser pressionado pelo xerife local (Brian Dennehy) e os seus homens, Rambo perde as estribeiras e foge da prisão, mobilizando homens e meios num jogo do rato e do gato de grandes proporções. Fugindo para o meio do mato, que é o seu habitat natural, armado só com um facalhão — e que se tornou conhecido como “faca à Rambo”, tamanha é a dimensão iconoclasta do filme —, Rambo faz um poncho de serapilheira e mete uma fita na cabeça, numa afirmação de estilo que se tornaria na sua imagem de marca nos próximos filmes. E depois, Rambo: A Fúria do Herói é um dos melhores survivor movies de sempre. Primeiro, porque o Rambo de Stallone dá o corpo ao manifesto, como um animal acossado, mas extremamente perigoso; e depois, porque Rambo: A Fúria do Herói é extremamente realista, sem fogo-de-artificio exagerado como qualquer blockbuster do género. Lembram-se de Fimde-semana Alucinante (Deliverance, John Boorman, 1972)? É ainda pior. Rambo vira depois o bico ao prego e passa do mato para a cidade, transformando a presa em predador e vice-versa. Nessa altura, já
Estava criado o herói, ícone e modelo dos filmes de acção dos anos seguintes, mostrando que a Guerra Fria, com Ronald Reagan, se lutava também nos ecrãs.
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Título nacional: Arma Mortifera 1 e Arma Mortifera 2 Realização: Richard Donner
LETHAL WEAPON 1 & 2
Elenco: Mel Gibson, Danny Glover, Joe Pesci Ano: 1987 e 1989
CÁTIA ALEXANDRE
Richard Donner é o responsável pela realização dos quatro filmes do franchise, originando alguns dos mais engraçados momentos perfeitamente equilibrados a nível de tom e estilo. No primeiro filme (1987), ficamos a conhecer o que juntou estes dois homens. Ansioso pelo dia da sua reforma, o detective Roger Murtaugh vê-se a trabalhar com o muito mais novo e imprudente Martin Riggs da unidade de narcóticos. Os dois investigam o alegado suicídio de Amanda Hunsaker, filha de um empresário de negócios que esteve na guerra do Vietname com Murtaugh. No decorrer da investigação, ambos chegam à conclusão que Hunsaker está envolvido num esquema de tráfico de drogas liderado por um antigo general. No segundo filme (1989), durante uma perseguição, Riggs e Murtaugh dão de caras com um camião cheio de sul-africanos ilegais que os leva a um perigoso caso de trafico humano. É aqui que conhecem o desbocado Leo Getz, aquele que se viria a transformar noutro dos maiores tesouros de Arma Mortífera, tesouro esse chamado Joe Pesci.
Perdoem-me a extrema adoração com que escreverei este texto, mas a ligação a este franchise é deveras forte. Foi ainda enquanto criança que a minha relação com os Arma Mortífera começou, muito em parte por causa dos meus pais e da quantidade de vezes que passávamos serões a visualizar em VHS aqueles que merecem ser aclamados como os melhores buddy cop movies de todos os tempos. Por vezes, chego a pensar que uma grande parte da minha paixão por ver cinema começa mesmo com essas memórias. Foram dois os filmes que saíram ainda durante os anos oitenta e, derivado ao tema desta edição, é apenas nesses dois que me irei aqui concentrar mais. Martin Riggs e Roger Murtaugh nasceram assim da mente do argumentista e realizador Shane Black — que escreveu os dois primeiros segmentos do franchise — que combinava no seu argumento, e com perfeição, muita acção e suspense com doses elevadas de humor negro que só podiam resultar com uma dupla implacável de actores. Mel Gibson e Danny Glover davam vida a dois policias bem caricatos, que nos davam a conhecer mais para além das suas carreiras enquanto oficiais da lei. Ambas as personagens tinham profundidade e essa foi uma das características que fizeram o sucesso destes filmes. O facto de as personagens serem bastante reais criava assim uma maior afectividade com o público, cuja vida profissional se cruzava com a vida pessoal de cada um, mostrando muito dos dilemas com que se debatiam nas suas vidas pessoais. É impossível negar a forte química que existe entre Gibson e Glover que transparece para o outro lado do ecrã e faz com que qualquer um se relacione com eles. Riggs é explosivo, corajoso, com sede de justiça, apegado a um trauma que mexe com ele emocionalmente. Murtaugh é um veterano calmo e cauteloso que quer apenas chegar a casa são e salvo todos os dias. E, como os opostos se atraem, a loucura de um e a moderação de outro criam uma combinação que fala por si só.
Todas as histórias são bastante fáceis de perceber e desvendar, mas todas elas bebem bastante daquilo que Mel Gibson e Danny Glover conseguiram fazer com os seus personagens. Apesar de todos os aspectos positivos inerentes à obra no geral, o brilho de tudo isto nasce com a harmonia como estes personagens se ligaram entre si, pela forma como foram escritos e pela empatia que criam connosco. Pois celebram acima de tudo a amizade e é essa forte amizade que suporta tudo o resto, sob a qual cada segmento assenta, amizade essa que Mel Gibson e Danny Glover cultivam até aos dias de hoje, não só entre si, mas também com todos nós. Adoro isto!
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Título nacional: Comando Realização: Mark L. Lester
COMMANDO
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Rae Dawn Chong, Dan Hedaya Ano: 1985
RUI ALVES DE SOUSA
época Comando era o "pão nosso de cada dia" das salas de cinema, com o passar dos anos ganhou o estatuto de culto e grande parte do seu charme está na energia do desempenho do protagonista e na rotineira, mas deliciosa, execução dos momentos de pancadaria.
Na lista de heróis invencíveis que marcaram o cinema dos anos 80, Arnold Schwarzenegger é um dos que mais se destaca e Comando assume um papel essencial por ter uma das suas personagens "de marca". Ele é John Matrix, o ex-operacional de uma força de elite obrigado a regressar às armas para salvar a filha, raptada por malfeitores sanguinários. A auxiliar o herói nesta poderosa demanda, encontramos Cindy (Rae Dawn Chong), uma hospedeira que será, mais tarde, o seu interesse amoroso.
Na narrativa completamente estereotipada é o humor (mais ou menos propositado) que a torna verdadeiramente inesquecível, presente, por exemplo, nas provocações a David Patrick Kelly (que, alguns anos mais tarde, brilharia na série Twin Peaks) ou na relação idílica e disneyficada entre pai e filha nos minutos iniciais. Há, por isso, diálogos memoráveis de uma ponta à outra, para o espectador guardar para todo o sempre.
Comando é um filme de acção pura e dura, repleto de mortes, explosões e testosterona, em que Schwarzenegger dá todo o seu carisma a um dos grandes divertimentos pipoqueiros da década. O realizador Mark L. Lester tem aqui o seu trabalho mais marcante, bastante ousado comparado com a infantilização que, na actualidade, domina o cinema de acção. Trata-se de um título menor do seu género, isto se tivermos em conta todos os grandes clássicos que nasceram nos oitentas. Se na
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Título nacional: Assalto ao Arranha-Céus Realização: John McTiernan
DIE HARD
Elenco: Bruce Willis, Alan Rickman, Bonnie Bedelia Ano: 1988
PEDRO MIGUEL FERNANDES
Arranha-Céus tornou-se com o tempo um dos filmes mais influentes dentro do género. O curioso é que foi feito precisamente fugindo das imagens de marca do género, podendo ser quase visto como um filme de acção inteligente, feito a pensar em quem não gosta de filmes de acção. As referências à cultura popular presentes nos diálogos entre McClane e o seu inimigo Hans Gruber (excelente criação de Allan Rickman) são excelentes e prova disso. O próprio actor escolhido para encarnar a personagem, Bruce Willis, vindo da série de televisão Modelo e Detetive, não seria a escolha mais óbvia para um filme deste tipo, à partida mais ao gosto de Stallone ou Schwarznegger.
Assalto ao Arranha-Céus estreou no final da década de 1980, mas ainda a tempo de se tornar um dos grandes filmes de acção do período. Realizado por John McTiernan (que no ano anterior tinha feito Predador, outra das obras-primas do género por aqueles anos) também deu origem a um improvável herói de acção: o polícia John McClane, que tinha a habilidade de estar no local errado e à hora errada em todos os filmes da saga. Neste primeiro capítulo de uma série que se prolongou pela década seguinte e regressou recentemente (são já cinco os filmes do franchise), McClane tem de enfrentar sozinho um grupo de terroristas que toma de assalto a sede de uma gigante multinacional japonesa em Los Angeles. Longe dos estereótipos dos filmes de acção (McClane não é um supersoldado, um especialista em artes marciais ou um robô, antes um comum polícia apanhado numa situação particular), Assalto ao
Talvez por tudo isso, Assalto ao Arranha-Céus seja incontornavelmente um dos melhores filmes da Hollywood dos anos 1980.
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COBRA
PREDATOR
PEDRO SOARES
JOSÉ CARLOS MALTEZ
Em 1986, já com o sucesso de quatro Rockys e de dois Rambos, Sylvester Stallone tinha carta-branca para fazer o que quisesse. Quis então fazer Cobra, o Braço Forte da Lei, o mais idiota e demagógico tratado de ideologia de direita que foi feito nos anos 80. Sly é um polícia pouco ortodoxo que mata bandidos sem peso na consciência. E quando é confrontado por jornalistas com os direitos dos bandidos — incluindo o direito à vida (!) —, exclama: “expliquem isso à família das vítimas”, afastando-se da cena do crime em pose vencedora. Aliás, todo o filme é assim, feito de one liners que reduzem as situações a caricaturas simplistas. Em suma, uma xungaria de proporções épicas tal e qual nós gostamos. Falta-lhe só uma canção-tema para alimentar ainda mais os níveis de bazófia (leia-se azeitice).
Centrado na figura de Arnold Schwarzenegger, o qual continuava o seu caminho de ícone de acção e de ficção científica musculada que o tornou uma estrela do cinema dos anos 80, O Predador mostra-nos um caçador de troféus alienígena que, ao abrigo da sua superioridade tecnológica, ataca brutalmente outros caçadores, neste caso guerrilheiros na selva centro-americana. Só que um deles é Schwarzenegger, o qual, ao perceber que está perante um inimigo especial, vai rever a sua técnica de combate e de sobrevivência na selva. Cria-se um tenso jogo de gato e de rato contra um inimigo quase invulnerável que torna O Predador num thriller com um ritmo de cortar a respiração. John McTiernan, no seu segundo filme como realizador, chegava à ribalta com um dos melhores filmes de acção da década.
Título nacional: Cobra, o Braço Forte da Lei (1986)
Título nacional: O Predador (1987)
Realização: George P. Cosmatos
Realização: John McTiernan
Elenco: Sylvester Stallone, Brigitte Nielsen, Reni Santoni
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Carl Weathers, Elpidia Carrillo
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MISSING IN ACTION
BIG TROUBLE IN LITTLE CHINA
HÉLDER ALMEIDA
ANTÓNIO ARAÚJO
Chuck Norris interpreta o Coronel James Braddock, um militar americano que, após passar anos como prisioneiro de guerra no Vietname, decide ir à procura de outros soldados desaparecidos em combate. Desaparecido em Combate estreou em 1984 e era para ser, inicialmente, a sequela daquele que depois seria Desaparecido em Combate II. Apesar da estranha jogada dos produtores Menahem Golan e Yoram Globus, da mítica Cannon, esta revelou-se uma boa manobra. Desaparecido em Combate, realizado por Joseph Zito, tornou-se no maior êxito da Cannon, num filme de acção relativamente simples, mas competente, limitado pelo seu orçamento, e que serve para realçar os talentos marciais de Norris, num dos seus maiores sucessos e num filme que acabaria por ser considerado um clássico do género.
As Aventuras de Jack Burton Nas Garras do Mandarim é o título em português inexplicavelmente longo de Big Trouble in Little China. Vêlo no cinema em tenra idade reforçou a minha paixão pelo cinema fantástico e deu-me a conhecer um dos maiores autores vivos da minha geração: John Carpenter. Na sequência do sucesso de Starman - O Homem das Estrelas, uma experiência fora das fronteiras do género de terror, Carpenter oferece aqui um filme de acção e artes marciais recheado de elementos cómicos e fantásticos onde colabora novamente com Kurt Russel, desta vez como o fanfarrão Jack Burton. O iludido e pretenso herói navega situações que o ultrapassam e onde a sua influência é quase nula, resultando em cenários hilariantes onde tudo se resolve “apesar” de Jack ao invés de “por causa” dele.
Título nacional: Desaparecido em Combate (1984)
Título nacional: As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim (1986)
Realização: Joseph Zito
Realização: John Carpenter
Elenco: Chuck Norris, James Wong
Elenco: Kurt Russell, Kim Cattrall, Dennis Dun
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Indiana Jones e os Salteadores da Arca Perdida, 1981
INDIANA JONES ANTÓNIO ARAÚJO
“O regresso da grande aventura.” Esta foi a promessa feita em antecipação da estreia em 1981 do novo filme dos criadores de Tubarão (Jaws, 1975) e A Guerra das Estrelas (Star Wars, 1977): Steven Spielberg e George Lucas. Em 1973, tal como viria a acontecer com a história de fantasia espacial que gerou um império, Lucas procurava recuperar o espírito dos filmes em série exibidos nas décadas de trinta e quarenta. Desta feita, esboçou o professor arqueólogo aventureiro Indiana Smith e, em conjunto com Philip Kaufman, delineou uma aventura envolvendo uma demanda pela bíblica Arca da Aliança. Depois de esta ideia ter ficado em banho-maria, e de Lucas ter passado alguns anos numa galáxia muito distante, Spielberg confessou ao amigo que sonhava realizar um filme do agente secreto James Bond, ao que este lhe respondeu ter algo muito melhor. Spielberg gostou da ideia, mas não do apelido do herói — ambos concordaram que Jones soava melhor em conjunto com Indiana, o nome do malamute-do-alasca que também tinha inspirado Lucas na criação de Chewbacca, o peludo companheiro do herói da saga espacial Han Solo.
por beneficiar de uma série de sinergias que se estabeleceram entre os dois projectos com supervisão executiva de George Lucas. O jovem argumentista Lawrence Kasdan foi responsável pelos argumentos dos dois filmes e, no caso da película de Spielberg, aproveitou uma transcrição de cem páginas das conversas que os três criativos tiveram durante cinco dias para o primeiro rascunho do guião. Destas sessões saíram muitas ideias que se tornariam em cenas de antologia — como Indiana Jones a ser perseguido por uma pedra gigante — e outras que derramaram para a futura prequela Indiana Jones e o Templo Perdido (Indiana Jones and the Temple of Doom, Steven Spielberg, 1984). John Williams, que expandiu a sua ópera espacial com a icónica marcha imperial, criou para o arqueólogo um dos temas mais populares da história recente do cinema com uma música imediatamente reconhecível e iminentemente trauteável. Mas o elemento que consolidou Indiana Jones de forma perene na memória cinéfila e cultural foi a escolha do actor para encarnar o lacónico e destemido herói — felizmente, a primeira escolha de Spielberg, Tom Selleck, teve de recusar o convite pois estava comprometido com uma série televisiva na altura, abrindo portas para a escolha óbvia (em retrospectiva) de dar o chapéu e o chicote do herói a Harrison Ford, o adorável pirata da saga espacial de Lucas.
Os Salteadores da Arca Perdida (1981), como foi batizada a primeira aventura de Indiana Jones, foi desenvolvida em paralelo com a continuação das aventuras de Luke Skywalker e companhia, O Império Contra-Ataca (The Empire Strikes Back, Irvin Kershner, 1980), e acabou 25
Indiana Jones e os Salteadores da Arca Perdida, 1981 Os desígnios de Spielberg para a caracterização da personagem — queria Indiana Jones como um alcoólico com um lado negro — foram suavizadas pela visão de Lucas para o herói, um professor académico com uma costela aventureira e, ao quinto rascunho, Kasdan tinha construído uma narrativa virtualmente irrepreensível centrada na corrida de Indiana Jones contra um grupo de nazis no encalço da arca onde se acredita estarem guardadas as tábuas dos dez mandamentos. Desde o primeiro momento — um prólogo muito bondiano situado no Peru que parece encerrar uma aventura de um capítulo anterior das aventuras do arqueólogo — percebemos estar na companhia de um herói “à antiga”. Confiante, competente, mas vítima de vilões implacáveis — neste caso, René Belloq — que lhe goram os melhores planos. A partir daqui, Indiana Jones viaja — de avião, a cavalo, agarrado à parte inferior de um camião, de barco e até pendurado no exterior de um submarino — numa aventura exótica entre os EUA, o Nepal, o Egipto e uma ilha no mar Egeu. Na companhia de aliados como Marion, interpretada por Karen Allen — uma forte personagem feminina e excelente contraponto para o herói — ou Sallah, uma composição de John Rhys-Davies, Indiana Jones supera inúmeros desafios em cenas antológicas que, desta vez, cumpriram a promessa dos cartazes e trouxeram mesmo a aventura de volta, dandolhe um novo nome.
“Se a aventura tem um nome… deve ser Indiana Jones.” Com esta frase promocional o herói do chicote estava de regresso ao grande ecrã em Indiana Jones e o Templo Perdido, novamente com Steven Spielberg atrás das câmaras. Com o tempo, este tornou-se num capítulo impopular e o próprio realizador foi-se distanciado da sua fama, atirando as culpas do negrume do filme para o divórcio de George Lucas — acontecimento que terá afectado a disposição do produtor na altura de desenvolver mais uma aventura do professor arqueólogo. Para o argumento, Lucas contou com os amigos pessoais Willard Huyck e Gloria Katz, com quem tinha escrito o seu sucesso de bilheteira American Graffiti: Nova Geração (American Graffiti, 1973). O casal também tinha ajudado no polimento não creditado de alguns dos diálogos do argumento de A Guerra das Estrelas e viria a hipotecar praticamente a carreira dois anos depois com a infame produção de Lucas Howard e o Destino do Mundo (Howard the Duck, Willard Huyck, 1986), um filme inacreditável que ficará para sempre na história como a primeira longa metragem a adaptar uma personagem da Marvel ao cinema. Os argumentistas não só descartaram o elemento nazi da Arca Perdida, como Templo Perdido é, tecnicamente, uma prequela com a acção a ocorrer antes dos eventos daquele filme. O que muitos consideram uma fraqueza é, no entanto, uma decisão brilhante soltando a narrativa de qualquer amarra de continuidade, sendo ao mesmo tempo perfeitamente fiel ao espírito dos 26
filmes em série em que Lucas e Spielberg se haviam inspirado. É certo que Kate Capshaw, no papel de Willie, não tem as mesmas qualidades de Karen Allen. Onde antes tínhamos uma mulher cheia de recursos e personalidade, temos agora uma donzela em apuros que grita amiúde e a plenos pulmões — o próprio argumento parece ter consciência do facto e endereça-o num diálogo humorístico. De resto tudo funciona em Templo Perdido, mesmo a presença de Ke Huy Quan como Minorca. Esta opção de emparelhar Indiana Jones com uma criança, nitidamente apontada ao segmento mais jovem, incrivelmente funciona dada a química e o humor das interações entre os dois. Com a narrativa a levar-nos de Hong-Kong a uma remota vila indiana através de uma icástica sequência de fuga onde os nossos heróis passam de um avião descontrolado para um bote de borracha em processo de enchimento em plena queda livre. Estamos em paragens muito diferentes nesta aventura que leva o arqueólogo a infiltrar-se num culto thuggee procurando libertar crianças feitas escravas e, pelo caminho, quem sabe, encontrar as míticas “Pedras de Sankara”, artefactos baseados no símbolo do deus hindu Shiva. Com uma ficção tecida a partir de factos históricos e crenças hindus — talvez menos conhecidos no ocidente, logo menos apreciados em comparação com os vilões da vida real em que os nazis se tornaram com a Segunda Guerra Mundial
Indiana Jones e os Salteadores da Arca Perdida, 1981
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Indiana Jones e o Templo Perdido, 1984 — Indiana Jones e o Templo Perdido permite-nos explorar elementos originais e refrescantes que, polémicas sobre a justeza do retrato de outros povos à parte, nos dão a conhecer culturas e costumes que não estamos habituados a ver retratados no cinema.
para o lado do mal é positivamente assustador. E é aqui que volta a ser relevante a presença de Minorca. Um herói não é ninguém sem os seus aliados e é o seu diminuto amigo que salva Indiana Jones no virar para o terceiro acto. Esta sequência final é de tirar o fôlego e contém duas — repito, duas — cenas icónicas: a nunca ultrapassada perseguição no sistema de carris da mina subterrânea, com trocas de carros, pessoas penduradas sobre lava e saltos entre linhas inacabadas, e a cena da ponte de corda onde Indiana Jones, beneficiando do seu conhecimento de cingalês, transmite exclusivamente a Minorca a pretensão de sair da encurralada situação em que se encontram cortando a ponte com a catana que empunha.
Na mira das críticas e da fama que se abateu sobre o filme estão a cena em que Willie e Minorca são presenteados com um festim de alimentos exóticos — como escaravelhos, serpentes recheadas de enguias vivas, sopas de olhos ou miolos de macaco servidos no seu recipiente original — e a cena central do filme, um ritual macabro em que o vilão Mola Ram tira o coração a um sacrifício humano com as próprias mãos. A violência deste momento veio redefinir o panorama das classificações etárias nos EUA, contribuindo para uma alteração cultural significativa. Em conjunto com a intensidade de Gremlins - O Pequeno Monstro (Gremlins, Joe Dante, 1984), também produzido no mesmo ano por Steven Spielberg, Indiana Jones e o Templo Perdido obrigou a MPAA (Motion Picture Association of America) a criar uma nova classificação etária PG-13, garantindo que crianças com menos de treze anos não pudessem entrar na sala de cinema. Não menos importante para esta decisão foi a inclusão de uma sequência em que Indiana Jones é enfeitiçado por Mola Ram e se torna, também ele, num vilão. Se para um adulto é fácil digerir este dispositivo narrativo, para uma criança ver o seu herói virar-se
“O homem do chapéu está de volta. E desta vez, traz o papá.” Este era o chamariz dos cartazes de avanço para a anunciada derradeira aventura de Indiana Jones na reta final da década de oitenta — segundo o título original, muito embora a tradução portuguesa tenha sido presciente e trocado a palavra “última” por “grande” — em Indiana Jones e a Grande Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, 1989), como sempre, realizado por Steven Spielberg. Quando Lucas “vendeu” originalmente a ideia ao realizador, imaginou sempre uma trilogia de filmes. Muito embora Spielberg estivesse relutante em relação a tal comprometimento, decidiu cumprir a promessa feita ao amigo, utilizando também o terceiro 28
Indiana Jones e o Templo Perdido, 1984 capítulo como um “pedido de desculpas” pelo filme do meio. É sabido que haveria, muitos anos mais tarde, um infame e atribulado quarto capítulo — Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, Steven Spielberg, 2008) —, mas até à data, o desenvolvimento de a Grande Cruzada foi o mais acidentado da trilogia original.
Indiana pelo Santo Graal, um dispositivo narrativo pensado originalmente para o prólogo do filme, agora promovido ao elemento central da história. Foi Jeffrey Boam quem poliu os conceitos do colega anterior no que veio a ser o argumento filmado, não sem antes um trabalho de revisão final não creditado de Tom Stoppard, maioritariamente no polimento dos diálogos.
Decididos a recuperar o espírito do primeiro filme, Lucas e Spielberg iniciaram o desenvolvimento da história que teve iterações tão distintas e excêntricas como: um primeiro guião assinado por Diane Thomas para um filme passado numa mansão assombrada; um esboço de Lucas — de título Indiana Jones e o Rei Macaco — onde o arqueólogo luta com um fantasma na Escócia e encontra a fonte da juventude em África; uma variação deste último, escrito por Chris Columbus, onde a fonte da juventude é trocada pelo jardim dos pêssegos imortais (a sério!) e que introduziu elementos como um pigmeu de duzentos anos, um nazi com um braço mecânico, um ritual de ressurreição pela mão do Rei Macaco, uma tribo canibal e um pirata. Spielberg, pouco satisfeito com estes desenvolvimentos, sugeriu a introdução de um elemento que faz parte das suas preocupações temáticas: Henry Jones, Sr., o pai de Indiana. Entretanto, o colaborador do realizador Menno Meyjes foi contratado para desenvolver o argumento onde esta novidade ecoava a procura de
O resultado final é um filme que se tornou um favorito dos fãs. Tendo vivido pessoalmente em adolescente a antecipação de o ver no cinema — ainda hoje tenho a adaptação editada pela Europa-América, lançada semanas antes do filme, a banda sonora em vinil e a coleção de cromos completa — também fui apanhado pela ambição e escala desta aventura, bem como pelas espectaculares cenas de acção em que Indiana Jones se vê envolvido na companhia do casmurro e pouco impressionável pai. Porém, apesar de ser um excelente filme, a sua fama de ser um regresso à forma do original é uma falácia que encobre o facto de este ser, na realidade, uma cópia da fórmula do mesmo. Onde a Arca Perdida é irrepetível e o Templo Perdido original, a Grande Cruzada é familiar e conservador. Estamos de volta ao imaginário nazi e aos artefactos religiosos cristãos, seguindo o preceito do original. A mais valia é mesmo a introdução de Sean Connery como pai do herói. A sua relação recalibra de forma inesperada a imagem que temos de Indiana Jones 29
Indiana Jones e a Grande Cruzada, 1989
Mas há, com a cena inicial, e com o investimento pessoal do herói na demanda, uma vontade desnecessária de canonização da personagem. Nunca consegui entender que se tenha feito isso também às custas da integridade de personagens como Sallah ou Marcus Brody (Denholm Elliott), transformados em apontamentos cómicos que desrespeitam as suas personalidades originais. Onde antes o humor era um contraponto bem medido ao negrume, em a Grande Cruzada parece o cumprir de um caderno de encargos inorgânico às personagens e à narrativa. Ainda assim, o último capítulo desta saga produzido na década de oitenta parecia encapsular e encerrar de forma totalmente satisfatória uma trilogia quase perfeita que certamente continua a ter ressonância ainda hoje. O cavalgar em direcção ao sol, bem como o título original, prometiam o fechar de um ciclo e o cristalizar do mais puro espírito de aventura. Indiana Jones era a recuperação de um herói do passado que seria relembrado por muitos anos no futuro. É verdade que, entretanto, houve um quarto capítulo pouco satisfatório e que há outro prometido para 2020, mas, se quisermos, podemos ignorá-los e apontar para Indiana Jones como um dos heróis definitivos que só podiam ter saído da década da nossa juventude.
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Indiana Jones e a Grande Cruzada, 1989
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Rocky IV, 1985
A GUERRA FRIA AO MURRO JOÃO BIZARRO
A década de 80 foi aquela em que chegou ao fim a Guerra Fria, com a queda do bloco de leste e do muro de Berlim.
O Pelotão Chanfrado (Stripes, 1981) de Ivan Reitman Anteriormente, já se tinham feito algumas paródias a pegar no tema Guerra Fria, sendo a mais importante Doutor Estranhoamor (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, 1964), de Stanley Kubrick. Neste filme do realizador de Caça-Fantasmas (Ghostbusters, 1984) um falhado alista-se no exército e quase provoca a III Guerra Mundial.
Mas isso seria só em 1989 e até aí chegarmos atingiu-se o extremismo no ódio aos soviéticos por parte de Hollywood. Foram dezenas os filmes dedicados ao tema, uns com mais impacto que outros, uns mais ridículos que outros e alguns com uma boa dose de exagero e heróis improváveis. Os Estados Unidos souberam servir-se bem da máquina de propaganda que é o cinema e mostrar ao mundo a sua superioridade em relação à besta soviética. Como seria de esperar, surgiram também sequelas de filmes a aproveitar famosos heróis americanos, sempre disponíveis para cascar no inimigo número um: Rambo e Rocky, por exemplo.
Firefox (1982) de Clint Eastwood Em 1982, Clint Eastwood produziu, realizou e interpretou Firefox, nome de código do MIG-31, a mais devastadora máquina de guerra alguma vez construída, que atravessa os céus a seis vezes a velocidade do som, é invisível aos radares e semeia morte com mísseis lançados e guiados pela mente do próprio piloto. Cabe a um ex-piloto americano entrar à socapa na URSS e roubar o avião. Coisa fácil.
De seguida, farei um breve resumo dos filmes mais importantes da década de 1980 que puseram em confronto americanos e soviéticos. A maior parte destes filmes fizeram delirar os jovens cinéfilos da altura e alguns deles continuam a ser uma referência devido à sua qualidade inegável.
O Dia Seguinte (The Day After, 1983) de Nicholas Meyer Neste filme feito para TV assistimos a como seria o dia após uma guerra nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética.
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Jogos de Guerra, 1983
O Jogo do Falcão, 1985
Jogos de Guerra (War Games, 1983) de John Badham Filme que fez as delícias dos putos que viveram aquela década, onde um jovem hacker, interpretado por Matthew Broderick, se liga ao computador do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e decide brincar às guerras. Só que soviéticos e americanos levam a coisa a sério e, mais uma vez, a III Guerra Mundial está por um fio. Acção, suspense e aventura em doses elevadas.
O Jogo do Falcão (The Falcon and the Snowman, 1985) de John Schlesinger A história verdadeira de dois amigos de infância que descobrem documentos secretos e decidem vendê-los aos soviéticos. Os dois amigos são interpretados por Sean Penn e Timothy Hutton. Rocky IV (1985) de Sylvester Stallone Um dos expoentes máximos da maluquice que estava instalada naquela altura. Uma máquina de destruição soviética mata o melhor amigo de Rocky, Apolo Creed, num combate de exibição e Rocky vai querer vingança. Ivan Drago, interpretado pelo gigante sueco Dolph Lundgren, parece indestrutível, mas Rocky é Rocky e a América é a América. “If he dies, he dies”, dizia Ivan Drago, sem pena nenhuma de ter tirado a vida a Apolo.
Amanhecer Violento (Red Dawn, 1984) de John Milius O nível de paranóia atingiu os píncaros neste filme de John Milius. Um grupo de jovens vê, através da janela da sala de aula, paraquedistas soviéticos a aterrar num campo perto do liceu. É o início da invasão e esses jovens (Patrick Swayze, C. Thomas Howell, Charlie Sheen, entre outros) conseguem fugir para as montanhas e iniciar uma guerrilha que irá defender o país da ameaça vermelha.
Invasão EUA (Invasion U.S.A., 1985) de Joseph Zito Um terrorista soviético decide contratar uma série de mercenários e, com a ajuda de comunistas sul-americanos, invade os Estados Unidos com o objectivo de acabar com a bela democracia americana. Pela frente vão ter um ex-agente da CIA. UM? Sim. Um. Mas trata-se dessa entidade divina de nome Chuck Norris. “If you come back in, I'll hit you with so many rights you'll be begging for a left.”
Rambo II - A Vingança do Herói (Rambo: First Blood Part II, 1985) de George Pan Cosmatos John Rambo é tirado da prisão para ir ao Vietname resgatar um grupo de soldados desaparecidos em combate. Muito poder de fogo e a famosa força bruta desta máquina humana.
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O Sol da Meia-Noite, 1985
Rambo III, 1988
O Sol da Meia-Noite (White Nights, 1985) de Taylor Hackford Nem só de tiros, murros e pontapés se fez a Guerra Fria. Neste filme de 1985, um bailarino soviético que tinha desertado para o ocidente é obrigado a voltar ao seu país e fica a ser vigiado por um americano que desertou para a Rússia. O bailarino (Mikhail Baryshnikov) quer voltar a fugir, mas será que poderá confiar neste americano (Gregory Hines)?
Rambo III (1988), de Peter MacDonald Já havia sinais de que a Guerra Fria pudesse estar perto do fim, mas ainda havia tempo para trazer Rambo de volta à acção e arrumar com mais uns soviéticos. Desta vez, o herói americano vai até ao Afeganistão para salvar o seu ex-comandante. E até se alia aos talibãs para acabar com a raça vermelha que invade aquele país.
Top Gun- Ases Indomáveis (Top Gun, 1986) de Tony Scott Um dos filmes mais famosos da década de 80, ainda hoje adorado por muitos. Uma referência que ficou eternizado pela relação tórrida entre o aspirante a piloto Tom Cruise e a sua superiora Kelly McGillis, pelas contribuições para a banda sonora de Giorgio Moroder e pelas cenas a bordo dos caças e o conflito com os soviéticos que quase resulta em III Guerra Mundial. Outra vez.
A década de 1980 deu-nos cinco filmes da série James Bond e, como não podia deixar de ser, quatro deles centraram-se no conflito entre americanos e soviéticos. 007 - Missão Ultra-Secreta (For Your Eyes Only, 1981), 007 - Operação Tentáculo (Octopussy, 1983), 007 - Alvo em Movimento (A View to a Kill, 1985) e 007 - Risco Imediato (The Living Daylights, 1987), todos com doses elevadas de murros, tiros e gadgets.
Alta Traição (No Way Out, 1987) de Roger Donaldson Os russos usados como bode expiatório. Um secretário de estado (Gene Hackman) mata a amante (Sean Young) e o seu braço direito (Will Patton) engendra um plano para pôr as culpas num espião soviético com nome de código “Yuri” que, supostamente, seria amante da senhora. Para resolver o crime e encontrar Yuri é chamado Tom Farrell (Kevin Costner). O problema é que Farrell tinha uma relação com a vítima e as pistas apontam para si. 35
FICÇÃO CIENTÍFICA
FICÇÃO CIENTÍFICA JOSÈ CARLOS MALTEZ
Pode-se dizer que a ficção científica da década de 80 nasceu em 1977, ano de estreia de A Guerra das Estrelas, de George Lucas, e de Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg.
MENÇÕES HONROSAS
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Sendo o mais especulativo dos géneros, cabe à ficção científica imaginar o futuro, espelhando as preocupações do seu tempo. E o que nos dizem esses filmes sobre os anos 80? Mostram-nos o escapismo das aventuras espaciais que George Lucas iniciou, e que a série Caminho das Estrelas prosseguiu. Foi integrada pelo cinema de acção dos novos heróis americanos nas sagas Aliens, Exterminador Implacável e O Predador. Foi filosófica com Dune e Blade Runner. Deu-nos visitantes horríveis (O Predador, Veio do Outro Mundo) e simpáticos (E.T., Starman). Mostrou-nos distopias orwellianas (1984, Brazil) e violentos futuros pós-apocalípticos (Mad Max, Nova Iorque 1997). Falou-nos de inteligência artificial e ciborgues (Tron, Exterminador Implacável, Robocop) e desafiou-nos com viagens no tempo (Exterminador Implacável, Regresso ao Futuro, A Experiência de Filadélfia).
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Ou seja, diversificou-se, contou com maiores orçamentos e apoios que retribuiu com sucessos financeiros como nunca antes tinha feito.
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Viagens Alucinantes (Altered States, Ken Russell, 1980) O Império Contra-Ataca (The Empire Strikes Back, Irvin Kershner, 1980) Star Trek II: A Ira de Khan (Star Trek II - The Wrath of Khan, Nicholas Meyer, 1982) Jogos de Guerra (War Games, John Badham,1983) O Regresso de Jedi (Return of the Jedi, Richard Marquand, 1983) 1984 (Nineteen Eighty-Four, Michael Radford, 1984) 2010 - O Ano do Contacto (2010: The Year We Make Contact, Peter Hyams, 1984) A Experiência de Filadélfia (The Philadelphia Experiment, Stewart Raffill, 1984) Starman – O Homem das Estrelas (Starman, John Carpenter, 1984) Cocoon – A Aventura dos Corais Perdidos (Cocoon, Ron Howard, 1985) O Milagre da Rua 8 (*batteries not included, Matthew Robbins, 1987) Eles Vivem (They Live, John Carpenter, 1988) O Abismo (The Abyss, James Cameron, 1989)
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Título nacional: Blade Runner: Perigo Iminente Realização: Ridley Scott
BLADE RUNNER
Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young Ano: 1982
ANTÓNIO ARAÚJO
futurista, apresentando-nos um anti-herói que começa como caçador para acabar como presa. A sequência inicial, enriquecida pela música de Vangelis, transporta-nos imediatamente no tempo e no espaço. O cenário é industrial e deprimente e quando descemos às ruas o caos da urbe multicultural revela a cidade como uma prisão a céu aberto. Quem aqui vive quer fugir, mas os andróides que voltaram à Terra trazem com eles a vontade de viver. Se Harrison Ford transmite na perfeição o cansaço inerente à sua personagem e a rigidez de Sean Young é ideal para o retrato de Rachel, Rutger Hauer nasceu para interpretar Roy Batty, a icónica personagem que ajudou a imortalizar com a sua interpretação e com as palavras do celebrado monólogo no momento da sua morte. Mesmo uma obra visionária como Blade Runner: Perigo Iminente não nasce cristalizada. Ao invés, é um processo em constante evolução desde a escrita, passando pela produção, até à pós-produção e, neste caso, mesmo após a sua estreia. O estatuto de clássico que goza de forma quase unânime hoje em dia faz esquecer o facto de que foi um fiasco de bilheteira e crítica à data de estreia. A expressão “filme de culto”, muitas vezes usada e abusada, encaixa que nem uma luva na história desta obra, incluindo as muitas vidas que foi ganhando ao longo dos tempos. O consenso actual só se começou a formar anos mais tarde com a expansão do mercado caseiro do VHS e com a descoberta e exibição fortuita de uma cópia de trabalho que veio a relançar o interesse sobre a visão original de Ridley Scott, contribuindo para a merecida reapreciação e redenção da mesma. Mesmo os detractores terão dificuldade em negar a importância e influência do seu legado junto dos autores de ficção-científica e da forma como estes passaram, desde então, a sonhar sobre o futuro.
Novembro de 2019. Rick Deckard é uma personagem anacrónica que parece saída de um film noir para as ruas encharcadas de uma Los Angeles multicultural e iluminada a néon. É um futuro deprimente que convida a população a emigrar para outros mundos prometendo aventuras e novas oportunidades. Mas, apesar dos seus carros voadores e do brilho dos reclamos publicitários, Deckard parece pertencer a outro tempo. A narração em off — na versão original — faz lembrar os detectives privados de antanho, tal como as fotografias de família a preto-e-branco. Fugazmente, vemos automóveis com linhas antiquadas e, numa ocasião, ouvimos música de cabaret. A missão que obriga o expolícia a sair da reforma coloca-o no encalço de um grupo de andróides fugitivos — máquinas perfeitas, mais humanas que os Humanos. É uma tarefa perigosa levada a cabo com relutância pelo agente especial. Pelo caminho, cruza-se com Rachel, a femme fatale de serviço que, sem o saber, é também um robô apesar das suas vívidas memórias de criança. A chocante revelação em nada altera a sua vontade de viver nem a atracção que Deckard sente por ela. Serão estas máquinas o próximo passo da nossa evolução? Constituem uma ameaça à nossa existência? E o que nos distingue de um andróide? É o ser humano o resultado da compilação das suas memórias e experiências ou será algo mais? E será a consciência uma bênção para nós, mas um fardo para os humanóides não orgânicos? No final de contas, o conformismo da humanidade, satisfeita por meramente existir, é contrastado pelo inabalável desejo das máquinas humanóides de viver a vida ao máximo. Estes pretendem confrontar o criador para lhe exigir a vida eterna. Perante a negação de tal pedido, Roy Batty, o líder dos andróides renegados, percebe o valor efémero da vida e, em última instância, oferece a Rick Deckard, aquele que o procura cegamente matar, uma lição de empatia e bondade. Blade Runner: Perigo Iminente é um festim visual ao serviço de uma narrativa atmosférica e encantatória que nos confronta com temáticas da mais pura ficção-científica através de uma intrincada estética retro 41
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Título nacional: O Exterminador Implacável Realização: James Cameron
THE TERMINATOR
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Linda Hamilton, Michael Biehn Ano: 1984
ANTÓNIO ARAÚJO
Passageiro. Cameron escreveu um rascunho de noventa páginas durante o hiato e este foi suficiente para que o estúdio decidisse o impensável pois decidiram esperar pela disponibilidade do autor para acabar o argumento. Além disso, se a sua primeira realização efectiva se revelasse ser um sucesso, teria também a oportunidade de realizar o guião da sua autoria. O Exterminador Implacável veio a revelar-se como um título charneira do terror e da ficção científica. Não só inscreveu uma série de conceitos na cultura popular, tais como a ideia de organismos cibernéticos ou mesmo a ameaça da singularidade — o momento em que a inteligência artificial superará a inteligência humana, alterando radicalmente a civilização — como se tornou uma referência incontornável da década de oitenta, firmando o estrelato de Arnold Schwarzenegger em conjunto com a sua encarnação de Conan. O actor austríaco tem uma presença física inegável e a sua interpretação robótica, muitas vezes menosprezada, é um elemento crucial para a eficiência das assustadoras cenas de perseguição, criando uma sensação de implacabilidade bem traduzida (desta vez) no título em português. Além disso, linhas de diálogo como "I'll be back!" tornaram-se parte do léxico cinéfilo (e não só), comprovando o impacto cultural deste pequeno filme de género.
James Cameron começou a carreira sob a alçada de Roger Corman. Nitidamente, a sua ambição era grande demais para ser contida pelo universo da série Z em que deu início à carreira. O seu perfecionismo e os seus níveis de exigência fizeram-no ser despedido da sua primeira experiência na realização, Piranha II - O Peixe Vampiro, na sequência de desentendimentos com o barateiro produtor Ovidio G. Assonitis. Durante a estreia deste filme em Roma, Cameron ficou doente e teve um pesadelo sobre um torso metálico arrastando-se para fora de uma explosão enquanto segurava facas de cozinha. Este cenário sonhado foi a génese de O Exterminador Implacável. A partir desta imagem, Cameron construiu uma história sobre um ciborgue humanoide aparentemente indestrutível que viaja no tempo — desde 2029 até 1984 — para assassinar uma empregada de mesa, Sarah Connor, cujo filho ainda não nascido liderará a humanidade numa guerra contra as máquinas. A reviravolta de génio que elevou este conto — que partilha tantos elementos de terror como de ficção científica — reside no irresolúvel paradoxo temporal introduzido pelo envio de Kyle Reese, um soldado dessa guerra futura, com o intuito de proteger Sarah do exterminador implacável a todo custo. O eterno dilema do ovo e da galinha que, em vez de se encerrar em si próprio, abre as portas a infindáveis possibilidades.
Em 1991, Cameron realizou uma sequela, Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento, expandindo o universo do original e superando-o em termos de escala e ambição. T2, como ficou conhecido, foi um sucesso monumental de público e crítica e foi um passo de gigante no que respeita à utilização de efeitos digitais na sétima arte. Menos enraizado no género de terror e mais preocupado com temáticas de livre-arbítrio e predestinação, é, no entanto, um complemento perfeito para O Exterminador Implacável, com o qual forma um díptico de perfeita mitologia de ficção científica.
Ainda antes da produção do filme e do seu subsequente sucesso, O Exterminador Implacável também já abria portas a James Cameron apenas pela força da sua escrita. Com o argumento concluído e praticamente pronto para iniciar a rodagem, viu o seu actor principal, Arnold Schwarzenegger, sonegado por Dino de Laurentiis, que o obrigou contratualmente a filmar Conan, O Destruidor. Obrigado a adiar a produção, Cameron é contactado pela Twentieth Century Fox — que tinha gostado do seu argumento para o filme de acção futurista — para lhe dar a oportunidade de escrever uma sequela de Alien: O Oitavo 43
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Título nacional: Regresso ao Futuro Realização: Robert Zemeckis
BACK TO THE FUTURE
Elenco: Michael J. Fox, Christopher Loyd, Lea Thompson Ano: 1985
HÉLDER ALMEIDA
1989), e Christopher Loyd revela toda a sua divertida loucura como Doc Brown, uma personagem cómica e excêntrica que tão bem assenta no actor. De resto, tudo recai na realização bem segura por parte de Zemeckis e no argumento que desenvolveu com Gale onde, pelo meio, ainda nos oferece uma espécia de carta de amor aos anos 50 com uma visão perfeita de como era a cultura americana nessa altura.
Depois de começar a sua carreira apadrinhado por Steven Spielberg, o realizador Robert Zemeckis afastou-se um pouco do seu mestre e trouxe ao mundo o filme de aventuras Em Busca da Esmeralda Perdida (Romancing the Stone), estreado em 1984. Com o sucesso comercial e crítico do filme, Zemeckis voltou à Amblin (companhia de Spielberg) para realizar este Regresso ao Futuro, filme de aventura de ficção científica co-escrito por Bob Gale.´
Regresso ao Futuro tornou-se num dos maiores sucessos de bilheteira e de crítica dos anos 80 (e não só) e tornou-se também num dos filmes mais adorados do cinema, conseguindo passar de geração para geração. A sua piada final, onde as palavras To Be Continued... surgem no ecrã viria a tornar-se no mote para as suas duas sequelas, ambas realizadas por Zemeckis e escritas pelo realizador e por Gale. Apesar do decrescente sucesso comercial, a trilogia tornou-se numa das mais amadas e bem-sucedidas do cinema, sempre com as doses certas de reviravoltas a que os filmes de viagens no tempo têm direito, mas tudo feito de forma inteligente e cuidada, sem nunca prejudicar a narrativa, e sempre com o humor, a acção e o suspense presentes.
Regresso ao Futuro é, à primeira vista, apenas mais uma incursão dentro das histórias de viagens no tempo que já tanto habitam o imaginário cinematográfico. No entanto, Zemeckis e Gale conseguem fazer desta sua obra um objecto único. Nela, Marty McFly (Michael J. Fox) é um jovem americano tal como tantos outros: tem uma banda de música, uma namorada (Claudia Wells), pais infelizes e um amigo fora do comum, neste caso Doc Brown (Christopher Loyd), um velho cientista desesperado por completar a sua nova grande descoberta. Quando Doc afirma ter criado uma máquina do tempo no formato de um carro, um Delorean para ser mais exacto, Marty faz parte das suas experiências. No entanto, quando a sua vida fica em perigo, Marty foge na máquina do tempo e viaja até 1955 onde conhece os seus pais mais jovens e onde tenta avisar Doc da sua iminente morte.
Apesar de ter estreado em 1985, Regresso ao Futuro continua bastante popular hoje em dia. Muitos dos filmes que pegam no tema de viagens no tempo têm como base os filmes de Zemeckis, mas poucos são os que conseguem ter o cuidado e a inteligência que Zemeckis e Gale colocaram nos seus argumentos onde, pelo meio, ainda tivemos direito a conhecer personagens cativantes como Marty e Doc, personagens essas que, mesmo passados mais de 30 anos, continuam tão presentes na cultura popular (e o Delorean também). Um dos grandes clássicos do cinema, de visualização obrigatória, tanto no passado como no presente e no futuro e um dos melhores blockbusters de sempre.
Zemeckis e Gale criam uma aventura extremamente inteligente e divertida com um argumento engenhoso e bem elaborado, recheado de referências à cultura americana e ao cinema de ficção científica dos anos 50 e com o desenvolvimento que as personagens merecem. Pelo meio, Zemeckis ainda consegue arrancar do filme momentos de acção carregados de emoção e suspense, sempre com as doses certas de humor e onde apela ao carisma dos seus protagonistas. Michael J. Fox, como Marty, tem aqui a sua grande rampa de lançamento para o cinema, depois do furor que fazia na série Quem Sai aos Seus (Family Ties, 198245
Título nacional: Robocop - O Polícia do Futuro Realização: Paul Verhoeven
ROBOCOP
Elenco: Peter Weller, Nancy Allen, Dan O'Herlihy Ano: 1987
J. B. MARTINS
A partir daqui, a coisa poderia perfeitamente ter ficado pela demonstração das capacidades deste nosso novo herói na luta contra o crime que ninguém lhe levaria a mal. Mas, felizmente, Paul Verhoeven e a dupla de escribas Edward Neumeier e Michael Miner quiseram mais, fazendo um filme sobre o que representa ser humano numa altura em que os avanços tecnológicos ajudaram a criar a ilusão de que tudo se resolve com uma máquina nova e brilhante. Robocop - O Polícia do Futuro é sobre o humano Alex Murphy, que é obrigado a redescobrir-se depois de se ver despojado da sua identidade e transformado numa espécie de máquina de lavar crime.
Robocop - O Polícia do Futuro é um daqueles filmes que só poderiam ter acontecido nos anos 80. Escondida por detrás de um nome foleiro e de um protagonista desenhado para vender brinquedos, está uma sátira ácida e ultraviolenta ao estilo da sociedade ocidental da época. Em termos gerais, Robocop - O Polícia do Futuro acompanha a história de Alex Murphy (Peter Weller), um enérgico polícia incorruptível que vê a sua vida chegar ao fim precocemente, pouco tempo depois de ser colocado numa esquadra no lado mais violento de Detroit. No entanto, graças a um novo projecto de segurança da megacorporação OCP, que gere a privatizada polícia de Detroit, os seus restos mortais são instalados numa “prótese de corpo inteiro”, as suas memórias são apagadas, as suas capacidades reaproveitadas e renasce como Robocop, um cyborg policial altamente eficiente.
Obviamente que também é sobre um homem-máquina praticamente indestrutível e altamente violento que não tem problemas em desfazer os inimigos em sangue e vísceras. Nós compramos isso por um dólar. Ou mais.
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Título nacional: TRON Realização: Steven Lisberger
TRON
Elenco: Jeff Bridges, Bruce Boxleitner, David Warner Ano: 1982
PEDRO SOARES
O filme divide-se em duas dimensões espaciais: o mundo real e o interior dos videojogos. Numa companhia informática corrupta, um extrabalhador (Bridges) é digitalizado para dentro do sistema informático do computador principal, que adquire inteligência própria. O universo virtual, feito totalmente em CGI, é uma espécie de arena de gladiadores no suporte do Pacmania. E, num plano metafísico, toda aquela realidade projecta-se numa metáfora religiosa onde uma “força omnipresente” controla a acção daqueles soldados.
A estreia de TRON foi um hapenning. Numa opção arrojada e vanguardista, a Disney apresentava ao Mundo o primeiro filme feito extensivamente em CGI. O que hoje em dia está completamente datado, na altura provocou um choque e, inclusive, houve colaboradores da Disney que se recusaram a participar no filme com medo que os computadores viessem a roubar os seus empregos. Mal sabiam eles que vinte anos depois a empresa iria encerrar as portas à animação tradicional em detrimento do digital. TRON surgia em plena euforia dos jogos de vídeo. Mas o que na altura era topo de gama, hoje é obsoleto. 1982 foi o ano em que Out Run tinha os gráficos mais avançados do mercado e a grande inovação na indústria era Emilio Butragueño, uma “arcada” que dava para quatro jogadores e que se via de cima. Mesmo assim, TRON tem alguns elementos intemporais: os fatos, por exemplo, têm muito estilo!
Mas depois TRON tem um grave problema - o síndrome Disney. Isso leva-o a enveredar por todos os clichês do politicamente correcto e uma história romântica caída sabe-se lá de onde. E o final é de uma previsibilidade tremenda. Mas o principal interesse de TRON é mesmo sociológico.
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ESCAPE FROM NEW YORK
DUNE
PEDRO SOARES
PEDRO SOARES
Nova Iorque 1997 é um filme de sobrevivência, futurista, pósapocalíptico, numa Nova Iorque com uma taxa de crime brutal. Para combater o crime, o governo tomou medidas autoritárias, construindo um muro à volta da ilha de Manhattan onde puseram todos os ladrões. Tudo corre bem até o avião presidencial se despenhar lá no meio. A solução é contratar o ex-veterano-e-actual-bandido Snake Plissken (Kurt Russell) para resgatar o presidente numa corrida contrarrelógio. Nova Iorque 1997 canaliza toda a raiva e depressão pós-Vietname e pósWatergate numa violência estilizada que, apesar da ambição desmedida, consegue contornar o baixo orçamento com medidas imaginativas e maquetes bem conseguidas. É como um filme de Ed Wood, mas em bom.
Há um momento em Jodorowsky’s Dune que ilustra Duna na perfeição. Depois de anos a tentar, em vão, fazer a adaptação do clássico de Frank Herbert, o mestre chileno conseguiu superar a depressão e foi ver o filme de David Lynch, confessando não ter conseguido conter as lágrimas de satisfação: Duna era horrível! Duna, épico da literatura sci-fi que narra a aventura messiânica de Paul num mundo desértico sem água, mas rico numa especiaria valiosa, foi adaptado por Dino De Laurentiis e David Lynch, que se desentenderam antes da montagem final. O resultado é completamente anónimo, numa adaptação literal do livro, mas sem alma. É como um texto lido por alguém sem jeito para declamação, que o faz de forma monótona. Nem sequer se nota o dedo de Lynch, autor cujo nome se confunde com surrealismo.
Título nacional: Nova Iorque 1997 (1981)
Título nacional: Duna (1984)
Realização: John Carpenter
Realização: David Lynch
Elenco: Kurt Russell, Lee Van Cleef, Ernest Borgnine
Elenco: Kyle MacLachlan, Virginia Madsen, Francesca Annis
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BRAZIL
THE FLY
JOSÉ CARLOS MALTEZ
FILIPE LOPES
Conhecido pelo seu trabalho nos Monty Python, onde assumia as funções de animador, Terry Gilliam foi, deles, aquele que mais levou a sério a carreira de realizador, criando um universo muito peculiar onde junta o humor surreal pythoniano a um grotesco muito seu. Em Brazil, Gilliam tece uma distopia futurística kafkiana onde as malhas da burocracia, numa tenebrosa sociedade orwelliana, lançam o protagonista (Jonathan Pryce), por engano, num mundo de horror do qual só consegue sair na sua fantasia de voar para um outro e idílico mundo. Com cameos hilariantes de Robert De Niro e Bob Hoskins, entre outros, Brazil é o arquétipo que Gilliam desenvolverá na sua carreira de uma estética chocante feita de cenários e comportamentos bizarros, como pesadelos que poderão estar ao virar da esquina.
Quando A Mosca estreou em 1986, David Cronenberg já era um realizador com um universo próprio, alicerçado em títulos como Os Parasitas da Morte (1975), Coma Profundo (1977), A Ninhada (1979) e, sobretudo, aquela que é a sua primeira obra-prima — Experiência Alucinante (1983). A Mosca afina pelo mesmo diapasão de “objecto estranho” e qualidade cinematográfica de Experiência Alucinante (e da sua obra daí em diante), mesmo sendo um remake e o original de 1958 não ser nada mau. No entanto, o mais recente ultrapassa o mais antigo em audácia e consistência, oferecendo a Jeff Goldblum e a Geena Davis, nos papéis de um cientista que cria uma máquina de teletransporte e de uma jornalista de investigação, respectivamente, dois dos melhores papéis das suas carreiras.
Título nacional: Brazil: O Outro Lado do Sonho (1985)
Título nacional: A Mosca (1986)
Realização: Terry Gilliam
Realização: David Cronenberg
Elenco: Jonathan Pryce, Kim Greist, Michael Palin, Robert De Niro
Elenco: Jeff Goldblum, Geena Davis, John Getz
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Aliens, 1989
ALIENS JOÃO BIZARRO
Aliens, de James Cameron, é o filme da saga que pertence à década que esta edição recorda. Por esse motivo, é por aí que vou começar. Depois do culto à volta de Alien - O 8º Passageiro (Alien, 1979), de Ridley Scott, seria pouco provável que uma sequela conseguisse igualar o que tinha feito o realizador de Blade Runner. Muita gente ficou a torcer o nariz a uma sequela, mas a verdade é que James Cameron consegue trazer de volta Ellen Ripley e dar mais acção à narrativa, não deixando os fãs do primeiro filme desiludidos.
filmes e mesmo banda desenhada (Jean “Moebius” Giraud, conhecido autor de banda desenhada, foi um dos artistas que ajudaram a criar os cenários de Alien) que surgiram depois de 1979. Ano de 2122. A nave Nostromo leva uma carga de minério para o planeta Terra e recebe um pedido de socorro de um planeta próximo. Seguindo o protocolo, o capitão Dallas (Tom Skerrit) responde ao apelo e dirigese a esse planeta. Dentro de uma gigantesca nave, Dallas, Kane (John Hurt) e Lambert (Veronica Cartwright) descobrem um fóssil de uma raça alienígena desconhecida. Kane descobre também uns ovos com uma criatura estranha dentro que, de repente, o ataca e fica agarrada à sua cara.
A acompanhar o regresso de Sigourney Weaver tínhamos Michael Biehn, Bill Paxton e Lance Henriksen, entre os mais conhecidos, alguns que já tinham trabalhado com Cameron e outros que voltariam a trabalhar. 57 anos depois dos acontecimentos do primeiro filme, Ripley volta ao planeta onde tudo aconteceu para responder a um pedido de socorro. Só que desta vez vai acompanhada por uma equipa de fuzileiros com um poder de fogo brutal. Mas será isto suficiente?
Sem outra alternativa, eles têm de o levar para a nave com o objectivo de tirar a criatura e quando, aparentemente, a criatura morre e Kane parece não ter sofrido mazelas, todos ficam descansados e não estavam preparados para o que se vai passar a seguir.
A história à volta destes assustadores aliens começa no final da década anterior com aquele que considero ser o melhor filme da saga, Alien O 8º Passageiro de Ridley Scott. Alien tinha uma narrativa muito mais lenta, onde o terror tinha maior predominância, e viria a tornar-se um culto e uma inspiração para uma cultura pop e influenciar muitos outros
Além dos já citados, ainda fazem parte do poderoso elenco nomes como Yaphet Kotto e Harry Dean Stanton, sendo outros pontos fortes a realização do então desconhecido Ridley Scott e, principalmente, o argumento de Dan O’Bannon e Ronald Shusett. Como acontecia em 51
Aliens, 1989 xenomorfos muito mais letais e onde Ripley tem de agir, com a ajuda de piratas espaciais, e impedir que a raça humana seja exterminada. Depois de ter feito os extraordinários Delicatessen (1991) e A Cidade das Crianças Perdidas (La Cité des Enfants Perdus, 1995) juntamente com Marc Caro, o francês Jean-Pierre Jeunet foi posto ao leme deste quarto filme da série que teve o título Alien: o Regresso (Alien Resurrection, 1997).
Tubarão (Jaws, 1975), de Steven Spielberg, o xenomorfo só aparece passada uma hora de filme e a transição da rotina da nave para o começo da carnificina é feita com mestria. Last but not least, grande destaque também para a direcção artística, com os espectaculares cenários da Nostromo e da assombrosa nave que está no planeta onde descobrem os ovos dos aliens e, claro, H.R. Giger, o criador do xenomorfo, que ficaria na história da 7ª arte.
Mais recentemente, Ridley Scott voltou a pegar na história e voltar ao início. Em Prometheus (2012) vemos como tudo começou. Os fãs mais acérrimos da saga não terão ficado muito agradados com esta “prequela”, a que Scott dá um toque mais filosófico.
Em 1992, Ripley regressaria ao grande ecrã para um terceiro filme. Alien 3 – A Desforra (Alien 3), realizado por um jovem de 30 anos que vinha do mundo dos telediscos chamado David Fincher. Era a sua primeira longametragem e o que veio depois ficou nos anais da história do cinema. Desta vez, Ripley, depois da fuga do filme anterior, vai parar a um planeta prisão que está infestado por piolhos. Após algumas mortes estranhas, chega-se à conclusão que Ripley trouxe um passageiro inesperado. Visualmente interessante, Alien 3, embora não tão bom quanto os dois anteriores, não desilude.
Já neste ano, Ridley Scott volta a filmar a continuação de Prometheus. Alien: Covenant (2017) vinha com uma nova tripulação que iria colonizar um planeta e mais uma série de questões filosóficas. São estes 6 filmes que fazem de Alien uma das sagas de maior sucesso e qualidade da história do cinema. Veremos se fica por aqui…
Cinco anos depois, no cinema, e duzentos anos depois, na narrativa, Ripley regressaria. Desta vez clonada, um híbrido metade humana, metade alien que vai a bordo de uma nave que se dirige à Terra com 52
Aliens, 1989
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TERROR
TERROR JOSÈ CARLOS MALTEZ
Com o sucesso de Halloween de John Carpenter, influenciado por Psico de Hitchcock e pelo giallo italiano, os anos 80 fizeram o sangue jorrar no cinema, abrindo as portas ao slasher e aos seus assassinos em série perseguindo, de arma branca, comunidades de adolescentes. Fosse com assassinos humanos (Sexta-feira 13), fantasiosos (Pesadelo em Elm Street), sobrenaturais (Amityville II - A Posse) ou mesmo abonecados (Chucky, o Boneco Diabólico), este terror atraía um público mais jovem que procurava a adrenalina dos sustos imediatos. Tal levava à mudança do paradigma nos temas clássicos, com zombies mais ferozes (A Noite dos Mortos-Vivos), caçadores de vampiros adolescentes (A Noite do Espanto), lobisomens juvenis (Um Lobisomem Americano em Londres), monstros fofinhos (Gremlins - O Pequeno Monstro), e casas assombradas vistas pelos olhos das crianças (Poltergeist, o Fenómeno). A diversidade chegava pelas mãos de realizadores e autores menos convencionais (Fogo Maldito) e de mercados menos tradicionais (Possessão, Tenebre).
MENÇÕES HONROSAS
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Possessão (Possession, Andrzej Zulawski, 1981) Um Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf in London, John Landis, 1981) O Uivo da Fera (The Howling, Joe Dante, 1981) As Sete Portas do Inferno (...E tu vivrai nel terrore! L'aldilà, Lucio Fulci, 1981) Tenebre (Dario Argento, 1982) A Companhia dos Lobos (Company of Wolves, Neil Jordan, 1984) A Noite do Espanto (Fright Night, Tom Holland, 1985) O Soro Maléfico (Re-Animator, Stuart Gordon, 1985) A Lojinha dos Horrores (Little Shop of Horrors, Frank Oz, 1986) A Morte Chega de Madrugada (Evil Dead II, Sam Raimi, 1987) Fogo Maldito (Hellraiser, Clive Barker, 1987) A Maldição dos Mortos-Vivos (The Serpent and the Rainbow, Wes Craven, 1988) O Príncipe das Trevas (Prince of Darkness, John Carpenter, 1987)
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Título nacional: Shining Realização: Stanley Kubrick
THE SHINING
Elenco: Jack Nicholson, Shelley Duvall, Danny Lloyd Ano: 1980
FILIPE LOPES
Danny (Danny Lloyd), como uma família feliz num espaço idílico. As coisas, no entanto, começam a correr mal e vão descarrilando e, numa lógica formal de “uma coisa leva a outra”, Torrance vai da incapacidade de escrever à ingestão desregrada de álcool, da sensação de isolamento às alucinações e demência, até culminar numa irreprimível vontade de assassinar a mulher e o filho, o que conflui num final assustador. Já toda a gente sabe, também, que Shining foi a primeira obra cinematográfica em que o uso da steady-cam é de tal modo essencial que o próprio filme não poderia ter sido feito sem recurso a ela, com o seu inventor, Garrett Brown, a desenvolver alterações especificamente para esta rodagem, nomeadamente o low mode, que permitiu a Kubrick capturar as imagens do movimento do triciclo de Danny de forma tão memorável.
Já alguém ouviu falar de um realizador que tenha passado por quase uma dezena de géneros diferentes (numa dúzia de filmes feitos e assumidos) e que em todos eles tenha conseguido fazer um trabalho que, ou é muito bom, ou é genial? Se não ouviram falar, eu apresento-vos esse realizador: Stanley Kubrick. Kubrick destacou-se, seja na ficção científica — 2001: Odisseia no Espaço (2001: A Space Odissey, 1968) —, no filme de guerra — Horizontes de Glória (Paths of Glory, 1957) e Nascido Para Matar (Full Metal Jacket, 1987) —, no film-noir — Um Roubo no Hipódromo (The Killing, 1956) —, no peplum — Spartacus (1960), no filme de época — Barry Lyndon (1975) —, no drama psicológico sobre um futuro distópico — pronto, está bem, inventei este para poder colocar o inqualificável Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971) —, no drama romântico — Lolita (1962) —, no thriller — De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999) — ou até na comédia — Doutor Estranhoamor (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, 1964). Faltou consumar o género western, que ainda começou com Cinco Anos Depois (OneEyed Jacks, 1961), mas desentendimentos sérios com Marlon Brando, que protagonizava o filme, levaram-no a abandonar as filmagens, sendo substituído pelo próprio Brando, naquela que seria a única passagem deste pela cadeira de realizador. E não faltou o terror, já que o género está superiormente representado na filmografia de Kubrick, com Shining (The Shining, 1980), apesar de Stephen King não ter gostado do resultado final que teve a adaptação da obra que escreveu.
O que quero dizer é que nada do que escrevi ou que vá escrever neste texto é algo de original. Mas também nada disso é importante. Para quem já viu o filme e leu milhares de coisas sobre Shining, o que quer que eu escreva é irrisório; para quem viu o filme, mas nunca leu nada, há todo um manancial de informação disponível na internet que colmatará qualquer tipo de sofreguidão. Depois, há os que nunca viram o filme (pecado sujeito a pena capital, por estarem a perder uma obra-prima com quase 40 anos). Sobretudo para esses, vale a pena dizer que Shining é um filme fabuloso, por vezes aterrador, sobre o que desconhecemos dos confins da mente humana. Que mistura sagazmente momentos de vagar com outros de celeridade, de pânico com de serenidade, dandonos a escolher entre a demência e a assombração como causa de tudo o que nos envolve no tempo que o filme tem.
Sobre Shining, já praticamente tudo foi dito e escrito ao longo dos anos. Toda a gente conhece a história de Jack Torrance (Jack Nicholson), o escritor que aceita tomar conta de um enorme hotel geograficamente isolado e fechado durante o Inverno para se poder dedicar à escrita do seu livro, levando consigo a mulher Wendy (Shelley Duvall) e o filho
Deixa-nos, por fim, como que descansados, mas com “um pé atrás”… não venha alguém atrás de nós, que nos persiga para a casa de banho, desfira machadadas na porta e grite: “HERE’S JOHNNY!”
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Título nacional: Gremlins - O Pequeno Monstro Realização: Joe Dante
GREMLINS
Elenco: Zach Galligan, Phoebe Cates, Hoyt Axton Ano: 1984
J. B. MARTINS
especiais. Para cuidar de um mogwai (pelo menos com segurança), existem três regras que não podem, em momento algum, ser quebradas: mantê-lo afastado de fontes de luz muito fortes; não o molhar; não o alimentar depois da meia-noite. Escusado será dizer que não demorou muito tempo para que todas estas regras fossem quebradas e, num abrir e fechar de olhos, aquele que era um inocente animal de estimação deu origem a um caos de proporções catastróficas protagonizado por centenas de pequenas e enérgicas criaturas de intenções duvidosas.
No final dos anos 70, o mundo começou a despertar para as preocupações ambientais. O tema chegou em força à agenda pública e foi uma questão de tempo até começar a entrar também na agenda de Hollywood, sobretudo nos produtos destinados aos públicos mais novos. Algumas abordagens eram mais óbvias, como A Profecia (Prophecy, John Frankenheimer, 1979), outras mais subtis. Gremlins - O Pequeno Monstro instala-se confortavelmente na segunda zona. Gremlins - O Pequeno Monstro não é apenas aquele filme sobre pequenas criaturas que deu origem a tantos e tantos derivados sem alma nos anos subsequentes (Ghoulies, Critters - Seres do Espaço, Munchies, etc.). Aquilo que separa o filme de Joe Dante de outras invasões de minimonstros é o facto de, na sua essência, ser um conto sobre a compreensão e o respeito pelas leis da natureza. Os Gremlins são a representação das consequências de não se seguir as regras básicas de convivência com uma espécie desconhecida, mesmo que inadvertidamente. As criaturas representam a imoralidade e o desrespeito e não existe nenhuma justificação para o seu comportamento para além de uma necessidade de diversão às custas da humanidade. Uma vez que chegou às salas dois anos depois do estrondoso sucesso de E. T. - O Extra-Terrestre (E.T. the Extra-Terrestrial, 1982), Gremlins - O Pequeno Monstro foi atingido por essas inevitáveis ondas de choque e é muitas vezes apelidado como a versão negra do clássico de Steven Spielberg. A comparação não é de todo descabida uma vez que, para além de partilharem algumas preocupações ambientais, Steven Spielberg, em conjunto com Frank Marshall e Kathleen Kennedy (fundadores da Amblin) foi um dos produtores do filme e foi dele que partiu o empurrão necessário para realizar o guião de Chris Columbus. Em Gremlins - O Pequeno Monstro, Zach Galligan é Billy, filho adolescente de um inventor falhado, que recebe como presente de Natal um mogwai, uma espécie de coala extrafofo, que exige cuidados muito
Estruturalmente, Gremlins - O Pequeno Monstro segue a fórmula clássica dos filmes de monstros dos anos 40/50: um grande perigo chega a uma pequena cidade; alguém tenta avisar as autoridades, mas é ignorado; o grande perigo assola a cidade. No entanto, não se pode colocar este filme na mesma gaveta. O filme de Joe Dante insere-se naquela espécie de subgénero de comédia de terror familiar, relativamente popular na década de 1980, que atrai os espectadores com o seu charme e familiaridade para os surpreender com inesperados rasgos de violência. Ao aliar essa violência à natureza aparentemente festiva e espalhafatosa dos Gremlins, o filme cria um ambiente de inquietude onde nunca se tem totalmente certeza sobre as intenções das criaturas nem sobre o tom daquilo que se segue. Será que os pequenos monstros só se querem divertir ou são realmente perigosos? Esta faceta mais violenta fez com que Gremlins - O Pequeno Monstro, juntamente com Indiana Jones e o Templo Perdido (Indiana Jones and the Temple of Doom), também de 1984, fosse em parte responsável pela criação da classificação PG-13 (para maiores de 13 anos) nos Estados Unidos. Em pleno século XXI, o uso de animatronics e de fantoches pode afastar as novas gerações de Gremlins - O Pequeno Monstro, que o descartam automaticamente como um produto inferior de outros tempos. Não poderiam estar mais enganados. 61
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Título nacional: A Noite dos Mortos-Vivos Realização: Sam Raimi
THE EVIL DEAD
Elenco: Bruce Campbell, Ellen Sandweiss, Richard DeManincor Ano: 1981
FILIPE LOPES
Um dos mais icónicos filmes de terror dos anos 1980 é, certamente, The Evil Dead, que em Portugal obteve o título de A Noite dos Mortos-Vivos, o mesmo que o grande clássico a preto e branco Night of the Living Dead, que George A. Romero realizou em 1968. Mas, se a utilização de um título igual pode fazer confundir as duas obras, as semelhanças ficam praticamente todas por aí. Além do óbvio, que é um ser filmado a cores e outro a preto e branco, o filme que Sam Raimi realizou em 1981 não é um filme de zombies, mas de gente possuída por demónios e que, por acaso, às vezes se comporta como zombie (há diferença? Claro que há diferença! Aliás, não existe é semelhança nenhuma!); depois há o facto de a câmara de Raimi parecer, ela própria, possuída por demónios quando comparada com a câmara de Romero, que até está longe de ser estática; há ainda o sangue, que corre mais livremente em The Evil Dead e também neste é dada maior visibilidade às situações gore (se bem que impressiona bastante em Night of the Living Dead a cena em que os mortos-vivos se banqueteiam com pedaços de carne humana). Para finalizar, há uma pontinha de comédia negra, subtil e visível a espaços em The Evil Dead, nomeadamente no que diz respeito ao exagero da violência que mostra, mas a vertente cómica estará bastante mais presente na sequela A Morte Chega de Madrugada (Evil Dead II, 1987) e ainda mais em O Exército das Trevas (Army of Darkness, 1992), ambos igualmente realizados por Sam Raimi.
hora intitulada Within the Woods (o argumento e realização ficaram a cargo de Raimi) cuja ideia era apresentar o resultado final a possíveis investidores, de modo a conseguirem arranjar dinheiro para fazerem The Evil Dead. Nesse projecto já surge Campbell como protagonista, bem como Ellen Sandweiss, que viria a fazer parte do elenco da futura longametragem e já participara em curtas anteriores de Raimi. Conseguiram 90 mil dólares, a que juntaram mais algum dinheiro que conseguiram angariar e partiram para a aventura. O custo total terá sido de cerca de 350 mil dólares, o que faz dele um filme de baixo orçamento, rodado quando Raimi tinha apenas 20 anos (acabou o filme com 21).
Mas deixemo-nos de comparações. The Evil Dead é um filme que merece, por ele próprio, um lugar nos escaparates dourados do segmento de filmes de terror, tal como no dos denominados filmes de culto. Sam Raimi começou a fazer filmes na adolescência com uma máquina de 8mm, onde reinventava as curtas-metragens dos Três Estarolas (The Three Stooges) de quem era fã. Nelas participavam os seus amigos, também adolescentes, como era o caso de Bruce Campbell ou de Rob Tapert. Os três produziram, em 1978, uma curta-metragem de meia
A Noite dos Mortos-Vivos transforma Bruce Campbell num actor de culto, algo a que as suas duas sequelas e as escolhas de carreira que o próprio fez ajudaram a reforçar. O filme passou em diversos festivais, incluindo no de Sitges (1982), antes de se ter estreado comercialmente e, curiosamente, ou talvez não, foi mais bem recebido fora do seu país de origem do que nos EUA.
A história desenrola-se em torno de cinco amigos estudantes — dois rapazes e três raparigas — que vão passar umas pequenas férias a um casebre de madeira no meio de um bosque no Tennessee. Lá dentro, encontram um livro com desenhos estranhos, escrito num idioma que não conhecem, e um gravador carregado com uma fita. O livro é o Necronomicon, ou o Livro dos Mortos (sim, o mesmo de H. P. Lovecraft), e a fita foi gravada pelo dono da cabana e contém excertos falados traduzidos do livro, que ao serem ouvidos libertam os demónios da floresta. Na luta contra esses demónios e as suas possessões, sobressai Ash (Bruce Campbell), que usa tudo o que tem ao seu alcance para dar cabo deles, o que inclui um machado e uma motosserra.
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Título nacional: Poltergeist, o Fenómeno Realização: Tobe Hooper
POLTERGEIST
Elenco: JoBeth Williams, Heather O'Rourke, Craig T. Nelson Ano: 1982
PEDRO SOARES
marcante que tomou seu o flick da casa assombrada construída sobre um cemitério e teve o atrevimento de despoletar tudo através de uma televisão, ícone da cultura pop.
Apesar de creditado a Tobe Hooper, Poltergeist, o Fenómeno foi responsabilidade quase total do seu produtor Steven Spielberg. Na altura a rodar ET - o Extraterrestre (que estrearia na semana seguinte), Spielberg preferiu manter-se apenas como "consultor criativo". Apesar de ser um filme de fantasmas, Poltergeist, O Fenómeno consegue passar hora e meia sem mostrar um único ser paranormal e mesmo assim pregar-nos sustos, sendo um filme de terror sem sangue e sem uma única morte. Ou seja, é cinema de terror familiar.
O filme prova que um bom realizador consegue filmar situações assustadoras com qualquer coisa. Com o enquadramento e a bandasonora certos (ter Jerry Goldsmith é, também, meio caminho andado), é possível fazer de uma televisão a passar electricidade estática a coisa mais assustadora de sempre.
Esta é a história da família Freeling (uma das características de Spielberg é o núcleo familiar em perigo), cuja casa foi construída sobre um cemitério. Os fantasmas, incapazes de descansarem em condições, vão assombrá-la, primeiro através da televisão e depois pelo guarda-fato, raptando inclusive a filha mais nova. Apesar do tema recorrente, é tão
Poltergeist, o Fenómeno consegue alternar as situações de suspense com a boa disposição e o terror sugestivo com as situações mais gráficas. Além disso, teve o infeliz fado de ter ficado mitificado pelo facto de ambas as jovens actrizes terem falecido precocemente, situações que contribuíram para criar uma espécie de maldição em seu redor.
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Título nacional: Sexta-Feira 13 Realização: Sean S. Cunningham
FRIDAY, THE 13TH
Elenco: Betsy Palmer; Kevin Bacon Ano: 1980
HÉLDER ALMEIDA
Sexta-Feira 13 foi realizado por Sean S. Cunningham e escrito por Victor Miller e tornou-se num dos grandes sucessos do cinema de terror, considerado um dos primeiros slasher depois de Massacre no Texas (The Texas Chainsaw Massacre, Tobe Hooper, 1974) e de O Regresso do Mal (Halloween, John Carpenter, 1979). Apesar do seu sucesso comercial (um dos filmes mais rentáveis de sempre dentro deste subgénero) e do seu futuro estatuto de clássico do terror, a reacção por parte da crítica foi negativa.
Com um orçamento reduzido e sem actores conhecidos (à exceção de Betsy Palmer e de Kevin Bacon que, na altura, não era conhecido), o filme foi o primeiro filme do género a ser distribuído por um grande estúdio de Hollywood, neste caso a Paramount. O resultado foi um bom sucesso de bilheteira que deu origem a várias sequelas e a um remake em 2009 e que, pelo meio, se tornou numa das maiores sagas de terror de sempre, apresentando-nos a um dos mais icónicos monstros de sempre: Jason Vorhees.
Cunningham traz-nos aqui tudo aquilo que um slasher movie deve ter. Um grupo de adolescentes vai de férias e usa drogas e sexo para se divertir. No entanto, começam a ser mortos um a um, sempre de forma violenta, por um misterioso assassino. Tudo isto é feito de forma competente, com Cunningham seguro na realização e com um bom uso dos efeitos práticos, criados por um jovem Tom Savini, um mestre do género.
Apesar das suas falhas, Sexta-Feira 13 merece o estatuto de culto que ganhou e tornou-se num dos mais influentes slashers de sempre, com várias cópias a surgirem ao longo dos anos 80.
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BAD TASTE
THE LOST BOYS
FILIPE LOPES
PEDRO SOARES
Dificilmente poderia haver um começo de carreira mais interessante para Peter Jackson do que este Carne Humana Precisa-se. Filmado nos arredores da sua casa na Nova Zelândia, aos fins-de-semana e durante quatro anos, a partir de uma máquina de Super 16 e tendo como actores principais (em vários papéis) alguns amigos do realizador e ele próprio, o filme é um glorioso exemplo de como fazer um trash movie divertido, escatológico e sem dinheiro. A história gira em torno de uma invasão alienígena em que os extraterrestres pretendem arranjar carne humana para alimentar uma cadeia interplanetária de fast-food. Pensar que o hoje aclamado e consagrado realizador da trilogia O Senhor dos Anéis começou assim já merece bem o visionamento desta delirante e excessiva obra.
Se um extraterrestre viesse a minha casa para que eu lhe explicasse o que foram os anos 80, mostrar-lhe-ia três filmes: Acção em Miami, escaparate da moda desse tempo (enchumaços, blazers de cetim branco e mullets); Purple Rain, de Prince, especialmente a cena em que ele vai todo mauzão em cima dum motão, que é apenas uma 125cc com uns plásticos gigantes; e Os Goonies, teen movie de matiné de domingo. Se estivesse com pressa, mostraria apenas Os Rapazes da Noite, mistura de tudo isto. Outro filme-chave para entender este Os Rapazes da Noite é Os Selvagens da Noite, o survivor urbano sobre os gangues nova-iorquinos estereotipados e igualmente mal vestidos. Aquele é também um filme sobre esse tipo de gangues juvenis, cujo líder é um novinho Kiefer Sutherland, e em que eles são... vampiros.
Título nacional: Carne Humana Precisa-se (1987)
Título nacional: Os Rapazes da Noite (1987)
Realização: Peter Jackson
Realização: Joel Schumacher
Elenco: Terry Potter, Pete O'Herne, Craig Smith
Elenco: Kiefer Sutherland, Corey Haim, Corey Feldman
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THE THING
CHILD'S PLAY
JOSÉ CARLOS MALTEZ
J. B. MARTINS
Em 1982, John Carpenter era já um nome reputado no campo do terror quando realizou o remake do filme A Ameaça (The Thing from Another World, 1951) de Howard Hawks e Christian Nyby. Foi uma das poucas vezes em que o remake superou o original, com Carpenter, da ideia base, a manter apenas a presença extraterrestre. Depois disso, com efeitos especiais brilhantes para a época que nos mostram violentas transformações anatómicas a acontecer quase como se vísceras humanas nos pingassem em cima, Carpenter cria um clima de paranóia em que qualquer um dos elementos de uma isolada estação científica na Antártica pode ter sido substituído pela Coisa. Com Kurt Russell à frente do elenco e uma tensão de cortar à faca, a ameaça extraterrestre poucas vezes foi tão horrífica, enervante e eficaz.
Realizado por Tom Holland, Chucky, o Boneco Diabólico deu a conhecer ao mundo o agora mítico Chucky, uma resposta ao frenesim dos bonecos companheiros dos anos 80. A premissa é simples: antes de ser assassinado, um psicopata consegue transferir a alma para o boneco mais popular do momento. O brinquedo acaba por chegar às mãos de uma criança que cedo começa a perceber que o Chucky não é um mero brinquedo inocente. Apesar de, hoje em dia, o personagem ser mais associado à comédia de terror do que ao terror propriamente dito, Chucky, o Boneco Diabólico é um filme bastante competente e criativo que utiliza mecanismos influenciados por filmes como O Tubarão (1975) e O Exterminador Implacável (1984) para criar uma atmosfera recheada de uma tensão palpável que as sequelas não foram capaz de reproduzir.
Título nacional: Veio do Outro Mundo (1982)
Título nacional: Chucky, o Boneco Diabólico (1988)
Realização: John Carpenter
Realização: Tom Holland
Elenco: Kurt Russell, Wilford Brimley, Keith David
Elenco: Catherine Hicks, Chris Sarandon, Alex Vincent
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Pesadelo em Elm Street, 1984
A NIGHTMARE ON ELM STREET HÉLDER ALMEIDA
De garras afiadas e sedento de sangue, o desfigurado e perverso Freddy Krueger assombrou o imaginário de milhões de adolescentes, invadindo os seus sonhos e perseguindo-os até à morte. Desde os anos 80 até esta nova década, Krueger tem aumentado o seu número de vítimas. E agora, recordamos o seu rasto de sangue, capítulo a capítulo, numa das sagas de terror mais emblemáticas de sempre.
misturar o fantástico com o sub-género do slasher, de forma original e engenhosa. As mortes são diferentes do que se tinha visto até então (uma personagem é comida por uma cama) e o filme consegue sempre jogar com o excelente jogo de suspense criado pelo realizador. Pesadelo em Elm Street é um dos grandes clássicos do cinema de terror e um filme importante para o género, conseguindo seguir os passos de slashers como Massacre no Texas (The Texas Chainsaw Massacre, Tobe Hooper, 1974), O Regresso do Mal (Halloween, John Carpenter, 1978) e Sexta-Feira, 13 (Friday the 13th, Sean S. Cunningham, 1980), mas com uma incursão pelo fantástico. O filme, com um orçamento de pouco menos de 2 milhões de dólares, foi um sucesso comercial e de crítica quando estreou e ainda marcou a estreia cinematográfica de Johnny Depp. Um clássico de culto imperdível.
Pesadelo Em Elm Street (A Nightmare on Elm Street, Wes Craven, 1984) A 9 de Novembro de 1984, Pesadelo em Elm Street estreou nas salas de cinema, estreia essa que deu origem a uma das mais populares sagas de terror de sempre. Freddy Krueger (Robert Englund), o monstro criado por Wes Craven, o realizador A Última Casa à Esquerda (The Last House on the Left, 1972), Terror nas Montanhas (The Hills Have Eyes, 1977) e Gritos (Scream, 1996), tornou-se num dos mais populares e amados do género, conseguindo ganhar um lugar importante na cultura popular. Tina (Amanda Wyss) é brutalmente assassinada enquanto dorme. A sua melhor amiga, Nancy (Heather Langenkamp), começa agora a ser atormentada pelo seu assassino, Freddy. No entanto, se o assassino apenas aparece nos sonhos de Nancy, as suas acções são transpostas para a realidade. Se Nancy morrer nos sonhos, também morre na vida real. Craven escreve e realiza este primeiro filme da saga, conseguindo
Pesadelo em Elm Street II (A Nightmare on Elm Street Part 2: Freddy's Revenge, Jack Sholder, 1985) Cinco anos após a derrota de Freddy Krueger pelas mãos de Nancy, uma nova família muda-se para a sua antiga casa. O jovem Jesse começa a ter pesadelos que envolvem Freddy e, eventualmente, acaba possuído pelo assassino, obrigando-o a cometer actos mortais. 69
Pesadelo em Elm Street ||, 1985
Pesadelo em Elm Street 3, 1987
Depois de Wes Craven recusar fazer uma sequela do seu clássico, já que nunca tencionara que Pesadelo em Elm Street se tornasse numa saga, a realização foi entregue a Jack Sholder. Desta vez, o argumento coloca Freddy a controlar um jovem indefeso e, eventualmente, a matar fora dos sonhos, algo de que Craven discordou completamente. Para além disso, apesar de continuar, de certa forma, a história do primeiro, a sequela entra noutras direcções, saindo um pouco do contexto apresentado no filme original. A tudo isto acrescenta-se a temática homoerótica escondida na sua premissa, temática essa que tem ganho cada vez mais relevo com o passar dos anos.
Pesadelo em Elm Street 3 (A Nightmare on Elm Street 3: Dream Warriors, Chuck Russell, 1987) Uma jovem encontra Freddy Krueger nos seus sonhos, sonhos esses que a levam a Elm Street, à casa onde Freddy foi derrotado por Nancy. Esta faz agora pesquisas sobre sonhos e decide ajudar a jovem que faz parte dum grupo de adolescentes que encontram Freddy nos seus sonhos. Juntos formam um grupo, The Dream Warriors, que têm de derrotar Freddy juntamente com Nancy. Ignorando completamente os acontecimentos do segundo filme, Pesadelo em Elm Street 3 é uma sequela inesperadamente competente e surpreendente, algo raro dentro do cinema de terror. Wes Craven volta à saga como produtor e argumentista, onde também encontramos um jovem Frank Darabont (Os Condenados de Shawshank, The Mist – O Nevoeiro e The Walking Dead). Craven traz uma lufada de ar fresco à saga por si iniciada, dando-lhe um toque maior de fantasia e uma dose ainda mais elevada de humor negro e exagerado, algo que acaba por resultar bastante bem e que acabaria por influenciar (para o melhor e para o pior) o resto da franchise.
Pesadelo em Elm Street II foi um sucesso comercial, mas dividiu a crítica, sendo hoje considerado, por muitos, como a pior sequela da saga. No entanto, acaba por ser um exercício relativamente competente, mesmo quando desrespeita as ideias apresentadas inicialmente por Craven. Tal levou a que a saga ganhasse um novo rumo no terceiro capítulo, que trouxe Wes Craven de volta à saga como argumentista.
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Pesadelo em Elm Street 3 é também o filme onde futuros talentos na àrea começam a carreira dentro da saga. Aqui temos Chuck Russel (A Máscara, O Rei Escorpião) e no elenco temos uma jovem Patricia Arquette e Laurence Fishburne (aqui Larry Fishburne). De volta temos a protagonista do primeiro filme, Heather Lagenkamp, e John Saxon. Uma boa sequela que era, inicialmente, para ser o capítulo final. No entanto, devido ao seu sucesso comercial e crítico, um quarto filme foi produzido. Pesadelo em Elm Street 4 (A Nightmare on Elm Street 4: The Dream Master, Renny Harlin, 1988) Os sobreviventes do terceiro filme regressam para esta nova aventura apesar de a protagonista ser agora a jovem Alice (Lisa Wilcox), uma pessoa bastante sonhadora que começa a ser atormentada pelo regresso de Freddy Krueger. Quando o seu pequeno grupo de amigos começa a morrer, Alice decide ganhar as forças necessárias para combater Freddy, que se encontra cada vez mais forte. O quarto filme da saga é, desta vez, co-escrito por Brian Helgeland (L.A. Confidential) e realizado por Renny Harlin (Assalto ao Aeroporto; Assalto Infernal). Depois das alterações que o terceiro filme trouxe à saga, alterações essas que foram bem recebidas pela crítica e pelo
Pesadelo em Elm Street 3, 1988
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Pesadelo em Elm Street 5, 1989 público, decidiu-se que a história deveria continuar a enveredar por tais caminhos, sendo esta quase uma sequela directa do seu antecessor, trazendo de volta algumas das personagens.
Novamente uma sequela directa do seu antecessor, Pesadelo em Elm Street 5 é realizado por Stephen Hopkins e traz de volta a protagonista do quarto filme, Lisa Wilcox, como Alice. Pela quinta vez, Robert Englund é Freddy, o icónico monstro sádico.
Pesadelo em Elm Street 4 acaba por ser um filme inferior comparado com a obra anterior. No entanto, ainda consegue ser bastante competente e uma boa adição à saga de Freddy Krueger. Curiosamente, o filme conseguiu ser o maior êxito comercial da saga e foi ainda o filme de terror mais rentável dos anos 80 nas bilheteiras americanas. Os fãs ficaram contentes com esta quarta parte, ansiando por mais. Mesmo Wes Craven, que pretendia que a saga terminasse com o terceiro filme, elogiou o trabalho de Harlin por detrás das câmaras. Por cá, foi nomeado para Melhor Realizador no Fantasporto.
Apesar de ser um filme mais negro e com um aspecto gótico nunca antes visto na saga, este quarto filme representa uma grande perda de qualidade na saga, devido ao seu argumento fraco que quebra as várias regras estabelecidas pelos filmes anteriores. Apesar de Englund continuar a ser um fabuloso Freddy, e Wilcox ser uma boa protagonista, tudo à sua volta faz deste um dos piores momentos da saga. Pesadelo em Elm Street 5 foi também um sinal de descida nas bilheteiras, fazendo menos de metade da receita que o seu antecessor fizera e tornando-se num dos filmes menos rentáveis da saga. Apesar disso, conseguiu fazer o dobro do seu orçamento, sendo considerado um sucesso comercial e dando origem a um sexto filme, filme esse que seria vendido como o capítulo final. À semelhança do quarto filme, também esteve presente no Fantasporto.
Pesadelo em Elm Street 5 (A Nightmare on Elm Street: The Dream Child, Stephen Hopkins, 1989) Um ano depois de derrotar Freddy Krueger, a vida de Alice parece estar encaminhada. No entanto, Freddy está a fazer de tudo para regressar aos sonhos dos adolescentes. Para tal, decide usar o bebé de Alice, que está agora grávida, conseguindo levar as suas potenciais vitímas para o seu reino de sonhos sempre que quiser. 72
O Último Pesadelo em Elm Street, 1991 O Último Pesadelo em Elm Street (Freddy's Dead: The Final Nightmare, Rachel Talalay, 1991)
Devido ao seu sucesso comercial (talvez devido ao uso do 3D), a New Line começou a lamentar a decisão de dar fim à saga de Freddy. A decisão tinha sido tomada devido ao facto de a franchise parecer estar a perder a sua relevância. No entanto, este sexto filme foi um êxito, e a saga, de alguma forma, teria de continuar.
Dez anos depois do último confronto de Freddy com Alice, o popular monstro de Elm Street conseguiu matar todas as crianças e adolescentes da cidade. Apenas um rapaz permanece vivo e decide defrontar Freddy, regressando a Elm Street na companhia da sua psiquiatra e dum pequeno grupo de adolescentes. No entanto, Freddy prepara tudo para o seu plano final.
O Novo Pesadelo de Freddy Krueger (New Nightmare, Wes Craven, 1994) Freddy Krueger morreu. É com esta ideia que a saga parte para o seu sétimo filme, com uma premissa diferente e com o criador de Freddy de volta para a realização e para o argumento. Aqui, Freddy Krueger não passa duma personagem de ficção que foi protagonista de seis filmes de terror, naquela que é uma das sagas mais populares do género. No entanto, com a morte de Freddy no sexto filme, todos acreditam que a saga está acabada. A produtora decide recorrer a Craven e a Heather Langenkamp, a protagonista do filme original, para um novo capítulo. No entanto, a ficção começa a misturar-se com a realidade quando várias pessoas da produção começam a morrer de forma violenta e Heather começa a ter sonhos com Freddy. Afinal, Freddy poderá deixar de ser ficção e entrar no mundo real.
Depois do quinto filme da saga ser o menos rentável, a New Line desenvolveu este O Último Pesadelo em Elm Street para ser o capítulo final. Como o título diz, teremos a morte de Freddy Krueger como forma de terminar a sua história. Rachel Talalay, produtora do capítulo anterior, passou ao cargo de realização e traz-nos uma obra que usa e abusa do humor algo ridículo e dos cameos que vão surgindo (Johnny Depp, Tom Arnold e Roseanne Barr, Alice Cooper, por exemplo). Como tal, dá origem a um dos piores filmes da saga, com um argumento pobre e uma realização fraca. Apenas Englund, novamente como o icónico Freddy Krueger, consegue trazer alguma esperança ao projecto.
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O Novo Pesadelo de Freddy Krueger, 1994
Freddy contra Jason, 2003
Antes de Wes Craven realizar Gritos, teve este seu regresso à saga Elm Street com uma obra que mistura realidade com ficção. Aqui os actores (Heather Langenkamp e John Saxon) interpretam-se a si mesmos, Craven surge como personagem (o realizador/argumentista que tem de escrever um novo filme da saga) e entramos ainda nos bastidores da New Line, produtora da saga. Tudo para nos trazer um capítulo novo e diferente da saga, um capítulo que não dá continuidade aos filmes anteriores mas que coloca a personagem de Freddy num mundo real: o nosso. Com uma abordagem diferente e original, Craven consegue aqui um dos melhores filmes da saga, uma espécie de metasequela recheada de referências ao filme original (e não só) e que consegue ser uma lufada de ar fresco. Robert Englund regressa como si mesmo e como Freddy, num visual diferente e mais perverso, ainda que conte com alguns momentos de humor negro (não tão absurdos como os dos filmes anteriores).
Freddy contra Jason (Freddy vs. Jason, Rony Yu, 2003)
Apesar de ser bem recebido pela crítica, O Novo Pesadelo de Freddy Krueger foi um fracasso comercial que nem mesmo o regresso de Craven conseguiu evitar. A saga já havia sido levada à exaustão e uma abordagem deste género poderia ser algo que o público não estaria disposto a ver na altura. No entanto, é um dos melhores filmes da saga e não representa a última aparição de Freddy no cinema.
Deixando de lado os acontecimentos retratados nos últimos filmes de ambas as sagas (nomeadamente, o diferente O Novo Pesadelo de Freddy Krueger e o terrível Jason X (2001), com Vorhees no espaço), o realizador Ronny Yu tenta criar um filme que se enquadre bem dentro das duas franchises, apelando ao estilo slasher de Sexta-Feira 13 e à comédia negra de Elm Street. O problema é que temos um argumento
Com o passar dos anos, Freddy Krueger perdeu o seu poder quando os adolescentes de Elm Street deixam de acreditar na sua existência. No entanto, Freddy ainda quer regressar ao que melhor faz e para tal usa Jason Vorhees (Ken Kirzinger), outro lendário assassino que vem de Crystal Lake. No entanto, é uma questão de tempo até Jason se aperceber que está a ser manipulado por Freddy. Depois da cena final do nono filme da saga Sexta-Feira 13, em que a máscara de Jason é atacada pelas garras de Freddy Krueger, que os fãs ansiavam por este encontro. Mais de 10 anos depois, a New Line decide dar aos fãs o que querem tendo assim oportunidade de renascer os dois monstros cinematográficos. E assim surge este Freddy contra Jason, o filme que coloca as duas sagas uma contra a outra.
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Pesadelo em Elm Street, 2010 fraco e uma realização abaixo da média, fazendo com que tenhamos aqui uma desilusão.
Enquanto Wes Craven escreveu uma obra de terror recheada de originalidade e humor negro, aqui tudo isso é deixado de lado. Encontramos mortes gratuitas e sem impacto algum, mortes essas que tentam recriar alguns dos momentos mais marcantes da obra de Craven. Pelo meio, somos presenteados com a origem de Krueger em cenas que não são nada mais nada menos que exposição a mais. Ainda temos tempo para os clichês do costume, com um elenco competente, mas limitado ao material em mãos. O novo Freddy é interpretado por Jack Earle Haley, que até nem se sai mal mas que não consegue chegar ao carisma e humor sádico de Robert Englund.
Freddy contra Jason foi um grande sucesso comercial, o maior para ambas as sagas, apesar das críticas negativas. No entanto, apesar dos vários rumores, nunca surgiu uma sequela. Aparentemente, havia a ideia de fazer uma continuação com Ash, o protagonista de Evil Dead, à mistura, mas nunca passou de rumor, sendo que tal ideia passou apenas para a banda desenhada. Aqui temos a última vez que Robert Englund interpreta Freddy.
Apesar do sucesso comercial e das promessas de sequelas, o público e a crítica não ficaram contentes com o que viram, sendo esta apenas mais uma tentativa por parte do estúdio para ganhar dinheiro, em vez de fazer um produto que respeitasse o legado da saga. Por enquanto esta é a última incursão cinematográfica de Freddy Krueger. Para trás fica uma das mais populares sagas do género, recheada de bons momentos, apesar de alguns capítulos mais fracos.
Pesadelo em Elm Street (A Nightmare on Elm Street, Samuel Bayer, 2010) Como qualquer clássico de terror que mereça tal título, também Pesadelo em Elm Street foi alvo de um remake. Michael Bay, que já tinha produzido os remakes de Massacre no Texas e Terror na Auto-Estrada, serve de produtor, dando a realização ao novato Samuel Bayer. A história é basicamente a mesma: a pequena cidade de Elm Street começa a ver os seus adolescentes a morrerem enquanto dorme, devido à presença de Freddy Krueger nos seus sonhos. Krueger, por sua vez, está à procura de vingança. 75
Psico, 1960
OS TRÊS CÊS DO TERROR DOS ANOS 80 JOSÉ CARLOS MALTEZ
O INÍCIO DO TERROR NO CINEMA
O TERROR MODERNO
A década de 80, no domínio do terror, foi a década em que o cinema comercial propagou os duvidosos prazeres do gore, reflexo, talvez, do facto de os produtores do cinema desse género terem descoberto que o seu público-alvo eram as camadas mais jovens, que queriam divertir-se em grupo, testando emoções fortes em contextos mais subversivos, e num carrossel de sustos com maior grau de imediatismo.
A contracultura norte-americana, e a necessidade de voltar a baralhar para dar novas cartas, trazia-nos um cinema mais “ácido”, mais violento, mais subversivo, e o terror não lhe ficava imune, pelo contrário, sentia rédeas soltas para ir mais longe. É isso que se começa a ver naqueles que serão os percursores do terror moderno. São exemplos Psico (Psycho, Alfred Hitchcock, 1960), onde não somos poupados a surpreendentes descargas de sangrenta violência que quase glorificam um serial killer; A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, George A. Romero, 1968), onde canibalismo e ameaça global são servidos com uma total amoralidade; O Exorcista (The Exorcist, William Friedkin, 1973), onde o mal absoluto se torna um pesadelo visceral que nem as crianças poupa; ou Massacre no Texas (The Texas Chain Saw Massacre, Tobe Hooper, 1974), onde a violência e o sangue parecem justificar-se como um fim em si próprios sem necessidade de explicação.
Quando se pensa em cinema de terror, de uma perspectiva histórica, as primeiras ideias que nos assaltam são as adaptações, ainda na era do cinema mudo, de clássicos literários, dos vampiros de Bram Stoker ao Frankenstein de Mary Shelley, do Fantasma da Ópera de Leroux a Dr. Jekyll e Mr. Hyde de Louis Stevenson, até às adaptações de Poe, H. G. Wells, e mesmo reinterpretações terríficas de clássicos de outros géneros, como O Corcunda de Notre Dame (Victor Hugo) e Fausto (Goethe). Com o sonoro, os anos 30 trouxeram a cristalização de alguns mitos, consagrados nos chamados “monstros da Universal”, onde a Dráculas e monstros de Frankenstein se juntavam lobisomens, homens invisíveis e múmias. Nos anos 50, a proliferação da mal-amada série B misturava terror e ficção científica, para que os monstros nos fizessem pensar na idade atómica e invasões extraterrestres inspiradas na pulp fiction, enquanto o glamour do gótico e das casas assombradas nos traria, na década seguinte, produções de índole barroca, de Roger Corman na AIP à inglesa Hammer, entre tantos clássicos que essa década nos deu.
Atenuando-se as barreiras entre aquilo que eram temas aceites na chamada exploitation, onde nudez e sangue jorravam despudoradamente, o cinema mainstream buscava inspiração noutras cinematografias. Exemplo é o giallo italiano (de Mario Bava a Dario Argento), famoso pelas horríficas mortes e sangue derramado e, num registo mais extremo, os chamados filmes Mondo, ou shockumentaries, que pretendiam mostrar o realismo do que seria o choque com sociedades primitivas, e que acabou por ter a sua face mais conhecida nos filmes de canibalismo, como o infame Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, 1980) de Ruggero Deodato.
Lugares comuns eram a inspiração literária e um requinte clássico, onde o importante eram as ideias e atmosferas sugeridas, transversais a todos os filmes. Mas nos anos 70, o terror deixava de ser elegante e aristocrático, para passar a ser sujo e malcheiroso. Deixava de ser intelectual, para se tornar visceral. Deixava de apelar a toda a família, para procurar o público mais jovem que queria emoções fortes, instantâneas… e de preferência controversas.
É com este fundo que os anos 80 começam, e neles vêm a revelar-se os três Cês do terror, todos educados cinematograficamente na revolução dos anos 70, e talvez os realizadores que mais marcaram o cinema de terror da nova década (e seguintes): Wes Craven, David Cronenberg e John Carpenter.
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WES CRAVEN O mais idoso do trio (e recentemente falecido), Wes Craven, nasceu em 1939, em Cleveland, Ohio. Começou por trabalhar como professor de inglês, até se apaixonar pelo trabalho de câmara, procurando, como cinematógrafo e editor, trabalhar em curtas-metragens, o que o levaria ao mundo da pornografia onde trabalharia vários anos sob diferentes pseudónimos. Foi através desse trabalho que Craven conheceu Sean S. Cunningham, que lhe produziu a sua primeira longa-metragem não pornográfica, o filme de terror The Last House on the Left (1972), banido em vários países pela sua crueza e sadismo. Juntamente com o seu filme seguinte, Os Olhos da Montanha (The Hills Have Eyes, 1977), Craven falava-nos de violência extrema e inexplicável, que parecia estar ao virar da esquina para torturar o mais comum e inocente dos mortais. Mas os anos 80 exigiam fantasia, e foi para aí que Craven se virou de seguida. Craven estreava-se na nova década com um filme de transição — Bênção do Anjo Negro (Deadly Blessing, 1981) — exemplo de alguns filmes que seriam decididas tentativas de encontrar um caminho, algures entre a violência realista dos primeiros filmes e a fantasia sobrenatural que se seguiria. Esse caminho chegaria com pompa em 1984 com o inesperado sucesso mundial de Pesadelo em Elm Street (A Nightmare on Elm Street), onde Craven entra na onda do slasher, redefinindo-o com
Wes Craven, 1939-2015
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Pesadelo em Elm Street, 1984 Habituado a lidar com o cinema menos convencional (dada a sua experiência na pornografia), Wes Craven trouxe essa irreverência e olhar menos polido para o cinema comercial, dizendo-se vulgarmente que reinventou o terror três vezes. A primeira na violência pura do estilo realista de The Last House on the Left, onde os monstros são as pessoas que vemos ao nosso lado, a segunda ao trazer a fantasia ao slasher no original Pesadelo em Elm Street e a terceira ao aceitar desconstruir o género em Gritos. Embora com uma obra diversificada no domínio do terror, Craven fica para a história como o autor que, através de uma mescla de gore e fino humor, melhor soube aproveitar as exigências do público mais jovem, transformando-as em novas tendências que muitos outros autores tentaram depois imitar.
algo de fantasia, como é o explorar dos mistérios dos sonhos, dandonos em simultâneo o mais popular vilão do género, Freddy Krueger. A série continuaria por muitos anos, por vezes com colaboração de Craven, o qual procurava não se acorrentar, como nos mostra o filme O Novo Pesadelo de Freddy Krueger (Wes Craven's New Nightmare, 1994), que é como que o ficcionar do making of do filme original. A busca de originalidade continuava com A Maldição dos Mortos-Vivos (The Serpent and the Rainbow, 1988), um filme que alia o mito dos zombies à superstição voodoo, e com a comédia de terror 100.000 Volts de Terror (Shocker, 1989), onde Craven não hesita em parodiar-se a si mesmo. Nas décadas seguintes, sendo mais prolífico como produtor que como realizador, Craven não deixou de ir marcando o ritmo do cinema de terror moderno, quer nas sequelas e remakes que inspirava, quer na nova reinvenção do slasher na mais popular franchise do género dos anos 90, a série Gritos (Scream), na qual realizou quatro filmes (1996, 1997, 2000 e 2011). Pelo meio ficaria ainda a comédia de vampiros Vampiro em Brooklyn (Vampire in Brooklyn, 1995) e o drama de terror onde a exploração da transformação humana se mostrava através do mito dos lobisomens em Amaldiçoados (Cursed, 2005).
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DAVID CRONENBERG David Cronenberg nasceu no Canadá em 1943 e talvez não goste de se ver descrito como um autor de cinema de terror, mas sem dúvida que ajudou a moldar aquilo em que o género se tornaria nos anos 80. Filho de um casal ligado às artes, Cronenberg estudou ciências antes de mudar para inglês e, enquanto tentava a sua sorte na escrita, foi ganhando o gosto pela arte de filmar. Após algumas experiências na juventude, o primeiro filme a torná-lo notado foi Os Parasitas da Morte (Shivers, 1975), no qual desenvolvia já o seu campo preferido de terror: o chamado body horror, composto de doenças, infecções, transmutações corporais e todo o tipo de paranóia e experimentação que levam à transformação e degradação do corpo humano. O mesmo caminho seria percorrido em Coma Profundo (Rabid, 1977) e A Ninhada (The Brood, 1979), filmes que o lançam nos anos 80 como um dos mais inovadores — e estranhos — narradores do cinema do seu tempo, com histórias tão originais quanto desconfortáveis pelo horror visceral que criam no público. David Cronenberg, 1943
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Scanners, 1981 A nova década coroá-lo-ia com sucessos de culto como Scanners (1981), Experiência Alucinante (Videodrome, 1983), A Mosca (The Fly, 1986) e Irmãos Inseparáveis (Dead Ringers, 1988), onde a ficção científica é sinónimo de obsessão com tecnologia e perigosas e mórbidas manipulações do corpo humano com consequências aterradoras. A década de 90 vê-o diversificar a temática, do surrealismo alucinogénico de O Festim Nu (Naked Lunch, 1991), ao romance transsexual M. Butterfly (1993), da obsessão sexual de Crash (1996) às realidades virtuais de eXistenZ (1999), mas sempre com a ênfase no corpo humano e suas transformações, literais ou não, e uma forma de apelar aos medos mais subconscientes da psique humana. Continuando a diversificar, Cronenberg busca ainda hoje novas formas e géneros, com o seu cinema a ser sinónimo de uma certa intelectualidade, algum desconforto e histórias sempre originais que já lhe valeram prémios internacionais, como em Cannes e Berlim. Mas na parte que nos toca, podemos com toda a propriedade dizer que Cronenberg ajudou a abrir as portas para novas formas de meter medo no cinema que ainda hoje poucos sabem explorar. Irmãos Inseparáveis, 1988
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JOHN CARPENTER Por fim, o mais jovem do trio, nascido em 1948, temos John Carpenter. Proveniente de uma família com tradições musicais, não espanta que Carpenter tenha vindo a compor as bandas sonoras de muitos dos seus filmes, que começou a realizar ainda como estudante de cinema. Tal como os outros dois realizadores, Carpenter estreou-se comercialmente nos anos 70, aproveitando a nova vaga de violência e contracultura no cinema norte-americano para dar voz à recriação dos seus modelos e influências, ele que era um admirador do velho western e dos filmes série B. Surgiram assim filmes como Assalto à 13.ª Esquadra (Assault on Precinct 13, 1976), e o seu filme mais consagrado, O Regresso do Mal (Halloween, 1978). Com este filme, e as muitas sequelas que vieram depois, Carpenter definia muito do terror dos anos 80, em particular do muito recriado e repetido subgénero slasher: o mito do serial killer de poderes quase sobrenaturais que regressa após cada suposta morte, matando automaticamente, sem razões ou explicações; a final girl, némesis do assassino, que vai sobrevivendo de filme para filme para sofrer novas tormentas; as mortes macabras de arma branca, evocativas do italiano giallo; e, claro, de Psico, com os litros de sangue a condizer.
John Carpenter, 1948
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Veio de Outro Mundo, 1982 Sem querer fechar-se num cliché, Carpenter realizou filmes noutros géneros, da ficção científica (Estrela Negra, Starman: O Homem das Estrelas, Eles Vivem) à aventura fantástica (As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim), mas foi o terror que lhe continuou a trazer a fama com uma série de sucessos, começando no quase gótico O Nevoeiro (The Fog, 1980), avançando com o remake paranóico-visceral Veio do Outro Mundo (The Thing, 1982), passando pelo universo bizarro de Stephen King em Christine, o Carro Assassino (Christine, 1983), e finalizando a década com o satânico O Príncipe das Trevas (Prince of Darkness, 1987). A década de 90 traria mais entradas no mundo do terror com o lovecraftiano A Bíblia de Satanás (In the Mouth of Madness, 1995), outro remake de um clássico, A Cidade dos Malditos (Village of the Damned, 1995) e o muito sujo e violento Vampiros (Vampires, 1998), numa espécie de homenagem velada ao western.
Nem sempre compreendido, poucos foram os filmes de John Carpenter bem recebidos pela crítica, que lhe condenava os excessos e o amor à série B, mas muitos foram os que ficaram como culto para um número crescente de fãs, que veem nele um padrinho de um género e forma de estar no cinema. Mas mais que fenómeno de culto, muitos realizadores o reconhecem como influência, dos seus memoráveis travellings à câmara subjectiva, do minimalismo narrativo ao engenhoso uso da luz para criar ambientes tenebrosos, dos seus protagonistas frontais e cínicos à recorrente paranóia, bem como pelos célebres enquadramentos onde o uso do plano de fundo serve sempre para criar tensão.
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OUTROS NOMES Sendo este artigo dedicado aos Cês, Craven, Cronenberg e Carpenter, não ficaria completo sem algumas referências a autores e filmes que cavalgaram a onda que estes três realizadores criaram nos anos 80. Comecemos por Sam Raimi que, iniciando a carreira ainda na década de 70, foi beneficiário do novo terror dos anos 80 (ele que era amigo pessoal de Wes Craven), para explorar o filão zombie de origem sobrenatural numa série de filmes de um gore tão macabro que até fazia rir, como foi a série Evil Dead: A Noite dos Mortos-Vivos (The Evil Dead, 1981), A Morte Chega de Madrugada (Evil Dead II, 1987) e O Exército das Trevas (Army of Darkness, 1992). Começando nos anos 70 a par dos três Cês, Tobe Hooper tinha-nos dado clássicos de violência como Massacre no Texas (The Texas Chain Saw Massacre, 1974) e A Purificação de Salém (Salem's Lot, 1979), para nos anos 80 abraçar o novo espírito do terror juvenil, com o seu maior sucesso, Poltergeist, o Fenómeno (Poltergeist, 1982) — ao que consta realizado por Spielberg —, ele próprio motivo de várias sequelas. Também vindo de trás, entretanto um pouco esquecido e relançado pela onda do novo terror dos anos 80, tivemos George A. Romero, o pai dos zombies modernos que, entretanto, ressuscitou com Zombie, a Maldição dos Mortos-Vivos (Dawn of the Dead, 1978)
Sam Raimi, 1959
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George A. Romero, 1940-2017 13th, Sean S. Cunningham, 1980), O Assassino Romântico (My Bloody Valentine, George Mihalka, 1981), Acampamento Sangrento (Sleepaway Camp, Robert Hiltzik, 1983), o regresso de Psico com mais três filmes (1983, 1986 e 1990), O Fatal Silêncio da Noite (Silent Night, Deadly Night, Charles E. Sellier Jr., 1984), Os Filhos da Terra (Children of the Corn, Fritz Kiersch, 1984), Fogo Maldito (Hellraiser, Clive Barker, 1987), Chucky, o Boneco Diabólico (Child's Play, Tom Holland, 1988) e Cabeça de Abóbora (Pumpkinhead, Stan Winston, 1988).
e O Dia dos Mortos (Day of the Dead, 1985), filmes mais leves que o original e que abraçam já o cinismo dos novos tempos. Entre eles, houve ainda espaço para o quase telefilme Creepshow: Contos de Terror (Creepshow, 1982), de forte apelo juvenil. Finalmente, e embora notado na década anterior com Piranha (1978), Joe Dante, discípulo de Corman que fora adoptado por Spielberg, foi mais um produto do terror dos anos 80, com clássicos que se tornaram grandes sucessos de bilheteira dentro do género, e não só, como O Uivo da Fera (The Howling, 1981), onde a televisão se mistura com lobisomens, e Gremlins - O Pequeno Monstro (Gremlins, 1984), filme que se encaixava na comédia juvenil que dominava o mercado de então.
Para o bem ou para o mal, a inspiração e o sucesso de Craven, Cronenberg e Carpenter marcavam uma década e muito do que estava por vir no cinema de terror comercial.
Ainda no campo do muito prolífico slasher, menção honrosa para algumas das mais bem-sucedidas séries (pese a sua discutível qualidade) que, cavalgando o sucesso dos mestres (os infindáveis Massacre no Texas, Halloween e Pesadelo em Elm Street), levaram os jovens ao cinema com muitas e muitas sequelas. Aponta-se aqui apenas o primeiro filme de cada, na certeza de que todas tiveram muitas continuações, de cada vez menor qualidade, mas de reforço de uma mitologia própria e um número de convenções que lhe servia de imagem de marca. Elas foram: Amityville - A Mansão do Diabo (The Amityville Horror, Stuart Rosenberg, 1979), Sexta-Feira 13 (Friday the 85
COMÉDIA
COMÉDIA JOSÉ CARLOS MALTEZ
A comédia, como um dos géneros mais constantes do cinema, não tem altos nem baixos, apenas mudanças de estilo. Desde O Regador Regado dos Lumière e a época dourada do slapstick mudo, muitas são as transformações que a história do cinema lhe tem trazido. Os anos 80 não foram excepção, trazendo como novidades o humor decididamente virado para adolescentes (A Fantástica Aventura de Bill e Ted, Fim-deSemana com o Morto e a série Porky’s) e o nonsense que ia dos Monty Python (O Sentido da Vida) aos ZAZ (Aeroplano!, Ultra Secreto, Aonde é que Pára a Polícia). Se a América apostava no humor da National Lampoon e nos comediantes que sairiam do Saturday Night Live (Eddie Murphy, Dan Aykroyd, John Belushi, Chevy Chase), a Inglaterra surpreendia com a sua britishness (Um Peixe Chamado Wanda, This is Spinal Tap, Withnail e Eu), enquanto autores como Mel Brooks, Woody Allen, Blake Edwards continuavam a definir caminhos pessoais com o seu humor.
MENÇÕES HONROSAS
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O Meu Tio da América (Mon Oncle d’Amérique, Alain Resnais, 1980) O Clube dos Malandrecos (Caddyshack, Harold Ramis, 1980) Porky's (Bob Clark, 1981) Tootsie – Quando Ele Era Ela (Tootsie, Sydney Pollack, 1982) Victor Victoria (Victor/Victoria, Blake Edwards, 1982) Os Ricos e os Pobres (Trading Places, John Landis, 1983) Ultra Secreto (Top Secret!, Jim Abrahams, David Zucker, Jerry Zucker, 1984) Crocodilo Dundee (Crocodile Dundee, Peter Faiman, 1986) A Mais Louca Odisseia no Espaço (Spaceballs, Mel Brooks, 1987) Antes Só que Mal Acompanhado (Planes, Trains & Automobiles, 1987, John Hughes) Withnail e Eu (Withnail & I, Bruce Robinson, 1987) Os Fantasmas Divertem-se (Beetlejuice, Tim Burton, 1988) Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres al borde de un ataque de nervios, Pedro Almodóvar, 1988) A Fantástica Aventura de Bill e Ted (Bill And Ted’s Excellent Adventure, Stephen Herek, 1989)
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Título nacional: This Is Spinal Tap Realização: Rob Reiner
THIS IS SPINAL TAP
Elenco: Rob Reiner, Michael McKean, Christopher Guest Ano: 1984
PEDRO SOARES
Com um olhar acutilante e divertido para os excessos de uma subcultura muito peculiar, This Is Spinal Tap é uma paródia hilariante que utiliza a linguagem do documentário para fazer ficção — o mocumentário. Os actores, nunca perdendo a pose, contribuem para esse aspecto vérité, tanto nas actuações ao vivo, como nas entrevistas cândidas cujas citações memoráveis servem para encher um livro. Mas This Is Spinal Tap não é uma simples paródia à trilogia sexo, drogas e rock'n'roll, como o era Quase Famosos (Almost Famous, Cameron Crowe, 2000). E isto significa parodiar os Led Zeppelin (com um guitarrista que, em vez de usar um arco de violino para tocar guitarra, usa o próprio violino); os Black Sabbath (com uma alusão ao embaraçoso cenário de Stonehenge); o guitar shredding circense de gente como Steve Vai; os clichês de bandas como os Saxon ou os Whitesnake; ou simplesmente a inteligência reduzida de uns Mötley Crüe ou uns Skid Row.
Todos nós tivemos, enquanto jovens, o sonho secreto de sermos uma estrela do rock‘n’roll ou um guitar hero de uma banda de sucesso. Depois crescemos, descobrimos que afinal isso não era assim muito simples e desistimos da ideia. Outros mais arrojados, enveredaram pela carreira da crítica musical, vivendo do trabalho dos outros e recebendo dinheiro para dizer mal. Por isso, apenas uma minúscula minoria é que atingiu esses objectivos glamorosos. Rob Reiner, na sua primeira longa-metragem para cinema, magicou uma forma de contornar o sistema e alcançar esse sonho. Em 1984 realizaria This Is Spinal Tap, uma espécie de falso documentário rock – vulgo mocumentário – sobre uma fictícia banda de rock, os Spinal Tap, narrado de forma satírica. O filme alcançou proporções gigantescas e os Spinal Tap quase que se tornaram numa banda real, tão real como os The Monkees, por exemplo. Ou os D'zrt! Graças à fama do filme, os Spinal Tap deram concertos, fizeram digressões, foram convidados para talk shows e até apareceram em episódios de Os Simpsons.
This Is Spinal Tap é uma comédia inteligente e uma prova brilhante do que a fábrica dos sonhos que é o cinema pode produzir. E o facto de, no IMDb, ser o único filme que tem uma escala de classificação de 1 a... 11(!) — numa private joke dentro do filme — demonstra o seu impacto na própria cultura pop.
Voltando ao filme, os Spinal Tap são uma banda de glam-rock, no auge dos anos 80, a estoirar os últimos cartuchos de uma carreira que pouco passou das promessas. A última oportunidade de reabilitação vai ser uma digressão pelos Estados Unidos, promovendo o último álbum da banda, Smell the Glove. Mas os Spinal Tap coleccionam todos os problemas de todas as bandas, para além dos caprichos que a época áurea do glam-rock produziu em excesso: têm dois líderes visionários e idiotas — Nigel (Christopher Guest) e David (Michael McKean) —, cujos egos por vezes colidem; têm problemas com o seu empresário (Tony Hendra); com as namoradas do grupo (olá, Yoko Ono!); com histórias rocambolescas com as eternas perdas e trocas de bateristas; ou, simplesmente, com a sua própria música.
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Título nacional: Um Peixe Chamado Wanda Realização: Charles Crichton
A FISH CALLED WANDA
Elenco: John Cleese, Jamie Lee Curtis, Kevin Kline, Michael Palin Ano: 1988
JOSÉ CARLOS MALTEZ
Em 1988, o famoso grupo de comediantes inglês que ficou conhecido como Monty Python tinha já terminado oficialmente, depois da famosa série de televisão Os Malucos do Circo (Monty Python’s Flying Circus, 1969-1974), de vários filmes entre 1975 e 1983, de várias digressões em palco e até de muitos discos gravados. Todos os seus seis elementos se mantiveram em actividade (Graham Chapman morreria em 1989), quer como actores, argumentistas e/ou realizadores (sendo Terry Gilliam o realizador mais bem sucedido de entre eles), muitas vezes colaborando entre si. Mas nunca uma colaboração de dois ex-Python tinha tido tanto sucesso e sido tão bem recebida pela crítica como foi o caso do filme Um Peixe Chamado Wanda.
Kline e Palin), mais que a salvação do seu colega e líder, querem saber o que aconteceu aos diamantes roubados que Thomason escondeu antes de ser preso. Cada um a seu modo, e com as suas armas, tentam ludibriar os outros. Ken (Palin), confidente de Thomason, tenta matar a única testemunha que o pode acusar, enquanto guarda o segredo do paradeiro dos diamantes. Wanda (Lee Curtis) decide seduzir o advogado para saber se Thomason lhe confessa o paradeiro dos diamantes. Já Otto (Kline), preferindo agir sempre antes de pensar, vai infernizando todos, muitas vezes sem saber porquê. Como resultado, Leach vai tentando salvar o seu caso, sem perceber o que realmente se passa à sua volta nem quem está a jogar quem.
Escrito por John Cleese, que o protagonizou ao lado do seu ex-parceiro Michael Palin, Um Peixe Chamado Wanda trouxe ainda a presença dos americanos Jamie Lee Curtis e Kevin Kline, numa realização de Charles Crichton, um veterano dos velhos tempos das saudosas Ealing Comedies – a linha “Don’t call me stupid!” que o personagem de Kline tantas vezes repete é um piscar de olhos ao anterior filme da Ealing O Quinteto Era de Cordas (The Ladykillers, Alexander Mackendrick, 1955). E há muito da atmosfera desse humor clássico inglês em Um Peixe Chamado Wanda, que recupera o gosto pela comédia criminal, um enredo de enganos e protagonistas atrapalhados, um pouco ao gosto da também saudosa série televisiva A Grande Barraca (Fawlty Towers, 1975-1979) de John Cleese.
Com um enredo deliciosamente intrincado, personagens extremamente coloridas e um infindável rol de situações surpreendentes num ritmo sempre vivo, Um Peixe Chamado Wanda vive da inteligência do argumento e química perfeita entre os quatro protagonistas. Destaca-se a impulsividade de Kevin Kline e a atrapalhação de John Cleese numa história que tem ainda o toque especial da divertida comparação dos piores estereótipos de ingleses (pomposos, aristocráticos, sisudos, ou como Cleese diz: “mortos”) e norte-americanos (impulsivos, agressivos, ignorantes, verdadeiros cowboys). Um Peixe Chamado Wanda, que seria o filme de despedida de Charles Crichton, é o regresso do humor clássico no seu mais fino recorte onde a escrita de Cleese, a experiência de Crichton e a química entre quatro actores geniais são trunfos incontornáveis. O sucesso valeu-lhe mesmo um Óscar de Melhor Actor Secundário (Kline) e a tentativa de repetir a fórmula no muito menos bem conseguido Criaturas Ferozes (Fierce Creatures, 1997) realizado por Fred Schepisi e Robert Young, também com argumento de Cleese e a presença do mesmo elenco.
Bebendo um pouco no seu célebre Basil Fawlty, John Cleese é Archie Leach (nome verdadeiro do actor Cary Grant, desta forma homenageado), um advogado causídico da aristocracia inglesa que se vê trazido a defender Georges Thomason (Tom Georgeson), acusado de um assalto a uma joalharia, que vemos acontecer nos momentos iniciais do filme. Só que, cá fora, os seus três cúmplices (interpretados por Lee Curtis, 93
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Título nacional: O Aeroplano Realização: Jim Abrahams, David Zucker, Jerry Zucker
AIRPLANE!
Elenco: Robert Hays, Julie Hagerty, Leslie Nielsen Ano: 1980
SARA GALVÃO
1980 e a segunda melhor comédia de sempre — logo a seguir a A Vida de Brian (Life of Brian, Terry Jones, 1979).
Se há filmes que perdem o seu encanto após um visionamento, há outros que ficam cada vez melhores quanto mais vezes os virmos. As criações dos famosos ZAZ — David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker — estão, decerto, incluídas nestes últimos. Após terem escrito O Filme Mais Maluco do Mundo (The Kentucky Fried Movie, John Landis, 1977), o trio maravilha decidiu que a única maneira de manter controlo criativo seria pegar o leme da realização a 6 mãos – muito para o desespero da Associação Americana de Realizadores, que tentou várias vezes (sem sucesso) negar-lhes o triplo crédito.
Mas o que torna O Aeroplano tão inesquecível e intemporal, lembrado após todos os filmes que lhe serviram de inspiração terem desaparecido nas brumas da memória? Sobretudo, os gags visuais (que atingem a audiência a uma velocidade incrível), o humor seco, o gozo constante com as convenções cinematográficas (muitas vezes imitado mas nunca superado por spoofs posteriores) e, finalmente, a frescura e irreverência dos gags que ainda hoje caminham na fina fronteira do bom gosto — do piloto pedófilo (“Gostas de filmes sobre Gladiadores?”) à miúda que prefere o café preto, “como os meus homens”. Do início ao fim (incluindo os créditos — “Geralmente responsável por várias coisas” – e a cena pós-créditos – uma das primeiras de sempre), O Aeroplano nunca perde o ritmo, nunca se descai, e nunca nos faz sentir o desejo de cometer harakiri, mesmo ao 23º visionamento.
O Aeroplano nasceu quase que por acidente; enquanto gravavam anúncios e publicidade fora de horas para se inspirarem para sketches, os ZAZ encontraram A Hora Zero (Zero Hour!, Hall Bartlett, 1957), um filme (terrível) de desastre clássico que o trio rapinou à grande e à fartazana, desde a estrutura, nomes das personagens e até pedaços de diálogo — incluindo os famosos “As nossas chances de sobrevivência estão dependentes de encontrar alguém que não só consiga pilotar este avião, mas que não tenha comido peixe ao jantar” ou “Parece que escolhi a semana errada para deixar de fumar”. Juntamente com pedaços do popular Aeroporto 75 (Airport 75, Jack Smight, 1974) e de outras séries de desastre aéreo, os ZAZ criaram o que apresentaram aos produtores como A República dos Cucos (Animal House, John Landis, 1978) dentro de um avião — apesar do resultado final, felizmente, ter ido bastante além do conceito.
A redenção de Ted Striker continua a inspirar gerações hoje em dia, com sites que dão notas a todas as piadas do filme, análises detalhadas de piadas por minuto (480 piadas por hora, dizem) e negação que o terceiro e quarto filmes alguma vez aconteceram (sobre o segundo, Aeroplano II: A Loucura Continua (Airplane 2: The Sequel, Ken Finkleman, 1982), os ZAZ não se quiseram envolver e dizem, mesmo hoje, nunca o ter visto). Um filme juvenil e desavergonhado que marca o fim da era Mel Brooks e abre caminho para um novo tipo de comédia, a comédia ZAZ (com o franchise Aonde É que Pára a Polícia (Naked Gun), com Leslie Nielsen, e Ases pelos Ares (Hot Shots), com Charlie Sheen), que nos anos 90 nos dará os Irmãos Farrelly (Doidos à Solta, 1994; Doidos por Mary, 1998), O Aeroplano é a aterragem forçada de que todos precisamos num dia mau.
Para optimizar a sátira, os ZAZ resolveram escolher um elenco de peso, com actores conhecidos pelos seus papéis sérios — Robert Stack, Lloyd Bridges, Peter Graves e, o mais famoso de todos, Leslie Nielsen, que se iria transformar num actor de comédia inesquecível nos anos seguintes. A aposta saiu vencedora e O Aeroplano foi um sucesso de bilheteira, eleito pelo American Film Institute (AFI) como o quarto melhor filme de 95
Título nacional: Academia de Polícia Realização: Hugh Wilson
POLICE ACADEMY
Elenco: Steve Guttenberg, G.W. Bailey, Kim Cattrall Ano: 1984
SARA GALVÃO
instrutores têm de lidar com tudo. Carey Mahoney (Steven Guttenberg) é forçado a registar-se na Academia por desacatos e planeia ser expulso o mais depressa possível. Mas com a Academia a recusar-se a expulsar quem quer que seja (preferem fazer a vida negra aos recrutas até que eles saiam), Mahoney não tem outro remédio senão treinar ao lado dos colegas.
Quem nunca viu este filme pelo menos umas dez vezes que atire a primeira pedra. Academia de Polícia é como o sarampo — nalgum momento, durante a infância provavelmente, todos tivemos de lidar com ele. Claro que uma coisa é ter visto o original pela primeira vez, quando estreou, e outra é vê-lo hoje em dia, após… seis sequelas, uma série de TV, e quase de certeza alguém numa cave a congeminar um remake do franchise (com tons mais negros, música de Hans Zimmer e com Christian Bale como Carey Mahoney). Mas, apesar de tudo — e aqui vem uma opinião extremamente controversa —, o filme original de Hugh Wilson não é mau de todo.
Com personagens para todos os gostos (do playboy que finge ser hispânico para conquistar mulheres, ao tipo que faz efeitos sonoros com a boca, até à tímida mulher polícia que não se consegue impor), Academia de Polícia é um clássico da comédia, ainda capaz de provocar alguns sorrisos aqui e ali, apesar da quantidade surreal de material politicamente incorrecto.
Quando a Senhora Presidente da Câmara decide retirar os requisitos de entrada para a Academia de Polícia, um estranho grupo de recrutas aparece às portas da instituição. Desde mulheres, pessoas de cor, até pessoas extremamente azaradas ou em pobre forma física, os
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THE NAKED GUN: FROM THE FILES OF POLICE SQUAD!
Título nacional: Aonde É Que Pára a Polícia Realização: David Zucker Elenco: Leslie Nielsen, Priscilla Presley, George Kennedy Ano: 1988
HÉLDER ALMEIDA
completar o elenco temos Priscilla Presley, a lenda George Kennedy e O. J. Simpson, antes do mediatismo em sua volta.
Frank Drebin é um polícia que investiga a tentativa de homícidio do seu colega. No entanto, para desvendar uma conspiração maquiavélica, Drebin utiliza métodos pouco vulgares.
Aonde É Que Pára a Polícia é considerado uma das melhores comédias de sempre e é um verdadeiro clássico do género. Foi um sucesso de bilheteira que deu origem a duas sequelas (uma bastante competente, a outra mais fraca) e que ajudou a que a série original fosse redescoberta. Um verdadeiro exemplo de como se deve fazer comédia nonsense, um estilo de comédia que anda hoje pelas ruas da amargura, mas que atingiu o seu potencial criativo pelas mãos dos Zucker e Abrahams neste clássico e ainda nos já referidos Aeroplano e Ultra Secreto.
Aonde É Que Pára a Polícia é a adaptação para cinema da então pouco vista série de culto Police Squad (1982), criada por David Zucker (o realizador do filme), Jerry Zucker e Jim Abrahams, equipa ZAZ que regressava agora para esta adaptação depois de já terem realizado outros clássicos da comédia: O Aeroplano (Airplane!, 1980) e Ultra Secreto (Top Secret!, 1984). O trio de argumentistas cria aqui mais uma comédia nonsense, num festival de momentos hilariantes, quase sem dar ao espectador tempo para respirar, sempre com piadas bem conseguidas e inteligentes. Leslie Nielsen regressa como Frank Drebin e facilmente se torna num dos grandes nomes da comédia americana apesar de, mais tarde acabar perdido em obras bastante inferiores. A
Definitivamente, uma das mais hilariantes comédias de sempre.
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COMING TO AMERICA
THE MEANING OF LIFE
SARA GALVÃO
PEDRO MIGUEL FERNANDES
O filme de Eddie Murphy, que todos vimos enquanto crianças, Um Príncipe em Nova Iorque, conta a história de Akeem, o príncipe de Zamunda, que vai para os Estados Unidos em busca de uma noiva inteligente e independente que goste dele por si e não pela sua coroa. Com diálogos memoráveis, interpretações fabulosas (Murphy e Hall desdobrar-se-iam numa pletora de personagens) e um enredo que seria muitas vezes repetido, mas nunca superado (vide O Ditador de Sacha Baron Cohen), Um Príncipe em Nova Iorque é uma história de Cinderela invertida onde o príncipe tem de limpar o chão para estar perto da amada. Apesar do ritmo mostrar sinais de envelhecimento precoce, o filme de John Landis continua a ser uma comédia de referência.
Ao longo da história da humanidade, muitos foram os pensadores que tentaram descodificar os mistérios da vida. Mas só um grupo de filósofos o conseguiu, num filme intitulado com grande justeza O Sentido da Vida. Último dos filmes dos Monty Python, O Sentido da Vida marcou o regresso da trupe aos sketches que os tornaram populares na televisão, depois de duas longas-metragens em que viajaram à época de Cristo ou dos cavaleiros da Távola Redonda. Ao longo de vários episódios, os comediantes traçam o percurso da vida humana através de várias etapas, desde o nascimento até à morte, sempre com um olhar mordaz e a desafiar os limites do absurdo, como sempre fizeram. Talvez por ser o último filme do grupo, o humor de O Sentido da Vida é também um dos mais negros da carreira dos Monty Python.
Título nacional: Um Príncipe em Nova Iorque (1988)
Título nacional: O Sentido da Vida (1983)
Realização: John Landis
Realização: Terry Jones
Elenco: Eddie Murphy, Arsenio Hall, Shari Headley
Elenco: John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle
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RAISING ARIZONA
THE BLUES BROTHERS
JOÃO PAULO COSTA
RUI ALVES DE SOUSA
Numa jogada de carreira que viria a tornar-se marca de autor, os irmãos Coen deram seguimento ao thriller Sangue por Sangue (1984) com a absurda comédia Arizona Junior, deixando bem claro logo no segundo trabalho que deles poderíamos esperar tudo. Com um impagável Nicolas Cage na pele de um presidiário que decide endireitar a sua vida e casar com uma guarda prisional (Holly Hunter), antes de regressar ao mundo do crime para raptar um bebé a um ricaço local, o filme possui um ritmo imparável que em muito traz à memória as pequenas animações dos Looney Tunes. Fiéis a um estilo muito próprio, os manos conseguem ser estapafúrdios e comoventes ao mesmo tempo que mantêm a sua tendência para criar obras visualmente estimulantes, recheadas de personagens carismáticas e adoráveis idiotas.
Depois de surgirem num sketch do Saturday Night Live, as personagens de John Belushi e Dan Aykroyd regressaram numa das melhores comédias anárquicas dos anos 80 e um verdadeiro OVNI do cinema americano. O Dueto da Corda é um fabuloso caos cinematográfico entre uma selecção de espantosas canções, uma série de surpreendentes actores secundários (onde se encontram algumas superestrelas como James Brown, Aretha Franklin e Ray Charles), e uma sucessão de gags que, em muitas situações, são levados ao mais hilariante dos extremos (como na inacreditável sequência da perseguição). Tudo parece resultar num desenho animado de carne e osso que se tornou no exemplo máximo do génio dos dois protagonistas e num dos títulos fundamentais de John Landis (que teve nos anos 80 a sua "época de ouro").
Título nacional: Arizona Junior (1987)
Título nacional: O Dueto da Corda (1980)
Realização: Joel Coen, Ethan Coen
Realização: John Landis
Elenco: Nicolas Cage, Holly Hunter, John Goodman
Elenco: John Belushi, Dan Aykroyd, Cab Calloway
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Aeroplano, 1980
ZAZ STYLE
SURELY YOU CAN’T BE SERIOUS! I AM SERIOUS — AND DON’T CALL ME SHIRLEY! PEDRO SOARES
Não foi há muito tempo que os filmes—sátira (ou paródia) a outros filmes não eram um sinal de má qualidade ou de cinema de gosto duvidoso, apesar da sua popularidade ter decaído nos últimos tempos — ainda no ano passado tivemos As Cinquenta Sombras de Black (a gozar com o fenómeno As Cinquenta Sombras de Gray) ou The Ridiculous 6, a gozar com... sabe Deus o quê, com a nossa cara, provavelmente.
Foi sensivelmente a partir de Ases pelos Ares 2 (Hot Shots 2), em 1993, que os filmes do ZAZ style deram uma volta e passaram a ser, sobretudo, colagens preguiçosas de paródias a cenas de filmes que estivessem na berra. Contudo, antes disso, o ZAZ style era marcado por um humor absurdo e seco, tão seco que fazia o humor britânico parecer o mais eloquente do mundo, que variava entre o meramente circunstancial, os trocadilhos fáceis e o tongue in cheek (um humor pateta para não se levar a sério, mas ligeiramente sarcástico).
O irónico disto é que os responsáveis por este flagelo — e que, directa ou indirectamente, continuam ligados à proliferação do género, especialmente com a série dos Scary Movies - Um Susto de Filme, que já vai na sequela 5... mil —, são as mesmas pessoas que, quando o começaram, foram das melhores coisas que aconteceram à comédia cinematográfica desde os Monty Python. E não, não estamos a exagerar.
À primeira vista, era um humor fácil e infantil, mas o ZAZ style fazia-o ser mais do que isso, especialmente porque o encaixava nos códigos do cinema de género, parodiando os chamados filmes sérios. É por isso que, no seu primeiro filme, Aeroplano, vão buscar vários actores com idade para ter juízo que nunca tinham feito comédia e põem-nos em situações inesperadas. Ver actores como Peter Graves ou Lloyd Bridges a fazerem piadas fáceis e parvas era duplamente engraçado.
Os irmãos David e Jerry Zucker e Jim Abrahams construíram em poucos filmes uma reputação inabalável (se bem que a sua filmografia recente tem tentado à força abalar esses alicerces) e um estilo facilmente identificável e muito próprio. Tão próprio que acabou mesmo por ser adjectivado, não com o nome deles como acontece nestes casos, mas com as iniciais dos seus nomes. Afinal de contas, é mais fácil mencionar o estilo ZAZ do que dizer algo como zuckeriano—abrahamiano.
Aliás, Leslie Nielsen acabaria por ser o actor que mais beneficiaria com esta nova carreira, estabelecendo-se como o rosto do ZAZ style, principalmente após a trilogia Aonde é que Pára a Polícia. Não é por acaso que todos os seus filmes que estrearam em Portugal nessa altura passaram a ter o título Onde pára—qualquer coisa. Exemplos: Onde Pára 101
Ultra Secreto, 1984 o Diabo? (um descendente directo do ZAZ style, a parodiar O Exorcista, com a própria Linda Blair a ser repossuída pelo demo) ou Onde é que Pára a Noiva. Ele, que fora um actor sério toda a sua vida, não tinha tido propriamente uma carreira de grande reconhecimento até à explosão de Aonde é que Pára a Polícia.
Este é um marco incontornável da comédia da sétima arte: um filmedesastre sobre aviões que satiriza os códigos do género, coloca actores sérios em papéis absurdos, abusa do slapstick e faz das piadas secas uma arte. É, por isso, um dos filmes mais citáveis de sempre — estão a ver o subtítulo no início deste texto? — e, claro, teve que ter uma sequela. Se bem que esta já não teve os manos Zucker nem Jim Abrahams a bordo e, portanto, é bem mais esquecível.
No fundo, o que o ZAZ style veio fazer foi ocupar um espaço em branco com muita inteligência. A coisa mais parecida que se fazia na altura seriam as comédias de Mel Brooks, se bem que este não era tão absurdo e tão seco quanto os restantes. Além disso, filmes como A Mais Louca Odisseia no Espaço (vénias absolutas com saída à rectaguarda) já iam beber influência às paródias de Abrahams e dos Zucker.
Em 1984 estreava Ultra Secreto (Top Secret!), aquele que é provavelmente o melhor filme do estilo ZAZ. Ultra Secreto é um filme de espiões em plena Guerra Fria com um muito jovem Val Kilmer que debutava aqui na pele de um rocker Elvis-wannabe que entra na Alemanha de Leste infiltrado. É também muito provavelmente o mais criativo e inspirado filme do trio, com uma cena incrível de trás para a frente, piadas que se desenrolam circunstancialmente em pano de fundo enquanto o filme acontece em primeiro plano e mais uma série de citações que ficam na memória — Souvenirs, novelties, party tricks. Souvenirs, novelties, party tricks.
Os irmãos David e Jerry Zucker e Jim Abrahams conheceram-se ainda crianças e cresceram juntos. Ainda na universidade, criariam o grupo de teatro Kentucky Fried Theater, que serviria de embrião para O Filme mais Maluco do Mundo, assinado por John Landis em 1977, mas escrito pelo trio: uma colecção de sketches irreverentes e, como diz o título em português... malucos. Mas o momento fulcral do ZAZ style viria a ocorrer tês anos depois com a estreia do trio na cadeira de realizadores à frente de Aeroplano.
Mas entre Aeroplano e Ultra Secreto aconteceria algo que marcaria decisivamente a carreira do ZAZ style e a memória colectiva e a cultura popular em geral. Polícias à Parte (no original Police Squad) foi uma 102
Aonde É Que Pára a Polícia, 1988 série de televisão que colocava o trio todas as semanas em frente à América. Aproveitando o sucesso estrondoso de Aeroplano, a ABC acolhia o trio com uma série policial, bem à maneira de A Balada de Hill Street, com Leslie Nielsen como protagonista na pele do inspector Frank Drebin.
nada juntos, acabando por colaborar apenas nos projectos uns dos outros, às vezes como produtores, outras como corealizadores ou coargumentistas. Como referimos, a partir de Ases pelos Ares 2 a lista de filmes começou a cair numa certa irrelevância, abusando cada vez mais das paródias directas a outros filmes, um género que acabou por fazer escola em títulos esquecíveis como O Silêncio dos Culpados, Arma Infrutífera ou os mais recentes Epic Movie e Um Desastre de Filme.
Contudo, Polícias à Parte era ainda mais seco que Aeroplano e apanhou toda a gente desprevenida. De tal forma que a série foi cancelada ao fim de seis episódios. Contudo, são seis dos melhores episódios que alguma vez já foram feitos na televisão e hoje são verdadeiras peças de culto. A série acabaria por ser reciclada e muitas das piadas não utilizadas que o trio tinha em carteira foram aproveitadas para o terceiro filme do ZAZ style: Aonde é que Pára a Polícia. Daí que o título original tenha o subtítulo From the files of Police Squad.
Destes todos, talvez o que mereça referência seja BASEketball, realizado apenas por David Zucker e com o pessoal do South Park como protagonista. Um filme de desporto que não é assim tão mau quanto pode parecer à primeira vista e que influenciou muita coisa do Will Ferrell (o que também não é propriamente um elogio, nós sabemos). Actualmente, nenhum dos três tem em carteira nenhum projecto — ou pelo menos que seja do conhecimento da praça pública —, seja como realizadores, argumentistas ou produtores. E mesmo que voltem a fazer algo, certamente não terá o impacto e a relevância daquela trilogia inicial de Aeroplano, Ultra Secreto e Aonde É Que Pára a Polícia. Mas podem continuar a fazer sequelas manhosas do Scary Movie - Um Susto de Filme que quiserem que o seu lugar no panteão cinematográfico está já mais do que garantido.
Foi a partir daqui que o estilo ZAZ se cristalizou, quando o trio ganhou autonomia para fazer o que bem entendesse e Leslie Nielsen tornou-se num dos grandes rostos da comédia dos anos 80. O filme daria azo a mais duas sequelas, sendo a última já algo fraquinha, mas nem por isso menos entretida. Depois disso, os manos Zuker e Jim Abrahams nunca mais fariam 103
DELICIOSAS ADOLESCÊNCIAS
DELICIOSAS ADOLESCÊNCIAS JOSÉ CARLOS MALTEZ
Mesmo que a adolescência fosse tema no cinema há muitas décadas (veja-se o fenómeno James Dean, nos anos 60), houve, nos anos 80, um redescobrir de uma geração, que é como quem diz, de um público, que nunca foi tão conscientemente procurado. Tal reflectiu-se não só nos géneros, mas também nos temas e mesmo actores, para os quais ter 20 anos passou a ser cartão-de-visita. Desbravando o caminho aberto na televisão pela série Happy Days (1974-1984), e no cinema pelo musical Brilhantina, os novos filmes incidiam na vida no liceu, nos primeiros namoros, nas escapadelas de casa, nas relações entre amigos e na música pop, sempre numa atitude bem-disposta e inocente, que não pretendia criar um choque de gerações, mas apenas embelezar os anos dourados da juventude. Foi o momento de ascensão de Molly Ringwald, Tom Cruise, John Cusak, Michael J. Fox, Matthew Broderick, Winona Ryder, Rob Lowe, Demi Moore e Emilio Estevez, pelas mãos de realizadores como John Hughes ou Amy Heckerling.
MENÇÕES HONROSAS
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Adeus, Amigos (Diner, Barry Levinson, 1982) Juventude Inquieta (Rumble Fish, Francis Ford Coppola, 1983) Footloose – A Música Está do teu Lado (Footloose, Herbert Ross, 1984) Antes Morto Que Vivo (Better Off Dead…, Savage Steve Holland, 1985) Lobijovem (Teen Wolf, Rod Daniel, 1985) O Primeiro Ano do Resto das Nossas Vidas (St. Elmo's Fire, Joel Schumacher, 1985) Que Loucura de Mulher (Weird Science, John Hughes, 1985) Vida de Cão (My Life as a Dog, Lasse Hallström, 1985) Heathers (Michael Lehmann, 1988) O Clube dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, Peter Weir, 1989)
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Título nacional: O Rei dos Gazeteiros Realização: John Hughes
FERRIS BUELLER'S DAY OFF
Elenco: Matthew Broderick, Alan Ruck, Mia Sara Ano: 1986
PEDRO SOARES
naquele emulador de referências pop que é a série televisiva Family Guy). É por isto que O Rei dos Gazeteiros é um filme de culto, já que acaba por apelar a vários públicos que fazem dele uma das comédias mais citadas da história das comédias.
Perante a questão "que herói do cinema gostarias de ser?" qualquer pessoa de bem responderá de pronto: "Ferris Bueller!" Não é que ninguém gostasse de ser o Indiana Jones ou o James Bond, mas todos temos noção de que nunca seremos um arqueólogo de chapéu de abas e de chicote, garimpando o santo Graal e enfrentando nazis. E nem todos ficamos bem de smoking. Ferris Bueller é, portanto, o ícone que todos gostaríamos de ter sido, pelo menos durante a nossa juventude (especialmente durante aquelas intermináveis horas de Geografia à terça de manhã), o herói über cool por onde se alinham todos os diapasões que marcam o ritmo do que é fixe e do que não é.
Mas O Rei dos Gazeteiros não é apenas humor burlesco descontrolado esticado até ao limite. Tem ainda a dimensão metafísica de quem tem algo para dizer. É certo que estávamos nos anos 80 e, aqui, por mais que o núcleo familiar esteja fragmentado, os heróis nunca abandonam a sua pose cool, ultrapassando os seus problemas com um optimismo invencível, óculos escuros e um sorriso estúpido na cara. Mas a mensagem de O Rei dos Gazeteiros é clara: a vida é curta e deves aproveitá-la antes que te escape por entre os dedos. E fá-lo de forma muito mais eficaz que o carpe diem dos chorosos e deprimidos rapazes de O Clube dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, Peter Weir, 1989). O Rei dos Gazeteiros perdura, portanto, no tempo. Aliás, é por isso que Matthew Broderick nunca conseguiu envelhecer, ficando com aquela adorável cara de bebé para sempre, já que o filme é intemporal — aconteceu o mesmo a Tom Hanks, que demorou anos a ultrapassar o trauma de Big (Penny Marshall, 1988). Só é pena é que Alan Ruck (completamente genial neste filme) nunca mais tenha feito nada de notável no cinema.
Apesar de cristalizar uma das principais características do cinema dos anos 80 — o espírito feelgood, algo ingénuo, mas altamente pegajoso ao cérebro —, O Rei dos Gazeteiros é um filme fora dos moldes. Se, na sua génese, parece apenas uma variação de uma ideia não muito original — um adolescente que magica complexas formas de se baldar às aulas com a sua namorada e o melhor amigo —, no conteúdo e na forma é um filme anárquico (onde as brincadeiras irresponsáveis dos Looney Tunes da Warner Bros. são uma referência constante), que desconstrói as regras do cinema de género, pondo o protagonista a falar directamente com a câmara (olá, Fellini!, olá, Woody Allen!), e fazendo a música a pontuar o tom e o ritmo de cada cena ou sequência.
E quando Matthew Broderick mete Chicago inteira a dançar o Twist and Shout e nós começamos a bater o pé, percebemos que estamos a sentir o mesmo que aquelas personagens. Por essa e outras razões, O Rei dos Gazeteiros é o Calvin & Hobbes do cinema.
Enquanto comédia, O Rei dos Gazeteiros funciona ainda pelo casamento entre os vários tipos de humor, um pouco à semelhança da comédia de Seinfeld. Há piadas descaradas, tongue in cheek, mas há também humor físico na tradição do antigo slapstick (o reitor-vilão Jeffrey Jones é o bastião deste exemplo, com tema da banda sonora a condizer e tudo) e um humor inteligente e subversivo, como a famosa cena no museu em que Alan Ruck tem uma epifania perante a profundidade do olhar de uma personagem de uma pintura de Georges Seurat (emulada entretanto 109
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Título nacional: Os Goonies Realização: Richard Donner
THE GOONIES
Elenco: Sean Astin, Josh Brolin, Corey Feldman Ano: 1985
ANTÓNIO ARAÚJO
Indiana Jones para uma faixa etária que era a minha. De repente, parecia que a aventura estava ao nosso alcance e que nos esperava ao virar da esquina. O poster — da autoria do mágico Drew Struzan, responsável por grande parte da estética do imaginário que gravitava a Amblin e outros sucessos da altura — prometia perigo e camaradagem, tendo-me atraído para a adaptação publicada pela Europa-América que o reproduzia na capa do livro de bolso. Não só esta foi uma das primeiras de muitas adaptações que li e reli, como a banda sonora me colocou a cantar Cyndi Lauper. Mas isto apenas começa por explicar a minha defesa do filme de Richard Donner escrito por Chris Columbus a partir de uma história de Steven Spielberg.
Os Goonies é um daqueles títulos aparentemente intocáveis da infância para quem cresceu na década de oitenta que, com o passar do tempo, ganhou uma má reputação. Como é que isto aconteceu? Será que apenas faz sentido na memória enamorada do olhar nostálgico de alguns ou resistirá ao visionamento fora do contexto do ano em que foi produzido? Os “Goonies” são um grupo de amigos constituído por Mikey (Sean Astin muito antes das aventuras pela Terra Média), o inventor “Data” (Ke Huy Quan recuperado da segunda aventura do famoso arqueólogo aventureiro), o fala-barato “Mouth” (Corey Feldman, quando ainda estava na moda ser um dos dois Coreys) e o desastrado “Chunk” (Jeff Cohen, nos dias de hoje um advogado longe dos holofotes da indústria cinematográfica). Perante a iminente execução da hipoteca das suas casas por yuppies vilões típicos dos anos oitenta com pretensões de construir um campo de golfe, o grupo de amigos descobre um mapa do tesouro do pirata "One-Eyed" Willy no sótão de Mikey. Decididos a viver uma última aventura, os “Goonies” partem ao encalço das riquezas prometidas pelo mapa, arrastando consigo Brandon, o irmão mais velho de Mikey (Josh Brolin, actual superestrela depois de alguns anos de travessia pelo deserto), Andy, a rapariga popular por quem Brandon tem uma paixoneta, interpretada por Keri Green, e Stef, a despachada amiga de Andy encarnada por Martha Plimpton. Rapidamente, metemse em apuros quando se cruzam com um gangue criminoso familiar encabeçado pela “Mama” Fratelli, Anne Ramsay, muito pouco maternal com os seus filhos Francis e Jake, os hilariantes Joe Pantoliano e Robert David, bem como “Sloth” Fratelli, um homem deformado que, apesar de gentil, é mantido acorrentado pela família.
A verdade é que Os Goonies não resiste a um escrutínio adulto, mas também não é suposto. Este é um filme intemporal e universal. Porque não é sobre yuppies, campos de golfe ou a luta de classes que propõe como macguffin. E não é sobre a verosimilhança das armadilhas ou da existência de um galeão pirata por descobrir numa caverna perto da praia. Este é um filme sobre amizade, camaradagem e a coragem de se lutar pelos sonhos. É um genuíno filme de aventura, não para enfrentar piratas, mas para enfrentar a realidade por vezes cinzenta do dia-a-dia. É um filme sobre tolerância e inclusão. Talvez o truque seja manter uma centelha infantil acesa dentro de nós, mas é impossível resistir à dinâmica entre as personagens e aos seus crescimentos pessoais. E, apesar da superficialidade do tratamento de “Sloth”, é impossível ficar indiferente à amizade que este desenvolve com “Chunk” e que dá origem a alguns dos momentos mais memoráveis do filme: “Hey you guys!” Quem nunca viu Os Goonies em criança corre o risco de não encontrar aqui o filme da sua vida. Mas mostrem-no aos vossos filhos e prometovos: não só se vão divertir, assustar e delirar com as aventuras do grupo de amigos aventureiros, como poderão encontrar aqui o filme da vida deles.
Tenho de ser sincero. Esta minha tentativa de recontextualizar analiticamente Os Goonies é uma tarefa viciada à partida. Quando vi o filme originalmente, senti que traduzia a excitação e o fascínio de 111
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Título nacional: O Clube Realização: John Hughes Elenco: Emilio Estevez, Anthony Michael Hall, Judd Nelson, Molly Ringwald e Ally Sheedy
THE BREAKFAST CLUB
Ano: 1985
JOÃO BIZARRO
Um dos filmes da minha adolescência, a par de Os Marginais e Rumble Fish, ambos de Francis Coppola, sobre uma certa juventude rebelde.
de Julho de 1982), numa altura em que Hughes tinha 32 anos, tendo as dores e virtudes da adolescência ainda bem presentes.
Um grupo de cinco alunos, três rapazes e duas raparigas, aparentemente sem nada em comum a não ser estudarem na mesma escola, e aí terem cometido pequenos delitos, têm como castigo passar um sábado na biblioteca escolar a redigir uma redacção sobre o que acham de si mesmos. Quando entraram, não tinham nada a dizer uns aos outros, mas quando saíram no final do dia já partilhavam segredos e tinham-se tornado grandes amigos e até mais que isso.
O elenco era composto por jovens actores muito famosos naqueles anos 80. Emilio Estevez, que nesta altura era mais conhecido que o irmão Charlie Sheen por causa de filmes como Os Marginais (Outsiders, 1983), de Francis Ford Coppola; Anthony Michael Hall, popularizado em filmes para adolescentes, tais como 16 Primaveras (Sixteen Candles, 1984), Que Loucura de Mulher (Weird Science, 1985), Eduardo Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, Tim Burton, 1990); Judd Nelson, com O Primeiro Ano do Resto das Nossas Vidas (St. Elmo’s Fire, 1985); Molly Ringwald, conhecida por 16 Primaveras (Sixteen Candles, 1984), A Rapariga do Vestido Cor-de-Rosa (Pretty in Pink, 1986), de Howard Deutch; e Ally Sheedy a destacar-se em Jogos de Guerra (War Games, 1983), de John Badham, ao lado de Matthew Broderick.
John Hughes realizou apenas oitos filmes ao longo da sua carreira. A maior parte desses filmes foi produzida nos anos 80 — apenas um seria realizado já na década de 90, A Pequena Endiabrada (Curly Sue, 1991) — e eram, essencialmente, de, e para, adolescentes. 16 Primaveras (Sixteen Candles, 1984), O Clube (1985), Que Loucura de Mulher (Weird Science, 1986), O Rei dos Gazeteiros (Ferris Bueller’s Day Off, 1986) são os mais conhecidos. Mas seria como argumentista e produtor que John Hughes teria maior reconhecimento. O seu nome está ligado a filmes como A Garota do Vestido Cor-de-Rosa (Pretty in Pink, 1986), Sozinho em Casa (Home Alone, 1990), Milagre em Manhattan (Miracle on 34th Street, 1994) ou Encontro em Manhattan (Maid in Manhattan, 2002), este último usando o pseudónimo Edmond Dantés, uma homenagem à personagem principal de O Conde Monte Cristo.
Devido ao tema que aborda e ao elevado nível dos diálogos, O Clube é um dos filmes que sobrevive à passagem do tempo e já é considerado um clássico, devendo ser de visionamento obrigatório por todos aqueles que gostam de cinema. A banda sonora também haveria de ficar na história, essencialmente devido ao tema dos Simple Minds, Don’t You (Forget About Me). O tema foi escrito de propósito para o filme por Keith Forsey. Foi recusado por músicos como Billy Idol, Bryan Ferry ou The Pretenders, cuja líder, Chrissie Hynde acabou por sugerir que o tema fosse oferecido aos Simple Minds, a banda de Jim Kerr, seu marido na altura.
De todos os filmes que John Hughes realizou, escreveu ou produziu, O Clube é, de longe, o melhor. Pelo tema que aborda e também porque marca uma geração que era adolescente na altura em que o filme foi exibido e tinha a mesma idade dos protagonistas, partilhava as mesmas dúvidas, as mesmas crises existenciais, os mesmos medos, a mesma rebeldia. O argumento do filme foi escrito em apenas dois (2) dias (4 e 5 113
Título nacional: Momento da Verdade Realização: John G. Avildsen
THE KARATE KID
Elenco: Ralph Macchio, Pat Morita, Elizabeth Shue Ano: 1984
HÉLDER ALMEIDA
tornou bastante popular e imitado, naquele que é um dos clímax mais emocionantes dentro do género.
Daniel é um jovem que se vê forçado a conhecer novos amigos depois de mudar de casa. No entanto, tal adaptação não lhe é fácil quando começa a ser alvo de violência por parte de um grupo que estuda na mais conhecida escola de artes marciais da zona. Quando o seu vizinho, o velho Miyagi, se apercebe da situação, acaba por ajudar Daniel a conhecer a arte do Karate e a enfrentar os seus medos.
Divertido, emocionante e com as doses certas de acção, Momento da Verdade acaba por ser um feel good movie sobre rituais de juventude e, como tal, é um dos melhores do género. O seu enorme sucesso deu origem a duas sequelas (todas realizadas por Avildsen), um spinoff (com Morita a ensinar uma jovem Hillary Swank) e a um muito bem-sucedido remake protagonizado por Jaden Smith e Jackie Chan. No entanto, foi aqui que começou, com este clássico que se tornou num dos filmes mais referenciados e influentes desde a sua estreia.
Realizado por John G. Avildsen, o realizador de Rocky (1976), Momento da Verdade é um drama de artes marciais que se tornou numa das referências do género. Avildsen cria uma espécie de Rocky das artes marciais, num filme memorável e bastante competente. Ralph Macchio e Pat Morita são a dupla de protagonistas e fazem um par de aluno e professor cuja cumplicidade ficaria para a história do cinema, numa obra que marcou a década de 80, tanto pela sua química como pelas sequências de treino. Como é claro, também o combate final se
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Título nacional: Conta Comigo Realização: Rob Reiner
STAND BY ME
Elenco: Wil Wheaton, River Phoenix, Corey Feldman Ano: 1986
PEDRO MIGUEL FERNANDES
tempo que o grupo se torna um pouco mais velho com as experiências desses dois dias fora de casa. Tempo de sobra que dá para terem tanto discussões filosóficas como conversas mais prosaicas, seja o que irão fazer em adultos ou o que gostariam de comer para sempre se tivessem de escolher apenas um alimento. Bem ao estilo de vários filmes da década de 80 protagonizados por jovens, Conta Comigo é um filme nostálgico — a banda sonora, ao som de temas rock ’n roll de época, é perfeita para transmitir esse recuo temporal. Menos não seria de esperar vindo de Rob Reiner, um realizador que já tinha no currículo o falso documentário This is Spinal Tap em torno de uma fictícia banda de hard rock, autêntico gozo em torno das bandas dos anos 1970.
Stephen King é mais conhecido pelas suas obras no campo do terror e do sobrenatural, algumas das quais deram origem a filmes que se tornaram clássicos do género, como Shining, de Stanley Kubrick, ou Christine, o Carro Assassino, de John Carpenter, para apenas citar dois exemplos. Conta Comigo parte de uma novela autobiográfica do mesmo autor, mas está longe do universo sobrenatural que lhe deu fama, apesar de ser um filme onde a morte está bastante presente. É a partir da morte de um amigo que o narrador conta a história de um grupo de miúdos de 12 anos de uma pequena cidade no final da década de 1950 que parte à aventura para ver o cadáver de um jovem que apareceu nas redondezas da pequena cidade onde vivem. A aventura para verem algo que nunca viram, ao mesmo tempo fascinante e aterrorizadora, torna-se num belíssimo filme sobre o crescimento e a perda de uma certa inocência da infância que desaparece ao mesmo
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SAY ANYTHING...
RISKY BUSINESS
CÁTIA ALEXANDRE
PEDRO SOARES
Mas o que é que faz com que Say Anything... seja diferente de todos os outros teenage movies!? A sua sinceridade. É com este filme que Cameron Crowe começa a sua carreira e ganha de imediato credibilidade pela simplicidade e veracidade com que escreve esta história entre adolescentes, considerada uma das melhores de sempre. Com as doses certas de humor, drama e romance, nunca cai na tentação de ser muito piroso, optando por escolhas inteligentes e honestas fugindo dos habituais clichés. John Cusack faz com que realmente sintamos a sua dor e frustração e a sua química com Ione Skye é simplesmente perfeita. Fiel a si mesmo, dispensa grandes artifícios e é óptimo sentir que no final nos deixou emocionados de alguma maneira.
Negócio Arriscado é o primo envergonhado de O Rei dos Gazeteiros, a história de um adolescente com medo de arriscar. Quando fica sozinho em casa uma semana, Tom Cruise vê a oportunidade para apostar tudo no vermelho. Mas claro que a vida obedece às leis de Murphy e, se algo pode correr mal, irá correr. Apesar da rebeldia da história, o filme é demasiado conservador e nunca levanta verdadeiramente voo, apesar de, nalguns momentos, passar a impressão de que realmente o vai fazer. Os principais culpados são, sobretudo, os Tangerine Dream que assinam a banda-sonora desta alegoria feroz à década de 80. Para a memória ficaria a cena totalmente improvisada de Tom Cruise a dançar um tema de Bob Seger que o catapultaria para a ribalta, transformando-o no actor mais apetecível do momento.
Título nacional: Não Digas Nada (1989)
Título nacional: Negócio Arriscado (1983)
Realização: Cameron Crowe
Realização: Paul Brickman
Elenco: John Cusack, Ione Skye, John Mahoney
Elenco: Tom Cruise, Rebecca De Mornay, Joe Pantoliano
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PRETTY IN PINK
FAST TIMES AT RIDGEMONT HIGH
JOSÉ CARLOS MALTEZ
HÉLDER ALMEIDA
Poucos filmes simbolizam os anos 80 como esta obra de Howard Deutch. Com argumento do "especialista" John Hughes, e alicerçado na personalidade cativante da jovem Molly Ringwald, que vinha encapsulando a sua geração noutros coming-of-age de Hughes como 16 Primaveras (Sixteen Candles, 1984) e O Clube (The Breakfast Club, 1985), A Garota do Vestido Cor-de-Rosa não ia tão longe na densidade psicológica, apostando numa componente estética que, das roupas e comportamentos dos adolescentes até à banda sonora (Echo And The Bunnymen, OMD, The Smiths, INXS, The Psychadelic Furs), era um espelho das idiossincrasias de uma década numa história de um patinho feio que quer ser reconhecida no baile da escola, com interpretações das estrelas em ascensão Andrew McCarthy, Jon Cryer e James Spader.
Estamos em 1982. Amy Heckerling faz a sua estreia na realização com este Viver Depressa, comédia adolescente com temáticas adultas, muito devido ao argumento de um jovem Cameron Crowe, que se infiltrou numa universidade para buscar inspiração para a sua escrita. Seguimos o último ano de faculdade de dois finalistas e as suas interacções com amigos e outras personagens peculiares. Viver Depressa tornou-se num dos mais adorados filmes dos anos 80 e uma das comédias para adolescentes mais influentes de sempre, abrindo as portas a John Hughes e a muitas comédias do género, tão popular nesta década. O filme ajudou ainda a lançar vários nomes: Jennifer Jason Leigh, Sean Penn, Nicolas Cage, Judge Reinhold, Phoebe Cates (numa das mais icónicas cenas dos anos 80), Forest Whitaker, entre outros.
Título nacional: A Garota do Vestido Cor-de-Rosa (1986)
Título nacional: Viver Depressa (1982)
Realização: Howard Deutch
Realização: Amy Heckerling
Elenco: Molly Ringwald, Andrew McCarthy, Jon Cryer, Harry Dean Stanton, James Spader
Elenco: Jennifer Jason Leigh, Sean Penn, Phoebe Cates
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ROMANCE
ROMANCE SARA GALVÃO
Após a revolução sexual, o romance no cinema durante os anos 80 tornou-se mais físico, mais intenso e mais realista. Do erotismo de A Insustentável Leveza do Ser ao magnetismo animal de Dança Comigo, do paraíso reencontrado de A Lagoa Azul ao pragmatismo de Uma Mulher de Sucesso, os filmes românticos dos anos 80 são feito de sentimentos profundos e avassaladores, de caixão à cova, quer num crescendo gradual como em Um Amor Inevitável/When Harry Met Sally, quer em modo apocalíptico como em A Guerra das Rosas.
MENÇÕES HONROSAS
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De sereias (Splash) a membros da Marinha (Oficial e Cavalheiro), passando por noivas inglesas respeitáveis (Quarto com Vista sobre a Cidade) e aventuras na Colômbia (Em Busca da Esmeralda Perdida), os anos 80 estão aqui para amar, amar perdidamente.
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Um Amor Infinito (Endless Love, Franco Zeffirelli, 1981) Quarto com Vista sobre a Cidade (A Room with a View, James Ivory, 1985) A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, Woody Allen, 1985) Filhos de Um Deus Menor (Children of a Lesser God, Randa Haines, 1986) Lembras-te da Última Noite? (About Last Night, Edward Zwick, 1986) Peggy Sue Casou-se (Peggy Sue Got Married, Francis Ford Coppola, 1986) Manequim (Mannequin, Michael Gottlieb, 1987) O Feitiço da Lua (Moonstruck, Norman Jewison, 1987) Pela Borda Fora (Overboard, Garry Marshall, 1987) A Princesa Prometida (The Princess Bride, Rob Reiner, 1987) Roxanne (Fred Schepisi, 1987) Uma Mulher de Sucesso (Working Girl, Mike Nichols, 1988)
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Título nacional: Um Amor Inevitável Realização: Rob Reiner
WHEN HARRY MET SALLY…
Elenco: Billy Crystal, Meg Ryan, Carrie Fisher Ano: 1989
ANTÓNIO ARAÚJO
Os diálogos entre Harry e Sally — e entre estes e os respectivos melhores amigos — são a mais valia deste filme que nos proporciona alguns momentos icónicos e intemporais. Além da questão "Podem os homens e mulheres ser apenas amigos?", outras ideias universais sobre relações são discutidas como: o conceito de namoros de alta-manutenção; relações de transição; ou o protocolo de comportamento para o dia posterior a uma noite de sexo. Mas o momento mais popular e lembrado deste filme é mesmo a conversa em público sobre a simulação de orgasmos femininos que leva à inesquecível performance de Meg Ryan numa demonstração cabal da possibilidade de Harry, ao contrário da sua convicção, nem sempre ter sido bem-sucedido no seu desempenho sexual.
Um Amor Inevitável pode aparentar ser apenas mais uma das muitas comédias românticas padronizadas que Hollywood produz anualmente. Mas um olhar mais cuidado revela-nos uma pérola escrita por Norah Ephron baseada livremente numa compilação de experiências da própria e do realizador Rob Reiner. Esta é a comédia romântica original em que todos os sucedâneos modernos se inspiraram. É um filme adulto, recheado de humor verdadeiro e personagens de carne e osso, que definiu o padrão do que seriam as comédias românticas — boas e más — a partir de então. Harry, interpretado por Billy Crystal, e Sally, a luminosa Meg Ryan num dos seus mais populares papéis, conhecem-se quando viajam juntos de Chicago até Nova Iorque acabados de sair da universidade. Ao princípio, as suas personalidades entram em choque e, durante mais de uma década, encontram-se esporadicamente e casualmente na cidade onde ambos habitam. Após experiências amorosas falhadas acabam por encontrar conforto numa inesperada amizade que, entretanto, desenvolvem.
Vale a pena referir o dispositivo formal em que o filme é enquadrado, com entrevistas reais a casais maduros que falam sobre as suas experiências pessoais onde recordam as circunstâncias dos seus primeiros encontros. É uma visão optimista e universal que mostra diferentes histórias de amor duradouras onde cada casal tem a sua própria versão do encontro perfeito, ao invés de um qualquer conto de fadas normalizado. Cada experiência pessoal é uma história que vale a pena contar e cada um de nós pode ter o "seu" romance perfeito.
Um Amor Inevitável beneficia do olhar maduro dos seus autores que, através de uma série de elipses temporais, reúnem as personagens em diferentes fases das suas vidas; momentos em que revelam diferentes experiências e relacionamentos, até ao momento em que a impetuosidade da juventude foi substituída por uma tranquilidade e melancolia que lhes permite a aproximação sem a tensão dos encontros iniciais. Sally, a romântica e idealista dos dois, apostou numa relação com expectativas trocadas e Harry, o cínico e pessimista, foi abandonado por uma mulher que amava. Contrariando a sua convicção de que um homem e uma mulher não podem ser amigos, encontra em Sally uma alma gémea com quem sente uma proximidade diferente daquela que sente com os amigos homens. Mas, o que poderá significar esse sentimento?
A completar a experiência, Um Amor Inevitável tem uma banda sonora recheada de clássicos e standards de jazz por artistas tão variados como Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Ray Charles ou Frank Sinatra. Harry Connick, Jr., estrela em ascensão na altura, interpreta uma selecção destas músicas na edição oficial da banda sonora. Este é um óptimo álbum de entrada para jazz vocal tal como Um Amor Inevitável é um cartão de visita de luxo para o género de comédia romântica que ajudou a definir. Se tiverem algum tipo de preconceito ponham-no de lado e desfrutem deste verdadeiro clássico moderno. 123
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Título nacional: Em Busca da Esmeralda Perdida Realização: Robert Zemeckis Elenco: Michael Douglas, Kathleen Turner, Danny DeVito
ROMANCING THE STONE
Ano: 1984
PEDRO SOARES
Errol Flynn?) e abusando da química da comédia screwball, como se tivesse sido escrito por Billy Wilder. Ou seja, enquanto se aventuram por cenários exóticos, Turner e Douglas começam por se odiar de morte, até destilar tudo isso em amor.
Depois de Steven Spielberg ter redefinido o filme de aventuras com o arqueólogo mais famoso da sétima arte (olá Os Salteadores da Arca Perdida), Robert Zemeckis quis também deixar a sua marca. Em Busca da Esmeralda Perdida deu então início a uma curta franchise em que, comparado com Indiana Jones, Zemeckis deu mais foco à parte do romance do que à da aventura, a qual é sempre mais baça nos filmes de Spielberg.
O argumento de Em Busca da Esmeralda Perdida foi escrito por uma empregada de mesa de Malibu chamada Diane Thomas, de quem se sabe muito pouco além disso. E que faleceria pouco tempo depois da estreia do filme num acidente de viação, fazendo deste o seu único (e inesperado) trabalho cinematográfico. O argumento andaria em Hollywood durante cinco anos até chegar às mãos de Robert Zemeckis, que o tornaria no filme mais rentável da Twentieth Century-Fox desse ano, contra todas as previsões, incluindo as mais optimistas. Mas percebe-se bem porquê. Em Busca da Esmeralda Perdida é o típico 80's flick, com penteados e banda-sonora a condizer, onde o entretenimento é sempre em função do argumento e não o contrário.
Joan Wilder (Kathleen Turner) é uma famosa escritora de romances femininos, daqueles onde heróis de capa e espada montados num cavalo branco salvam as donzelas em apuros para viverem felizes para todo o sempre. Ela própria é o reflexo das suas histórias: uma romântica incurável que vive sozinha com um gato à espera da chegada do príncipe encantado. Até que, inesperadamente — e a um passo de se tornar numa crazy cat lady —, vai viver uma dessas aventuras na Colômbia, onde a sua irmã foi raptada e onde vai ter a ajuda do aventureiro Jack Colton (Michael Douglas, mas que poderia ter sido Sylvester Stalllone, o primeiro nome ventilado para o papel).
Era então exigida uma sequela, que surgiria logo no ano seguinte. O seu sucessor, A Jóia do Nilo (The Jewel of the Nile, Lewis Teague, 1985) reunia então os heróis, agora já como casal, repescava Danny DeVito e dava-lhe mais tempo de antena (e todo o comic refief) e até tinha uma theme song a condizer, cortesia de Billy Ocean. Desta vez os cenários exóticos dos romances de Kathleen Turner eram trocados pelo bem real deserto do Médio Oriente, mas apesar do sucesso da bilheteira do filme, a crítica não saiu propriamente convencida. Eram demasiadas pontas soltas no argumento e pouca química entre o par de protagonistas. E, com isso, o entusiasmo à volta da série arrefeceria e a ideia da trilogia ficaria fechada para sempre na gaveta. É a diferença entre ter Robert Zemeckis na cadeira de realizador e um tarefeiro mais ou menos anónimo, como é Lewis Teague.
Há também uma relíquia enterrada e um mapa do tesouro, o que faz de Em Busca da Esmeralda Perdida uma espécie de Os Goonies (The Goonies, Richard Donner, 1985) para crescidos. Uma aventura para todos aqueles jovens de coração que sempre acreditaram em tesouros escondidos assinalados por um X em mapas desenhados por piratas de pala no olho e papagaio ao ombro. Aqui com o extra de ter o amor à espera no final, sob a forma de um rapagão com tudo no sítio e um chapéu de abas, leia-se Michael Douglas, então em pose de Errol Flynn. Zemeckis fá-lo com esse entusiasmo adolescente que marcou o seu melhor cinema, mas que se tem desvanecido na sua obra recente, repescando as matinés domingueiras de heróis de capa e espada que no final sacavam sempre a mocinha (alguém mencionou novamente 125
Título nacional: Dança Comigo Realização: Emile Ardolino
DIRTY DANCING
Elenco: Patrick Swayze, Jennifer Grey, Jerry Orbach Ano: 1987
DIANA MARTINS
(funcionários e hóspedes não se misturam). Baby e Johnny começam a dançar juntos e a sua química é notada por todos. Contudo, quando Penny Johnson (Cynthia Rhodes), a companheira de dança de Johnny fica grávida, é o momento em que Baby tem de assumir publicamente perante os seus pais esta relação, o que choca os seus pais.
Dança Comigo é daqueles filmes de good feeling, intemporal, quase clássico, mas que nos faz sorrir. O filme, que se passa em 1963, conta-nos a história de Frances Houseman (Jennifer Grey) de 17 anos, a Baby, que está a passar férias com os seus pais (Kelly Bishop e Jerry Orbach) e irmã Lisa (Jane Brucker) num entediante resort para casais de meia idade e famílias conservadoras. Baby é uma jovem idealista que está a aproveitar o último verão antes de aderir ao Corpo de Paz e que, ao contrário da sua irmã, a típica adolescente, leva a sério a vida.
É nesta trama de classes e amores proibidos que todo o filme se desenrola, numa história de amor bem conseguida, com sensuais cenas de dança e paixão. Destaque ainda para a famosa música que encerra o filme, (I’ve Had) The Time of My Life, num encore que nos mostra que há histórias felizes. Nem que seja numa tarde de sábado à tarde.
Numa noite, Baby conhece Johnny (Patrick Swayze), dançarino e funcionário do hotel, que faz parte do staff de animação e que despoleta logo a sua atenção. Num misto de curiosidade e tentação por este novo mundo, Baby deixa-se envolver neste ambiente de festa proibido
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Título nacional: Ligações Perigosas Realização: Stephen Frears
DANGEROUS LIAISONS
Elenco: Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer Ano: 1988
JOÃO BIZARRO
Partindo do romance de Choderlos de Laclos, Christopher Hampton adapta a sua própria peça ao cinema. Uma das várias adaptações do romance que teria logo outra, no ano seguinte. Valmont, de Milos Forman, não teria o sucesso que este Ligações Perigosas teve e que incluíram sete nomeações ao Oscar, das quais arrecadaria três: Argumento Adaptado, Melhor Direcção Artística e Melhor Guarda-Roupa.
Terra Sangrenta (1984), Império do Sol (1987); e Michelle Pfeiffer com Scarface (1983), A Mulher Falcão (1985) ou Pela Noite Dentro (1985) —, a jovem Uma Thurman dava-se a conhecer ao mundo com este filme, tendo anteriormente participado em três filmes, incluindo A Fantástica Aventura do Barão (Terry Gilliam, 1988), mas seria aqui que teria maior visibilidade.
A Marquesa de Merteuil (Glenn Close) e o Visconde de Valmont (John Malkovich) fazem uma aposta que irá afectar a vida de várias pessoas e os seus jogos de sedução fogem do controlo, sendo os resultados mais trágicos do que podíamos imaginar.
O filme também marcaria a estreia do britânico Stephen Frears no cinema americano, ele que viria a ter algum sucesso nas terras de Hollywood com filmes como Anatomia do Golpe (The Griffters, 1990), Alta Fidelidade (High FIdelity, 2000) ou A Rainha (The Queen, 2006), tendo já duas nomeações para Melhor Realizador, precisamente por dois desses filmes que citei.
Se a maior parte dos actores principais já era conhecida por esta altura — Glenn Close em Os Amigos de Alex (1983), O Fio do Suspeito (1985), Atracção Fatal (1987); John Malkovich em Um Lugar no Coração (1984),
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AN OFFICER AND A GENTLEMAN
THE UNBEARABLE LIGHTNESS OF BEING
SARA GALVÃO
PEDRO MIGUEL FERNANDES
Há 30 e poucos anos, quando Richard Gere era um sex symbol, alguém, algures, resolveu explorar a fixação feminina em uniformes e criar Oficial e Cavalheiro, a história de um garboso Zack Mayo (Gere) que, sem família, decide juntar-se à Marinha para se tornar piloto (??) e, durante os seus intensos meses de treino, conhece uma rapariga muito moderna, Paula (Debra Winger), que o ajuda a entreter-se nas horas livres com actividades adultas. Ambos os pombinhos estão a tentar ultrapassar os traumas familiares respectivos, tentando não cair nos mesmos erros que os progenitores. Pelo meio, aquela música do Joe Coker e da Jennifer Warnes, “Up Where We Belong”, momentos românticos bastante modernaços, e aquele final que faz a maioria da população mundial suspirar.
A produção é americana, mas o filme quase podia ser europeu, tal é a quantidade de nomes do Velho Continente presentes na ficha técnica de A Insustentável Leveza do Ser. A partir do romance homónimo de Milan Kundera, do qual foram retiradas as divagações mais filosóficas (terá sido o escritor a sugerir esse despojamento), Kaufman retrata a história de um triângulo amoroso no Centro da Europa, tendo como pano de fundo a Primavera de Praga e a invasão da capital checa pelos tanques soviéticos em 1968 (cuja recriação, misturando imagens de época a preto e branco com imagens dos actores do filme a cores filmadas em 16 mm, é um dos pontos altos). O lado político está presente, mas é na forma de ver o mundo de cada um dos vértices do triângulo que se centra A Insustentável Leveza do Ser.
Título nacional: Oficial e Cavalheiro (1982)
Título nacional: A Insustentável Leveza do Ser (1988)
Realização: Taylor Hackford
Realização: Philip Kaufman
Elenco: Richard Gere, Debra Winger, David Keith
Elenco: Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche, Lena Olin
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THE WAR OF THE ROSES
COCKTAIL
JOSÉ CARLOS MALTEZ
DIANA MARTINS
No final da década de 80, a dupla Michael Douglas/Elizabeth Turner, secundada por Danny DeVito, tornara-se quase uma instituição. Foi mesmo com realização do terceiro que surgiu A Guerra das Rosas, graças à popularidade granjeada com os clássicos de aventuras Em Busca da Esmeralda Perdida (1984) e A Jóia do Nilo (1985). Só que agora, querendo dar a volta ao texto, o trio sugeria-nos uma espécie de comédia romântica às avessas. Isto é, a história de um casal onde tudo vai acabar mal. Assente no carisma dos actores, A Guerra das Rosas é um escalar tão cómico quanto absurdo das violências inerentes a um divórcio passional. Misto de comédia screwball e thriller, o filme é quase uma metáfora sobre as agruras de um divórcio, aqui envoltas numa tragédia anunciada de tom tão negro quanto humorístico.
Tendo ganho o Razzie de pior filme e argumento em 1989 e, claro, não deixando de ser totalmente um filme de sábado à tarde, a verdade é que Cocktail deixa-nos sempre com um sorriso na cara. Brian Flanagan (Tom Cruise) vai para Nova Iorque, após sair do exército, procurando uma carreira de sucesso. Não tendo classificações específicas, vê-se obrigado a trabalhar como barman enquanto estuda para conseguir concorrer às empresas de Wall Street. Conhece, então, Jordan Mooney (Elisabeth Shue), pela qual se apaixona, tornando as coisas não tão claras e objetivas. É um filme que se vê de ânimo leve, mas que contém uma reflexão sobre poder, dinheiro e sucesso nos EUA e uma reflexão mais lata sobre o que é realmente importante na vida.
Título nacional: A Guerra das Rosas (1989)
Título nacional: Cocktail (1988)
Realização: Danny DeVito
Realização: Roger Donaldson
Elenco: Elizabeth Turner, Michael Douglas, Danny DeVito
Elenco: Tom Cruise, Bryan Brown, Elisabeth Shue
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FORA DE CIRCUITO
FORA DE CIRCUITO SARA GALVÃO
Apesar de serem sobretudo conhecidos pelos seus blockbusters, sequelas e franchises, os anos 80 também nos deram bastante em termos de cinema independente. De obras que misturam o experimental com o narrativo, como Koyaanisqatsi e Veludo Azul, a explorações de temas controversos, como Henry: A Sombra de um Assassino, ou à extensão dos limites do visceral e horror no grande ecrã, como Experiência Alucinante e Holocausto Canibal. Autores que se tornariam de culto dar-nos-iam obras emocionalmente chocantes, como Alan Clarke e Elefante, ou Michael Haneke e O Sétimo Continente, enquanto que realizadores normalmente associados com o cinema comercial, como Friedkin, embarcariam em ambientes tabu, como A Caça. De Não Matarás de Kieslowski a O Homem Elefante de Lynch vai toda uma pletora de filmes que garantiu que os anos 80, ajudados pelo movimento dos videoclubes, dariam bons títulos ao cinema alternativo e de culto.
MENÇÕES HONROSAS
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A Caça (Cruising, William Friedkin, 1980) Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, Ruggero Deodato, 1980) Momento Inesquecível (Local Hero, Bill Forsyth, 1983) O Clandestino (Repo Man, Alex Cox, 1984) Para Além do Paraíso (Stranger than Paradise, Jim Jarmusch, 1984) Os Bons Amantes (She’s Gotta Have It, Spike Lee, 1986) Elefante (Elephant, Alan Clarke, 1987) Troma’s War (Michael Herz & Lloyd Kaufman, 1988) Irmãos Inseparáveis (Dead Ringers, David Cronenberg, 1988) Não Matarás (A Short Film about Killing, Krzysztof Kieslowski, 1988) O Sétimo Continente (The Seventh Continent, Michael Haneke, 1989)
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Título nacional: Veludo Azul Realização: David Lynch
BLUE VELVET
Elenco: Kyle MacLachlan, Isabella Rossellini; Dennis Hopper Ano: 1986
HÉLDER ALMEIDA
preparação para o que viria uns anos depois: a série de culto Twin Peaks, que apresenta várias semelhanças com este seu filme.
Ao regressar à sua terra-natal, o jovem e quase inocente Jeffrey faz uma descoberta macabra: uma orelha cortada no meio da relva. Quando a polícia não consegue chegar à conclusão de quem pertence tal orelha, Jeffrey decide criar a sua própria investigação de forma a descobrir o que originou tal descoberta. A sua busca, auxiliada pela sua amiga e filha do detective que lidera a investigação policial, leva-o aos recantos mais negros da aparentemente idílica e perfeita pequena cidade.
Veludo Azul é um objecto único dentro do cinema americano e um dos melhores trabalhos de David Lynch, sendo um exemplo perfeito do seu estilo cinematográfico, tanto a nível narrativo como a nível visual e temático, com mais um excelente trabalho de Lynch no argumento e na realização, com a desconstrução do sonho americano numa viagem arrepiante e bizarra onde o espectador é guiado pela inocência e normalidade de Jeffrey. Apesar de ter dividido a crítica quando estreou em 1986, Lynch conseguiu a sua segunda nomeação ao Óscar de Melhor Realizador e o filme tem sido redescoberto com o passar dos anos, tendo alcançado um grande estatuto de culto, ao ponto de ser, hoje em dia, considerado por muitos como a obra-prima de Lynch. De qualquer das formas, para trás fica um trabalho soberbo, um thriller bem construído e estranho quanto baste onde a linha entre a realidade e o sonho é bastante ténue, numa obra que marca ainda a estreia de Laura Dern no cinema e que nos apresenta um brilhante Dennis Hopper, aqui redescoberto após passar uns anos envolvido em projectos menos conhecidos e de pobre qualidade. E assim, com todos estes elementos, Lynch criou um neo-noir com tudo aquilo que faz parte do seu cinema, com vários momentos memoráveis (o grande Baby Wants to fuck de Hopper rouba todas as atenções) e conseguiu ainda criar dos melhores filmes estreados nos anos 80 e um verdadeiro clássico americano e do cinema em geral.
Veludo Azul é a quarta longa-metragem de David Lynch e o seu primeiro projecto depois do falhado Duna, a sua obra de ficção científica que se tornou num desastre criativo e comercial. Agora novamente afastado das grandes produções, Lynch regressa a uma obra de orçamento mais pequeno e onde tem controlo total a nível de argumento e de realização. Lynch traz-nos aqui um neo-noir onde destrói o suposto sonho americano e a ideia da perfeita vida dos subúrbios americanos, num thriller inteligente e algo psicadélico onde coloca o espectador a deambular entre o real e o sonho, temáticas bastante recorrentes na sua filmografia. Tudo isto é colocado num conto erótico com um mistério macabro a servir de mote à narrativa, com as típicas personagens bizarras e o humor único e negro de Lynch, sempre ao som da fabulosa banda-sonora do parceiro do crime do realizador: Angelo Badalamenti. Kyle MacLachlan, uma presença assídua nos filmes do cineasta, é o protagonista de serviço, como o inocente e curioso Jeffrey, que embarca numa viajem erótica enquanto descobre o amor por uma cantora nocturna, “objecto” de um criminoso sádico. Isabella Rosellinni é a cantora que serve de femme fatalle e o actor de culto Dennis Hopper é o sádico de serviço numa interpretação que tem tanto de cómica (com bastantes tons de humor negro) como de demente. Todas estas personagens encaixam bem dentro das típicas caracterizações de Lynch, enquanto a história de Veludo Azul serve quase como uma espécie de
Uma obra genial e obrigatória.
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Título nacional: Experiência Alucinante Realização: David Cronenberg
VIDEODROME
Elenco: James Woods, Sonja Smits, Debbie Harry Ano: 1983
SARA GALVÃO
“Morte ao Videodrome, longa vida à Nova Carne”: as palavras finais de Max Renn (James Wood), protagonista de Experiência Alucinante, ainda ressoam nas paredes do presente, polvilhado com existências virtuais ou realidades embelezadas para as redes sociais. Rever a obra-prima de Cronenberg é revisitar temas que nunca deixaram de vaguear à nossa volta — a suposta relação entre violência nos média e violência real, os limites éticos de programadores televisivos e o efeito nocivo e permanente de imagens fortes nos nossos padrões neurológicos.
em prever foi o crescimento da indústria web (onde a maior parte da nossa existência tende a decorrer hoje em dia) e dos jogos de vídeo (que roubaram o título dúbio de “Maiores Responsáveis Pela Violência nas Ruas” após o massacre de Columbine em 1999). Mesmo assim, raramente um filme de ficção científica conseguiu prever com tanta exactidão uma tecnologia inexistente como quando Max Renn utiliza uma versão “artesanal” do Oculus Rift para se inserir na realidade virtual de Videodrome.
Max Renn (James Woods) é um dos donos do Canal 83 que se orgulha de exibir material considerado chocante, desde violência a filmes eróticos. A busca incessante por programas ainda mais excessivos leva Max a utilizar os serviços de Harlan (Peter Dvorsky) e do seu satélite pirata. A descoberta de um estranho programa, Videodrome, onde vários indivíduos são torturados durante horas a fio sem qualquer narrativa ou explicação, transportam Max para dentro de uma toca de coelho onde censores, manipuladores de massas e uma linha muito ténue entre realidade e ficção se misturam, entre alucinações, ecrãs de televisão e um gore extremamente sexualizado.
O apelo contemporâneo é claramente o grande chamariz deste filme de culto. Os efeitos especiais (feitos sobretudo com o recurso a maquilhagem e modelos) podem não ter envelhecido especialmente bem aos olhos de uma audiência moderna habituada a CGI do mais alto gabarito, mas é impossível não reagir quando Barry Convex (Leslie Carlson) insere a cassete Betamax dentro de Max através da estranha (e evocativamente vaginal) abertura no estômago deste. As alucinações da última parte do filme, que raiam o território lynchiano, ficam na memória até muito depois da última visualização. Talvez Experiência Alucinante seja a verdadeira cassete que provoca tumores cerebrais, uma espécie de Ringu numa vertente mais crítica social e menos horror, que nos torna parte das massas controladas pelas imagens vomitadas à nossa frente numa incessante busca de material cada vez mais forte e chocante para sentir alguma coisa. Ou então é apenas mais um momento de escapismo onde, através de um avatar, damos azo às nossas mais debochadas fantasias — quiçá, chicotear televisões até sangrarem por terem deixado a originalidade de lado por estes dias…
Experiência Alucinante tem já todas as marcas de autor de Cronenberg (o horror do corpo, a mistura do prazer com a dor que seria levado ao extremo em Crash (1996), assim como o conceito de violência como escapismo). Mas o que torna o filme incrivelmente relevante para os dias de hoje é a ideia de que a televisão pode ser mais real do que a realidade em si, isto uns bons 15 anos antes do conceito de reality TV se apoderar do pequeno monstro da sala de estar. Quando o professor Brian O’Blivion menciona a ideia de nomes falsos, criados propositadamente para a existência dentro de um ecrã, é fácil pensar nos presentes nomes de utilizadores que todos usamos nas redes sociais e fóruns por essa internet fora. De facto, parece que a única coisa que o filme falhou 137
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Título nacional: Sexo, Mentiras e Vídeo Realização: Steven Soderbergh Elenco: James Spader, Andie MacDowell, Laura San Giacomo
SEX, LIES, AND VIDEOTAPE
Ano: 1989
SARA GALVÃO
Um filme de culto que consegue ainda hoje, no meio de uma sociedade onde os próprios reality shows são uma encenação, ser extremamente relevante, Sexo, Mentiras e Vídeo mostra já um Soderbergh com um sentido exímio de mise-en-scène e de manipulação. O realizador usa e abusa dos longos travellings, colocando a audiência no papel de predador, enquanto consumimos vorazmente as confissões emocionais das mulheres das cassetes de Graham. Apesar de extremamente intelectual e repleto de personagens neuróticas, não poderíamos estar mais longe de um filme de Woody Allen — não há comédia possível neste jogo de exploração das impossibilidades da verdadeira intimidade. Sem sexo explícito ou nudez, a única pornografia presente é a das palavras enquanto são discutidos ad nauseam sentimentos e escolhas de vida. Isto não quer dizer que Sexo, Mentiras e Vídeo não tenha um erotismo próprio — Andie MacDowell, aqui num dos seus melhores papéis até à data, jorra carisma por tudo o que é canto, enquanto James Spader consegue tornar o que seria um voyeur pervertido num homem complexo, cheio de arrependimentos e merecedor de redenção. Talvez o final — um pouco doce demais para o tom do filme — não seja perfeito, mas isso é, claramente, um pecado menor.
“Ser feliz não é assim tão grande espingarda”, diz Ann Bishop Mullany (Andie MacDowell) ao terapeuta logo no início de Sexo, Mentiras e Vídeo. E se há um tema neste filme que deu a conhecer ao mundo o eclético Steven Soderbergh, é que a felicidade não dá grandes histórias. Ann nunca sentiu um orgasmo, não consegue perceber porque é que as pessoas dão tanta importância ao sexo e está casada com John (Peter Gallagher), um advogado bem-parecido e aborrecido que a anda a trair com a irmã Cynthia (Laura San Giacomo). Quando um antigo colega de escola de John, Graham (James Spader), se muda de volta para a cidade, tanto Ann como Cynthia se sentem irremediavelmente atraídas pelas peculiaridades dele, desde o seu desapego às coisas materiais, como o facto de manter cassetes de vídeo de entrevistas pessoais a mulheres sobre a história sexual delas, passando pelo pequeno detalhe de ser impotente. Escrito em oito dias e baseado numa relação falhada do próprio Soderbergh, Sexo, Mentiras e Vídeo é um filme de baixo orçamento sobre repressão — repressão sexual de Ann, repressão de personalidade de Graham, repressão de consciência de Cynthia, repressão da verdade de John. No pacato mundo suburbano por onde as personagens se movem, os silêncios são mais expressivos que as palavras. A traição de John aproxima as irmãs que nunca foram chegadas (rivais, mesmo). Ann sente-se sexualmente atraída pelo único homem que não consegue ter uma relação sexual com ela. Os problemas de Graham são resolvidos quando a câmara que ele usa para se relacionar com o sexo oposto é usada nele próprio. Enquanto observamos as barreiras das personagens do outro lado da nossa barreira pessoal (o ecrã), os limites entre a verdade e a ficção são esticados, questionados, quase esquecidos, mas nunca quebrados.
Por feliz acaso (o filme não entrou em Cannes na secção competitiva — sendo suposto apenas ser mostrado na Quinzena dos Realizadores — mas foi “promovido” quando um dos outros filmes foi retirado), Soderbergh seria o vencedor mais jovem de sempre da Palma de Ouro com Sexo, Mentiras e Vídeo, estabelecendo-se definitivamente como uma voz ecléctica e difícil de categorizar, mesmo nos dias de hoje, entregando-se de corpo e alma a projectos tão diferentes como Magic Mike e The Knick.
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THE COOK, THE THIEF, HIS WIFE & HER LOVER
Título nacional: O Cozinheiro, o Ladrão, a Sua Mulher e o Amante Dela Realização: Peter Greenaway Elenco: Michael Gambon, Helen Mirren, Richard Bohringer, Alan Howard Ano: 1989
JOSÉ CARLOS MALTEZ
Numa lógica teatral de espaços contínuos e longos varrimentos de câmara (com salas divididas pelas cores e roupas que mudam de cor sempre que se muda de sala), vemos o todo-poderoso Albert humilhar convidados e esposa, que exibe como troféu. Geram-se então jogos de prepotência, humilhação e cumplicidade entre os vários personagens, com comida e sexo, traição e vingança a parecerem faces de uma mesma moeda.
Conhecido pelas suas paisagens surreais envoltas num peculiar jogo de erotismo e poesia, sempre de mãos dadas com a música de Michael Nyman, Peter Greenaway conseguiu em O Cozinheiro, o Ladrão, a Sua Mulher e o Amante Dela uma das suas obras mais famosas, controversas e chocantes. Com toda a acção a decorrer num restaurante e espaço circundante, o filme mostra-nos os banquetes oferecidos por Albert (Michael Gambon), o cruel chefe de um bando mafioso, no restaurante que lhe pertence e onde janta todos os dias com o seu séquito de gangsters e esposa Georgina (Helen Mirren). Os modos abrutalhados dos convivas enojam Georgina, que se envolve com Michael (Alan Howard), cliente do restaurante, em jogos sexuais que têm a cumplicidade do cozinheiro francês Richard (Richard Bohringer), que vê neles as únicas pessoas que apreciam a sua arte.
Tudo no filme é ironia, humor negro e exuberância visual, dos cenários garridos aos figurinos de Jean-Paul Gaultier, com diálogos, sexo e gastronomia a surgirem em paralelo como símbolos dos diferentes interesses e modos de estar das personagens. A intensidade sobe com a descoberta das traições e decorrente vingança, que envolve tortura, sangue e mesmo canibalismo, num festim surreal e visual que não é para todos os paladares.
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HENRY: PORTRAIT OF A SERIAL KILLER
Título nacional: Henry: A Sombra de um Assassino Realização: John McNaughton Elenco: Michael Rooker, Tracy Arnold, Tom Towles Ano: 1986
SARA GALVÃO
O filme mostra violência de uma maneira plácida, austera, que torna os eventos ainda mais aterrorizantes. Ainda hoje, a famosa cena do massacre da família — filmada por Henry com uma câmara de vídeo — consegue criar desconforto no mais frio membro da audiência. O facto de que Henry nunca é apanhado e consegue escapar no final, negando a redenção que lhe é oferecida por Becky, é o que torna o filme de McNaughton tão chocante. A performance de Rooker (que permaneceu em personagem durante os 28 dias de rodagem) — qual Patrick Bateman da classe trabalhadora — é hipnotizante, fazendo-nos simpatizar com o que é, sem sombra de dúvidas, um psicopata sem consciência. Abertas estão as portas para o anti-herói; é melhor que ninguém se meta no seu caminho.
Antes de estrear, Henry: A Sombra de um Assassino teve uma vida conturbada — não só os produtores não viram grande mérito no filme de John McNaughton (seria preciso enviar o filme para festivais, onde gerou um considerável burburinho que justificaria o lançamento no grande ecrã), como obrigou à criação de uma nova classificação no sistema americano — NC-17 — para filmes adultos não-pornográficos. Inspirado pelo caso real de Henry Lee Lucas, Henry: A Sombra de um Assassino conta a história de Henry (Michael Rooker) que, suposto resultado de uma infância traumática, passa os dias a assassinar pessoas — sobretudo mulheres — sem nunca ser apanhado. Quando o colega de casa, Otis (Tom Towles), descobre os prazeres de matar sem consequências e a irmã deste, Becky (Tracy Arnold), começa a sentir-se atraída pelo misterioso amigo do irmão, Henry decide que é altura para algumas mudanças drásticas na sua vida.
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THE ELEPHANT MAN
PARIS, TEXAS
FILIPE LOPES
DIANA MARTINS
O Homem Elefante é a segunda longa-metragem de David Lynch, feita três anos depois do tão estranho quanto sedutor No Céu Tudo é Perfeito (Eraserhead, 1977). É, também, um dos poucos filmes do realizador que segue uma narrativa “convencional”, ainda distante das experiências visuais de Estrada Perdida (Lost Highway, 1997) ou Mulholland Drive (2001). O filme conta a história verídica de Joseph (aqui chamado John) Merrick, um homem cujo aspecto horrivelmente deformado, em plena Inglaterra Vitoriana, o torna em atracção num espectáculo do bizarro, do qual acaba por ser resgatado por um médico, revelando-se ao mundo como um ser humano de grande inteligência e sensibilidade. Tratase de um filme extraordinário, com um elenco de luxo e oito inglórias nomeações para os Óscares (não ganhou nenhum).
Paris, Texas é essencialmente um filme belo e memorável. Palma de Ouro em Cannes em 1984, o filme mostra-nos a história de Travis (Dean Stanton), um homem de rosto duro e pesado, magro e mudo, que sofre de amnésia. Numa tentativa de reconstruir o passado, volta ao deserto, ou melhor, a Paris, uma pequena cidade no estado do Texas. Num exercício que oscila entre o road-movie e uma cuidadosa análise sobre a desfragmentação familiar e alienação, destaque ainda para a fotografia de Robby Müller e a música de Ry Cooder que, com a direção de Wim Wenders, tornam este Paris, Texas num filme de culto. Não esquecer ainda o mítico diálogo com Nastassja Kinski de cabeleira loira e camisola cor-de-rosa choque, imagem tão cénica como redentora: “If you turn the lights off will you be able to see me?”
Título nacional: O Homem Elefante (1980)
Título nacional: Paris, Texas (1984)
Realização: David Lynch
Realização: Wim Wenders
Elenco: John Hurt, Anthony Hopkins, Anne Bancroft
Elenco: Harry Dean Stanton, Nastassja Kinski, Dean Stockwell
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KOYAANISQATSI
SANTA SANGRE
JOÃO PAULO COSTA
JOSÉ CARLOS MALTEZ
Koyaanisqatsi, expressão nativo-americana que significa algo como “vida desequilibrada”, coloca o espectador perante uma proposta completamente distinta de qualquer outro filme ou documentário com que este alguma vez se tenha cruzado. Nele, o realizador Godfrey Reggio apresenta-nos uma série de imagens extraordinárias que colocam frente a frente a Natureza e o Ser Humano, obrigando-nos a reflectir sobre o nosso lugar e a nossa relação com o planeta que habitamos. Sem diálogos ou sequer narração, as imagens são acompanhadas apenas pela música hipnótica de Philip Glass e as diversas técnicas utilizadas conferem-lhe uma carga quase surreal e fascinante durante 90 minutos. Koyaanisqatsi é apenas o primeiro capítulo de uma trilogia que inclui também Powaqqatsi (1988) e Naqoyqatsy (2002).
Conhecido pelo surrealismo e estética enigmática com que povoa os seus filmes, o chileno Alejandro Jodorowsky penetrou o território do giallo a convite de Claudio Argento (irmão do célebre Dario) para que fizesse um filme sobre um serial killer. Mais interessado na psicologia do seu protagonista que no suspense criminal, mas sem evitar chocantes cenas de sangue, Santa Sangre destaca-se pela sua estética (do circo à mímica, em garridos tons de vermelho-sangue) e simbologia freudiana e religiosa que domina infância, internamento psiquiátrico e senda assassina de Fenix (Axel Jodorowsky), desde a traição paterna e mutilação da mãe à imagem da titular Santa Sangre, à omnipresença materna, usando as mãos do filho para matar cada mulher que o atraia, numa história macabra, poética e hipnótica.
Título nacional: Koyaanisqatsi (1982)
Título nacional: Santa Sangre (1989)
Realização: Godfrey Reggio
Realização: Alejandro Jodorowsky
Elenco: (não aplicável)
Elenco: Axel Jodorowsky, Blanca Guerra, Guy Stockwell, Sabrina Dennison
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10 Para a Meia-Noite, 1983
CANNON: DA ERA DOURADA A ESTATUTO DE CULTO HÉLDER ALMEIDA
Ninjas, justiceiros à procura de vingança, desaparecidos em combate, artes marciais, dança, mestres de terror, aventuras místicas, campeonatos clandestinos e cyborgs em futuros pós-apocalípticos... Tudo elementos que fazem parte do vasto cinema que compõe o legado da Cannon Films, uma produtora que respira anos 80 por todos os seus poros.
dourada da Cannon Films, aquela que se tornaria numa das mais míticas produtoras dos anos 80 devido aos seus filmes de qualidade duvidosa que conseguiram ainda lançar alguns talentos novos dentro do cinema de acção.
No distante ano de 1967, Dennis Friedland e Chris Dewey criaram a Cannon Group, um nome que viria a possuir várias salas de cinema em alguns países e ainda uma distribuidora de vídeo. No entanto, a parte mais popular do grupo foi a Cannon Films, especialmente fora dos Estados Unidos. Ainda durante os anos 60 e 70, a produtora distribuiu certos filmes como Joe (John G. Avildsen, 1970), com Peter Boyle, e The Sorcerers (Michael Reeves, 1967). No entanto, ao longo dos anos 70, a produtora conheceu um bom número de fracassos comerciais, causando problemas financeiros.
Talvez o primeiro grande êxito da nova era da Cannon tenha sido Ninja – A Máquina Assassina (Enter the Ninja, Menahem Golan, 1981), um filme de acção e artes marciais protagonizado por Franco Nero. O sucesso internacional levou a que o estúdio criasse duas sequelas. Para além disso, deu ainda origem a vários filmes com a palavra ninja pelo meio. Ninja – A Máquina Assassina estreou em 1981 e abriu as portas para o outro grande sucesso da produtora cinematográfica que estrearia em 1982: O Justiceiro da Noite 2 (Death Wish 2, Michael Winner), a sequela do sucesso protagonizado por Charles Bronson. O actor regressou para esta segunda parte cujo êxito comercial deu origem a mais três sequelas, duas delas produzidas ainda pela Cannon.
Em 1979, a Cannon Group foi vendida aos isrealitas Menahem Golan e Yoram Globus e o grupo conheceu aqui o seu grande ponto de viragem. Determinados a obterem argumentos que mais ninguém pegaria e a dar vida a tais projectos através de orçamentos reduzidos, o modelo dos dois primos começou a dar grandes frutos. E assim, começa a era
Com vários projectos realizados num único ano, e todos com baixo orçamento, a produtora começou a diversificar-se apostando, não apenas em filmes de acção, mas também noutros géneros. Em 1983, Charles Bronson volta a colaborar com a produtora com o thriller 10 Para a Meia-Noite (10 to Midnight, J. Lee Thompson) e uns meses 145
Desaparecido em Combate, 1983 depois Golan e Globus estreiam Hercules (Luigi Cozzi, 1983), um filme de aventura e fantasia protagonizado por Lou Ferrigno (o Hulk da série de televisão da altura). O filme aproveitava-se da popularidade que o género de fantasia tinha na altura devido ao sucesso de Conan - O Bárbaro (John Milius, 1982), com Arnold Schwarzenegger. Hercules foi distribuído pela MGM e acabou por ganhar um estatuto de culto com o passar dos anos.
com o plano de estrear em primeiro aquele que se tornaria o segundo capítulo, criando assim uma prequela inesperada. No entanto, o plano mudou e a ordem das estreias também. Apesar do curto espaço de tempo entre as estreias, os dois filmes foram sucessos comerciais e dariam origem a um terceiro capítulo, anos mais tarde. Determinados a saírem um pouco do cinema de série B, conseguem a distribuição de A Companhia dos Lobos (The Company of Wolves, 1984), de Neil Jordan, filme que conheceu o sucesso crítico. Ainda no ano de 1985, Tobe Hooper estreia Lifeforce – As Forças do Universo, filme de ficção científica e terror que se tornaria num objecto de culto. Mas o ano ainda traria mais surpresas agradáveis à Cannon: o sucesso de O Justiceiro da Noite III (Death Wish III, Michael Winner), Chuck Norris a matar terroristas em Invasão: E.U.A. (Invasion USA, Joseph Zito), As Minas do Rei Salomão (King Solomon’s Mines, J. Lee Thompson) — um dos primeiros sucessos de Sharon Stone —, o sucesso crítico que foi O Comboio em Fuga (Runaway Train, Andrey Konchalovskiy) e o começo de uma das suas maiores franchises, Ninja Americano (American Ninja, Sam Firstenberg), que lançaria o protagonista Michael Dudikoff para o estrelato.
Com filmes de sucesso como A Vingança do Ninja (Revenge of the Ninja, Sam Firstenberg, 1983) — sequela de Ninja – A Máquina Assassina — e Breakdance (Breakin’, Joel Silberg, 1984) — filme de dança —, a Cannon era uma produtora pequena que, devido aos baixos custos das suas produções, estava a conhecer sucesso comercial. Em 1984 tem êxitos como Bolero (John Derek); Ninja III: The Domination (Sam Firstenberg), O Exterminador 2 (Exterminator 2, Mark Buntzman) e a sequela Breakdance 2 (Breakin’2: Electric Boogallo, Sam Firstenberg), sequela que estrearia ainda no mesmo ano que o seu antecessor provando a rapidez destas produções. E é ainda neste ano que surge o seu primeiro êxito esmagador: o filme de guerra de série B Desaparecido em Combate (Missing in Action, Joseph Zito), com Chuck Norris, filme que se tornaria num dos mais populares da década de 80. Com tal sucesso, rapidamente surge uma sequela. Ambas as partes foram filmadas simultaneamente, 146
Ninja Americano 2, 1987 1986. A sorte continua lado a lado com a Cannon. Estreia Força Delta (The Delta Force), filme realizado por Menahem Golan e protagonizado por Chuck Norris e Lee Marvin no seu último trabalho. A aventura é um sucesso comercial que daria origem a duas sequelas anos mais tarde. A produtora tem ainda a sua primeira colaboração com Sylvester Stallone com Cobra – O Braço Forte da Lei (Cobra, George P. Cosmatos), filme que acabaria por ser distribuído pela Warner Brothers. Apesar de Stallone estar no auge da sua popularidade, o filme não faz os mesmos números que Rocky ou Rambo e as ideias para uma possível franchise ficam-se por aí. Ainda no mesmo ano, a produtora estreia dois filmes de Tobe Hooper, Os Invasores de Marte (Invaders from Mars) e a sequela do seu clássico intemporal, Massacre no Texas 2 (The Texas Chainsaw Massacre 2). Este último acabaria por ser um grande fracasso comercial e de crítica, apesar de atingir o seu próprio seguimento de culto anos mais tarde. Ainda em 1986, temos a sequela de Invasão E.U.A., Força de Vingança (Avenging Force, Sam Firstenberg), trocando Chuck Norris por Michael Dudikoff, e o rip-off de Os Salteadores da Arca Perdida, Caminho de Fogo (Firewalker, J. Lee Thompson), com Chuck Norris e Louis Gosset Jr.
história de pai e filho enquanto se dirigem para um campeonato de braço de ferro. Ainda temos os irmãos gémeos de Os Bárbaros (The Barbarians, Ruggero Deodato) a fazerem a sua estreia cinematográfica, Ninja Americano 2 (American Ninja 2: The Confrontation, Sam Firstenberg), o thriller com Christopher Reeve e Morgan Freeman Nova Iorque: Cidade Implacável (Street Smart, Jerry Schatzberg, 1987) e o quarto Justiceiro da Noite (Death Wish 4: The Crackdown, J. Lee Thompson). Para além disso, e querendo alcançar algum sucesso a nível de crítica, estreia também o drama Barfly - Amor Marginal (Barbet Schroeder), com Mickey Rourke e Faye Dunaway, que falha a nível de box-office, mas é bem-recebido pela crítica. No entanto, 1987 foi também um ano negro para a Cannon. Determinado a querer fazer dos super-heróis seres poderosos nas bilheteiras, Menahem Golan gasta uma fortuna a obter os direitos cinematográficos de Homem-Aranha e Masters do Universo, para além de conseguir produzir a terceira sequela de Super-Homem — Super-Homem IV: Em Busca da Paz (Superman IV: The Quest for Peace, Sidney J. Furie), com Christopher Reeve. Apesar de reduzir o orçamento de mais de 30 milhões de dólares para cerca de 17 milhões, o filme torna-se num fracasso tremendo para a produtora. Juntam-se ainda as péssimas críticas que o filme recebeu. Mas este fracasso não veio sozinho…
Estamos agora em 1987, o ano de O Lutador (Over the Top, Menahem Golan), o filme protagonizado por Stallone que coloca o actor numa 147
Masters do Universo, 1987 Masters do Universo (Masters of the Universe, Gary Goddard), com Dolph Lundgren no papel de He-Man, é também um fracasso comercial, deitando por terra a sequela que já se encontrava com alguns cenários e guarda-roupa preparados. Com tais fracassos, a ideia de Golan de pegar no realizador Albert Pyun e juntos levarem Homem-Aranha ao grande ecrã morreu aí, mesmo com alguns cenários já em desenvolvimento.
de guerra com Michael Dudikoff, e A Face da Morte (Hero and the Terror, William Tannen), thriller dramático que revela uma faceta mais frágil de Chuck Norris. O ano 1989 pertence a Ninja Americano III (American Ninja 3: Blood Hunt, Cedric Sundstrom), onde Michael Dudikoff é deixado para trás e apresenta-se David Bradley como uma potencial nova estrela de acção. O filme é esquecido no box-office mas encontra sucesso no mercado VHS. No entanto, as coisas correm melhor com a nova presença de Van Damme. Kickboxer: Golpe de Vingança (Mark DiSalle, David Worth) torna-se num sucesso que daria origem a várias sequelas e acabaria por ser um futuro clássico de culto.
No ano seguinte temos o regresso de Chuck Norris com a sua saga Desaparecido em Combate, já no seu terceiro filme (Braddock: Missing in Action III, Aaron Norris). No entanto, descobre-se que afinal o lendário Chuck Norris pode ser derrotado ao ser um fracasso comercial e terminando a saga de vez. Contudo a Cannon vê uma luz ao fundo do túnel com a estreia de Força Destruidora (Bloodsport, Newt Arnold). O filme de artes marciais revela-se um sucesso e lança a carreira do Músculos de Bruxelas, Jean-Claude Van Damme. Ainda no mesmo ano estreia uma nova aventura de Hercule Poirot, que não resulta bem, e o drama Um Grito no Escuro (A Cry in the Dark, Fred Schepisi), com Meryl Streep e Sam Neill. O filme acaba por ser nomeado para vários Óscares, dando algum prestígio à produtora. Para além disso, populariza a frase “The Dingo ate my baby”. Ainda em 1988, temos mais um Charles Bronson com Justiça à Margem da Lei (Kinjite: Forbidden Subjects, J. Lee Thompson), Baptismo de Fogo (Platoon Leader, Aaron Norris), filme
Uns meses antes, Cyborg vê a luz do dia. Realizado por Albert Pyun e utilizando os cenários e guarda-roupas que já haviam sido feitos para a sequela de Masters do Universo e para o filme de Homem-Aranha, Pyun idealiza a história num fim-de-semana e, com um orçamento mínimo, cria este filme de culto. O filme seria um êxito e deu origem a uma sequela com Angelina Jolie. Durante esta década, a Cannon, através da sua distribuidora de vídeo, dá ainda a conhecer ao mundo vários filmes de acção de série B vindos de 148
O Vingador da Rua, 1993 vários cantos do mundo. Muitas dessas obras fizeram parte da colecção Michael Dudikoff Presents, onde o actor dava sempre uma introdução antes de cada filme.
da Cannon à prisão, a produtora tinha agora os seus dias contados. Em 1993, a Cannon estreia O Vingador da Rua (Street Knight, Albert Magnoli, 1993), mas com pouco sucesso. Este seria o último filme que a produtora colocaria nos cinemas. Com o fim da Cannon Pictures, Pearce e Globus juntaram-se a Golan na 21st Century Film Corporation. Por sua vez, esta fecha as portas em 1996 após a sua falência.
Passamos para a década de 90, onde o grande declínio da Cannon começa. Golan sai da Cannon e cria a 21st Century Film Corporation e leva consigo os direitos de distribuição e controlo total sobre Capitão América, filme que a Cannon e Golan estavam a desenvolver na altura. Enquanto isso, grande parte da biblioteca da Cannon Films passa a fazer parte da biblioteca da MGM em 1990. Globus permanece como presidente do estúdio durante um curto período de tempo. Com a continuação de várias mudanças, Christopher Pearce, que já tinha um cargo importante na produtora, fica como CEO durante 3 anos. Nesse espaço, a Cannon distribui filmes como Ninja Americano 4 (American Ninja 4: The Annihilation, Cedric Sundstrom, 1990), a paródia A Man Called Sarge (Stuart Gillard, 1990), Seita Assassina (No Place to Hide, Richard Danus, 1992), um thriller com Kris Kristofersson, O Destruidor (The Hitman, Aaron Norris, 1991) e Polícia Demolidor (Hellbound, Aaron Norris, 1994), ambos com Chuck Norris.
Yoran Globus, hoje em dia, é presidente da Globus Max, produtora e dona duma rede de cinemas em Israel. Menahem Golan faleceu em Agosto deste ano. Para trás fica um legado de culto, especialmente dentro do cinema de acção dos anos 80, género que ficou bastante marcado pelas produções low-budget da produtora e que tantos fãs criou pelo mundo fora. De qualquer forma, é seguro afirmar que quase todos nós fomos tocados pela Cannon, mesmo sem o sabermos.
Devido a vários problemas financeiros e pouco sucesso nas bilheteiras, para não falar das polémicas que levaram alguns dos novos donos 149
RETRATOS AMERICANOS
RETRATOS AMERICANOS SARA GALVÃO
Se há duas imagens que definem a América dos anos 80 no imaginário comum, elas são Bud Fox (Charlie Sheen em Wall Street de Oliver Stone) e Tony Montana (Al Pacino em Scarface - A Força do Poder de Brian de Palma). O cinismo, ganância e ambição sem consequências que marcam a época são retratados sem piedade pela sétima arte, que não se acanha de mostrar as derrotas na mesma montagem avassaladora que as vitórias (veja-se O Touro Enraivecido), a sujidade das ruas (O Declínio da Civilização Ocidental) e a magia do outro lado da esquina (One From the Heart), o consumismo frenético (Queridos, a Mamã Encolheu) e a multiculturalidade (Mala Noche).
MENÇÕES HONROSAS
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Talvez o retrato mais fiel do Americano dos anos 80 nos tenha sido dado na viragem para o século XXI, com Psicopata Americano (American Psycho, Mary Harron, 2000) — o aparente exterior bem-sucedido que oculta um turbilhão de violência e extremos debaixo da superfície.
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American Gigolo (Paul Schrader, 1980) Do Fundo do Coração (One From the Heart, Francis Ford Coppola, 1981) The Loveless (Kathryn Bigelow, 1981) Queridos, a Mamã Encolheu (The Incredible Shrinking Woman, Joel Schumacher, 1981) O Anjo da Vingança (Angel, Neil Jordan, 1982) Os Eleitos (The Right Stuff, Philip Kaufman, 1983) Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, Sergio Leone, 1984) Viver e Morrer em Los Angeles (To Live and Die in LA, William Friedkin, 1985) Mala Noche (Gus Van Sant, 1986) Wall Street (Oliver Stone, 1987) Não Dês Bronca (Do the Right Thing, Spike Lee, 1989)
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Título nacional: Scarface - A Força do Poder Realização: Brian de Palma
SCARFACE
Elenco: Al Pacino, Steven Bauer, Michelle Pfiffer, F. Murray Abraham Ano: 1983
JOÃO BIZARRO
Day Afternoon, 1975) e tinha já no seu currículo cinco (5) nomeações ao Óscar, nos filmes que agora citei e ainda por ...E Justiça para Todos (...And Justice For All, 1979). Apesar da sua longa e brilhante carreira, Pacino só recebeu um Óscar da Academia, em 1993, por Perfume de Mulher (Scent of a Women, 1992).
No início dos anos 80, Fidel Castro autorizou a saída de milhares de cubanos para os Estados Unidos. O objectivo era enviar, junto com elas, criminosos e compatriotas que não aderiram à Revolução. É assim que ficamos a conhecer Tony Montana (Al Pacino) e o seu amigo, Manny Ribera (Steven Bauer), dois desses cubanos que têm o sonho de prosperar em solo norte-americano. Depois de assassinarem um político cubano, eles ganham visto permanente para viver nos Estados Unidos e começam por trabalhar num restaurante a lavar pratos, mas não deixam de deitar o olho ao luxuoso mundo que se vai passando no clube em frente ao restaurante. É num instante que conhecem os maiores negociadores de droga e Omar Suarez (F. Murray Abraham) vai apresentar-lhes as pessoas certas para que entrem nesse mundo. A partir daí, e até ter o seu próprio cartel de droga, vamos acompanhando a ascensão e queda de Tony Montana.
Robert Loggia, embora menos conhecido, já era um veterano nas andanças pelo mundo do cinema e da TV. A Vingança da Pantera Corde-Rosa (Revenge of The Pink Panther, 1978) ou Oficial e Cavalheiro (An Officer and a Gentleman, 1982) são filmes onde foi visto, antes de 1983, ele que viria, dois anos depois de Scarface, a ser nomeado para um Óscar de Actor Secundário pelo filme O Fio do Suspeito (Jagged Edge, 1985). Quanto a Michelle Pfeiffer, apesar de já ter alguma experiência, principalmente em TV, é com o brilhante desempenho no papel de Elvira Hancock que ganha notoriedade e arranca para uma carreira que teve altos e baixos e, apesar de nunca ter conquistado uma estatueta dourada, esteve por três (3) vezes nomeada, pelos filmes Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, 1988), Os fabulosos Irmãos Baker (The Fabulous Baker Boys, 1989) e Contra Tudo (Love Field, 1992).
O soberbo argumento que dá origem ao filme é de Oliver Stone, poucos anos antes de ficar conhecido com os seus filmes de 1986, Salvador e, principalmente, Platoon - Os Bravos do Pelotão, tendo escrito Scarface em Paris, numa fase em que tentava livrar-se do vício de cocaína. Pegando neste argumento que se baseava livremente no filme de 1932 com o mesmo título, realizado por Howard Hawks, Brian de Palma realiza um dos melhores filmes dos anos 80, que mantém o estatuto “de culto” até aos dias de hoje. No elenco, a acompanhar Pacino e Bauer, tínhamos nomes como Michelle Pfiffer, Mary Elizabeth Mastrantonio, Robert Loggia e F. Murray Abraham, alguns mais conhecidos que outros na altura em que o filme estreou.
Mary Elizabeth Mastrantonio e Steven Bauer (o único actor cubano do filme), apesar de terem feito muito mais coisas — no caso dela há mesmo uma nomeação ao Óscar de Melhor Actriz no filme de Martin Scorsese A Cor do Dinheiro (The Color of Money, 1986) —, ficariam para sempre ligados a Scarface e, ainda hoje, quando os vejo em algum filme ou série, associo-os logo às personagens de Gina Montana e Manny Ribera. Actualmente podemos ver Mary Elisabeth na série The Punisher (desde 2017) e Steven Bauer brilha na série Ray Donovan (desde 2013).
Al Pacino já era sobejamente conhecido em 1983 devido à sua participação em filmes como Padrinho (The Godfather, 1972), Padrinho II (The Godfather – Part 2, 1974), Serpico (1973), Um Dia de Cão (Dog 155
RAGING BULL
TOP GUN
CÁTIA ALEXANDRE
PEDRO MIGUEL FERNANDES
São sempre poucas as palavras para definir os filmes que marcam a história. O Touro Enraivecido é um desses filmes, mais que um filme, é poesia de vida. Um dos melhores exemplos de acompanhamento de envelhecimento de um personagem já alguma vez feito, onde observamos as várias facetas do pugilista Jake LaMotta, brilhantemente interpretado por Robert De Niro. Martin Scorsese faz com que fiquemos completamente absorvidos pelas diferentes emoções e atmosferas, cujo estilo visual é absolutamente deslumbrante. O facto de ser extremamente gráfico a nível visual é um aspecto determinante para o realismo que quer transmitir. Intenso e brutal, é diferente de tudo aquilo que alguma vez possam ter visto dentro do género e inspiração para muitos que se seguiram. Não é à toa que Scorsese é um mestre.
Tony Scott integrou uma geração de cineastas oriundos da publicidade, da qual fizeram parte nomes como Adrian Lyne ou Ridley Scott, que na década de 80 trouxeram novos elementos que mudaram radicalmente a linguagem cinematográfica, sobretudo a nível da montagem. Top Gun é um dos seus maiores sucessos e cedo se tornou parte da cultura popular. Chegou mesmo a ser alvo de uma delirante paródia: Ases pelos Ares. Apesar do contexto em que se insere (a história de rivalidade e companheirismo num grupo de pilotos de caças durante a fase de instrução numa escola de elite) e de ser acusado de ser pró-militar, Top Gun está longe de ser o típico filme de guerra. Com algumas das melhores sequências aéreas de sempre, foi também o filme que ajudou a cimentar o estatuto de estrela de Tom Cruise.
Título nacional: O Touro Enraivecido (1980)
Título nacional: Top Gun - Ases Indomáveis (1986)
Realização: Martin Scorsese
Realização: Tony Scott
Elenco: Robert De Niro, Joe Pesci, Cathy Moriarty
Elenco: Tom Cruise, Kelly McGillis, Val Kilmer
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ONCE UPON A TIME IN AMERICA
THE DECLINE OF WESTERN CIVILIZATION
RUI ALVES DE SOUSA
SARA GALVÃO
Canto de cisne de Sergio Leone, Era Uma Vez na América é um grande épico sobre a amizade, a nostalgia e a persistência da(s) memória(s), uma saga de crime em que Noodles (Robert de Niro), regressado à sua terra-natal, cruza as suas recordações e o presente, o que levantará dúvidas constantes sobre as intenções do protagonista, os seus amigos e Deborah, o amor da sua vida. Poucos são os filmes que conseguiram captar, com tanta simplicidade e violência, um tema tão delicado como as relações humanas. Com uma excepcional banda sonora de Ennio Morricone, esta é a obra-prima do cineasta que começou por dar a conhecer ao mundo a reinvenção italiana do western, mas que terminou a sua carreira a dissecar o mundo dos gangsters. O resultado é um belíssimo filme, sem igual na História do Cinema.
Um retrato da cena punk rock em Los Angeles no início da década de 80 — e a primeira longa metragem de Penelope Spheeris que iria, anos mais tarde, realizar Quanto Mais Idiota Melhor (Wayne’s World, 1992) —, O Declínio da Civilização Ocidental é um daqueles documentários famosos que poucos tiveram oportunidade de ver. Com bandas como X, Black Flag, Germs, Catholic Discipline, Alice Bag Band, Circle Jerks e, claro, Fear, o filme é sobretudo um aglomerado de concertos polvilhados com entrevistas com os membros das bandas, promotores, fãs e membros da sociedade externos ao fenómeno punk. Da pogo dance à atitude anti-social, Spheeris dá-nos um olhar único sobre o fenómeno punk, onde a música é um escape para os instintos de violência e frustração de toda uma geração.
Título nacional: Era Uma Vez na América (1984)
Título nacional: O Declínio da Civilização Ocidental (1981)
Realização: Sergio Leone
Realização: Penelope Spheeris
Elenco: Robert de Niro, James Woods, Elizabeth McGovern
Elenco: Black Flag, Fear, X
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FILMES PORTUGUESES
FILMES PORTUGUESES SARA GALVÃO
Depois da orgia da liberdade de expressão do 25 de Abril, o cinema português começa a acalmar e a estabelecer um estilo bastante próprio. Os dois grandes nomes do nosso país, Manoel de Oliveira e João César Monteiro, continuam a sua produção estável de qualidade, Oliveira com o seu expoente em Os Canibais, e Monteiro iniciando o seu universo cinematográfico do alter-ego João de Deus. Outros exploram as ideias de “portugalidade” e identidade nacional, adaptando obras literárias ao grande ecrã — Balada da Praia dos Cães e Manhã Submersa, entre outros — enquanto uma nova geração, vinda da Escola Superior de Cinema, tenta separar-se o mais possível desta corrente; é o caso de Pedro Costa, que estreia em 1989 o seu primeiro filme, O Sangue. Entre grandes clássicos como o são Kilas, o Mau da Fita e O Lugar do Morto, o cinema português estende-se timidamente, a testar as águas criativas e as bênçãos das suas audiências e críticos.
MENÇÕES HONROSAS
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Cerromaior (Luís Filipe Rocha, 1980) Manhã Submersa (Lauro António, 1980) A Ilha Dos Amores (Paulo Rocha, 1982) Ana (Margarida Cordeiro & António Reis, 1982) Sem Sombra de Pecado (José Fonseca e Costa, 1983) Um Adeus Português (João Botelho, 1985) À Flor do Mar (João César Monteiro, 1986) O Barão de Altamira (Artur Semedo, 1986) O Bobo (João Álvaro Morais, 1987) Os Canibais (Manoel de Oliveira, 1988)
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RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA
Título nacional: Recordações da Casa Amarela Realização: João César Monteiro Elenco: João César Monteiro, Manuela de Freitas, Ruy Furtado, Henrique Viana, Luís Miguel Cintra Ano: 1989
JOSÉ CARLOS MALTEZ
os presos […]”, que depois se reverte no manicómio de onde a história parte. Daí, com panorâmicas de Lisboa e do Tejo passamos às casas velhas, que outrora foram de príncipes, primeiro sinal sobre a decadência lusitana e nostalgia do passado de que também o protagonista viverá.
Enfant terrible do cinema português do final do século XX, João César Monteiro foi um cineasta saído do movimento do Cinema Novo que encontrou, após o 25 de Abril de 1974, espaço para definir a sua arte e o seu universo muito próprio com uma obra no mínimo inclassificável e única no seio do cinema português. João César Monteiro optou sempre por um caminho radical e fracturante, quer na escolha dos seus interesses (o cinema artístico, a poesia, os personagens perdidos, a escatologia), quer na dos inimigos (os seus colegas de classe, o Estado, a autoridade em geral). O seu cinema caracteriza-se por uma sátira quase surreal e um lirismo latente, procurando, em personagens com muito de autobiográfico, traçar retratos de um certo modo lusitano.
Poesia, nostalgia e beleza plástica da cidade coexistem com fealdade, decrepitude (social, moral, física) e um vazio de objectivos que tornam João de Deus uma espécie de fantasma, que tudo vê, por tudo passa, mas que nada toca e por nada é tocado, por entre declamações de poesia, audições musicais e uma contemplação de um mundo que já não é o seu. Como responde quando a prostituta Mimi (Sabina Sacchi) lhe diz que nunca fala com ninguém: “Falo, mas não se dá por isso.”
É isso que encontramos em Recordações da Casa Amarela (uma espécie de remake da primeira obra do realizador: Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço), um filme-poema (nas palavras do próprio), que olha para a Lisboa do seu tempo e que nos traz João de Deus (alter-ego do autor, nome do poeta da Cartilha Maternal e do santo padroeiro de hospitais e doentes), personagem de meia-idade, antigo músico, que vive só, numa pensão barata num bairro pobre na zona ribeirinha de Lisboa. Doente, hipocondríaco e de modos humildes mas intrusivos, João vive dos poucos tostões que tem, passando o tempo a ouvir Schubert, a ver cinema ou a espreitar a filha da sua senhoria (Manuela de Freitas), a menina Julieta (Teresa Calado) cuja imagem lhe alimenta a líbido. É esse interesse, que começa com tentativas inócuas de conquista, passando a uma quase violação, que vale o seu despejo, resultando na perda do seu precário equilíbrio. João passando a viver na rua como mendigo, até ser internado num hospital psiquiátrico. Já medicado, João volta a sair, seguindo a sugestão de outro doente, Lívio (Luís Miguel Cintra): “Vai, e dá-lhes trabalho!” A nominal “Casa Amarela” é explicada nas palavras do autor, no início do filme, “na minha terra chamavam casa amarela à casa onde guardavam
Do uso triste da cidade de Lisboa à sempre iconografia religiosa (a que se pode juntar a sua relação com a mãe, que vemos junto a um anjo de pedra enquanto se ouve o Stabat Mater de Vivaldi), da espécie de baptismo realizado pelo personagem de Luís Miguel Cintra ao mandar João de volta ao mundo, até à sua aparição final, numa pose e gestos que fazem lembrar Nosferatu de Murnau (numa incrível semelhança do esquálido João César Monteiro com a figura criada por Max Schreck), quase tudo em Recordações da Casa Amarela é simbólico e paradoxal, nem que seja uma conversa sobre o Benfica, a lembrar a tacanhez de um povo apenas interessado em superficialidades. Nos interstícios desse povo, dessa cidade, desse mundo, move-se, já como um pária, João de Deus, um messias profano, icónico e blasfemo, vagabundo, sonhador e louco. Tendo sido considerado o mais equilibrado filme do autor até então, Recordações da Casa Amarela seria premiado em Veneza com o Leão de Prata e geraria revisitas ao mesmo personagem nos filmes A Comédia de Deus (1995) e As Bodas de Deus (1999).
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O SANGUE
KILAS, O MAU DA FITA
SARA GALVÃO
JOÃO PAULO COSTA
O filme de estreia de Pedro Costa tem qualquer coisa de Bresson — e não falamos só da belíssima cinematografia a preto e branco ou do design sonoro. Desligado, quer da tradição de “teatro filmado” de Oliveira ou da exploração da portugalidade de César Monteiro, Costa faz aqui a sua declaração de amor a um cinema mais puro, próximo da realidade, onde as interpretações são contidas (destaque para os excelentes Pedro Hestnes e Inês de Medeiros) e estão em jogo, não os princípios narrativos, mas a exploração de arquétipos: família, infância, amor. Parricídio ao som dos The The, O Sangue é uma impressionante primeira obra que faz já adivinhar uma voz original e potente do muitas vezes árido panorama cinematográfico português.
Localizado entre os pequenos marginais lisboetas da época, Kilas, o Mau da Fita foi um sucesso de público no início da década de 80. José Fonseca e Costa tenta dar-nos um retrato de um certo grupo de personagens perdidos algures entre os valores retrógrados da ditadura e a recentemente conquistada liberdade, começando com o seu problemático protagonista (numa grande composição de Mário Viegas), um chulo com ares de machista sem grande respeito pelas mulheres da sua vida que cultiva uma aparência de durão (e um falso bigode) retirada dos filmes a que assiste frequentemente. Se a comédia surge a espaços, o tom geral é de desencanto até ao seu bonito plano final onde, tal como acontecia com o próprio país, se consegue sentir um pequeno vento de mudança.
Título nacional: O Sangue (1989)
Título nacional: Kilas, o Mau da Fita (1980)
Realização: Pedro Costa
Realização: José Fonseca e Costa
Elenco: Pedro Hestnes, Nuno Ferreira, Inês de Medeiros
Elenco: Mário Viegas, Lia Gama, Milú
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BALADA DA PRAIA DOS CÃES
O LUGAR DO MORTO
RUI ALVES DE SOUSA
PEDRO SOARES
Co-produção entre Portugal e Espanha, esta é a adaptação do romance homónimo de José Cardoso Pires, um policial com a ditadura como pano de fundo. No enredo há o assassínio de um homem procurado pela polícia política, uma femme fatale peculiar e o inspector Elias Santana, da Polícia Judiciária, que investiga o crime. José Fonseca e Costa dirige com subtileza a narrativa e Raul Solnado é Santana, uma personagem invulgar que proporcionou ao actor um dos seus grandes desempenhos no grande ecrã, distante do estilo cómico que lhe deu fama. Um filme de actores e com uma bela reconstituição da época e que foi um dos grandes êxitos de bilheteira do cinema português dos anos 80, a juntarse a outros dois blockbusters do cineasta nessa década: Sem Sombra de Pecado e Kilas, o Mau da Fita.
Com Portugal ainda a descobrir a democracia, O Lugar do Morto chocou os brandos costumes devido a uma cena de sexo que quase mostrava um mamilo e uma Ana Zanatti demasiado leviana para quem entrava diariamente nas casas portuguesas em horário nobre. Pedro Oliveira é um jornalista que assiste ao suicídio de um playboy do jet set e omite à polícia a presença da amante no local, desenvolvendo uma obsessão por aquela femme fatale. Com a trama a desenrolar-se à volta dele, O Lugar do Morto devia chamar-se "Pedro Oliveira e as Mulheres". É este o ponto fraco do filme com que António-Pedro Vasconcelos começou a arrasar as bilheteiras graças a um cinema escorreito, diálogos naturais, abordagem de temas incomuns nos nossos filmes e um dos finais em aberto mais intrigantes do cinema português.
Título nacional: Balada da Praia dos Cães (1987)
Título nacional: O Lugar do Morto (1984)
Realização: José Fonseca e Costa
Realização: António-Pedro Vasconcelos
Elenco: Raul Solnado, Assumpta Serna, Patrick Bauchau
Elenco: Ana Zanatti, Pedro Oliveira, Teresa Madruga
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À BEIRA DA CADEIRA
À BEIRA DA CADEIRA JOSÉ CARLOS MALTEZ
O mistério e a inquietação parecem ser um motivo de interesse no ser humano no que toca à ficção. Da literatura ao cinema, todos gostamos de uma boa história que nos torça o cérebro, nos faça suster a respiração aqui e ali, e nos surpreenda pelos inesperados golpes e contra-golpes de argumento. Falar de mistério e suspense é sempre lembrar Alfred Hitchcock, e se ele nos tinha deixado em 1980, a década foi ideal para se buscar um sucessor. Muitos se candidataram, do movie brat Brian De Palma (talvez o mais descarado de todos) ao argumentista tornado realizador David Mamet, com contribuições europeias a virem do francês Claude Chabrol, do polaco Roman Polanski e do holandês Paul Verhoeven. Uns e outros apostaram nas lições do mestre, agora servidas com uma mais explícita tensão sexual, a sempre bem recebida amoralidade e um especial gosto pelo macabro. Uns e outros foram conseguindo o que queriam, deixar-nos à beira da cadeira, com um excelente conjunto de filmes.
MENÇÕES HONROSAS
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Noites Escaldantes (Body Heat, Lawrence Kasdan, 1981) Os Fantasmas do Estrangulador (Les fantômes du chapelier, Claude Chabrol 1982) O Quarto Homem (De vierde man, Paul Verhoeven, 1983) Testemunha de Um Crime (Body Double, Brian De Palma, 1984) A Testemunha (Witness, Peter Weir, 1985) Nas Teias da Mafia (The Big Easy, Jim McBride, 1986) Alta Traição (No Way Out, Roger Donaldson, 1987) Atracção Fatal (Fatal Attraction, Adrian Lyne, 1987) Jogo Fatal (House of Games, David Mamet, 1987) Frenético (Frantic, Roman Polanski, 1988) Calma de Morte (Dead Calm, Phillip Noyce, 1989)
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Título nacional: Sangue por Sangue Realização: Joel e Ethan Coen
BLOOD SIMPLE
Elenco: John Getz, Frances McDormand, M. Emmet Walsh Ano: 1984
RUI ALVES DE SOUSA
o crime se conjuga com o que há de mais banal no provincianismo norte-americano, mas também com o amor, com a ganância e o poder. Ao longo de pouco mais de uma hora, podemos sentir-nos dentro dos horrores da narrativa ou, mais tarde, num estado de contemplação e reflexão filosófica (muito por "culpa" da bela banda sonora de Carter Burwell), mesmo que o pior ainda esteja para vir.
Um marido ciumento (Dan Hedaya) contrata um detective privado para perseguir e matar a mulher (Frances McDormand no seu primeiro papel) e o seu amante (John Getz). É a premissa de muitos filmes, mas como será ela nas mãos dos irmãos Coen? É o que vemos neste Sangue por Sangue, um filme sombrio que vive das referências do film noir e de uma atmosfera nocturna com um toque de anos 80 (na música, no vestuário e nos penteados, claro). Os resultados, naquele que é um dos filmes mais impressionantes da década e dos seus realizadores, estão à vista: os amantes fogem sem destino das garras do seu perseguidor; o marido verá que o seu contrato poderá ter consequências para si próprio; e o detective pode, afinal, não ser tão idiota como parecia nos minutos iniciais do filme, graças aos seus métodos invulgares que serão desvendados ao longo da narrativa. A cada instante será encontrada mais uma surpresa para o espectador — será que estamos preparados para a escalada de acontecimentos que se escondem na aparente tranquilidade do Texas?
Em 2001 foi lançado um Director's Cut que, ao contrário do que é normal nestas "edições especiais", não adicionou nada de novo ao filme. Os Coen apenas retiraram um ou outro plano que cortava o funcionamento da narrativa, tornando-a ainda mais coesa e equilibrada. Uma pequena diferença que será notória para quem tiver oportunidade de encontrar a versão lançada nos cinemas em 1984 (existem algumas cópias em 35mm espalhadas pelo mundo — uma delas em Portugal). Mas em qualquer uma delas, Sangue por Sangue é uma experiência marcante graças aos realizadores e ao formidável elenco, sempre preparado a surpreender nos momentos em que, de tanto roermos as unhas de nervosismo, só queremos que todo este bizarro pesadelo chegue ao fim!
Antes de Este País não é para Velhos ou Fargo, os Coen já tinham assinado um outro thriller algo perturbante e grotesco, naquela que foi a obra de estreia dos irmãos e que, infelizmente, continua a viver na "sombra" dos seus trabalhos mais conhecidos e oscarizados. Sangue por Sangue é um jogo alucinante de gato-e-rato em que as presas se tornam predadores de um momento para o outro (e vice-versa) nos ambientes mais desoladores e, por isso, improváveis, onde o mal se esconde entre as mais diversas atitudes, formas e feitios.
Sangue por Sangue é uma primeira obra fulgurante como poucas, tendo melhorado com o passar dos anos e com a evolução da filmografia dos seus autores. Mantém-se como um film noir moderno excepcional, com uma abordagem peculiar a alguns clichês do género, misturando tudo isto com uma pitada de western e o humor meio constrangedor que, anos mais tarde, seria marca registada dos Coen. E, por mais dignos de nota que sejam os filmes feitos dentro destas mesmas características, Sangue por Sangue destaca-se por ser mais negro e imprevisível que os demais. Um clássico de culto subestimado, com um desfecho (e uma punchline) que é de antologia.
As armadilhas do filme são muitas e começam pelo que diz respeito aos géneros que representa: Sangue por Sangue não é um thriller de paragens cardíacas constantes ou um filme de acção desenfreada. O que o espectador irá encontrar aqui é uma mistura de sensações, um estranho balanço entre a maior tranquilidade e a maior violência, onde 171
THE UNTOUCHABLES
DRESSED TO KILL
HÉLDER ALMEIDA
JOÃO PAULO COSTA
O mestre do suspense Brian De Palma decidiu mudar de género por um pouco e realizou Os Intocáveis, um policial centrado em Elliot Ness, o polícia que perseguiu e prendeu o lendário criminoso Al Capone. De Palma utiliza um argumento bem escrito e um elenco de luxo onde Kevin Costner, um aterrador Robert De Niro e Sean Connery — que levaria um Óscar para casa — têm a oportunidade de brilhar. Tudo isto serve para criar um policial violento, mas muito acima da média, com as doses certas de acção e de suspense de cortar a respiração, algo que De Palma domina. E assim temos um dos mais memoráveis filmes dos anos 80 e da carreira de De Palma e companhia. Destaque ainda para a fabulosa banda-sonora composta pelo lendário Ennio Morricone. Um clássico dentro do cinema de gangsters (e não só...)
O final da década de 1970 foi particularmente generoso para Brian de Palma que, depois de um início de carreira dedicado às comédias absurdas, ganhou fama como um dos mais directos descendentes de Alfred Hitchcock em títulos como Irmãs (1972) ou Carrie (1976). Estreado no Verão de 1980, Vestida Para Matar foi ao mesmo tempo um êxito comercial e alvo de críticas de misoginia nos EUA. Claramente inspirado em Psico (1960), o filme mais não é do que uma fabulosa sucessão de cenas de voyeurismo, repressão sexual e explosões de violência, disfarçado de banal mistério policial. Todos esses temas aparecem bem resumidos na sua famosa e longa cena de perseguição sexual no interior de um museu, onde De Palma mostra porque se tornou num dos mais fascinantes realizadores americanos da sua geração.
Título nacional: Os Intocáveis (1987)
Título nacional: Vestida Para Matar (1980)
Realização: Brian De Palma
Realização: Brian De Palma
Elenco: Kevin Costner, Robert De Niro, Sean Connery, Andy Garcia
Elenco: Angie Dickinson, Michael Caine, Nancy Allen
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BLOW OUT
THE POSTMAN ALWAYS RINGS TWICE
JOÃO PAULO COSTA
JOÃO PAULO COSTA
Um dos mais seminais títulos de toda a década de 80 foi também o primeiro grande fracasso comercial das carreiras do realizador e da sua estrela. Inspirando-se em fontes tão distintas como Hitchcock, Antonioni ou Coppola, Brian De Palma criou um extraordinário thriller sobre uma conspiração política que é também uma reflexão sobre a própria produção cinematográfica. John Travolta dá corpo a um técnico de som que se vê envolvido na investigação de um acidente que acredita ter sido provocado e tem aqui um dos grandes desempenhos da sua carreira. Mas o fascínio de Explosão não está nos actores ou na sua trama, mas sim na forma como De Palma explora as mais variadas técnicas cinematográficas e constrói aquele que será, porventura, o seu mais complexo e brilhante filme.
Décadas depois do romance de James M. Cain ter servido de base a um filme marcante do período neorrealista italiano (Obsessão, Visconti, 1943) e a outro do film noir clássico americano (O Destino Bate à Porta, Tay Garnett, 1946), esta versão de O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes também marcou, de certa forma, a sua época. A uma trama de desejo e traição entre dois amantes que planeiam um assassínio, o realizador Bob Rafelson adicionou uma generosa dose de carnalidade, com as cenas tórridas entre Jack Nicholson e Jessica Lange a tornarem-se, aquando da estreia, num dos principais focos de promoção do filme. Sem atingir os níveis de excelência dos antecessores, esta versão tem os seus méritos, recusando-se a embelezar a trama ou as personagens para conforto do espectador.
Título nacional: Explosão (1981)
Título nacional: O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes (1981)
Realização: Brian De Palma
Realização: Bob Rafelson
Elenco: John Travolta, Nancy Allen, John Lithgow
Elenco: Jack Nicholson, Jessica Lange, John Colicos
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Mad Max - As Motos da Morte, 1979
MAD MAX CÁTIA ALEXANDRE
Nascido na cidade de Chincilla, Austrália, em 1945, George Miller, o rapaz que estudou medicina e se apaixonou pelo mundo do cinema durante o último ano do curso, estaria longe de imaginar que as terras desoladas onde seguimos Max Rockatansky se tornariam algo de culto e seriam admiradas ao longo dos tempos, não só pelo público, mas também por artistas e realizadores de grande nome que ainda hoje se inspiram na sua obra.
Mad Max Título nacional: Mad Max - As Motos da Morte (1979) Realização: George Miller Elenco: Mel Gibson, Joanne Samuel, Hugh Keays-Byrne Num futuro não muito distante, numa sociedade à beira da rotura, cheia de ódio, vingança e sede de poder, gangues de motociclistas atormentam a pacata vida daqueles que tentam sobreviver da melhor forma, enquanto a força policial tenta fazer de tudo para manter a ordem. Um jovem polícia que dá pelo nome de Max Rockatansky (Mel Gibson) vê-se envolvido numa perseguição de alta velocidade em busca do Nightrider, um membro de um desses gangues. Após a morte do mesmo, Toecutter (Hugh Keays-Byrne) um dos lideres do gangue, inicia uma onda de violência aterrorizando toda a população, roubando combustível por onde passa.
Baseado no roteiro que George Miller escreveu em parceria com James McCausland em 1975, Miller teria a sua estreia como realizador em 1979 (agora também com Byron Kennedy a bordo) com Mad Max - As Motos da Morte, que viria a tornar-se um sucesso internacional dando origem às duas sequelas Mad Max 2: O Guerreiro da Estrada e Mad Max: Além da Cúpula do Trovão. Toda a criatividade e ênfase dado a este mundo apocalíptico, pós-apocalíptico e distópico, abordando temas de grande importância social, marcou de imediato a sua carreira, gerando admiradores por toda a parte até aos dias de hoje.
Com uma atmosfera intimidante, banda sonora intrigante e performances tão boas de tão loucas, estranhas e assustadoras que são, Mad Max As Motos da Morte viria a marcar a diferença em todos os aspectos. O primeiro filme é o mais sombrio de todos, com um ritmo mais lento, mas importantíssimo para o desenvolvimento e profundidade da personagem de Max. Este seria o início de uma obra que nos dava um olhar sobre 175
Mad Max 2 - O Guerreiro da Estrada, 1981 o mundo duro e cruel onde o ser humano é capaz de cometer coisas horríveis para atingir os seus fins. O aspecto de sobrevivência e busca pela igualdade tem também uma enorme importância e, subtilmente, a sociedade que bem conhecemos é demonstrada através de cenas meio loucas, mas bastante efectivas.
Mad Max 2: The Road Warrior Título nacional: Mad Max 2: O Guerreiro da Estrada (1981) Realização: George Miller Elenco: Mel Gibson, Bruce Spence, Michael Preston Seguindo um caminho solitário, Max resiste num mundo em constante decadência. No inicio do filme vemos algumas imagens que demonstram o agonizante e perverso sitio em que o mundo se foi tornando. O petróleo é agora o bem mais precioso de todos e é o causador de grande violência, lutas e mortes entre grupos e tribos que o usam como objecto de troca. Desta vez, Max enfrenta um novo gangue liderado pelo alucinado Wez (Vernon Wells), ao comando do imponente vilão Lord Humungos (Kjell Nilsson). Mais perseguições, mais acção, mais violência. Max é visto aqui como um herói e toda a sua postura demonstra isso. Homem de poucas palavras, mas de acção, não tendo nada a perder.
Os veículos são um dos aspectos mais importantes do filme, não só neste, mas em todo o franchise, responsáveis por cenas memoráveis, contribuindo em grande parte para o factor entretenimento e sendo a essência da designação recorrente aos filmes como "doses de pura adrenalina". Este foi definitivamente o grande lançamento da carreira de Mel Gibson, até então desconhecido do grande público, e até 1998 Mad Max constava no livro do Guiness World Records como o filme com o maior retorno na história do cinema, arrecadando mais de 100 milhões nas bilheteiras por todo o mundo, tendo tido apenas um custo de 400 mil.
Aqui as motivações de Max já estão bem definidas e, apesar de toda a substância e essência do filme se manter presente em vários momentos, o seu estilo é mais marcante, com um ritmo mais frenético. Os originais veículos tornam-se bastante marcantes e as coreografias são realmente fantásticas. Mais detalhes e elementos entram em cena, contribuindo ainda mais para a originalidade deste vibrante e curioso universo. 176
Passados dois anos desde a sua estreia no cinema, há um progresso notório no trabalho de Miller, num filme de maior orçamento, graças a múltiplas ofertas de Hollywood após o sucesso de Mad Max - As Motos da Morte, o que veio contribuir imenso para a melhoria de efeitos especiais, veículos utilizados, figurinos e cenários, algo estritamente necessário para criar o universo que Miller tão bem conseguiu reproduzir. Mad Max 2: O Guerreiro da Estrada é a prova de que as sequelas podem ser tão boas, ou até melhores, do que o primeiro filme. Mad Max: Beyond Thunderdome Título nacional: Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão (1985) Realização: George Miller, George Ogilvie Elenco: Mel Gibson, Tina Turner, Bruce Spencer Bem, nem tudo pode ser perfeito... Não é que Além da Cúpula do Trovão seja um filme terrível, mas fica um pouco aquém do nível dos dois anteriores, talvez devido à drástica mudança de atmosfera que o fazem parecer mais uma aventura da Disney do que um filme que suporte o legado dos anteriores. Apesar disso, não deixa de ter a sua importância e podemos olhar para ele como um conceito diferente dentro deste universo.
Mad Max 3 - Além da Cúpula do Trovão, 1985
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Mad Max: Estrada da Fúria, 2015 Passado 15 anos após ter defrontado Lord Humungos, Max atravessa agora os grandes desertos Australianos. É atacado, roubado, vêse obrigado a continuar o caminho a pé, chegando até à cidade de Bartertown, liderada pela tirana Aunty Entity (Tina Turner). Depois de uma curta estadia, Max é encontrado à beira da morte por um grupo de meninos perdidos vitimas de um acidente de avião, deixadas pelos seus pais que partiram para encontrar a civilização. Eles resgatam Max, pensando que este se trata do capitão do avião que os irá guiar de volta à civilização.
Guerreiro da Estrada. Finalmente assistimos a uma perseguição digna de "Mad Max", com as habituais acrobacias entre veículos loucos... Mas sabe a pouco. Não deixa de ser também um filme criativo, onde Miller mostra outro tipo de coisas dentro deste imaginário, coisas até então nunca exploradas, mas a falta de energia, personagens pouco carismáticas e o contraste entre Bartertown e a vila das crianças perdidas parece ser um pouco inconsistente. Apesar disso, quando chegamos ao final, Miller é absolutamente capaz de nos passar a mensagem e o caminho que seguimos até ali acaba por fazer sentido.
Algumas das coisas que mais me incomodam são o facto de Tina Turner não ser uma vilã tão carismática como os dos filmes anteriores. Ela não consegue transparecer o factor creepy e alucinado dos outros vilões da franquia. A segunda metade do filme entra numa certa monotonia, assim que Max entra na vila dos meninos perdidos — onde a tribo de miúdos mais parece ter saído directamente de um filme de Peter Pan. O ritmo mais lento faz com que haja uma quebra entre esta e a primeira parte da história, como se tivéssemos começado a ver um filme totalmente diferente.
O LEGADO DE MAX Passado 30 anos desde o último filme Mad Max, aos 70 anos, George Miller regressou a este mundo distópico da melhor maneira possível. Mad Max: Estrada da Fúria faz renascer a atmosfera e estilo característicos deste franchise que marcou os anos 80, agora com a modernidade tecnológica a que os tempos obrigam, mas com uma enorme lealdade e criatividade única, fiel ao universo que criou há mais ou menos 40 anos atrás.
Os melhores momentos do filme acontecem apenas nos últimos 20/30 minutos onde são trazidas à memória as sequências de estrada de O 178
Mad Max 2 - O Guerreiro da Estrada, 1981
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OS HERÓIS QUE MERECEMOS
OS HERÓIS QUE MERECEMOS SARA GALVÃO
Do outro lado das musculaturas de Schwarzenegger, Stallone e Van Damme, um novo tipo de herói começa a emergir. Não é só Gotham que tem o herói que merece, com Batman de Tim Burton; antes da era dos super-heróis se instituir acima de tudo, herói, nos anos 80, significava o homem comum que se tem de exceder a si próprio quando confrontado com circunstâncias extraordinárias. De Duelo Imortal a Flash Gordon, o herói dos anos 80 sangra, leva pancada e também a dá, e parece preferir povoar o pequeno ecrã. Com MacGyver, O Justiceiro e Os Soldados da Fortuna a inspirar as massas — e a muito ocasional protagonista feminina, como Kalidor: A Lenda do Talismã — o herói que merecemos pode ou não ter poderes mágicos, mas acima de tudo tem a determinação de fazer o Bem triunfar sobre o Mal, seja o Mal de fantasmas que aterrorizam a cidade (como em Os Caça-Fantasmas) ou os arruaceiros que querem destruir a vida nocturna de certos clubes (como em Profissão: Duro).
MENÇÕES HONROSAS
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Superman II (Richard Lester, Richard Donner, 1980) Excalibur (John Boorman, 1981) O Justiceiro (Knight Rider, Glen A. Larson, 1982-1986) Os Soldados da Fortuna (The A-Team, Stephen J. Cannell, Frank Lupo, 1983-1987) MacGyver (Lee David Zlotoff, 1985-1992) Kalidor: A Lenda do Talismã (Red Sonja, Richard Fleischer, 1985) Batman (Tim Burton, 1989) Campo de Sonhos (Field of Dreams, Phil Alden Robinson, 1989)
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Título nacional: Os Caça-Fantasmas Realização: Ivan Reitman
GHOSTBUSTERS
Elenco: Bill Murray, Dan Aykroid, Sigourney Weaver, Harold Ramis, Rick Moranis Ano: 1984
HÉLDER ALMEIDA
exemplo. Reitman tem aqui o grande filme da sua carreira (apesar de ainda ter realizado alguns interessantes mais tarde) e Murray consegue ter a personagem mais conhecida da sua já extensa carreira.
Um trio de cientistas tenta provar a existência de forças sobrenaturais. No entanto, são afastados dos seus meios de investigação, pelo que decidem avançar com o seu próprio negócio de caçar fantasmas. Quando várias situações estranhas começam a acontecer em Nova Iorque, situações essas que podem estar ligadas a uma ameaça fantasmagórica, os Caça-Fantasmas poderão ser a única esperança da cidade.
Os Caça-Fantasmas estreou em 1984 e tornou-se num estrondoso sucesso de bilheteira e de crítica e num sério caso de popularidade, tornando-se no maior filme do ano. Tal popularidade deu origem a uma sequela, estreada 5 anos depois, com Reitman a regressar como realizador e com o elenco todo de regresso. No entanto, a sequela, apesar de competente, nunca conseguiu repetir o efeito que o filme original teve, tanto a nível de popularidade, como de bilheteira e de crítica.
Escrito por Dan Aykroid e Harold Ramis, dois dos protagonistas, e realizado por Ivan Reitman, Os Caça-Fantasmas pega em elementos de ficção científica e de terror e une-os à comédia numa mistela bem conseguida e inteligente, com um humor natural, muito devido ao seu argumento e ao seu elenco composto, na maior parte, por comediantes. A liderar a equipa está o sempre grande Bill Murray como Peter Venkman, um cientista descontraído e irónico que se deixa levar pelas ideias dos seus colegas Ray e Egon, dois cientistas devotados a provar a existência de fantasmas. Pelo meio, ainda encontramos um desastrado Rick Moranis, Ernie Hudson como o quarto (e inexperiente) caçafantasmas e, para dar um ar mais “digno” ao filme, temos Sigourney Weaver, aqui já conhecida por enfrentar um certo extraterrestre. Tudo isto são elementos para fazer com que este Os Caça-Fantasmas resulte. E assim, nasce aquela que é considerada por muitos como uma das melhores comédias de sempre.
Os Caça-Fantasmas surge habitualmente nas listas de melhores comédias de sempre e é, muito sinceramente, um dos filmes mais divertidos dos anos 80, com a mistura do sobrenatural a resultar muito bem por aqui e com personagens humanas e divertidas. Em 2016, o legado do filme deu origem a uma espécie de remake, com um elenco completamente feminino (o que deu origem a um inédito caso de ódio ao filme ainda antes deste estrear) e com efeitos especiais mais elaborados. No entanto, o humor forçado e as personagens pouco ou nada cativantes fizeram com que tal versão fosse facilmente esquecida. Tal fracasso apenas serviu para ajudar a realçar os elementos que fizeram do filme de Reitman o clássico que é hoje: a inteligência do argumento, o seu humor sarcástico e subtil, o seu elenco perfeito e as suas personagens bem escritas e interpretadas. E assim, com actores de peso, monstros de marshmallow gigantes, várias entidades sobrenaturais à solta por Nova Iorque e com um toque que apenas os anos 80 conseguem dar aos seus filmes, criou-se uma das mais originais e bem conseguidas comédias americanas de sempre.
O humor que aqui encontramos nunca é forçado, com personagens tão humanas como qualquer um de nós e que, com tal naturalidade, criam um humor bem conseguido, sem nunca cairem no exagero, muito devido à experiência dos protagonistas dentro do mundo da comédia: Murray e Aykroid vieram da muito popular série Saturday Night Live e Ramis, para além de actor, também era argumentista e realizador de filmes de comédia, como O Clube dos Malandrecos (Caddyshack, 1980), por 185
FLASH GORDON
HIGHLANDER
JOÃO PAULO COSTA
ANTÓNIO ARAÚJO
Baseado nas histórias de BD e produzido por Dino de Laurentiis, Flash Gordon imortalizou-se, mais do que por qualquer outra coisa, pela música dos Queen que compõe a sua banda sonora. Ainda assim, Mike Hodges (Get Carter, 1971) foi perspicaz ao perceber que, com a sua absurda premissa, o filme teria de ser abordado como um série B e não poderia levar-se demasiado a sério, assumindo os seus excessos com sentido de humor. E, se Sam J. Jones não é grande coisa como o grande herói do título, actores como Max von Sydow, Timothy Dalton e a fascinante Ornella Mutti fazem o que podem para conferir uma certa dignidade à produção. Em 2017, Flash Gordon pode estar completamente datado, mas, visto na disposição certa, ainda consegue divertir com a sua grande ingenuidade.
Duelo Imortal, realizado por Russell Mulcahy numa transição dos telediscos para as longas-metragens, é um filme com aura de clássico para quem viveu a década de 80. Apesar da premissa intrigante, o sucesso deste filme parece improvável quando paramos para pensar no seu elenco central. Ora vejamos: Christopher Lambert, americano de nascença, mas educado na Suíça, interpreta Connor MacLeod, um escocês das terras altas do século XVI com um carregado e indistinto sotaque europeu que descobre ser um dos imortais que lutam entre si ao som da muscular banda sonora dos Queen; Sean Connery, um escocês de gema, interpreta Juan Sanchez Villa-Lobos Ramirez, o metalúrgico chefe do rei de Espanha que, segundo o próprio, e apesar do seu nome e visual estereotipado, nasceu no Egipto vai para mais de dois mil anos.
Título nacional: Flash Gordon (1980)
Título nacional: Duelo Imortal (1986)
Realização: Mike Hodges
Realização: Russell Mulcahy
Elenco: Sam J. Jones, Max von Sydow, Ornella Mutti
Elenco: Christopher Lambert, Sean Connery, Clancy Brown
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BEVERLY HILLS COP
ROAD HOUSE
PEDRO MIGUEL FERNANDES
SARA GALVÃO
Se a década de 80 foi a década por excelência da mistura de géneros, um dos novos subgéneros que mais vingou neste período foi a comédia policial. E nesse aspecto, O Caça Polícias é um dos títulos mais emblemáticos neste campo, abrindo novos caminhos dentro do policial. Protagonizado por Eddie Murphy, o filme de Martin Brest conta a história de um polícia de Detroit que procura os responsáveis pela morte do melhor amigo. Esta busca leva-o a Los Angeles, onde terá de utilizar os seus métodos bastante peculiares na perseguição dos criminosos numa cidade nova, ao mesmo tempo que se evade de uma força policial que teima em seguir as regras. Eddie Murphy, um dos cómicos mais populares dos anos 80, domina o filme e tem na personagem de Axel Foley uma das suas melhores composições.
Numa qualquer distopia na América profunda, bouncers e coolers têm estatuto de estrela. Recebem quantias surreais de dinheiro para proteger os bares que os contratam, e todas as tipas se lhes atiram aos pés. Profissão: Duro tornou-se num daqueles filmes que melhorou com a idade — quiçá por causa do factor S(wayze) — e, apesar da narrativa ser, no mínimo, risível (uma espécie de história de liceu e bullies transposta para uma cidade, com helicópteros e explosões pelo meio), proporciona uma tarde lânguida de domingo bem passada, enquanto vemos Patrick Swayze a tentar ser o próximo Bruce Lee, Ben Gazzara como vilão de serviço e, claro, os pêlos púbicos de Sam Elliott. Que mais se pode pedir de um filme de acção dos anos 80?
Título nacional: O Caça Polícias (1984)
Título nacional: Profissão: Duro (1989)
Realização: Martin Brest
Realização: Rowdy Herrington
Elenco: Eddie Murphy, Judge Reynold, Lisa Eilbacher
Elenco: Patrick Swayze, Kelly Lynch, Sam Elliott
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GUERRA
GUERRA JOSÉ CARLOS MALTEZ
Infelizmente, a guerra é sempre um tema actual na história da humanidade e, por isso, uma fonte inesgotável para a ficção e a expressão artística. Com o passar das décadas, mudam os cenários e a tecnologia envolvida, mantêm-se os propósitos e os comportamentos. A década de 80 não foi diferente das suas antecessoras, talvez agora sem a propaganda dos anos 30 e 40, nem o olhar violentamente negativo das décadas de 60 e 70. Era hora de ajustar contas com a história, repensando essas páginas negras da história humana. Era hora de deixar um pouco de lado as já clássicas guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45 e olhar para as mais recentes, principalmente os conflitos na Indochina. Se o cinema de guerra reflecte o pensamento humano em cada momento da História, a década de 80 trouxe-nos alguns capítulos importantes.
MENÇÕES HONROSAS
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O Sargento da Força Um (The Big Red One, Samuel Fuller, 1980) Gallipoli (Peter Weir, 1981) Feliz Natal, Mr. Lawrence (Merry Christmas, Mr. Lawrence, Nagisa Oshima, 1983) Terra Sangrenta (The Killing Fields, Roland Joffé, 1984) Shoah (Claude Lanzmann, 1985) Vem e Vê (Idi i smotri, Elem Klimov, 1985) O Sargento de Ferro (Heartbreak Ridge, Clint Eastwood, 1986) A Colina dos Heróis (Hamburger Hill, John Irvin, 1987) Esperança e Glória (Hope and Glory, John Boorman, 1987) Império do Sol (Empire of the Sun, Steven Spielberg, 1987) Corações de Aço (Casualties of War, Brian De Palma, 1989) Nascido a 4 de Julho (Born on the Fourth of July, Oliver Stone, 1989)
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Título nacional: Platoon - Os Bravos do Pelotão Realização: Oliver Stone
PLATOON
Elenco: Charlie Sheen, Tom Berenger, Willem Dafoe Ano: 1986
ANTÓNIO ARAÚJO
(The Green Berets, Ray Kellogg e John Wayne, 1968), não passavam de fantasias jingoístas numa tentativa de perpetuar a imagem dos EUA como a polícia do mundo moralista e superior.
Na cerimónia da entrega dos Óscares referentes a produções de 1986, Platoon - Os Bravos do Pelotão surpreendeu ao vencer quatro estatuetas, incluindo a de Melhor Filme e Melhor Realizador, esta última atribuída a Oliver Stone. Esta vitória em meados da década de oitenta quebrou um ciclo de reconhecimento da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de obras de pendor histórico e dramático realizadas por veteranos consagrados ao premiar um filme de um jovem autor que expiava as feridas psicológicas e os demónios trazidos da sua experiência de combate no Vietname.
Partindo das memórias e experiências pessoais de Oliver Stone, Platoon - Os Bravos do Pelotão foi um dos primeiros títulos a desvendar as atrocidades de guerra (em geral, e do Vietname em particular) de uma forma crua, visceral e realista. Não só colocou o espectador no meio do horror do teatro de guerra, acompanhando o pelotão titular em assustadoras e violentas missões e emboscadas, como demonstrou a área cinzenta e moralmente comprometida da intervenção americana no conflito. No caldeirão sociocultural e económico dos soldados norteamericanos enviados para combater, as convicções políticas esbatemse, bem como qualquer sentimento de dever patriótico. O que subsiste é a diversificada paleta de personalidades em constante luta pela sobrevivência. Por cada humano decente a quem é dada uma arma para matar o inimigo que sonha com o dia em que se livrará daquele terror, existe um psicopata que vive para o momento em que, sob o manto das regras de empenhamento, vai poder exercer a sua cobardia e violência tanto sobre inimigos fardados como civis inocentes.
Em 1967, impelido por motivações idealistas, Stone alistou-se no Exército dos Estados Unidos da América (EUA), tendo efectuado serviço no Vietname entre Setembro desse ano e Novembro do ano seguinte. Além de ter sido ferido em duas ocasiões, o futuro realizador foi extremamente marcado pela traumatizante experiência de combate. Com a sua visão do mundo virada do avesso, escreveu uma série de memoráveis argumentos que lidavam com violência e os recantos mais obscuros da psique humana: Seizure (1974) e A Garra (The Hand, 1981), os seus dois primeiros filmes como realizador, constituem uma rara incursão no género de terror, enquanto que Scarface - A Força do Poder (Scarface, Brian De Palma, 1983) e O Expresso da Meia-Noite (Midnight Express, Alan Parker, 1978) trouxeram reconhecimento crítico e um Óscar prematuro, neste último caso.
Charlie Sheen encarnou Chris, o alter-ego do realizador e o vértice de um triângulo completado pela luz e pela escuridão — Willem Dafoe, como o sargento Elias, e Tom Berenger, como o sargento Barnes, respectivamente. Estas duas personagens em choque — que oferecem um momento sacrificial que se tornou a imagem mais marcante do filme — são ambas figuras parentais para Chris e representam o perene conflito humano, tanto interior como exterior. Um conflito do bem contra o mal que não depende de cores nem de fronteiras e há-de sempre perseguir Chris num eterno combate, mesmo depois de deixar para trás a sombra densa da floresta asiática.
Apocalypse Now (Francis Ford Coppola, 1979) já tinha lidado tangencialmente com o inferno da guerra que os norte-americanos decidiram travar no longínquo país asiático. Outros filmes lidaram com as repercussões do conflito nas mentes dos soldados sobreviventes, como O Caçador (The Deer Hunter, Michael Cimino, 1978), O Regresso dos Heróis (Coming Home, Hal Ashby, 1978) ou A Fúria do Herói (First Blood, Ted Kotcheff, 1982). Outros títulos, como Os Boinas Verdes 193
FULL METAL JACKET
GOOD MORNING, VIETNAM
FILIPE LOPES
PEDRO SOARES
A derradeira passagem de Kubrick pelo cenário de guerra — já lá tinha estado em Horizontes de Glória (Paths of Glory, 1957) — centra-se na guerra do Vietname e num grupo de soldados americanos, desde o seu terrível e brutal período de recruta até ao tempo de serviço na frente de combate. Mas, ao contrário de Platoon – Os Bravos do Pelotão (Platoon, 1986), de Oliver Stone, por exemplo, a objectiva de Kubrick procura captar mais a desumanização que a guerra provoca no ser humano do que os tiroteios na selva. A guerra de Kubrick é mais urbana e psicológica, centrada em destroços, quer de uma cidade, quer da mente dos soldados. Nascido Para Matar é um filme brilhante, em que tudo é pensado ao pormenor, desde o enquadramento e composição de cada fotograma até à magistral utilização da música.
Bom Dia, Vietname é um daqueles filmes que chega a todos os tipos de público: engana os menos atentos e empolga os mais populares. Com jogo de cintura gingão e uma ponta de feelgood, Bom Dia, Vietname conta uma história triste de forma ligeira, preenchendo-a com comédia e romance em quantidades iguais. E, claro, no fim há o tearjerker obrigatório — o que não é necessariamente mau. Williams é um eloquente locutor destacado para a rádio do Vietname que usa o humor para tudo, inclusive para se refugiar nos momentos desconfortáveis. Quando cria uma amizade perigosa com um vietnamita, granjeia inimigos em posições incómodas. Nesta crítica à guerra, termina tudo com uma cena brutal em que o What A Wonderful World ilustra uma série de imagens violentas, qual poema de sangue.
Título nacional: Nascido Para Matar (1987)
Título nacional: Bom Dia, Vietname (1987)
Realização: Stanley Kubrick
Realização: Barry Levinson
Elenco: Matthew Modine, R. Lee Ermey, Vincent D’Onofrio
Elenco: Robin Williams, Forest Whitaker, Tung Thanh Tran
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GRAVE OF THE FIREFLIES
DAS BOOT
JOSÉ CARLOS MALTEZ
JOSÉ CARLOS MALTEZ
Da célebre casa de animação japonesa Estúdios Ghibli, chegou em 1988 um filme que marcou pela sua temática negra e abordagem pungentemente triste. No estilo de animação que bem conhecemos, O Túmulo dos Pirilampos conta a história dos irmãos Seita e Tetsuko, nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, num Japão sob ataque constante das bombas americanas. Chocando por nos dar “o outro lado” da guerra, tão desconhecido para os ocidentais, o filme de Isao Takahata mostra, não a guerra em si, mas as suas consequências, devastação, morte e miséria, no modo como afectam os dois irmãos, que tudo perderam e estão condenados a sofrer, mas cujos esforços desesperados e modo como cuidam um do outro nos comovem do primeiro ao último minuto, numa poesia triste e muito humana.
Diz-se que a história é contada pelos vencedores, e não é todos os dias que vemos um filme sobre a Segunda Guerra Mundial contado pelo lado alemão. Desprovendo a sua história de qualquer ideologia ou sentimento triunfalista, Wolfgang Petersen deu-nos em 1981 o drama da tripulação de um submarino envolvido na Batalha do Atlântico em 1942. Inicialmente uma minissérie, A Odisseia do Submarino 96, passado quase integralmente no interior do engenho (se exceptuarmos o início num cabaré, o final no cais e algumas espreitadelas acima da linha de água), é um impressionante testemunho de um realismo detalhado e opressivo que nos mostra o drama de viver com a morte dezenas de metros abaixo do nível do mar, num jogo de gato e de rato com o inimigo, num total isolamento e contexto claustrofóbico.
Título nacional: O Túmulo dos Pirilampos (1988)
Título nacional: A Odisseia do Submarino 96 (1981)
Realização: Isao Takahata
Realização: Wolfgang Petersen
Elenco: Tsutomu Tatsumi, Ayano Shiraishi, Akemi Yamaguchi
Elenco: Jürgen Prochnow, Herbert Grönemeyer, Klaus Wennemann
195
DOMINGO À TARDE, NA TV
DOMINGO À TARDE NA TV SARA GALVÃO
Se a década de 80 ficou conhecida pelo florescimento dos cineclubes, também é importante lembrar que o pequeno monstro da sala de estar ajudou a cimentar a nostalgia da época ao passar repetidamente, durante os anos 90 e inícios dos 00, filmes que se tornaram parte da nossa infância e adolescência, apesar de nunca os termos visto no cinema. Sejam as intermináveis sessões de E.T. - O Extra-Terrestre durante a época natalícia, ou Fim de Semana com o Morto durante as férias de Verão, há filmes que sempre estiveram a passar de fundo enquanto crescíamos. Há os que conseguimos citar de memória — Quem Tramou Roger Rabbit, Os Caça-Fantasmas, A Jóia do Nilo — os que lembramos e misturamos o original com as sequelas — Olha Quem Fala, Três Homens e um Bebé — e os que talvez preferíssemos esquecer — como Que Paródia de Férias! Perigo: Americanos na Europa. Longe de serem tesouros cinematográficos, continuam a ter um lugar especial nos nossos coraçõezinhos ressacados de domingo à tarde.
MENÇÕES HONROSAS
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199
A Lagoa Azul (The Blue Lagoon, Randal Kleiser, 1980) Fama (Fame, Alan Parker, 1980) Splash, a Sereia (Splash, Ron Howard, 1984) A Jóia do Nilo (The Jewel of the Nile, Lewis Teague, 1985) Arma Mortífera (Lethal Weapon, Richard Donner, 1987) Três Homens e um Bebé (3 Men and a Baby, Leonard Nimoy, 1987) Fim-de-Semana com o Morto (Weekend at Bernie’s, Ted Kotcheff, 1989) Olha Quem Fala (Look who’s Talking, Amy Heckerling, 1989) Querida, Eu Encolhi os Miúdos (Honey, I Shrunk the Kids, Joe Johnston, 1989)
200
Título nacional: Que Paródia de Férias Realização: Harold Ramis
NATIONAL LAMPOON'S VACATION
Elenco: Chevy Chase, Beverly D’Angelo, Imogene Coca Ano: 1983
SARA GALVÃO
escrito completamente do ponto de vista de Rusty, o filho de Clark) foi transferido para a personagem de Clark assim que Chevy Chase foi escolhido para o interpretar, e Hughes, supostamente, não achou grande piada à coisa, tomando a decisão de realizar os seus próprios guiões daí para a frente (e assim nos deu 16 Primaveras em 1984)
Quando a revista National Lampoon começou a fazer filmes, em 1978, os resultados foram mais do que duvidosos. Disco Beaver from Outer Space (Joshua White, 1978) foi directo para televisão, e nada fazia prever o sucesso de A República dos Cucos (Animal House, John Landis, 1978), realizado com baixo orçamento, mas que, graças aos talentos de John Belushi e Landis, conseguiu ser um sucesso nas bilheteiras. Mas seria um guião de John Hughes, baseado num conto que ele submetera, anos antes, à revista, que se tornaria no símbolo da marca National Lampoon, tornando-a uma espécie de Marvel dos anos 80 que, associada a um título, poderia atrair espectadores por si só.
Esta comédia screwball de culto pode ter destruído a popularidade da station wagon nos Estados Unidos (as vendas dos veículos caíram a pique após o lançamento do filme, um pouco como as vendas de chuveiros após Psico), mas para a carreira de Chevy Chase foi um bafo de ar fresco. Chase, que após ter saído de Saturday Night Live apenas tinha conseguido algum sucesso com O Clube dos Malandrecos (Caddyshack, Harold Ramis, 1980) e Jogo Baixo (Foul Play, Colin Higgins, 1978), encontrou na personagem algo pacóvia de Clark um habitat que revisitaria para as muitas sequelas do franchise (do Natal à Europa, passando pelo mais recente “reboot” de 2015, Vacation, e até a menos conhecida curta Hotel Hell Vacation (2010), que serviu de promoção a HomeAway, um website de arrendamento para férias).
Que Paródia de Férias é a história da família Griswold — nomeadamente, do patriarca Clark (interpretado por Chevy Chase) — que decide ir de carro de Chicago até à Califórnia para passar o dia no parque de diversões Walley World. Clark, um optimista ingénuo, está disposto a tudo para dar à família as melhores férias de sempre (excepto ouvir as opiniões deles sobre o assunto), e não desiste face a nada para conseguir o seu objectivo — desde colocar cadáveres no tejadilho do carro, até ameaçar seguranças com pistolas de pressão. Pelo meio, visita-se o lado estranho (e algo incestuoso) da família, pratica-se crueldade contra animais e seduz-se uma misteriosa loura num descapotável vermelho.
No fundo, Que Paródia de Férias é o guilty pleasure perfeito. Pode não ser tão perfeito como Aeroplano! (poucas comédias o são), mas que atire a primeira pedra quem não sentiu vontade de rir com Rusty a beber a cerveja de penálti, com os comentários com cheiro a incesto da prima Vicki, ou com o discurso maníaco de Clark no final sobre a família irse divertir tanto que iam precisar de cirurgia plástica para tirarem os sorrisos da cara. A audiência não chega a esse extremo no final, mas decerto que a viagem foi agradável.
O sucesso de Que Paródia de Férias (que continua a provocar gargalhadas ainda hoje, apesar de um certo humor risqué que raia o politicamente incorrecto) deve-se, primeiro que tudo, ao seu aspecto universal — todos temos histórias de viagens de família terríveis, se bem que não tão extremas como a dos Griswold — e, segundo, à natureza episódica da comédia que se encaixa perfeitamente na ideia de road trip. Houve quem, na altura, duvidasse da eficácia desta estrutura, mas Que Paródia de Férias é, hoje em dia, considerado o melhor filme da “produtora” National Lampoon’s. O guião de John Hughes (inicialmente 201
CONAN THE BARBARIAN
LABYRINTH
ANTÓNIO ARAÚJO
PEDRO SOARES
Criado por Robert E. Howard em 1932, Conan é um herói de aventuras de fantasia e feitiçaria. Inspirado nos Celtas e Gaélicos, este filho de um ferreiro parte em aventuras como um ladrão mercenário. Pegando num rascunho de Oliver Stone, Dino De Laurentiis concordou em financiar esta realização de John Milius, autointitulado Anarquista Zen e Samurai Americano. O tom é sério e respeita o material de origem, estabelecendo as motivações de cada personagem de forma simples e directa. Com momentos visualmente inspirados, música apropriadamente épica e efeitos especiais eficientes, Milius reduziu habilmente as linhas de diálogo de Schwarzenegger, tornando Conan num herói lacónico e reservado e o austríaco numa superestrela a nível mundial sem ter a capacidade de proferir satisfatoriamente uma frase em inglês.
Antes de haver Harry Potters, Senhores dos Anéis e Nárnias, o cinema juvenil de sword and sorcery era bem mais reduzido. O Labirinto é a história de uma novinha Jennifer Connelly que tem de ir resgatar o irmão bebé, raptado pelo rei dos goblins, Jareth (David Bowie). Para isso, viaja para um mundo de fantasia, onde o castelo de Jareth se situa, no centro de um misterioso labirinto cheio de criaturas fantásticas, enigmas metafóricos e objectos mágicos. Com toda a sua rebeldia adolescente, Jennifer Connelly encontra na sua demanda uma metáfora coming of age para quem está a enfrentar os conflitos da puberdade. No entanto, a grande magia do filme reside tanto no universo dos estúdios de Jim Henson, com as suas criaturas artesanais e nostálgicas, quanto na banda-sonora de David Bowie.
Título nacional: Conan e os Bárbaros (1982)
Título nacional: O Labririnto (1986)
Realização: John Milius
Realização: Jim Henson
Elenco: Arnold Schwarzenegger, James Earl Jones, Max von Sydow
Elenco: David Bowie, Jennifer Connelly, Toby Froud
202
WHO FRAMED ROGER RABBIT?
BIG
JOSÉ CARLOS MALTEZ
HÉLDER ALMEIDA
Produzido pela Amblin de Spielberg e pela Disney, Robert Zemeckis dirigiu o projecto lunático de um filme que fazia interagir desenhos animados e actores. O conceito não era novo, mas nunca fora tentado nesta escala e com este detalhe. Como se não bastasse, ao lado dos personagens principais, o animado Roger Rabbit e o detective interpretado por Bob Hoskins, que vão coexistir num detectivesco noir, surgiam as mais famosas figuras animadas da Disney e dos Looney Tunes, com cameos de outras produtoras que vão de Betty Boop a Woody Woodpecker e ao cão Droopy. Falando do papel dos desenhos animados, numa atmosfera de saudável e acelerada loucura que presta homenagem ao surrealismo da animação americana, o filme foi um sucesso, os Óscares choveram e a animação voltou a uma nova era dourada.
Depois de encontrar, numa feira de diversões, uma máquina que afirma realizar os nossos desejos, o pequeno Josh pede para se tornar num adulto. No dia seguinte, Josh vê o seu desejo realizado, encontrando-se mais velho mas com a maturidade que sempre teve. Realizado por Penny Marshall, Big é uma comédia que ajudou a lançar de vez o seu protagonista, Tom Hanks, na versão adulta de Josh, conseguindo ter aqui um trabalho divertido e tocante ao interpretar um adulto com o espírito de uma criança. Big é uma comédia bastante divertida e bem escrita, onde ganha bastante pelo charme de Hanks. Tornou-se num dos maiores êxitos dos anos 80 e numa das comédias mais emblemáticas dessa década, conseguindo ganhar o estatuto de clássico dentro do género e uma obra que merece ser (re)descoberta.
Título nacional: Quem Tramou Roger Rabbit? (1988)
Título nacional: Big (1988)
Realização: Robert Zemeckis
Realização: Penny Marshall
Elenco: Bob Hoskins, Christopher Lloyd, Joanna Cassidy, Charles Fleischer (vozes)
Elenco: Tom Hanks, Elizabeth Perkins, Robert Loggia
203
OUTRAS CINEMATOGRAFIAS
OUTRAS CINEMATOGRAFIAS SARA GALVÃO
Vinte anos após a Europa ter inspirado Hollywood com as suas Novas Vagas, é a altura de Hollywood retribuir o favor com os seus filmes de contracultura e blockbusters. Em França, a velha guarda continua a produzir clássicos para as futuras gerações com O Dinheiro, O Último Metro e Eu Vos Saúdo, Maria, enquanto na Itália, Fellini e Tornatore nos dão o orgasmo cinéfilo que são, respectivamente, A Cidade das Mulheres e Cinema Paraíso. Na Alemanha, Fassbinder dá-nos os seus últimos filmes, enquanto na Finlândia, Kaurismaki começa a sua carreira. Do outro lado do muro, a Polónia continua o seu cinema da ansiedade moral, com Kieslowski (Não Amarás) e Wajda (O Homem de Ferro), enquanto a Rússia se divide entre o filme do sistema — Moscovo Não Acredita em Lágrimas — e o genial Tarkovsky — Nostalgia. E na Ásia, animação de qualidade — O Meu Vizinho Totoro — e a Nova Vaga de Hong Kong preparam-se para seduzir o resto do mundo, mesmo a tempo para os anos 90.
MENÇÕES HONROSAS
207
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A Cidade das Mulheres (City of Women, Federico Fellini, 1980) Moscovo não Acredita em Lágrimas (Moskva slezam ne verit, Vladimir Menshov, 1980) O Último Metro (The Last Metro, François Truffaut, 1980) O Homem de Ferro (Man of Iron, Andrzej Wajda, 1981) Querelle - Um Pacto com o Diabo (Querelle, Rainer Werner Fassbinder, 1982) O Dinheiro (L’argent, Robert Bresson, 1983) Eu Vos Saúdo, Maria (Je vous salue, Marie, Jean-Luc Godard, 1985) Tampopo (Juzo Itami, 1985) Betty Blue 37º, 2 da Manhã (37º2 le matin, Jean-Jacques Beineix, 1986) O Sacrifício (Offret, Andrei Tarkovsky, 1986) Adeus, Rapazes (Au revoir les enfants, Louis Malle, 1987) As Asas do Desejo (Wings of Desire, Wim Wenders, 1987) Akira (Katsuhiro Otomo, 1988) Não Amarás (Krotki film o milosci, Krzysztof Kieslowski, 1988) O Tempo dos Ciganos (Dom za vesanje, Emir Kusturica, 1988) Leningrad Cowboys Go to America (Aki Kaurismaki, 1989)
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Título nacional: Cinema Paraíso Realização: Giuseppe Tornatore
NUOVO CINEMA PARADISO
Elenco: Philippe Noiret, Salvatore Cascio, Jacques Perrin, Marco Leonardi Ano: 1988
JOSÉ CARLOS MALTEZ
Em 1988, o italiano Giuseppe Tornatore, até aí principalmente realizador de televisão, realizou a sua segunda longa-metragem para cinema. Prestando homenagem às suas raízes sicilianas, Tornatore assinou o semiautobiográfico Cinema Paraíso, um filme escrito por si que fala do amor do protagonista (ou de Tornatore, se quisermos) pelo cinema e o modo como este está presente no seu crescimento e afirmação de personalidade. Contado em flashback, Cinema Paraíso fala-nos de memória e identidade, no sentido de salvaguardas de uma tradição, de um passado e de um conjunto de pessoas como elementos formativos de quem somos, mesmo quando enterrados num baú como se nos envergonhassem ou representassem alguém que julgamos já não ser. O filme mostra-nos o crescimento de Totò, ou Salvatore (interpretado, em três idades diferentes, por Salvatore Cascio, Marco Leonardi e Jacques Perrin), uma criança traquinas da aldeia de Giancaldo, no interior da Sicília, onde toda a vida parece girar (pelo menos através do seu olhar) em torno do cinema local. Tornando-se amigo do projeccionista Alfredo (Philippe Noiret), figura paterna para uma criança que terá perdido o pai na guerra, Totò aprende sobre a vida através de exemplos e aforismos tirados dos filmes. Com Totò (e através da inocência do seu olhar), vemos a sociedade italiana do pós-guerra, as suas idiossincrasias, os seus momentos anedóticos e a sua evolução. E tudo parece passar sempre pelo interior do cinema, verdadeiro evento social, transversal a todos os extractos sociais e gerações. Com personagens-tipo e um subtil comentário político em fundo, temos um retrato que tem tanto de sátira distante como de olhar nostalgicamente apaixonado por um passado que, por mais imperfeito que seja, é o do autor e, portanto, sempre especial. Sem esconder as dificuldades do país, muito nas entrelinhas de Cinema Paraíso é triste e amargo, mesmo que mostrado com aquela distância dourada que só a nostalgia de uma juventude longínqua pode trazer.
E esse é o mérito de Cinema Paraíso. Por entre momentos anedóticos, retratos tristes e as histórias sempre divertidas do pequeno Totò, a obra de Tornatore é, sobretudo, um ensaio sobre o que representa a nossa memória (individual e colectiva) e sobre quem somos em relação ao mundo que nos gerou e àqueles que deixámos para trás, mesmo quando na idade adulta possamos pensar ter-nos disso tudo afastado tão completamente que já nenhuma memória nos toca. Por isso, tal como acontece ao adulto Salvatore quando regressa a Giancaldo, Cinema Paraíso confronta-nos com quem somos e comove-nos, tanto pela universalidade do tema como pelo modo como nos podemos rever em relação aos nossos sonhos de juventude, peripécias de percurso, pessoas que perdemos e confronto com aquilo que um dia foi o nosso mundo e hoje é apenas uma distante memória. Afinal, em tudo o que já foi e hoje já não é, há sempre um pouco de nós. Em cada perda e transformação, somos também nós que nos revemos e é essa a lição que Cinema Paraíso nos deixa. E como se não bastasse todo o cadinho de sentimentos com o que o filme joga, a sequência final é uma das mais comoventes já vistas em cinema e uma das mais sentidas homenagens à história da sétima arte, manifesto de amor de Tornatore que não esquece o papel do cinema na pessoa em que se tornou. Contando com uma belíssima banda sonora de Ennio Morricone, o filme tornar-se-ia um dos mais conhecidos a sair de Itália nos anos 80, tendo merecido uma reedição internacional (e posteriormente um director’s cut, já de 2007), tendo vencido Óscar, Globo de Ouro e BAFTA de Melhor Filme de Língua Estrangeira e o Grande Prémio do Júri de Cannes, lançando a carreira de Giuseppe Tornatore, que conta já com mais alguns filmes interessantes, por vezes assentes em similares olhares para um passado que nos lembra que há ainda tanto a descobrir em nós quando dele nos recordamos.
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WINGS OF DESIRE
FITZCARRALDO
DIANA MARTINS
FILIPE LOPES
Damiel (Ganz) e Cassiel (Sander) são dois anjos numa cidade obscura e devastada, uma Berlim pós-guerra nas vésperas da queda do muro. Estes anjos zelam pelas almas dos seres humanos num misto de admiração e de tentação, invejando-lhe as suas emoções. Um dia, Daniel apaixonase por Marion (Dommartin), trapezista de circo. Para experienciar os sentimentos ditos humanos, este tem de deixar a sua condição imortal de anjo. E é aí que conhece — mas não reconhece — o amor. Palma de Ouro em Cannes, As Asas do Desejo é uma verdadeira obraprima de Wim Wenders, três anos depois de Paris, Texas. Conjugando dois tipos de mundos, o mortal e o imortal, ambos coexistindo com os ambientes urbanos e citadinos. A preto e branco. Pesados e tristes. Belos e melancólicos.
Símbolo do mundo cinematograficamente delirante de Werner Herzog, e protagonizado pelo seu actor-fetiche Klaus Kinski (que tem a seu lado a luminosa presença de Claudia Cardinale), Fitzcarraldo conta a história de Brian Fitzgerald (Fitzcarraldo), um industrial arruinado e amante inveterado de ópera, cujo sonho (e obsessão) é construir um grande e faustoso teatro de ópera em Iquitos, no meio da selva peruana, e que esta seja inaugurada pelo grande tenor italiano Enrico Caruso. O principal problema é que, para isso, precisa de dinheiro e todos os potenciais investidores lhe negam ajuda. O filme esteve presente na sessão competitiva do Festival de Cannes de 1983 e, embora não tenha logrado alcançar a Palma de Ouro, foi premiado pela extraordinária realização de Herzog.
Título nacional: As Asas do Desejo (1987)
Título nacional: Fitzcarraldo (1982)
Realização: Wim Wenders
Realização: Werner Herzog
Elenco: Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Otto Sander
Elenco: Klaus Kinski, Claudia Cardinale, José Lewgoy
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TONARI NO TOTORO
KAGEMUSHA
PEDRO SOARES
PEDRO MIGUEL FERNANDES
O cinema de Hayao Miyazaki, o Walt Disney japonês, tem sempre como característica importante a fragmentação do núcleo familiar. O Meu Vizinho Totoro será, quiçá, aquele em que isso é mais evidente, na história de Satsuke e Mei, duas irmãs que, perante a ausência da mãe doente e do pai sempre a trabalhar, acabam por preencher esse vazio com novos amigos, criaturas mágicas que encontram no bosque, como o gigante Totoro (uma espécie de urso de peluche). Miyazaki espalha estes elementos surrealistas com um duplo objectivo: estimular a imaginação dos mais novos e falar de coisas importantes a brincar. Enquanto a Disney sempre preferiu a antropomorfização dos animais, o japonês recorre ao realismo mágico onde os fantasmas não são criaturas maldosas, mas antes companheiros fiéis.
Quando chegou a década de 80, Kurosawa estava numa das suas piores fases a nível pessoal e profissional. A má recepção de Dodeskaden levou-o a uma tentativa de suicídio e, até ao início dos anos 80, apenas rodou com apoio estrangeiro: Dersu Uzala na União Soviética e A Sombra do Guerreiro com a ajuda de Francis Ford Coppola e George Lucas, que garantiram a distribuição internacional do filme. A partir da história do sósia de um senhor de guerra, Kurosawa regressa aos seus temas de eleição: a História medieval do Japão e as lutas de poder, que poucos filmaram tão bem. Como noutros filmes, Kurosawa volta a utilizar grandes interpretações que remetem para o teatro tradicional nipónico e filma extraordinárias batalhas com uma fotografia a cores esplendorosa. Em suma, uma obra-prima absoluta.
Título nacional: O Meu Vizinho Totoro (1988)
Título nacional: A Sombra do Guerreiro (1980)
Realização: Hayao Miyazaki
Realização: Akira Kurosawa
Elenco: Hitoshi Takagi, Noriko Hidaka, Chika Sakamoto
Elenco: Tatsuya Nakadai, Tsutomu Yamazaki, Ken'ichi Hagiwara
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SPIELBERG | SCORSESE | ALLEN
SPIELBERG SCORSESE ALLEN JOSÉ CARLOS MALTEZ
Três nomes incontornáveis na definição do cinema dos anos 80 são Steven Spielberg, Martin Scorsese e Woody Allen. Todos eles saídos da geração que cresceu a ver e a estudar cinema, os chamados movie brats (com Francis Ford Coppola, George Lucas e Brian De Palma) começaram nos anos 70 com parcos orçamentos e visões pessoais, para entrarem na década de 80 como nomes fortes que gerariam fãs e muitos milhões de receitas. Com Spielberg a passar do thriller de gosto televisivo para histórias grandiosas para toda a família em épicos de aventura, históricos e de ficção científica, Scorsese a abordar o submundo americano, sob inspiração da Nouvelle Vague, para crescer para épicos de gosto clássico, e Allen a começar na comédia slapstick, para a tornar psicológica com homenagens a Bergman e Fellini, todos eles ajudaram a definir os anos 80 e a merecer uma entrada especial nesta revista.
MENÇÕES HONROSAS
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No Limiar da Realidade (Twilight Zone: The Movie, Joe Dante, John Landis, George Miller, Steven Spielberg, 1983) O Agente da Broadway (Broadway Danny Rose, Woody Allen, 1984) A Cor do Dinheiro (The Color of Money, Martin Scorsese, 1986) Os Dias da Rádio (Radio Days, Woody Allen, 1987) Uma Outra Mulher (Another Woman, Woody Allen, 1988) Crimes e Escapadelas (Crimes and Misdemeanours, Woody Allen, 1989) Histórias de Nova Iorque (New York Stories, Woody Allen, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, 1989) Sempre (Always, Steven Spielberg, 1989) Recordações (Stardust Memories, Woody Allen, 1980)
E.T. THE EXTRA-TERRESTRIAL JOÃO BIZARRO
E.T. - O Extra-Terrestre é um dos filmes que marca as gerações que viveram essa década de 1980. Um pequeno extraterrestre afasta-se do resto do seu grupo enquanto apanhavam plantas para levar para a sua nave e é deixado em terra. Um miúdo de 10 anos encontra-o e acolhe-o, fazendo de tudo para impedir que seja capturado e feito de cobaia pelas autoridades governamentais. Como acontecia nos clássicos de suspense de Spielberg, Um Assassino pelas Costas (Duel, 1971) e Tubarão (Jaws, 1975) o vilão não era visto ou aparecia já na parte final do filme, em E.T. - O Extra-Terrestre, o vilão são os adultos e, exceptuando a mãe de Elliot, só começam a aparecer na parte final. O filme foi quase todo filmado com a câmara ao nível das crianças e quando surgem adultos só vemos as pernas em grande parte das cenas. Título nacional: E.T. - O Extra-Terrestre (1982) Realização: Steven Spielberg Elenco: Henry Thomas, C. Thomas Howell, Dee Wallace, Drew Barrymore, Debra Winger
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THE COLOR PURPLE
EMPIRE OF THE SUN
JOÃO PAULO COSTA
ANTÓNIO ARAÚJO
Produzido logo após Indiana Jones e o Templo Perdido, A Cor Púrpura é frequentemente visto como o primeiro título adulto na filmografia de Steven Spielberg, até então normalmente associada ao “mero entretenimento”. Baseado no romance homónimo de Alice Walker, o filme percorre quatro décadas na história de uma afro-americana (Goldberg) no sul dos Estados Unidos, vítima de abuso às mãos do próprio pai e mais tarde do homem com quem se vê obrigada a casar. As interpretações excelentes e a música de Quincy Jones, bem como o habitualmente impecável olho de Spielberg para a composição de planos belíssimos aos quais o trabalho de luz de Allen Daviau faz inteira justiça, ajudam a ultrapassar alguns dos habituais excessos sentimentais na obra do autor e tornaram este num grande sucesso comercial.
Entre duas populares aventuras do arqueólogo Indiana Jones, Steven Spielberg filmou duas adaptações literárias de prestígio. Uma delas foi Império do Sol, um romance com traços autobiográficos das experiências do escritor J. G. Ballard enquanto prisioneiro em criança num campo de guerra japonês em plena Segunda Guerra Mundial. Acusado de ser uma versão higienizada e sacarina do livro, o filme que revelou Christian Bale é, no entanto, uma obra emocional, inspiradora e uma extensão temática do realizador no topo da sua forma. Spielberg, através da ingenuidade do olhar infantil, oferece-nos uma história de perda de inocência forçada por acontecimentos traumáticos naquela que foi a sua primeira abordagem a um tema muito pessoal ao qual regressaria mais tarde com o celebrizado A Lista de Schindler.
Título nacional: A Cor Púrpura (1985)
Título nacional: Império do Sol (1987)
Realização: Steven Spielberg
Realização: Steven Spielberg
Elenco: Whoopi Goldberg, Danny Glover, Oprah Winfrey
Elenco: Christian Bale, John Malkovich, Miranda Richardson
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AFTER HOURS HÉLDER ALMEIDA
O jovem Paul Hackett conhece a bonita Marcy num café. Antes de se ir embora, Marcy dá o seu número de telefone e informa Paul da sua morada. Nessa mesma noite, Paul telefona de forma a marcar um encontro com Marcy. Chegado à casa onde ela mora, a noite de Paul começa a entrar num espiral de loucura onde o jovem apenas quer regressar a casa. Considerado como um dos filmes mais subvalorizados de Martin Scorsese, Nova Iorque Fora de Horas é uma comédia satírica onde encontramos um Scorsese mais divertido do que o habitual, num filme bem escrito e interpretado e sempre com a realização frenética de Scorsese. Scorsese levou o prémio de melhor realizador no Festival de Cannes e, apesar de ter sido totalmente ignorado pelo público na altura, o filme ganhou um muito merecido estatuto de culto. Título nacional: Nova Iorque Fora de Horas (1985) Realização: Martin Scorsese Elenco: Griffin Dunne; Rosanna Arquette; John Heard
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THE KING OF COMEDY
THE LAST TEMPTATION OF CHRIST
RUI ALVES DE SOUSA
JOSÉ CARLOS MALTEZ
Martin Scorsese juntou Jerry Lewis e Robert de Niro numa das sátiras mais implacáveis ao mediatismo televisivo. Com a história de Rupert Pupkin, um aspirante a comediante (de Niro) cuja vida gira à volta do seu ídolo (Lewis), traça-se um retrato assombroso e muito perspicaz sobre as divergências entre o mundo real e a ilusão provocada pela TV, bem como o que se encontra entre a fama e a ambição de se ser famoso (com Pupkin a ter comportamentos extremos para concretizar o seu objectivo: ser o novo Jerry). Passou despercebido na sua estreia, mas uma (re)visita contemporânea mostra como é tão actual, tanto para o contexto dos anos 80 como em 2017 — provavelmente, talvez até seja hoje mais pertinente do que em alguma outra época. Uma das grandes pérolas escondidas da filmografia de Scorsese.
Conhecido pelas suas descrições inovadoras do submundo do crime da selva urbana de Nova Iorque, Martin Scorsese não deixa de nos surpreender pelas suas incursões em estilos diferentes. Foi o caso de A Última Tentação de Cristo em que Scorsese mergulhou na sua educação católica para, baseado no livro homónimo de Nikos Kazantzakis, analisar a humanidade da pessoa de Jesus Cristo. Filmando em África, em cenários naturais, numa abordagem crua, mas visualmente impressionante, Scorsese afastou-se dos clichés dos filmes bíblicos de Hollywood e ofendeu os fundamentalistas que não perdoaram que Jesus pudesse amar mulheres e boicotaram o filme nalgumas partes do globo. Mas acima de tudo, Scorsese lançou uma pedrada no charco com um retrato de Cristo tão comovente como irreverentemente original.
Título nacional: O Rei da Comédia (1982)
Título nacional: A Última Tentação de Cristo (1988)
Realização: Martin Scorsese
Realização: Martin Scorsese
Elenco: Robert de Niro, Jerry Lewis, Diahnne Abbott
Elenco: Willem Dafoe, Harvey Keitel, Barbara Hershey
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HANNAH AND HER SISTERS RUI ALVES DE SOUSA
Este é um grandioso mosaico sobre a vida urbana, a infidelidade, o amor, a fé, a consciência e a sociedade. Através das relações familiares e amorosas de três mulheres (a dita Hannah do título e as suas duas irmãs), constrói-se uma história que tem nas ambiguidades da vida o seu pano de fundo. As vidas que por aqui passam encontram-se, afastam-se, redescobrem-se, entristecem-se, e são surpreendidas, tudo ao mesmo tempo – ou quase. Esta trama de romances trocados e neuroses dá o mote ao filme perfeito de Woody Allen, uma comédia dramática com uma densidade sem igual. Um elenco que nos dá extraordinárias interpretações, e uma energia narrativa e visual que, em nenhuma outra ocasião, conseguimos encontrar nos filmes do cineasta, que aqui também leva a sua persona a outras dimensões. Título nacional: Ana e as Suas Irmãs (1986) Realização: Woody Allen Elenco: Mia Farrow, Dianne Wiest, Michael Caine
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ZELIG
THE PURPLE ROSE OF CAIRO
PEDRO SOARES
JOÃO PAULO COSTA
Leonard Zelig foi um homem extraordinário, capaz de assumir as características de qualquer pessoa que estivesse junto de si. Esta particularidade valeu-lhe a alcunha de Camaleão e foi, durante os anos 20, uma atracção nos Estados Unidos. Depois caiu no esquecimento até ao anonimato. Porquê? Porque nunca existiu! Zelig é um falso-documentário sobre este homem, interpretado pelo próprio Woody Allen, que constrói a sua vida através de reconstituições de época, fotos manipuladas e found footage. Realidade e ficção misturam-se sem que os limites onde começa uma e termina a outra se percebam a olho nu. Tudo isto é embrulhado com o humor inteligente de Allen sobre perda de identidade. Se a década de 70 foi a mais brilhante na sua filmografia, a de 80 foi sem dúvida a mais inventiva.
A Rosa Púrpura do Cairo é um dos raros títulos na filmografia de Woody Allen a merecer o selo de aprovação do seu autor, geralmente bastante insatisfeito com o resultado dos próprios filmes em comparação com aquilo que imaginara originalmente. E Allen tem razões para se sentir orgulhoso uma vez que esta história sobre as propriedades escapistas do Cinema como refúgio do cruel mundo real (no caso, a América mergulhada numa profunda Depressão) é uma divertida e comovente homenagem à Sétima Arte, banhada em tons fantásticos e acontecimentos tão bizarros quanto inexplicáveis — após assistir repetidamente à exibição do mesmo filme, Cecilia (Farrow) vê a sua personagem favorita (Daniels) sair literalmente da tela e fugir consigo da sala de cinema para se aventurar nas ruas sujas de New Jersey.
Título nacional: Zelig (1983)
Título nacional: A Rosa Púrpura do Cairo (1985)
Realização: Woody Allen
Realização: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, Patrick Horgan
Elenco: Mia Farrow, Jeff Daniels, Danny Aiello
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E.T. - O Extra-Terrestre, 1982
A ESCOLA SPIELBERG ANTÓNIO ARAÚJO
Para uma certa fatia de benjamins cinéfilos em potência na transição da cinzenta década de setenta para a colorida década de oitenta, onde se inclui este que se assina, Steven Spielberg era a representação suprema de uma divindade cinéfila a par de George Lucas e do seu Star Wars (1977) — numa altura em que ainda era permitido chamar-lhe A Guerra das Estrelas. A cumplicidade entre o tímido barbudo e o homem que tinha oferecido ao mundo Tubarão (Jaws, 1976) e Encontros Imediatos do 3º Grau (Close Encounters of the Third Kind, 1977) deu origem logo em 1981, em Os Salteadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark), a um dos mais icónicos heróis do cinema produzido na segunda metade do século vinte: Indiana Jones. Sem dúvida nenhuma, Spielberg foi decisivo na mudança, para o bem e para o mal, do paradigma do cinema comercial americano, mas as acusações muitas vezes lançadas sobre o realizador — de ser sacarino, politicamente correcto e populista — esquecem o seu lado mais negro. O referido Tubarão, hoje em dia um título de referência generalista, é na verdade um filme enraizado em conceitos do mais puro terror. Um Assassino pelas Costas (Duel, 1971), o filme realizado para televisão que viria a estrear comercialmente nos cinemas europeus, é um filme de uma quase insustentável tensão ao longo de toda a sua curta duração.
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Além disso, a mestria de Spielberg para contar uma história faz com que a sua arte pareça fácil. Os seus filmes têm uma fluidez visual e narrativa inimitáveis e, mais importante que o padrão comercial definido pelo autor, o que realmente inspirou público e futuros cineastas foi o seu padrão artístico, especialmente durante a década de oitenta. E.T. - O Extra-Terrestre (E.T. the Extra-Terrestrial, 1982) colocou o mundo a chorar baba e ranho e, pegando numa das cenas mais memoráveis do filme que melhor encapsula os seus talentos, queimou nos nossos cérebros susceptíveis a marca da sua recém-criada produtora Amblin Entertainment. No mesmo ano, ocupado com o filme sobre o simpático extraterrestre, ofereceu a realização de Poltergeist, o Fenómeno (Poltergeist) a Tobe Hooper — para todos os efeitos o realizador oficial do filme, apesar dos relatos do forte envolvimento de Spielberg no processo de filmagem. Poltergeist, o Fenómeno é a antítese de E.T. - O Extra-Terrestre. Com um argumento do próprio Spielberg — caso raro na sua carreira —, conta a história aterradora de uma habitação familiar possuída por uma entidade sobrenatural com intenções pouco amigáveis. Os elementos típicos Spielberguianos (sem me permitem a expressão) estão todos lá: os bairros idílicos dos subúrbios norte-americanos, o tecido familiar como protagonista central da história, a infância como perspectiva
A Lista de Schindler, 1993 privilegiada da narrativa. No entanto, aqui servem uma história de terror que marcou profundamente quem viu o filme em criança e que demonstrou que também existem trevas num realizador normalmente considerado luminoso. Entretanto, a Amblin servia como selo de qualidade em filmes realizados pelo próprio Spielberg e por alguns colegas que o realizador e produtor decidiu apoiar — Joe Dante, Kevin Reynolds, Barry Levinson, Robert Zemeckis ou Richard Donner são alguns dos nomes com filmes marcantes sob o desígnio da produtora. Além disso, era um viveiro de talento num processo de polinização cruzada que optimizava os recursos de forma eficiente e alimentava a fogueira de talento protegida pelo generoso produtor. Por exemplo, para a escrita do argumento de Os Goonies (The Goonies, Richard Donner, 1985), Spielberg voltou a confiar em Chris Columbus — o criador da história de Gremlins - O Pequeno Monstro (Gremlins, Joe Dante) no ano anterior.
créditos, afastar-se-ia do processo, mas nestes primeiros passos da produtora manteve-se sempre muito próximo dos realizadores com quem colaborava. Nos anos oitenta, ofereceu-nos, além dos títulos já referidos, a celebrizada trilogia de viagens no tempo Regresso ao Futuro (Back to the Future, 1985 / Back to the Future Part II, 1989 / Back to the Future Part III, 1990), realizada por Robert Zemeckis, autor que ainda hoje desafia os limites visuais da arte cinematográfica de contar histórias e que foi também responsável em 1988 pelo incontornável filme que misturou acção real com personagens da banda desenhada Quem Tramou Roger Rabbit? (Who Framed Roger Rabbit); O Enigma da Pirâmide (Young Sherlock Holmes, Barry Levinson, 1985), um marco na história dos efeitos especiais — foi a primeira longa-metragem a ter uma personagem completa desenhada por computação gráfica; as aventuras fantásticas de 1987 O Micro-Herói (Innerspace, Joe Dante) e O Milagre da Rua 8 (*batteries not included, Matthew Robins); bem como comédias familiares e filmes de animação para os mais novos.
Apesar de Spielberg ter optado por realizar neste período filmes mais “sérios” ou “adultos” — A Lista de Schindler (Schindler's List, 1993) seria posteriormente produzido também pela Amblin, por exemplo —, a sua maior contribuição enquanto produtor eram filmes familiares de grande espectáculo. Mais tarde, apesar do seu nome aparecer nos
Curiosamente, alguns dos protegidos de Spielberg emularam os seus sucessos fora da alçada do cineasta. Em 1984, Robert Zemeckis pegou na fórmula da aventura exótica de Indiana Jones e deu-lhe uma reviravolta romântica em Em Busca da Esmeralda Perdida (Romancing the Stone), com Michael Douglas e Kathleen Turner nos principais 224
O Micro-Herói, 1987 papéis. No ano seguinte, Joe Dante recuperou o espírito do amigável extraterrestre castanho em Os Exploradores (Explorers), uma fantasia de ficção-científica com River Phoenix e Ethan Hawke onde um grupo de amigos recebe um chamamento para construir uma nave-espacial e ir ao encontro das entidades que os convocam. Isto para não falar dos mil e um sucedâneos de qualidade duvidosa que tentaram capitalizar com os maiores sucessos do autor: Os Aventureiros do Fim do Mundo (High Road to China, Brian G. Hutton, 1983), As Minas de Salomão (King Solomon's Mines, 1985) e Caminho de Fogo (Firewalker, 1986), ambos de J. Lee Thompson, O Voo do Navegante (Flight of the Navigator, Randal Kleiser, 1986) ou O Meu Amigo Mac (Mac and Me, Stewart Raffill, 1988) são apenas alguns dos títulos dos quais o leitor se poderá (não) lembrar.
passam ao lado da magia da descarada inspiração. E, quando surgem homenagens mais directas ao seu trabalho — veja-se o caso mais óbvio de Super 8 (J. J. Abrams, 2011), curiosamente produzido pela Amblin —, estas tomam a forma de reproduções estéticas daquele glorioso grupo de filmes dos anos oitenta que nos estimulou a imaginação e nos ajudou a sonhar com a vida para além do nosso planeta e com aventuras exóticas em busca de tesouros bíblicos, mas também com a segurança de um refrescante banho numa piscina de água doce.
Spielberg definiu inequivocamente o panorama do cinema actual. À luz dos blockbusters de Hollywood que grassam nas salas de cinema de todo o mundo, este não parece ser um feito digno de celebração. Mas não nos esqueçamos que o realizador não pode responder pelos trabalhos dos outros. Terry Gilliam provavelmente discordaria, mas os filmes de Spielberg são, na maioria dos casos, inteligentes, emocionais, inspiradores e, no mínimo, competentes. A sua influência disseminouse de tal forma que se foi diluindo em incontáveis subprodutos que 225
AWARD EATERS
AWARD EATERS SARA GALVÃO
Nada define uma época melhor do que descobrir que filmes é que ganharam os Óscares da Academia de Hollywood e não o mereciam. Que atire a primeira pedra quem achar que Gente Vulgar é melhor do que Touro Enraivecido ou O Homem Elefante, ou que O Último Imperador é melhor do que Atracção Fatal, ou, talvez um dos mais dolorosos, Miss Daisy a ganhar contra O Clube dos Poetas-Mortos. Enquanto isso, no equivalente europeu pretensioso dos Óscares, Cannes deliciava-se a premiar Wajda, Kurosawa, Costa-Gravas, Wenders, Kusturica, Joffé e Soderbergh. São prémios irrelevantes para a História do Cinema, talvez, mas que tantas vezes decidem o que é visto ou ignorado, que carreiras prosseguem num novo fôlego e quais afundam. O cinema, enquanto indústria que gosta de estatuetas douradas, não pode ser ignorado. Os anos 80 também foram uma década que — tal como a maioria das outras — falhou a reconhecer as suas maiores contribuições para a Sétima Arte.
MENÇÕES HONROSAS
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Laços de Ternura (Terms of Endearment, James L. Brooks, 1983) O Último Imperador (The Last Emperor, Bernardo Bertolucci, 1987) Kagemusha - A Sombra do Guerreiro (Kagemusha, Akira Kurosawa, 1980) O Homem de Ferro (Czlowiek z zelaza, Andrzej Wajda, 1981) Missing - Desaparecido (Missing, Costa-Gavras, 1982) O Pai Foi em Viagem de Negócios (Otac na sluzbenon putu, Emir Kusturica, 1985) A Missão (The Mission, Roland Joffé, 1986) Pelle, o Conquistador (Pelle erobreren, 1987, Bille August) Ao Sol de Satanás (Sous le soleil de Satan, Maurice Pialat, 1987) A Balada de Narayama (Narayama bushikô, Shôhei Imamura, 1983)
ORDINARY PEOPLE
CHARIOTS OF FIRE
PEDRO MIGUEL FERNANDES
SARA GALVÃO
Ao primeiro filme enquanto realizador, Robert Redford conseguiu a proeza de alcançar alguns dos principais Óscares: Melhor Filme (ganhando a Toiro Enraivecido), Realizador, Argumento Adaptado e Actor Secundário (teria ainda duas nomeações, uma para Atriz Principal e mais uma para Actor Secundário). Gente Vulgar é um melodrama adulto sobre a perda e a forma de lidar com o luto a partir da história de uma família de classe média alta na sequência da morte do filho mais velho e da tentativa de suicídio do mais novo. A estreia bastante segura de Redford atrás das câmaras conta ainda com interpretações fortíssimas de actores novatos (Timothy Hutton) ou oriundos de meios completamente longínquos do género, como era o caso de Judd Hirsch, à época conhecido pela sua participação na sitcom Táxi.
(Colocar música de Vangelis em fundo.) E que tal um filme que metade é em câmara lenta, e a outra metade é tão britânico que é como se tivéssemos tido um banho de imersão em Earl’s Grey enquanto comemos Shortbread Biscuits? Momentos de Glória prova que o oscar bait estava bem e recomendava-se nos anos 80, com um filme extremamente épico sobre tipos de alta sociedade (ok, um é escocês e o outro é judeu, mas ambos sem grandes dificuldades de vida) que se tentam derrotar um ao outro, e também aos americanos, porque GrãBretanha e sei lá mais quê. Há momentos de drama altíssimo — será que ele vai correr, ou vai à missa? — e, claro está, para os apreciadores de roupa interior branca, este é um filme obrigatório. Mas, de resto, é um filme desnecessariamente lento sobre corridas.
Título nacional: Gente Vulgar (1980)
Título nacional: Momentos de Glória (1981)
Realização: Robert Redford
Realização: Hugh Hudson
Elenco: Donald Sutherland, Mary Tyler Moore, Judd Hirsch
Elenco: Ben Cross, Ian Charleson, Nicholas Farrell
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GANDHI
OUT OF AFRICA
JOSÉ CARLOS MALTEZ
DIANA MARTINS
Um filme biográfico (biopic) sobre uma pessoa célebre é quase sempre sinónimo de sucesso comercial e de insipidez artística. Gandhi confirmou o primeiro campo, mas felizmente superou no segundo. Ao equilibrar a narração de factos históricos (numa superprodução elegante) com um estudo de personalidade comovente, Richard Attenborough aliou a grandeza da história à subtileza do protagonista, maravilhosamente interpretado por Ben Kingsley. Pelo seu exemplo abnegado e sincero de luta pacifista pela independência no respeito entre povos, Mahatma Gandhi é ainda uma inspiração para quantos vêem o filme e se deixam surpreender ao ver que este homem existiu mesmo. Sem surpresa, Gandhi ganhou oito Óscares (incluindo Filme, Realizador, Argumento e Actor) das onze categorias em que foi nomeado.
Isak Dinesen, pseudónimo da dinamarquesa Karen Blixen, viveu em África entre 1913 e 1931. Sidney Pollack traz-nos as suas memórias e experiências africanas, reportadas em África Minha e Sombras no Capim, neste drama biográfico de 1985. Merly Streep (Karen), no papel de jovem aristocrática, parte para África para se casar com Bror, um barão sueco (Klaus-Maria Brandauer). Esta relação pautada pelos constantes deslizes do marido está condenada à ruptura, determinada pela infecção de sífilis de Karen. Ficando sozinha na sua plantação de café, conhece Denys (Robert Redford), pelo qual se apaixona e vive uma verdadeira história de amor. Com uma fotografia bela sobre um continente com todo um esplendor natural, África Minha tornou-se um filme incontornável, vencedor de 7 Óscares e muitos fãs.
Título nacional: Gandhi (1982)
Título nacional: África minha (1985)
Realização: Richard Attenborough
Realização: Sydney Pollack
Elenco: Ben Kingsley, Candice Bergen, Edward Fox, John Gielgud
Elenco: Meryl Streep, Robert Redford, Klaus Maria Brandauer
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AMADEUS
RAIN MAN
JOSÉ CARLOS MALTEZ
CÁTIA ALEXANDRE
Pegar na vida de um famoso compositor clássico e transpô-la para cinema é algo já muitas vezes feito e poucas vezes bem conseguido. Mas Miloš Forman mostrou ao mundo, em 1984, como uma biopic feita de ingredientes clássicos também pode originar um grande filme. A partir da peça de Peter Shaffer e da química fulgurante de Tom Hulce e F. Murray Abraham, Forman criou um quase thriller baseado na pretensa rivalidade entre Wolfgang Amadeus Mozart e Antonio Salieri. Entre percursos musicais e intrigas de corte, Forman lança um olhar para a personalidade desconcertante do génio Mozart e ensina-nos como um clássico filme de época pode ser irreverente, corrosivo, e ser contado através do uso imaginativo da música que está na sua base. O óscar de Melhor Filme foi o troféu quase inevitável.
Definitivamente, um dos filmes da minha infância e talvez a minha primeira ideia daquilo que possivelmente poderia ser (na altura um pouco desconhecido para mim) afinal o autismo. Tom Cruise e Dustin Hoffman são dois irmãos separados pelo tempo cujas diferenças estão longe de ser só temporais. É notável o trabalho de Barry Levinson e da realização de grande simplicidade, mas de enorme valor, com duas interpretações de sonho — das melhores da carreira de Hoffman e Cruise. Emotivo sem ser demasiado lamechas, aceitando sempre a realidade dos acontecimentos, Rain Man é um filme fascinante que não só demonstra as limitações do autismo, mas também das barreiras que devem ser quebradas e da importância da partilha do amor e da aceitação perante as adversidades da vida.
Título nacional: Amadeus (1984)
Título nacional: Rain Man – Encontro de Irmãos (1988)
Realização: Miloš Forman
Realização: Barry Levinson
Elenco: F. Murray Abraham, Tom Hulce, Elizabeth Berridge
Elenco: Dustin Hoffman, Tom Cruise, Valeria Golino
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MY LEFT FOOT: THE STORY OF CHRISTY BROWN
SOPHIE'S CHOICE
SARA GALVÃO
DIANA MARTINS
O filme que deu o primeiro Óscar a Daniel Day-Lewis conta a história verídica de Christy Brown, um irlandês com paralisia cerebral que cresce para se tornar um escritor e artista. O preconceito dos vizinhos, a aceitação dos amigos e o apoio incondicional da mãe (assim como a conturbada relação com o pai) são todos relatados no livro de Christy, tal como a sua procura incessante — muitas vezes em vão — por um amor verdadeiro. Jim Sheridan estreia-se aqui na realização com uma personagem que ganharia, evidentemente, (quase) todos os prémios para Day-Lewis — isto antes de Hollywood se saturar com histórias biográficas de alguém com problemas físicos e/ou mentais que sofre grandes adversidades antes de encontrar amor/amizade/o sentido de pertença na sua família.
A Escolha de Sofia é conhecido por ser o primeiro filme a dar o Óscar de Melhor Atriz a Meryl Streep, em 1982. Neste, Sofia (Streep) é uma imigrante polaca que sobreviveu aos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial. Em 1947, vive agora em Nova Iorque com Nathan (Kevin Kline), um judeu americano. É nesta relação inconstante e temperamental que entra Stingo (Peter MacNicol), um jovem aspirante a escritor que se muda para o mesmo apartamento. Contudo, um conjunto de segredos e mal-estares compassados impera entre os três, adensando-se ao longo do filme. Alan J. Pakula traz-nos uma obra humana que nos perturba e nos envolve. É, contudo, Meryl Streep quem faz o filme com uma construção de uma Sofia misteriosa e trágica. Sobre o ser humano e o seu poder de fazer… escolhas.
Título nacional: O Meu Pé Esquerdo (1989)
Título nacional: A Escolha de Sofia (1982)
Realização: Jim Sheridan
Realização: Alan J. Pakula
Elenco: Daniel Day-Lewis, Brenda Fricker, Alison Whelan
Elenco: Meryl Streep, Kevin Kline, Peter MacNicol
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ISHTAR
HEAVEN'S GATE
SARA GALVÃO
RUI ALVES DE SOUSA
Ishtar, considerado um dos maiores desastres de bilheteira de todos os tempos, não é tão mau como se poderia esperar — o que não quer dizer que seja bom. A história de dois músicos falhados que conseguem ser contratados para tocar em Marrocos, num bar chamado Chez Casablanca (wink wink), e que acabam por se envolver numa teia de espionagem e intriga política por acidente, tem algo de Zoolander (2001) e Tempestade Tropical (Tropic Thunder, 2008), embora nem Hoffman nem Beatty consigam chegar aos calcanhares de timing e expressão do actor-realizador Ben Stiller. Uma mistura mal-amanhada de comédia sobre pessoas sem talento que tentam a todo o custo seguir o sonho e a influência americana no Médio Oriente, Ishtar cai bem com um balde de pipoca de caramelo e baixas expectativas.
Completamente trucidado pela crítica e pelo público na altura da sua estreia, As Portas do Céu tem sido reavaliado com profundidade nos últimos anos — principalmente depois do realizador divulgar um novo restauro que devolvia o filme às suas intenções originais. Michael Cimino cruza personagens de várias gerações, bem como o melhor e o pior de cada uma delas (as paixões, os desgostos, as mudanças de personalidade e as ilusões), para realizar um gigantesco épico sobre o passado sombrio dos EUA. Incompreendido pelo seu estilo violento, pode ser visto agora como um dos poucos filmes que fala verdadeiramente da alma americana e que não merece nada continuar a receber o título de "pior filme de todos os tempos".
Título nacional: Ishtar (1987)
Título nacional: As Portas do Céu (1980)
Realização: Elaine May
Realização: Michael Cimino
Elenco: Warren Beatty, Dustin Hoffman, Isabelle Adjani
Elenco: Kris Kristofferson, Christopher Walken, Sam Waterston
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Ishtar, 1987
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Aeroplano!, 1980
PRIMEIRAS OBRAS SARA GALVÃO
“Back in the 80s, when movies sucked”, disse Tarantino um dia. E não é o único a pensar assim. Para muitos, depois dos gloriosos anos 60 e 70, quando New Hollywood deu voz aos chamados auteurs que, inspirados pelas tendências europeias da Nouvelle Vague e não só, dançaram nas ruínas do studio system com criatividade e ousadia, os anos 80 aparecem como um regresso ao formulaico com o nascimento do blockbuster (obrigado Steven Spielberg!) e do filme para adolescentes (obrigado George Lucas!). O cinema deixou de ser arte para ser uma espécie de ready-made — quão pós-moderno… —, facilmente consumível e de pouco sabor, qual pastilha elástica de marca branca.
Mas esta perspectiva negativa dos anos 80 como o início do fim para o cinema como Sétima Arte é, no mínimo, exagerada. Primeiro, a história do cinema não se resume a Hollywood, e não só o cinema independente americano como outras vozes mais internacionais tiveram um período brilhante de criatividade durante esta década. A influência da geração MTV e, talvez mais importante, da geração que trabalhou em publicidade (Ridley & Tony Scott, Alan Parker) significou não só ideias visuais simples e imediatas que servem a narrativa, mas também uma nova importância nas propriedades sedutoras da imagem, explorando as capacidades visuais da sétima arte até ao limite — algo ajudado pela incipiente indústria dos efeitos especiais computadorizados e por uma maior tolerância da audiência a uma montagem mais rápida.
Tais acusações não são desprovidas de razão. A década de 80 é marcada por um aparente regresso a um Hollywood clássico e conservador — com Reagan e Bush no poder, o cinema parece concentrar-se em não fazer ondas, produzindo filmes de entretenimento pueril. Com os filmes high concept e os franchises a ganharem popularidade, assim como o nascimento de um novo rating — PG-13 (que indica a tendência do público alvo dos próximos 40 anos) —, narrativas que podem ser resumidas em uma ou duas frases e o crescimento da mentalidade videoclip, é fácil ver porque muitos torcem o nariz à década e ao seu mais recente revivalismo.
Nas linhas de Roger Corman, e com a ajuda da mentalidade punk, baixo orçamento e experimental deixaram de ser o subterfúgio do filme de arte ou B e começaram a aparecer no vocabulário mainstream. Na mesma linha, e com a ajuda do mercado de vídeo que cria o espaço para os chamados filmes de culto e nicho, o cinema independente ganha um novo fôlego. E, talvez não por coincidência, a 31 de Março de 1981, aparecem os anti-Óscares, os Razzies, que celebram o pior do cinema.
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Com o abrandamento da censura e o nascimento do PG-13, aparecem filmes mais ousados (é a época dourada do thriller erótico), e até James Bond (interpretado então por Roger Moore) se torna mais realista. Novas estrelas de comédia, vindas sobretudo do recém-estreado Saturday Night Live, começam a aparecer. De repente, o género cinematográfico deixa de ser o Anticristo (como é visto por alguns ingénuos, leitores vorazes do Easy Riders Raging Bulls do Biskind, que acreditam que existe algo chamado cinema “puro”, feito fora de um contexto industrial e económico) para ser uma estrutura que qualquer realizador com talento consegue trabalhar para os seus objectivos, sendo possível fazer um filme pessoal dentro das “regras”.
Aonde é que Pára a Polícia, 1988
E, talvez mais importante que tudo o resto, com o crescimento da importância das escolas de cinema desde os anos 60 e a maior disponibilidade de títulos do cinema internacional, uma nova geração de realizadores está prestes a aparecer. Eles — e elas — consumiram O Sétimo Selo e A Guerra das Estrelas no mesmo fôlego. Criados pela permissiva geração dos anos 60, cresceram frente à televisão, trabalharam em publicidade, estudaram cinema na Europa ou pura e simplesmente estavam no sítio certo à hora certa. “Nascidas” nos anos 80, umas com êxito, outras achincalhadas pela crítica, outras pura e simplesmente ignoradas, as primeiras obras destes realizadores dizem 238
Aeroplano!, 1980 muito sobre a década, os seus criadores e, algumas até, sobre carreiras futuras e temas recorrentes. OS FILMES Em 1980, John Lennon foi assassinado, Reagan eleito presidente, e Pacman foi lançado no mercado. Embora estes três eventos não estejam relacionados entre si — pelo menos o Oliver Stone ainda não decidiu filmar algo sobre isso — eles resumem bem a década que começa: o fim do positivismo dos anos 60, o início de um novo tipo de conservadorismo e o desejo de escapismo (ajudado pela tecnologia dos videojogos/computadores). Contudo, para três amigos de infância em Milwaukee, Wisconsin, passar os dias em frente a um computador ainda não era uma possibilidade. Os irmãos David e Jerry e o amigo Jim tiveram de arranjar outra maneira de sobreviver aos difíceis anos de liceu. Não sendo especialmente bons alunos, decidiram ser engraçados. Quando acabaram a escola, os três mudaram-se para Los Angeles e começaram a fazer sketches de teatro no mítico Kentucky Fried Theatre. As sessões tinham tanto ritmo e eram tão engraçadas que o produtor Lorne Michaels, depois de os ver, decidiu fazer o mesmo num formato televisivo — e assim nasceu o Saturday Night Live.
Jim Abrahams, David & Jerry Zucker — conhecidos como ZAZ — escreveram uma longa-metragem baseada nos seus sketches, mas como não sabiam absolutamente nada sobre cinema decidiram contratar um então desconhecido John Landis para levar ao ecrã O Filme Mais Maluco do Mundo (The Kentucky Fried Movie, 1977). Logo depois, quiseram atirar-se para o lado fundo da piscina e, depois de conseguirem os direitos para um estranho filme que gravaram por acidente durante as horas da matina — Entre a Vida e a Morte (Zero Hour!, Hal Bartlett, 1957) — copiaram descaradamente a narrativa onde, após uma intoxicação alimentar a bordo, um passageiro tem de aterrar um voo comercial. Com uma pitada de piscadelas ao franchise Aeroporto, assim nasceu Aeroplano! (Airplane!, 1980) , um spoof que se tornou tão maior que as suas fontes, filmado em 34 dias, e que foi apresentado aos produtores como (imagine-se) A República dos Cucos (Animal House, 1978, John Landis) num avião. Um dos grandes golpes de génio dos ZAZ (perdido para as gerações mais recentes) é que todos os actores do filme tinham uma carreira prévia bastante séria. De facto, Aeroplano! relançou a carreira de Leslie Nielsen (que antes era — imagine-se — um herói romântico). Um sucesso de bilheteira com piadas a um ritmo alucinante, não poderia ter sido uma estreia mais auspiciosa para os ZAZ que daí para a frente iriam realizar títulos como os franchises Aonde é que Pára a Polícia (Naked Gun) e Ases pelos Ares
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O Clube dos Malandrecos, 1980 (Hot Shots), mas que permaneceram o mais longe possível da sequela Aeroplano 2.
um espectáculo porco sexual que seria mais seguro ver num preservativo de corpo inteiro”. O próprio Almodóvar goza com a obra dizendo que “Quando um filme só tem um ou dois [defeitos], é considerado um filme imperfeito, mas quando há uma profusão de falhas técnicas, chama-se estilo.”
Outra comédia de sucesso da altura, e a primeira longa-metragem de Harold Ramis, foi O Clube dos Malandrecos (Caddyshack, 1980). Ramis, que trabalhou como professor e jornalista (incluindo como escritor de piadas para a Playboy), não teve grande sucesso quando O Clube dos Malandrecos estreou (só anos mais tarde é que adquiriria um estatuto de culto e seria considerado uma das grandes comédias de sempre) e teria de esperar por 1993 com O Feitiço do Tempo (Groundhog Day) para vingar em Hollywood à séria. Apesar de tudo, O Clube dos Malandrecos, inspirado em episódios reais da vida dos escritores, mal-grado a péssima tradução portuguesa, tem o inesquecível Bill Murray (que improvisa por grande parte do filme) e toupeiras dançantes (ambos os elementos claramente uma marca de auteur) — e que mais se pode querer numa comédia dos anos 80?
Tendo em conta as circunstâncias, podia ter sido muito pior. Almodóvar (que estudou para padre) aprendeu cinema por si mesmo (Franco tinha fechado todas as escolas de cinema) e, depois de várias curtas mais ou menos bem-sucedidas, decidiu fazer a sua primeira longa baseada no seu próprio cartoon “Erecciones Generales”. A rodagem durou um ano e meio porque teve de ser organizada à volta da disponibilidade de Almodóvar, que tinha na altura um emprego a tempo inteiro. No fim desse ano e meio, o filme tinha a duração de 50 minutos — e foram precisos fundos extra para conseguir filmar mais meia hora de conteúdo para qualificar o filme como longa.
Mas nem todos os realizadores se podem estrear com comédias bemsucedidas. Perguntem a Pedro Almodóvar cuja primeira longa, Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo (Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón, 1980), não foi recebida com grande entusiasmo pela crítica — Rita Kempley chamou-lhe mesmo “uma estreia amadora de realização,
Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo tornou-se num dos filmes de culto da La Movida Madrileña (o período de liberdade sexual e cultural em Espanha após a morte de Franco) e, apesar de não tão colorido e saturado como os filmes posteriores do realizador espanhol, é bastante mais cru e ousado. Não há tabu que não seja explorado, desde 240
Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo, 1980 “chuveiros dourados” a concursos de tamanhos de genitais. Tendo como temas a independência feminina, a ideia de resistência e solidariedade e a amizade entre mulheres (todos temas constantes da obra de Almodóvar), é um objecto curioso e divertido.
história, Jarmusch vai e reescreve-a… com ainda menos coisas a acontecerem — conseguindo assim a admiração de Ray. Sempre em Férias conta a história de Allie que, qual punk flanneur, vagueia pela urbe ao som de jazz e sinos, com encontros breves com estranhas personagens. O filme, que ganhou prémios e conseguiu algum sucesso comercial apesar do seu carácter experimental, é considerado um dos filmes mais pessoais do realizador e toca em temas que seriam muitas vezes revisitados nas suas obras futuras: o marginal numa terra desconhecida, o ennui masculino, o desejo de escape, uma América pouco ou nada glamorosa, personagens alienadas, decadência industrial e a ausência de um sentido de comunidade, isto enquanto experimenta subtilmente com a linguagem cinematográfica e o conceito de género.
Num lado mais experimental, Jim Jarmusch, estudante na escola de cinema Tisch School of the Arts em Nova Iorque (onde conheceu Sara Driver, Tom DiCillo, Howard Brookner e Spike Lee), desvia fundos da sua bolsa de estudo para financiar a sua primeira longa/filme tese: Sempre em Férias (Permanent Vacation, 1980). A reacção da escola não se fez esperar ao negar-lhe o diploma, mostrando assim o quão desnecessário é um pedaço de papel no futuro de alguém com verdadeiro talento. Jarmusch, amante da contracultura, queria inicialmente ser um poeta. Por isso foi para Paris durante 10 meses onde, felizmente para nós, deu por si na Cinemateca a ver filmes europeus e alternativos americanos. Quando voltou aos EUA, o seu destino já estava decidido. O episódio da bolsa não foi o único momento em que Jarmusch se mostrou indiferente ao sistema. Tendo conseguido um trabalho como assistente de realização com Nicholas Ray para Nick’s Movie – Um Acto de Amor (Lightning Over Water, Nicholas Ray & Wim Wenders, 1980), Jarmusch mostra-lhe um guião. Quando Ray o critica por nada acontecer na
Outro dos grandes realizadores “alternativos” que se estrearam em 1980 (se bem que este parece ter desaparecido nos finais dos anos 90) foi Peter Greenaway. O galês, que queria ser pintor, conseguiu um trabalho no British Film Institute e, mais tarde, no Central Office of Information (1965) onde trabalhou como editor e realizador. Depois de várias curtas, todas de carácter experimental/artístico, Greenaway decidiu criar a sua primeira longa, The Falls, onde relata, em jeitos de documentário, as histórias de 92 personagens, todas com o sobrenome começado por 241
A Maldição do Vale dos Faraós, 1980 (os dois seguintes filmes da trilogia seriam sobre heavy metal e gutter punk, respectivamente). Um retrato geracional francamente assustador (Spheeris consegue as confissões mais absurdas dos membros das bandas, assim como momentos de raiva pura, em palco e fora dele), O Declínio da Civilização Ocidental é apenas o segundo filme mais conhecido da realizadora — Quanto Mais Idiota Melhor (Wayne’s World) tomaria o topo do pódio em 1992. Apesar do sucesso deste, que seria o seu primeiro filme de estúdio, Spheeris desapareceu de cena pelo meio dos anos 90.
Fall. Com música de Michael Nyman, imensa simbologia e in-jokes, e linhas memoráveis (“transferiu as suas afeições para um peru”, entre outras), The Falls marca o início de uma carreira repleta de filmes barrocos e extravagantes que começaria a sério dois anos depois com O Contrato (The Draughstman Contract, 1982). Ainda em 1980, Mike Newell estrear-se-ia com A Maldição do Vale dos Faraós (The Awakening). Baseado numa história de Bram Stoker, com Charlton Heston como protagonista, e o único filme (na altura) sobre faraós filmado no Egipto, A Maldição do Vale dos Faraós é um filme de terror que conta a história de um arqueólogo que descobre que a filha está possuída pelo espírito de uma rainha egípcia. Infelizmente para Newell, que vinha de uma forte carreira televisiva no Reino Unido, incluindo projectos com os produtores David Hare e John Osborne, o filme não foi exactamente um sucesso com a crítica. Melhor sorte teve o actor tornado realizador Robert Redford, cuja estreia na realização, Gente Vulgar (Ordinary People) ganhou o Óscar de Melhor Filme em 1980.
Na cinematografia mundial, dois nomes se levantam — Aki Kaurismaki, com Saimaa-ilmiö (1981), e Emir Kusturica, com Lembras-te de Dolly Bell? (Sjecas li se Dolly Bell, 1981). Kaurismaki — que vive presentemente em Portugal — não conseguiu entrar na escola de cinema, mas não deixou que isso o impedisse de continuar a fazer filmes. Primeiro como coguionista e actor nos filmes do irmão mais velho, Mika Kaurismaki, e depois como corealizador neste primeiro documentário, Saimaa-ilmiö — que segue a tour de três bandas finlandesas à volta do lago Saimaa. O primeiro filme a solo de Kaurismaki será Crime e Castigo (Rikos ja rangaistus, 1983), uma adaptação do livro de Dostoievski, e em 1989 Kaurismaki atrairá a atenção mundial com Leningrad Cowboys Go America.
No ano seguinte de 1981, no mundo do documentário, Penelope Spheeris, uma ex-estudante de psicologia, inicia a sua trilogia do Declínio com O declínio da Civilização Ocidental, sobre a cena punk em Los Angeles 242
Um quase delinquente durante a adolescência, Emir Kusturica, nascido na ex-Jugoslávia, começou por fazer filmes amadores ainda na escola secundária. Kusturica mudou-se para a Checoslováquia para estudar na prestigiosa escola de cinema de Praga, com professores como Jiri Manzel, algo que influenciaria fortemente o seu trabalho futuro. Depois de concluir a escola, começou a realizar curtas para televisão. Lembras-te de Dolly Bell? foi a sua primeira longa metragem. Vencedor do Leão de Prata em Veneza em 1981, o filme mostra já os indícios de um estilo que sagraria Kusturica no panorama do cinema mundial. A comédia de um jovem adolescente que se apaixona por uma prostituta está cheia de sátira política, mas também de um intenso humanismo e intemporalidade que marcam a cinematografia deste realizador, especialmente amado pelos cinéfilos europeus. Nos Estados Unidos, Michael Mann faz o seu primeiro filme para o grande ecrã — O Ladrão Profissional (Thief, 1981). Mann, que antes disso tinha uma bem-sucedida carreira televisiva como guionista (Starsky & Husky) e produtor (Miami Vice), assim como um crédito de realizador em Fúria de Vencer (The Jericho Mile, 1979), decidiu entregar-se à sétima arte depois de ver Doutor Estranhoamor (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, Stanley Kubrick, 1964). Mann tinha estudado na London International Film School, e trabalhou em
Thief, 1981
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Body Heat, 1981 publicidade no Reino Unido ao lado de nomes como Alan Parker e Ridley & Tony Scott, tendo regressado aos EUA em 1971.
realizador, “a estrutura intrincada de um sonho, a densidade de um bom livro e a textura de pessoas reconhecíveis em circunstâncias extraordinárias”. A história de um advogado que se deixa seduzir pela esposa de um ricaço, sob o calor tórrido do Sul da Flórida, daria ao mundo a personagem inesquecível de Matty Walkes, baseada em Lauren Bacall e interpretada por Kathleen Turner (Turner daria voz a Jessica Rabbit, outra femme fatale, anos mais tarde). Com diálogos deliciosos, um William Hurt como nunca o viram e várias piscadelas de olho ao noir, Noites Escaldantes continua tão quente como quando estreou.
O Ladrão Profissional tem temas muito semelhantes a Heat - Cidade sob Pressão (Heat, 1995). Baseado no livro de Frank Hohimer The Home Invaders, e com criminosos reais como consultores, O Ladrão Profissional é atmosférico, urbano, e com longas sequências de cofres a serem arrombados, com James Caan como protagonista. Muito mais excitante é a primeira longa-metragem de outro guionista — Lawrence Kasdan. Kasdan queria ser professor de inglês, mas as reviravoltas da vida fizeram com que, nos anos 70, trabalhasse como copywriter de anúncios publicitários. O jeito para diálogos fez com que acabasse como guionista para George Lucas em A Guerra das Estrelas – O império contra-ataca (Star Wars: Episode V – The Empire Strikes Back, Irvin Kershner, 1980), o que lhe deu entrada para escrever também Os Salteadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, Steven Spielberg, 1981).
Mas não só de filmes dignificados vive o cinema. Que o diga Sam Raimi que, após anos e anos a fazer curtas em Super 8 com o amigo Bruce Campbell, filmou um taster chamado “Within the Woods” para conseguir o financiamento para a sua primeira longa, A Noite dos Mortos-Vivos (The Evil Dead, 1981). A história de um grupo de cinco amigos que passam um óptimo fim-de-semana num Airbnb de qualidade, A Noite dos Mortos-Vivos é baseado no Livro dos Mortos, demorou 6 semanas a ser filmado, um ano e meio para ser editado e deu que falar não só aos fãs de terror como aos comités de censura (no Reino Unido, iniciaria toda uma discussão sobre video nasties). Apesar da história da produção ser quase tão interessante quanto o filme em si (ficaram sem dinheiro a meio das filmagens e tiveram de fazer chamadas às
Uma homenagem ao film noir (sobretudo a Pagos a Dobrar (Double Indemnity, Billy Wilder, 1944) iria conseguir-lhe a cadeira de realizador. Noites Escaldantes (Body Heat, 1981) tem, segundo o seu autor/ 244
Queridos, a Mamã Encolheu, 1981 cegas para conseguir patrocinadores; a primeira vez que tentaram filmar a cena da cassete, resolveram fumar marijuana), A Noite dos MortosVivos mostra um talento incipiente na forma como é filmado e, apesar dos efeitos práticos do final do filme não terem envelhecido grande coisa, o humor negro que o povoa e os diálogos — “Kill her if you can, lover boy” — tornaram-no num clássico absoluto.
diferentes produtos, começa a encolher, isto misturado com uma aberta crítica do consumismo americano e subúrbios rosa-pastel — abriu com críticas negativas (apesar de Roger Ebert lhe ter chamado “um filme terrífico para crianças e adolescentes”), e Schumacher só conseguiria reconhecimento com os seus futuros O Primeiro Ano do Resto das Nossas Vidas (St. Elmo’s Fire, 1985) e Os Rapazes da Noite (The Lost Boys, 1987) (que lhe dariam o franchise Batman, para infelicidade de todos nós).
Ainda menos dignificada é a estranha estreia de Joel Schumacher com o filme Queridos, a Mamã Encolheu (The Incredible Shrinking Woman, 1981), uma comédia de ficção científica. Meio spoof de Os Sentenciados (The Incredible Shrinking Man, 1957, Jack Arnold), meio adaptação do livro de Richard Matheson, The Shrinking Man, o filme era para ser originalmente realizado por John Landis, só que a redução do orçamento de 30 milhões para uns meros 10 fez com que o realizador de O Dueto da Corda (The Blues Brothers, 1980) abandonasse o projecto. Coube a Joel Schumacher a oportunidade de se estrear enquanto realizador. Schumacher estudou design e moda durante vários anos, até se aperceber da sua paixão pelo cinema. Deixando Nova Iorque atrás para se mudar para Los Angeles, começou por trabalhar enquanto figurinista em filmes, inclusive em alguns de Woody Allen (O Herói do Ano 2000 e Interiores), enquanto tirava o mestrado na UCLA. Queridos, a Mamã Encolheu — a história de uma dona de casa que, devido a
Mas talvez a estreia de realização mais extraordinária de sempre (e por extraordinária queremos dizer, o tipo de coisa que não fica nada bem no currículo), será a de James Cameron no clássico Piranha II - O Peixe Vampiro (Piranha II, 1981). A sequela de Piranha de Joe Dante (1978) era para ser realizada por Miller Drake, mas o produtor, Ovidio G. Assonitis, despediu-o. Infelizmente, por causa do orçamento, era preciso ter um americano como realizador. Assonitis deu por si a olhar para o tipo a cargo dos efeitos especiais, um ex-camionista que decidiu entrar na indústria cinematográfica depois de ter visto A Guerra das Estrelas. Cameron tinha um fascínio imenso por tecnologia desde pequeno e uma atitude muito hands-on. Após ler o livro de Syd Field, Screenplay, escreveu uma curta de ficção científica de 10 minutos e decidiu filmá-la com a ajuda dos amigos. Juntos, reuniram o dinheiro, alugaram câmara, 245
lentes, compraram película (35 mm) e passaram meio-dia a desmontar a câmara para aprender como é que funcionava. A carreira de Cameron tinha começado debaixo da alçada dos estúdios de Roger Corman, como construtor de miniaturas. Foi aí que o futuro realizador dos filmes mais caros de sempre aprendeu a trabalhar eficazmente sob baixo orçamento. Um dos seus créditos de renome foi como efeitos especiais no Nova Iorque - 1997 (Escape from New York, 1981) de John Carpenter. E assim estava James Cameron na hora certa no lugar certo, e foi contratado como realizador por Assonitis. Cameron rapidamente reescreveu o guião sob o pseudónimo de H. A. Milton e meteu mãos à obra. Infelizmente, o sonho rapidamente se transformou num pesadelo e os motivos não foram piscatórios. A maior parte da equipa não falava inglês e nunca tinha trabalhado num filme de terror, fazendo o trabalho de Cameron quase impossível. Depois de duas semanas e meia, Cameron foi despedido por alegadamente não ter feito um grande plano da actriz principal para a cena de abertura (andou a fazer b-roll à volta do resort, dentro de um barco). Reza a lenda que, apesar de ser o nome de Cameron nos créditos, o realizador foi impedido de participar na pósprodução. Afastado do projecto (que teria um director’s cut anos mais
Piranha II - O Peixe Vampiro, 1981
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The Loveless, 1982 tarde), Cameron foi abaixo com uma intoxicação alimentar (peixe?), e foi atormentado por um pesadelo sobre um robô invencível que fora enviado do futuro para o matar (o que nos leva a questionar se haverá mesmo razão para não comer iogurtes fora do prazo).
realizado por Monty Montgomery. Bigelow estudou pintura, trabalhou com Philip Glass em venda de propriedades (!!), mas começou a ficar desapontada com a natureza elitista das artes pictóricas. Cinema, para ela, era imediatamente acessível às massas, sem necessidade de conhecimento prévio, e uma ferramenta social poderosíssima. E foi por isso que Bigelow se inscreveu no curso de cinema na Universidade da Columbia, tendo como professores Vito Acconci, Susan Sontag e Milos Forman.
Piranha II - O Peixe Vampiro é, surpreendentemente, óptimo entretenimento e mostra já a obsessão de Cameron com planos subaquáticos, diálogos poderosos (“We want fish! We want fish!”) e um sentido de humor que, infelizmente, se parece ter perdido assim que a sua lareira se começou a encher de Óscares. Inspirado por Tubarão (Jaws, Steven Spielberg, 1975), Cameron chama a sua estreia de realização de “melhor filme de terror/comédia com peixes assassinos voadores alguma vez feito”, embora a sua opinião sobre o assunto após o lançamento de Sharknado não seja conhecida. Bónus — se acharem os animatronics utilizados nas piranhas estranhamente familiares, não estão a ver coisas — os bichos seriam reutilizados em Aliens: O Recontro Final (Aliens, James Cameron, 1986).
Após uma curta-metragem muito bem-recebida (The Set-Up, onde dois homens lutam num beco enquanto, em voz off, dois filósofos discutem sobre a natureza da violência), Bigelow lançou-se em The Loveless. Com Willem Dafoe a estrear-se como protagonista, a interpretar um sacana motoqueiro em route para Daytona com amigos de moralidade duvidosa, The Loveless foi filmado em 22 dias e mostra uma forte influência do Novo Hollywood. Apesar de não tão bem conseguido como trabalhos posteriores, o filme de estreia de Bigelow mostra já os temas que a realizadora exploraria no futuro: a natureza da masculinidade, violência e representação cinematográfica da mesma, assim como o questionamento e subversão do chamado cinematic gaze (evidente na cena de striptease na última parte do filme).
Se Tubarão e A Guerra das Estrelas encheram as medidas e inspiração de Cameron, Easy Rider (Dennis Hopper, 1969) e O Selvagem (The Wild One, Laslo Benedek, 1953) seriam as escolhas da sua futura ex-mulher, Kathryn Bigelow, com o filme The Loveless (1982), co247
Fast Times at Ridgemont High, 1982
Diner, 1982
Outra realizadora que se estreou em 1982, esta marcadamente um produto dos anos 80, foi Amy Heckerling e o famoso Viver Depressa (Fast Times at Ridgemont High, 1982). Heckerling nasceu em Nova Iorque e cresceu com uma obsessão por televisão e James Cagney. Quando começou a estudar Arte e Design, apercebeu-se que queria ser realizadora — antes disso, nunca tinha considerado o Cinema como uma possibilidade profissional. Depois de estudar na Tisch School of the Arts em Nova Iorque, onde fez sobretudo musicais, Heckerling mudou-se para Los Angeles. Os primeiros tempos não foram fáceis — teve de aprender a conduzir (algo de que nunca tinha precisado em Nova Iorque) e sofreu um intenso choque cultural com a mentalidade da costa Oeste. Rapidamente, contudo, se adaptou e começou a trabalhar em pós-produção. O produtor Tom Mount, que a queria contratar, mas que não podia por ela não ter agente, desistiu de esperar e ofereceulhe trabalho. Heckerling viu-se assim na invejável posição de escolher um guião para realizar — e a atenção recaiu em Viver Depressa, escrito pelo jovem Cameron Crowe (que tinha estado incógnito num liceu para se inspirar). O filme (que famosamente tinha sido oferecido a David Lynch, que gostou do que leu, mas recusou porque “não era a cena dele”) tornou-se num inesperado sucesso de bilheteira, com Sean Penn a interpretar um surfista ganzado, cenas sexuais bastante sugestivas (incluindo uma com cenouras), menções de gravidez e aborto, e o casual
product placement de uma marca de sapatilhas então desconhecida, Vans. Heckerling voltaria a mais um filme de adolescentes de culto com As Meninas de Beverly Hills (Clueless, 1995). Na mesma linha de filmes sobre adolescentes (parece que a década tem um tema base, hein?), vem Adeus, Amigos (Diner, 1982) de Barry Levinson. O primeiro da sua “quadrologia” sobre Baltimore — os outros filmes seriam Caixeiros Viajantes (Tin Men, 1987), Avalon (1990) e Os Melhores Anos (Liberty Heights, 1999) —, Adeus, Amigos conta a história de um grupo de amigos nos anos 50 que se reúnem para o casamento de um deles. Levinson tinha começado por escrever para comédias televisivas e chegou a colaborar com Mel Brooks na escrita de dois filmes, A Última Loucura (Silent Movie, 1976) e Alta Ansiedade (High Anxiety, 1977). Para a sua estreia no leme da realização, Levinson reuniu um elenco com algumas caras desconhecidas (Kevin Bacon, Ellen Barkin) e Adeus, Amigos tocou um nervo com a crítica e as audiências dando a Levinson um início de carreira promissor que o levaria a realizar Encontro de Irmãos (Rain Man, 1988). Ainda no mesmo ano, O Anjo da Vingança (Angel) daria a conhecer ao mundo o idiossincrático Neil Jordan. Um dos primeiros filmes produzidos com apoios do Channel 4 e do Irish Film Board, O Anjo da Vingança é um 248
O Último Combate, 1983 thriller passado na Irlanda do Norte durante os Troubles (que nunca são mencionados directamente). A carreira de Jordan beneficiou fortemente do progresso da indústria cinematográfica britânica dos anos 80, algo que, aliado ao seu talento, o tornou num realizador de renome. Explorando os temas da realidade como uma entidade complexa (onde o familiar é apresentado como estranho), os filmes de Jordan lidam com personagens que dão por si envolvidos em problemas maiores que eles próprios que os ameaçam destruir — nesse sentido, é fácil ver paralelos entre O Anjo da Vingança e o futuro filme de Jordan, Mona Lisa (1986) — se bem que este último não tem tanta ambivalência moral como a estreia do realizador.
era pequeno, Besson queria ser biólogo marinho e escrevia histórias quando estava aborrecido. Dessas histórias progrediu para trabalhar como assistente de realização e rapidamente estava a realizar curtas e anúncios publicitários. Talvez por ter vivido nos Estados Unidos durante três anos, Besson é visto como o realizador francês mais “Hollywood” (pela sua atenção aos aspectos visuais) e, com Beineix e Carax, faz parte do movimento cinematográfico francês do “le look”. Também extremamente visual, Tony Scott, o irmão mais novo de Ridley Scott, teve a oportunidade de pegar num projecto que o irmão recusou. Tony estudou Arte em Leeds e no Royal College of London. Quando terminou, queria fazer documentários, mas o irmão disse-lhe para se juntar a ele e fazer anúncios. Durante 15 anos, foi isso que Scott fez. Quando o guião de Fome de Viver (The Hunger, 1983) foi oferecido a Ridley, ele recusou e sugeriu o irmão. Mas o produtor queria Alan Parker (outro realizador inglês que começou a carreira no mundo da publicidade). Parker, contudo, mostrou-lhe os anúncios de Scott e assim o jovem realizador viu-se à frente de um elenco com David Bowie, Catherine Deneuve e Susan Sarandon. Filmado sobretudo em Londres, por causa do orçamento, Fome de Viver é uma história de vampiros que nunca os menciona por nome, uma reflexão sobre o preço da imortalidade e sobre o que significa ser para sempre jovem. Com muita
Outro realizador idiossincrático que se estreou em 1983 foi o francês Luc Besson, com O Último Combate (Le Dernier Combat). Filmado a preto e branco, apenas com duas palavras proferidas durante todo o filme, O Último Combate não explica absolutamente nada do estranho deserto distópico que nos apresenta, nem das motivações das estranhas personagens que o habitam, mas, mesmo assim, é absolutamente fascinante. Com Jean Reno e o tema das mudanças climáticas extremas, O Último Combate, que é a “extensão” da curtametragem L’Avant Dernier de Besson, ganhou melhor filme, melhor realizador e o prémio da audiência no Fantasporto de 1984. Quando 249
Top Gun - Ases Indomáveis, 1986
16 Primaveras, 1984 estilização, edição frenética não cronológica e os Bauhaus (descobertos por Scott num clube londrino) na primeira cena, Fome de Viver tornou-se um filme de culto e, apesar de não ter tido as melhores críticas quando estreou, foi o suficiente para atrair a atenção dos produtores Jerry Bruckheimer e Don Simpson que ofereceram a Scott a realização de Top Gun - Ases Indomáveis (Top Gun, 1986).
Sangue por Sangue, 1984
Talvez a estreia mais famosa de 1984 tenha sido a dos irmãos Coen. Filhos de uma historiadora de arte e de um economista, o interesse dos irmãos pelo cinema vinha desde pequeninos. Ethan estudou filosofia em Princeton, enquanto Joel foi estudar cinema para a célebre UCLA. Trabalhando inicialmente como assistente de edição, Joel deu por si a trabalhar em A Noite dos Mortos-Vivos de Sam Raimi. Inspirado e incentivado por Raimi em procurar financiamento directo para o que seria o seu primeiro filme, Sangue por Sangue (Blood Simple., 1984), Joel e Ethan foram porta a porta a mostrar o trailler de dois minutos que filmaram. Num ano e meio, conseguiram 750 mil dólares, o suficiente para iniciarem produção. Um sucesso com a crítica (mas não de bilheteira), Sangue por Sangue mostra os irmãos a brincarem com o género de filmes de gangsters, mas de uma maneira mais semelhante a um filme de art-house do que de cinema clássico. A filosofia existencialista, o humor negro e a obsessão com simetrias, paralelos 250
O Clandestino, 1984 e coincidências viriam a ser constantes das obras futuras dos irmãos.
cinematográfica, John Hughes é incontornável quando falamos dos anos 80.
Também famosa foi a estreia na realização de um certo John Hughes com 16 Primaveras (Sixteen Candles, 1984). Hughes desistiu da Universidade do Arizona para começar uma carreira profissional a vender piadas a comediantes de renome (que incluíam Joan Rivers). Em 1970, em Chicago, Hughes começou a trabalhar como copywriter. Uma história sobre as férias da sua família enviada para a revista National Lampoon’s dar-lhe-ia um emprego na equipa e iniciaria a sua carreira como guionista. Apesar do primeiro guião (Class Reunion) ter sido um desastre, o segundo, Que Paródia de Férias (National Lampoon’s Vacation, 1983), baseado na história que lhe deu entrada na revista, foi um sucesso instantâneo.
Outro realizador que começou e, de certo modo, acabou a sua carreira nos anos 80 foi Alex Cox. O Clandestino (Repo Man, 1984) é um filme de culto com efeitos especiais que não envelheceram grande espingarda, banda sonora de Iggy Pop, um desenho de produção memorável — as marcas genéricas do supermercado, fundo branco com letras azuis, que pelos vistos imitavam uma conhecida marca dos anos 80 na Califórnia — e Harry Dean Stanton. Nesta mistura de filmes de gangsters com ficção científica, mais uma vez conta-se a história do adolescente marginal que, no final, encontra a sua missão de vida. O britânico Cox começou por estudar Direito em Oxford, mas largou tudo para seguir Rádio, Filme e TV em Bristol. Em 1977, ingressou na UCLA e começou por escrever sobre cinema (algo pelo qual é talvez mais famoso do que as suas produções cinematográficas).
Com um óptimo ouvido para a maneira como os jovens falam, Hughes, inspirado por uma foto de Molly Ringwald, escreve 16 Primaveras durante um fim de semana e será com este filme que se estreia na realização. Anos mais tarde, Hughes sairá da gaveta “adolescente” com Antes Só que Mal Acompanhado (Planes, Trains and Automobiles, 1987) e desaparecerá de cena pouco depois dos anos 80 terminarem, em 1994 (o documentário Don’t You Forget About Me conta-nos o que lhe aconteceu nesses anos “perdidos”). Apesar da “parca” produção
Também um alumnus da UCLA, Rob Reiner (filho de uma actriz e de um realizador/comediante) faz a transição de actor para realizador com o infame Isto É Spinal Tap (This is Spinal Tap, 1984). Reiner, que já escrevia para TV antes, conheceu Harry Shearer, Christopher Guest e Michael McKean enquanto trabalhava num piloto para uma série de 251
sketches de comédia para TV chamada The TV show, que tinha uma banda-paródia chamada Spinal Tap. Inspirados por Don’t Look Back (D. A. Pemebaker, 1967), A Última Valsa (The Last Waltz, Martin Scorsese, 1978) e, claro, Gimme Shelter (Irmãos Maysles, 1970), Reiner e os amigos tentaram escrever um guião baseado na banda, mas não conseguiram fazer jus ao que tinham em mente. Resolveram então filmar uma demo tape e levá-la a vários produtores. Depois de muitas portas fechadas, o produtor Norman Lear pegou no projecto e deu-lhes rédea livre para filmarem o “mocumentário”. Com muita improvisação e dezenas de horas de filmagens (foram precisos três editores para concluir o filme), Isto É Spinal Tap estreia e torna-se num êxito imediato. Numa de metanarrativa, Reiner aparece no filme como o realizador Marty di Bergi. Do outro lado do oceano, dois nomes incontornáveis que só iriam começar a brilhar verdadeiramente na década seguinte, ambos fresquinhos saídos da escola de cinema, começavam a dar os primeiros passos no mundo das longas-metragens. Na Dinamarca, Lars Von Trier estreava O Elemento do Crime (Forbrydelsens Element, 1984), que lhe valeria o troféu de melhor realizador no Fantasporto. Um neo noir alegórico de traumas europeus, o filme passa-se dentro de uma sessão
Isto é Spinal Tap, 1984
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O Elemento do Crime, 1984
A Grande Aventura de Pee Wee, 1985
de hipnose surreal, cheia de diálogos contraditórios e filmada em fortes e constantes tons amarelados (devido às luzes de sódio utilizadas). A história de um detective que ao entrar dentro da mente do criminoso se torna, ele próprio, um criminoso, é a primeira tentativa de Trier no universo da obsessão, um dos seus temas preferidos. Carregado de símbolos, O Elemento do Crime é o primeiro volume da trilogia Europa, seguido de Epidemic (1987) e Europa (1991). Expressionista, com uso e abuso de steadycam e demasiado denso (i.e., intelectualmente pretensioso), não há dúvidas de que o Dogma 95 (anos depois) seria a melhor coisa a acontecer ao estilo de Trier. Na Alemanha, Rolland Emmerich tinha de fazer uma curta de graduação, mas depois de reunir um orçamento de 600 mil dólares, o realizador resolveu fazer uma longa. O Princípio da Arca de Noé (Das Arche Noah Prinzip, 1984) passa-se em 1997, sobretudo a bordo da nave espacial Florida Arklab, que controla o clima da Terra. Apesar de se passar (supostamente) nos EUA, todos os actores falam alemão (toma lá, Hollywood!). Ficção científica da pesada, notam-se já as preocupações com o aquecimento global, a ideia do cientista contra o governo e a crítica ao governo Americano a tentar meter-se nos assuntos de outros países sem olhar a consequências. E sim, acabou de estrear um remake – chamado Geostorm. 253
Emmerich queria inicialmente ser production designer, mas decidiu tornar-se realizador depois de ver A Guerra das Estrelas. Depois do sucesso de O Princípio da Arca de Noé (abriu o 34º Festival Internacional de Cinema de Berlim em 1984 e recebeu bastantes críticas positivas nos efeitos especiais e técnica), Emmerich continuaria a carreira fora das convenções de cinema alemão, tentando apelar o mais possível aos mercados internacionais na sua busca/missão de dar ao mundo bons filmes pipoca. 1985, Califórnia. Depois de se ter afastado de Nova Iorque Fora de Horas (After Hours) por opção própria, após saber que Scorsese estava interessado em realizar, Tim Burton consegue finalmente a sua primeira longa em A Grande Aventura de Pee Wee (Pee Wee’s Big Adventure), baseado no sucesso da série The Pee-Wee Hermann Show, e com uma narrativa inspirada em Ladrões de Bicicletas (Ladri di Biciclette, 1948) de Visconti. O convite para realizar aconteceu quando os produtores viram as suas curtas Vincent (1982) e Frankenweenie (1984), ficando claramente impressionados com o jovem talento. Burton vinha de um background de animação — durante a adolescência, tinha experimentado com stop motion e estudou animação no California Institute of the Arts. A sua curta Stalk of the Celery Monster (1979) atraiu a atenção dos estúdios Disney, que lhe ofereceram um emprego. Aí, Burton aperfeiçoou
Mala Noche, 1986 os seus talentos até que a curta Frankenweenie, feito com dinheiro do rato falante, foi considerada “demasiado assustadora” para crianças e Burton foi despedido. Uma voz que se revelaria bastante influente nos anos 90, Burton, anos mais tarde, ironicamente, realizaria uma longa sobre Frankenweenie… produzida pela Disney.
Claramente uma das vozes LGBT de referência, Van Sant veria a sua carreira subir aos píncaros com o seu filme seguinte, No Trilho da Droga (Drugstore Cowboy, 1989). Outra voz original, esta vinda no ano seguinte da Costa Este, também com uma estreia a preto e branco, seria Spike Lee e o delicioso Os Bons Amantes (She’s Gotta Have It). Lee, que estudou na Universidade de Nova Iorque e teve como professor, entre outros, Martin Scorsese, é filho de uma professora de arte e literatura negra e de um compositor e músico de jazz (que tem um cameo no primeiro filme do filho). A primeira curta de Lee, Joe’s Bed-Story Barbershop: We Cut Heads (1982), ganhou um Óscar. Mas mesmo assim foi difícil para Lee conseguir o orçamento para uma longa. Filmado em 12 dias só com um take de cada cena e com ele próprio a interpretar uma das personagens, Os Bons Amantes tem, ainda hoje, uma frescura e originalidade difíceis de igualar. A história de Nola Darling e dos seus três amantes contada pelas próprias personagens que falam directamente para a câmara (qual antecedente do The Office) ganhou melhor filme estrangeiro em Cannes e lançou a carreira de Lee. Desde então, o realizador faz questão de continuar a sua missão de mostrar afro-americanos não como gigolos ou prostitutas, mas como urbanites, pessoas normais de todos os espectros e origens. Os Bons Amantes atraiu também a atenção de milhões para a cena
No vizinho estado de Oregon, um futuro enfant terrible empunha a câmara para filmar uma adaptação da novela autobiográfica de Walt Curtis. Mala Noche (1986), de Gus Van Sant, é um filme fora do seu tempo. Filmado a preto e branco, com montagem rápida, é a história da obsessão de Walt com um adolescente mexicano, ilegal nos Estados Unidos. Explorando as ideias de raça, estruturas de poder e as subculturas marginalizadas, Mala Noche está cheio de um romantismo não-realizado e um sentido seco do absurdo. Van Sant estudou na Rhode Island School of Design em 1970 onde descobriu o cinema de vanguarda. Depois de viajar pela Europa, mudou-se para Los Angeles em 1976 onde começou por trabalhar como assistente pessoal de Ken Shapiro. A sua primeira longa, Alice in Hollywood (1981), nunca viu a luz do dia. Depois de juntar 20 mil dólares a trabalhar em publicidade, Van Sant filma Mala Noche, que lhe vai valer um contrato com a Universal (de pouca duração, contudo, já que nenhum dos projectos propostos pelo estúdio atraiu a atenção do jovem realizador que retomaria a via independente pouco depois). 254
Os Bons Amantes, 1986
Uma Mulher dos Diabos, 1986
artística de Brooklyn tornando a área de Nova Iorque super trendy.
zangado com um dos produtores e o seguinte, Howard Zieff, ter saído do projecto após seis semanas de produção. Marshall continuaria a realizar, dando-nos Big em 1988 e Liga de Mulheres (A League of Their Own) em 1992, entre outros.
Em Portugal, a influência de António Reis e Margarida Cordeiro (o primeiro, inclusive, como professor na ESTC), fazia-se sentir. Vítor Gonçalves (que acabaria por só realizar três filmes até à data), em 1986, realizaria Uma Rapariga no Verão, a história de uma jovem mulher que resolve quebrar as expectativas do pai e tentar descobrir, por si, um caminho próprio de vida. Um retrato fiel da juventude pós-25 de Abril com um jovem Joaquim Leitão e com Pedro Costa como assistente de realização, Uma Rapariga no Verão é considerado pelo Harvard Film Archive “um dos grandes filmes portugueses dos anos 80” (o que nos faz pensar que eles nunca viram O Lugar do Morto).
Por fim, o homem que marcaria os anos oitenta com o melhor filme de Natal de sempre, John McTiernan, faria a sua primeira longa em 1986. Nómadas (Nomads) é a história de um antropologista francês que está a ser perseguido por uma tribo “extinta”. A casa onde vive também tem qualquer coisa a ver com o assunto. Ah, e há uma médica que o tenta ajudar mas é mordida e… Nómadas foi destruído pela crítica (que o achou demasiado confuso — percebe-se porquê), e nem o sotaque francês de Pierce Brosnan salva a coisa. Contudo, Arnold Schwarzenegger ficou tão impressionado com a atmosfera de tensão do filme que convenceu os produtores a contratarem McTiernan, ex-aluno da excelsa Julliard e do American Film Institute, para realizar O Predador (Predator, 1987). Muito temos a agradecer ao péssimo gosto cinematográfico do Senhor Ex-Governador da Califórnia, pelos vistos.
Penny Marshall tentou fazer uma carreira como actriz, mas encorajada pelo irmão Garry (ele próprio um produtor/realizador), decidiu seguir realização. Após realizar episódios de séries para televisão, a sua primeira longa-metragem, Uma Mulher dos Diabos (Jumpin’ Jack Flash, 1986), estreou no meio de críticas negativas, mas foi um modesto sucesso de bilheteira. Com Whoopi Goldberg como a empregada de um banco que se vê envolvida, por acidente, numa rede de espionagem internacional durante a Guerra Fria, Uma Mulher dos Diabos acabou nas mãos de Marshall depois de o realizador inicial, Burt Lancaster, se ter
Já em 1987, o famoso dramaturgo e guionista David Mamet decidiu realizar ele próprio um dos seus guiões, Jogo Fatal (House of Games). Com a sua mulher (Lindsay Crouse) e o amigo Joe Mantegna no elenco, 255
Jogo Fatal, 1987 Jogo Fatal é uma delícia narrativa, com o típico Mamet speak num ambiente de enganos, duplos twists, exploração da natureza humana e cinismo. A estreia de Mamet na realização seria o filme preferido de 1987 do crítico Roger Ebert e os talentos que Mamet já tinha revelado no teatro e na escrita transferem-se sem grandes problemas para a sétima arte, onde nos sentimos atraídos pelo carisma das personagens, e ficamos completamente embrenhados na complexidade narrativa. Do outro lado do mundo, após quatro (!!!) anos de filmagens ao fim-desemana (o realizador trabalhava durante a semana), muitas máscaras cozinhadas no fogão da mãe e a completa ausência de guião (ia-se improvisando todos os fins-de-semana a partir de ideias surgidas durante a semana), Peter Jackson lança-se no mundo do cinema com Carne Humana Precisa-se (Bad Taste, 1987). Esta comédia cheia de gore, terror, aliens canibais, humor, bazucas e escolhas culinárias duvidosas foi filmada sem áudio, ao nível de filme extremamente amador, vinda directamente da cabeça de um homem que cresceu numa dieta rica em Ray Harryhausen, Monty Python e Thunderbirds e aprendeu a filmar e editar por si próprio. Graças à New Zealand Film Commission, que financiou a completude do filme (depois de ter ficado extremamente impressionada com o que Jackson já tinha feito), podemos hoje todos regozijar-nos com um dos mais divertidos so bad it’s good da história do
Cinema — que estreou em, adivinhe-se, Cannes. Em 1988, um outro estranho filme estreia, este na Europa. Alice (Neco z Alenky, no original, “Algo da Alice”), realizado pelo já estabelecido realizador de curtas de animação, o húngaro Jan Svankmayer, é baseado na história de Lewis Carrol, mas é a versão mais assustadora que existe (e sim, estamos a contar com a famosa versão porno dos anos 70). Svankmayer não gostava das outras adaptações que interpretavam o livro como uma fantasia e, por isso, resolveu meter mãos à obra e darnos esta mistura de animação e live action com um imaginário surreal, cheia de efeitos especiais, stop motion, animais empalhados, meiastoupeira e uma Alice que é uma pirralha mimada que devia ter sido ensinada a não comer tudo o que lhe aparece à frente. Svankmayer, que tinha começado a sua vida artística a trabalhar em teatro e fantoches, cria aqui a perspectiva que já existia nas suas curtas — a da criança, mas em vez de “disneyficada”, perturbante e agressiva, qual conto de fadas dos irmãos Grimm no original. Inspirada pela sua própria infância na África Ocidental, Claire Denis realiza Chocolate em 1988. Denis, que tinha desistido de um curso de Economia, começou a estudar na escola de cinema IBHEC e trabalhou como assistente de realização para nomes tão diversos como Wim
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Wenders (Paris, Texas, 1984) e Jim Jarmusch (Vencidos pela Lei/ Down By Law, 1986). Chocolate é a história de France, uma mulher que vai aos Camarões com o intuito de revisitar a casa onde cresceu com os pais e com o criado negro Protée. Enquanto viaja de boleia, France vai relembrando cenas da vida familiar dessa altura — a sua relação com Protée, a maneira como os outros brancos se comportavam, a solidão da mãe e a sua atracção pela ideia do Outro. O filme, tal como outros da filmografia futura de Denis, vai contra as expectativas e clichês, deixando-se fascinar pelas relações humanas, pontuadas pelo formalismo da face e do corpo. Vindo do mundo da música e do teatro, o quarentão Mike Figgis deu por si à frente de um projecto de baixo orçamento para o Channel 4 e British Screen, mas quando Dia de Tempestade (Stormy Monday, 1988) atraiu a atenção e os dinheiros americanos, os produtores esforçaramse por contratar talento da terra do tio Sam. E assim, Melanie Griffith e Tommy Lee Jones, cujas carreiras na altura não estavam grande espingarda, deram por si a ser comandados por um realizador novato. A história de um homem de negócios americano que quer comprar um clube em Newcastle Upon Tyne, Inglaterra, a todo o custo, enquanto um mero empregado de bar (Sean Bean) se apaixona por uma americana, mostrou que Figgis tinha talento para dirigir actores e conseguiu-lhe
Chocolate, 1988
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Dia de Tempestade, 1988
Ao Sabor Da Ambição, 1988
mais um crédito de realizador em 1990 com Ligações Sujas (Internal Affairs), este a tentar recuperar a carreira de Richard Gere. Além das performances dos americanos, Dia de Tempestade fica para a história como um filme onde SEAN BEAN NÃO MORRE. Vindo do mundo do design gráfico e guionismo televisivo (primeiro para séries e novelas, depois para longas), Wong Kar-Wai estava no sítio certo à hora certa. Com a indústria cinematográfica de Hong Kong num boom, eram precisos mais realizadores — e Kar-Wai foi convidado como parceiro de uma produtora independente, tomando um lugar de destaque na chamada Segunda Vaga de Hong Kong. Ao Sabor Da Ambição (no original, Wang Jiao Ka Men), o seu primeiro filme, tem o seu quê de novela mexicana dobrada em brasileiro, mas foi um sucesso absoluto de bilheteira. Com gangs, acção, romance e incesto (!!), muitos comparamno a Os Cavaleiros do Asfalto (Mean Streets, 1973) de Scorsese. Já com sinais do estilo que se tornaria na marca de auteur do realizador, Ao Sabor da Ambição usa e abusa de vermelhos e azuis, slow motion, som não directo, um final à la Bonnie & Clyde e, famosamente, uma cover chinesa da música Take My Breath Away. Felizmente para todos nós, Kar-Wai não deixou que o sucesso lhe subisse à cabeça e depois do primeiro filme resolveu fazer filmes mais pessoais e menos novela das 5.
Radicalmente diferente de uma novela das 5 é a estreia no cinema do queridinho de muita gente no presente século, Richard Linklater. Com 3 mil dólares, Linklater escreveu, filmou, realizou e editou It’s Impossible to Learn to Plow by Reading Books. Quase que uma cópia do Sempre em Férias de Jarmusch, mas com menos talento, It’s Impossible to Learn to Plow by Reading Books (um título baseado num provérbio russo, pelos vistos), segue o dia-a-dia de um jovem dos seus 20 anos, quase que como numa de documentário observacional. Mas se Hitchcock disse que o cinema é vida sem as partes chatas, Linklater parece fazer questão de colocar nada senão o tédio da vida do seu protagonista, que deambula pela cidade, vai jantar a casa da família, vê filmes, lava roupa, etc., etc., sem nada de interesse que aconteça. O tema de viajar sem destino será retomado em filmes posteriores, mas vendo It’s Impossible to Learn to Plow by Reading Books, é difícil de acreditar que Linklater terá uma carreira posterior de todo. Claro está, fãs do realizador terão orgasmos intelectuais enquanto vêem o filme (bónus — não é a coisa mais fácil de encontrar nas interwebs), mas para o resto da humanidade, fiquemo-nos com a referência do título (onde a criatividade claramente se esgotou) e passemos à frente, ao glorioso último ano da década, 1989. E para começar, Portugal e um dos primeiros rebentos da ESTC. Pedro Costa, filho do jornalista e realizador Luís Filipe Costa, começou
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O Sangue, 1989 por estudar História, mas desistiu. Como muitos da nova geração de cineastas portugueses (Villaverde, Sapinho, Mozos, João Pedro Rodrigues e Marco Martins), Costa irá estudar na Escola Superior de Teatro e Cinema — e fará parte da primeira geração a ser beneficiada pelos regulamentos estatais de apoio às primeiras obras. O Sangue — que estreou no Festival de Veneza em Setembro de 1989 — foi feito com dinheiros do ICA, RTP e Gulbenkian e é uma estreia fortíssima. Filmado num austero preto e branco que relembra Murnau, Costa, utilizando muitas das técnicas do cinema directo, segue a história de uma família, particularmente dois irmãos, enquanto eles lidam com o desaparecimento do pai e a interferência do tio de Lisboa. Em directa oposição ao cinema português dito tradicional, Costa recusa a construção da portugalidade no cinema (e talvez por isso os seus filmes consigam transcender as fronteiras do país) e prefere ver o cinema como valor em si. Inspirado pela ideia de cinema como antropologia visual e “docuficção” (nas pegadas de António Reis ou Ricardo Costa), Pedro Costa iria dedicar-se, após a estreia de O Sangue, a um cinema mais intimista, de pequenas câmaras digitais, que teria um expoente em No Quarto de Vanda (2002). Nem sempre as novas estreias de realização vieram de alunos de escolas de cinema — por vezes novos filmes que tiveram um sucesso
estrondoso foram realizados por pessoas de outras áreas artísticas. É o caso de Jim Sheridan, um dramaturgo irlandês (que conheceu Neil Jordan enquanto na Universidade de Dublin a estudar Inglês e História), que após emigrar para o Canadá resolveu tentar a sua sorte na sétima arte. O Meu Pé Esquerdo (My Left Foot: The Story of Christy Brown, 1989), baseado na história verídica de Christy Brown, conseguiria todos os prémios e daria a Sheridan carpete vermelha para continuar a realizar, apesar do irlandês não ser particularmente prolífico. Das colunas da Rolling Stone, o guionista do sucesso Viver Depressa (Fast Times at Ridgemont High), Cameron Crowe, estrear-se-ia também em 1989 com Não Digas Nada (Say Anything…). Esta versão menos excitante e mais problemática do Dança Comigo (Dirty Dancing, 1987, Emile Ardolino) (a menina de boas famílias, o rapaz trabalhador de classe média) é um favorito de muitos e daria a Crowe a oportunidade de realizar, anos mais tarde, aquele que é o seu grande sucesso, Quase Famosos (Almost Famous, 2000), baseado nos seus tempos como jornalista em digressão a cobrir bandas. Vindo dos confins do mundo da televisão britânica (onde a maior parte dos realizadores britânicos da década de 80 fez o seu treino), Paul Greengrass estrear-se-ia como realizador fora do pequeno ecrã com
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Resurrected, 1989
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Polícia Violento, 1989 Resurrected, a história de um soldado britânico que fora deixado para trás durante a Guerra das Malvinas, presumidamente morto, mas que seria acusado de deserção quando apareceu semanas após a guerra terminar. Greengrass começara a fazer filmes com uma câmara de Super 8 que ele encontrou numa sala na escola secundária. As suas primeiras curtas eram sobretudo horror, usando bonecos e animação. Quando entrou na Grenada Television School, o interesse de Greengrass mudou-se para documentário, sobretudo para os troubles na Irlanda do Norte. Resurrected ganhou um prémio em Berlim e os seus filmes posteriores continuariam a mostrar um forte interesse em aspectos sociais e políticos.
que tem problemas mentais. Nada mau para um realizador que fora expulso da escola de engenharia por rebelião, hein? Falando em rebelião, foi um processo judicial contra o seu antigo patrão, Mother Jones (para a qual escrevia), que deu a Michael Moore o dinheiro para fazer um documentário sobre a sua terra natal, Flint, Michigan. Filho de um pai que fora despedido pela General Motors, Moore quer entrevistar o CEO da companhia, Roger B. Smith — e Roger & Me conta a história dessas tentativas. Nesta mistura de história pessoal com crítica do modelo capitalista americano — a ideia de que todos podemos ser vencedores se trabalharmos o suficiente para isso — já se notam algumas marcas de autor, particularmente no uso satírico de música. Os temas dos documentários posteriores de Moore podem ter-se tornado mais abrangentes, mas o estilo “jornalista irritante” estará sempre presente, ganhando-lhe a Palma De Ouro com Fahrenheit 9/11 (2004) e o Óscar com Bowling for Columbine (2002), tornando-o o documentarista mais rentável de sempre na bilheteira. Nota — para quem ficou chocado com a mulher que vende coelhos “para carne ou de estimação”, há uma sequela: Pets or Meat: The Return to Flint.
O actor Takeshi Kitano tinha acabado de ser escolhido para protagonizar a comédia de acção Polícia Violento (Sono otoko, kyôbo ni tsuki), mas conflitos de calendário com o realizador Kinji Fukasaku (Battle Royale) deixaram o filme sem realizador. Meio a gozar (o homem, afinal, era um comediante), Kitano ofereceu-se para a posição… e acabou ao leme do filme. Depois de reescrever o guião como um filme de acção sério (Kitano queria expandir o reportório como actor), Polícia Violento tornou-se no Dirty Harry japonês com lutas em câmara lenta, takes longos e uma interpretação memorável de Kitano como o polícia justiceiro que não olha a meios para fazer justiça pelas próprias mãos e proteger a irmã,
Para quem prefere uma boa história de romance, que tal Sweetie (1989), realizado pela australiana Jane Campion? Campion, filha de artistas e 261
Sweetie, 1989
Roger & Me, 1989 estudante de antropologia, foi estudar para a Chelsea Art School em Londres em 1976 e aproveitou para viajar pela Europa. À procura de uma arte que a chamasse — Campion já tinha ficado desapontada com as limitações da pintura enquanto meio de expressão (tal como Bigelow anos antes) — teve a sua resposta em 1982, quando a sua curta Peel ganhou a Palma de Ouro para Curta-Metragem. Sweetie, a sua primeira longa-metragem, parece ser sobre Kay, uma mulher tímida que encontra o homem da sua vida, Louis, depois de ver nas borras do café que tinha um homem com um ponto de interrogação na cara no seu futuro. Mas quando estamos convencidos que o filme é sobre uma relação amorosa que começa a decair, entra Sweetie, interpretada pela genial Geneviève Lemon, a irmã extrovertida de Kay, que consegue destruir a vida pacata do casal causando caos por onde passa e fechando o filme com um final negríssimo. Com uma banda sonora genial, Sweetie estreou em Cannes em 1989 e a Australian Film chamou-lhe “a ghastly parody of the tyranny of family life” — nada mau para aquecimento daquela que nos iria dar, anos mais tarde, o chocante O Piano. E se de chocante se fazem as estreias de realização de 1989, como deixar de lado Sexo, Mentiras e Vídeo, pelo ecléctico Steven Soderbergh. Vencedor da Palma de Ouro, Soderbergh começou a realizar enquanto adolescente em 8mm. Apesar de nunca ter ido para a escola de cinema,
Soderbergh começou por trabalhar por conta própria em Hollywood como editor. Baseado numa das suas relações falhadas, Sexo, Mentiras e Vídeo foi escrito em 8 dias e a história de Graham e das suas cassetes de confissões sexuais tornaram-se num clássico dos filmes de culto cinéfilo. Mas nem todos os cineastas de culto tiveram primeiros filmes cheios de prémios. Que o diga Todd Solondz, que ainda hoje odeia o seu primeiro filme, Fear, Anxiety & Depression. Claramente inspirado por Woody Allen, Solondz protagoniza a história de um dramaturgo falhado que se relaciona com outros falhados como ele, numa estética demasiado amadora para antecipar a futura carreira do realizador. Um espécime de mumblecore antes do mumblecore existir (Frances Ha, Girls), Fear, Anxiety & Depression não é completamente mau — é um retrato dos moribundos anos 80 e de uma Nova Iorque cheia de pseudointelectuais e pseudoartistas e mais, o humor negro de Solondz já começa a dar de si, se bem que subtilmente. Solondz, que começara um mestrado em Filme e Televisão, mas que nunca o completou, deixaria de lado a carreira como actor para se dedicar de corpo e alma à cadeira do realizador — com os resultados que o tornariam numa referência internacional anos mais tarde.
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O Sétimo Continente, 1989 E nada melhor do que finalizar um artigo sobre a optimista década de 80 com o cínico Michael Haneke e o seu primeiro filme, O Sétimo Continente (Der siebente Kontinent). Haneke estudou psicologia, filosofia e drama na Universidade de Viena, isto após não ter conseguido uma carreira como músico e actor. Depois do curso, Haneke começou a trabalhar como crítico e, mais tarde, como editor e guionista para televisão. Em 1974, começaria por realizar para televisão. O Sétimo Continente — a história de uma família de pai, mãe e filha que se suicidam sem razão aparente — é inspirado numa história real. O filme, que começa banal o suficiente enquanto seguimos esta família suburbana com uma vida estável e que fala em se mudar para a Austrália (o tal “sétimo continente”), é filmada quase sem diálogos, com cortes a negro entre cenas, numa versão quase clínica e sem grandes emoções. Com prenúncios e nenhuma concessão à audiência (que se vai apercebendo lentamente do que está prestes a acontecer e à qual não é apresentado nenhum escape), O Sétimo Continente mostra já o tema que ocuparia Haneke nos anos seguintes: a distância entre indivíduos e a sociedade moderna.
1989. O Muro de Berlim cai. George Bush Sénior torna-se Presidente. A Nintendo lança o primeiro Game Boy. E os anos 80 acabam. Ao virar da esquina, teremos os sonhos megalómanos de James Cameron, a era dos super-heróis (quiçá a resposta escapista do cinema ao aumento da ameaça terrorista), as “prequelas” do Star Wars e calças à boca-de-sino. O cinema continua, calmo e sereno, deixando lentamente a película para trás. Os novos realizadores dos anos 80 tornam-se a velha guarda. A História avança. Ligamos os nossos portáteis ultraleves para fazer login nas redes sociais e ver mais uns episódios do Stranger Things no Netflix. Ou talvez do Glow. Quem sabe ouvir umas musiquinhas do Prince. Que bem que se está no futuro, rapaziada.
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O Justiceiro, 1982-1986
SOLDADOS, KITT, MIAMI E CIÊNCIA COMO ARMA:
A TELEVISÃO DOS ANOS 80 HÉLDER ALMEIDA
O Justiceiro, Acção em Miami, Os Soldados da Fortuna, MacGyver… Estas são algumas das séries mais populares dos anos 80, a maior parte com premissas simples e que tinham apenas um propósito: entreter. A década de 80 foi uma altura bastante produtiva no que diz respeito à ficção televisiva americana. Muitas vezes deixava-se de lado a criatividade e qualidade para dar lugar a produtos mais simples e directos, cujo intuito era entreter e divertir o espectador, independentemente da sua idade. Enquanto num lado encontrávamos a qualidade de A Balada de Hill Street, do outro lado tínhamos os mistérios simplistas, mas competentes, de Crime, Disse Ela. E, enquanto o mundo inteiro se interrogava quem tinha alvejado J.R. em Dallas, no outro lado tínhamos quem vibrasse com as aventuras de soldados em fuga e carros falantes. E é nesse campo que vamos entrar, as séries de televisão bastante populares, mas com narrativas básicas que, com o passar dos anos, ganharam enorme culto devido à nostalgia que hoje ocupa o imaginário de tanta gente. Começamos com O Justiceiro (Knight Rider), série de acção e ficção científica criada por Glen A. Larson que é centrada em Michael Knight, um ex-polícia que, após ser dado como morto, é salvo por um milionário que lhe oferece uma nova identidade e uma missão para a vida: lutar
contra o crime na companhia de um colega invulgar: K. I. T. T., um supercarro que fala e que possui várias ferramentas que facilitam o trabalho de ambos. David Hasselhoff é Michael Knight e o actor, então desconhecido, torna-se numa figura incontornável dos anos 80 e num dos heróis de acção mais populares da década. Tudo em O Justiceiro é simples: as histórias são básicas, com cada episódio a apresentar uma história diferente sem nunca (ou quase nunca) haver necessidade de ver o episódio anterior ou o seguinte. Afinal, estávamos numa altura em que a continuidade televisiva era quase nula. Larson oferece assim ao público exactamente aquilo que procura: um produto em que não é preciso pensar muito, apenas ver e divertir-se. E assim foi! Durante quatro anos, O Justiceiro foi um grande sucesso de audiências um pouco por todo o mundo, apesar de chegar ao último ano e a sua popularidade ter decrescido bastante, levando ao seu cancelamento. No entanto, durante os quatro anos em que esteve no ar, O Justiceiro teve uma enorme popularidade que catapultou Hasselhoff para o estrelato, levando-o a ser protagonista de outra série imensamente popular (Marés Vivas), fez de K. I. T. T. um dos carros mais adorados e populares de sempre, na série de aventuras perigosas que, mesmo sendo bastante simples, se revelavam divertidas e competentes quanto baste.
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A popularidade da série fez com que, em 1991, a NBC tentasse fazer uma nova série com Hasselhoff de regresso, desta vez passada no ano 2000. Apesar das boas audiências, os planos foram deixados de lado e assim os fãs ganharam apenas um filme para televisão, O Justiceiro do Ano 2000. No entanto, ainda foram criadas mais séries centradas na ideia, sendo a mais popular a mais recente série de 2008 em que K. I. T. T. tinha a voz de Val Kilmer e onde Hasselhoff voltou como Michael Knight no episódio-piloto. O Justiceiro tem hoje um enorme seguimento de culto, muito auxiliado pelo enorme sentimento de nostalgia que por aí anda. De qualquer forma, estamos perante um dos maiores casos de popularidade televisiva dos anos 80.
Knight Rider, 1982-1986
Depois de O Justiceiro, recordamos Os Soldados da Fortuna (The A-Team), série de acção estreada em 1983 e criada por Stephen J. Cannel e Frank Lupo. A história centra-se num grupo de soldados americanos que estão em fuga depois de serem acusados de um crime militar que não cometeram. Enquanto estão escondidos, ajudam quem mais precisa contra criminosos sem escrúpulos.
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Os Soldados da Fortuna era uma série protagonizada por George Peppard, Mr. T, Dirk Benedict e Dwight Schultz onde seguimos as aventuras das suas quatro personagens: John “Hannibal” Smith, B.A. Baracus, Templeton Peck e o Capitão Murdock, respectivamente. A acção mistura-se com a comédia e, apesar das histórias serem quase sempre idênticas, a série acaba por ser uma diversão simples, mas eficaz, com todos os elementos que criavam séries de sucesso na altura. À semelhança de O Justiceiro, a simplicidade e a falta de continuidade dos seus episódios fazem da série um produto de fácil visionamento, onde o que apelava aos espectadores era a diversão e as personagens. Os Soldados da Fortuna estrearam em 1983 e a série tornou-se num êxito imediato. A fórmula resultou e a série teve audiências bastante boas durante os seus primeiros três anos de emissão. Quando chegou à quarta temporada, o sabor da repetição começou a exaustar o público, fazendo com que a sua popularidade baixasse. Sem querer desistir da série, a NBC decidiu avançar com a quinta temporada, mas com alterações na série. Assim, no seu quinto ano, Hannibal e companhia estavam agora a trabalhar para um agente da CIA que se propõe tratar da liberdade da equipa após serem apanhados pela justiça. Para tal, têm de executar várias missões onde as suas vidas são colocadas em risco. Assim, a série ganhou um tom mais sério, na tentativa de ser algo 267
The A-Team, 1983-1987
Miami Vice, 1984-1990 diferente. No entanto, as fracas audiências ditaram o fim das aventuras dos quatro soldados, numa temporada mais curta que as anteriores. Os Soldados da Fortuna tornaram-se numa série típica dos anos 80, onde a simplicidade era a ordem do dia e onde, uma vez mais, o seu propósito era entreter o espectador. A série criada por Cannel e Lupo tornou-se numa das mais conhecidas e adoradas da altura e deu origem a uma versão cinematográfica em 2010 protagonizada por Liam Neeson e Bradley Cooper. Para trás, fica uma das séries mais divertidas dos anos 80, apesar do seu cheiro a repetição, episódio a episódio. Em 1984, estreia aquela que seria uma das séries mais marcantes, influentes e inovadoras dos anos 80 e de sempre, uma série que trouxe qualidades cinematográficas ao pequeno ecrã e que deixou de lado a narrativa simplista e básica de outras séries para dar lugar a histórias adultas e algo realistas e violentas. Fala-se agora de Acção em Miami (Miami Vice). Criada por Anthony Yerkovich e produzida por Michael Mann para a NBC, Acção em Miami é uma série policial protagonizada por Don Johnson e Philip Michael Thomas como os policias infiltrados Sonny Crocket e Ricardo Tubbs, respectivamente. Os dois policias formam uma parceria
e estabelecem uma forte amizade ao longo da série que durou cinco anos, desde 1984 até 1989. Mann, um aclamado realizador, fez da série um produto único dentro do panorama televisivo da altura, com um lado adulto e violento, algo que não se encontrava com muita facilidade na época. Para além disso, cria um fabuloso contraste entre o glamour de Miami e o mundo do crime e do contrabando de drogas da cidade americana. Pelo meio, influencia o mundo da moda dos anos 80 (tanta cópia das vestimentas de Crockett que andaram pelas ruas) e utiliza uma banda-sonora recheada de nomes conhecidos, com especial destaque para In the Air Tonight de Phil Collins, que ajudou a popularizar a série desde o seu episódio piloto. Acção em Miami torna-se assim num clássico instantâneo da televisão americana, onde ainda cria uma espécie de continuidade, algo pouco visto na altura, sempre centrado nas suas duas personagens principais. Don Johnson foi catapultado para o estrelato e, ao longo da série, são muitos os realizadores e actores que participam em vários episódios, muitos antes de serem estrelas: Abel Ferrara, Bruce Willis, Julia Roberts, John Turturro, Ben Stiller, Liam Neeson, Viggo Mortensen e Laurence Fishburne são alguns dos nomes que aqui encontramos. Michael Mann esteve envolvido nas primeiras três temporadas da série.
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MacGyver, 1985-1992 Depois disso, o cansaço e falta de criatividade começou a sentir-se. As histórias começam a perder rumo (num episódio, Crockett e Tubbs investigam OVNIS…) e a série chega ao seu quinto ano com audiências mais fracas, levando ao seu fim. Para trás fica uma série de enorme importância para a televisão americana, com grande influência e que se tornou num muito adorado objecto de culto. Anos mais tarde, Mann leva a série ao cinema, num policial por si realizado que, na altura da sua estreia, foi um fracasso de crítica e de bilheteira. No entanto, tal como a série, o filme protagonizado por Colin Farrell e Jamie Foxx ganhou um estatuto de culto.
interessante, sem cortar o ritmo ao momento. E assim surge um dos heróis da televisão mais conhecidos de sempre, com o carismático Anderson a dar-lhe vida.
Passamos agora para a última série que aqui vamos abordar. Estamos em 1985. Depois de carros falantes, soldados em fuga e polícias infiltrados, o mundo conhece um herói diferente. Este não utiliza armas devido ao seu enorme ódio pelas mesmas, mas sim a ciência para salvar a sua vida. Chama-se MacGyver é o protagonista da série com o mesmo nome. Richard Dean Anderson é o actor que dá vida à personagem, numa série relativamente leve e recheada de aventura e acção. Em cada episódio, MacGyver, um agente da Phoenix Foundation, encontra situações de perigo onde utiliza os seus conhecimentos científicos para encontrar uma forma de sair da situação em que se encontra. Cada solução é devidamente explicada ao espectador, mas sempre de forma
O legado da série é enorme. Para além de ser uma das mais populares de sempre, a nostalgia faz-se sempre sentir quando se diz o seu nome. Como tal, a CBS decidiu trazer a personagem de volta num reboot que vai agora na sua segunda temporada. No entanto, está longe do apelo e do divertimento que Richard Dean Anderson e o seu MacGyver proporcionavam aos espectadores.
MacGyver foi um enorme sucesso de audiências um pouco por todo o mundo durante sete anos (das séries aqui descritas, foi a única que entrou na década de 90), onde houve lugar para todo o tipo de histórias, algumas mais divertidas, outras com temáticas mais adultas. Depois do fim da série, Anderson regressou para dois filmes para televisão, ambos com audiências bastante saudáveis.
Quatro das séries mais emblemáticas e populares dos anos 80, séries que ainda hoje em dia são adoradas e recordadas com afecto. É este o poder dos anos 80 televisivos.
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Título nacional: Black Adder Realização: Martin Shardlow, Mandie Fletcher, Richard Boden
BLACKADDER
Elenco: Rowan Atkinson, Tony Robinson, Tim McInnerny, Stephen Fry, Hugh Laurie, Miranda Richardson Ano: 1982-1989 (4 temporadas de 6 episódios cada)
RUI ALVES DE SOUSA
temporada e nota-se uma grande diferença da primeira para a segunda (alterou-se a psicologia das personagens e passaram-se as gravações para um estúdio). Mas em todas, podemos ver como é bela a fusão entre o humor mais refinado e o maior nonsense, numa série que utiliza uma ironia característica, uma colheita profícua de trocadilhos e um humor negro cheio de referências a cada um dos períodos históricos para nos contar as peripécias do homem que queria ser rei, no início, mas que no fim de contas (e como vemos na quarta temporada) só queria sobreviver a mais um dia na sua vida miserável — e que, para nós, é tão hilariante.
No total foram quatro temporadas, com seis episódios cada, mais uns quantos episódios avulsos entre especiais de Natal e participações noutros programas. Está há muito tempo a ser preparada uma nova fornada de capítulos, mas centremo-nos aqui no núcleo duro de Blackadder, aquela que tornou esta numa das séries mais emblemáticas (e imitadas) da comédia televisiva britânica. Muitos conhecem Rowan Atkinson pela personagem de Mr. Bean. Mas antes, o talento do humorista já se revelara no programa de sketches Not the Nine O' Clock News (1979) e, depois, neste Blackadder, que o tornou numa referência nacional. O seu personagem, aliado às prestações de outros ícones da comédia inglesa como Stephen Fry ou Hugh Laurie (que ficou muito mais famoso no mundo como House), mais as histórias repletas do humor corrosivo de Ben Elton e Richard Curtis, deram o sucesso à série que continua insuperável na qualidade das suas piadas e no preciosismo da construção narrativa.
Blackadder, pura e simplesmente, é um manual de estudo para todos os que queiram perceber o funcionamento da narrativa cómica. No entanto, os últimos capítulos, que relatam os medos que deveriam sentir-se nas trincheiras durante o conflito de 1914-18 (ou em qualquer outro conflito armado), têm um gosto diferente dos anteriores: a comédia alia-se a um drama pungente. Não há uma sátira à estupidez da guerra, mas uma profunda homenagem a todos os que nela morreram sem qualquer razão. E o último episódio da série, verdadeiramente arrepiante, é ainda hoje tido como um dos melhores finais da História da televisão. Em 24 episódios há grandes momentos de comédia e, no fim, alguns minutos da mais profunda tragédia humana. Tudo isto consegue andar de mãos dadas e funcionar tão bem, naquela que é uma das séries ex-libris da BBC.
Cavalgando entre quatro épocas distintas ao longo dessas temporadas (o fim da Idade Média, o reinado de Isabel I de Inglaterra, a Regência Britânica e a I Guerra Mundial), Blackadder conta as peripécias de um homem cínico, arrogante e adoravelmente mesquinho que, com a ajuda dos seus servos incompetentes, tenta arquitectar planos para roubar o poder aos que o rodeiam. A série foi evoluindo de temporada para 271
À CONVERSA COM
NUNO MARKL ANTÓNIO ARAÚJO
Nuno Markl é um homem dos sete ofícios e, garantidamente, o radialista, escritor, cartunista, humorista, argumentista, apresentador de televisão e actor de vozes mais popular do nosso burgo. 1986, a comédia televisiva de pendor nostálgico situada em plena década de oitenta criada por Nuno Markl, vai estrear em breve na RTP. Radialista, escritor, cartunista, humorista, argumentista, apresentador de televisão, actor de vozes. Com qual destas versões do Nuno Markl mais se identifica? Toda uma amálgama disso tudo. Posso, na verdade, ter inventado uma nova profissão só para mim que inclui todas essas funções. Como saltito entre tudo isso, muitas vezes na mesma tarde, é-me difícil colocar uma dessas ocupações à frente das outras!
bandeira e reclamasse território para si. E depois, somos uma geração que, ao contrário da dos nossos pais, não tivemos grandes ideais pelos quais lutar. Nos anos 60-70, a cultura popular e a situação do mundo cruzavam-se: eram anos de luta e libertação. Nós recebemos os nossos dias livres e sem grandes objectivos que não assistir ao Tempo dos Mais Novos e ter a certeza de que tínhamos a mais recente edição do Top Jackpot. Os nossos ideais eram pop, e abraçamos o pop como se a nossa vida dependesse dele. Quando largamos a idade da inocência e nos confrontamos com as angústias da idade adulta, tendemos a querer voltar lá atrás em busca de um certo aconchego. Isso explica a nossa adoração pelos anos 80, pelos filmes, pelas séries, pelas canções, pelos livros, pelos comics, pelos brinquedos e até pelas guloseimas. Vivemos intensamente o nosso mundo fútil, mas absolutamente essencial.
Na sua opinião, qual a razão para a vaga actual de nostalgia pelos anos oitenta? Na verdade, isto é uma vaga que arrancou nos primeiros anos da década de 2000. Eu acho que é uma coisa natural: de repente, as pessoas que cresceram nessa altura estavam na casa dos 30, a abraçar de vez a idade adulta. Logo, havia pessoas dessa idade a escrever, a criar coisas, e havia pessoas dessa idade em lugares de chefia e de decisão. Era mais do que natural que a geração nascida nos anos 70-80 espetasse a sua
Considera que a nostalgia é inevitável com a idade? Acredita que há uma tendência para se olhar para trás com uma perspectiva idealizada, ou considera saudável reflectir sobre as nossas origens? Acho que este olhar nostálgico para o passado está sempre a um passo de algo muito triste. Lembro-me que quando fazia a Caderneta de Cromos na Comercial, que era suposto ser uma celebração eufórica das coisas da nossa juventude, recebia mensagens alarmantes de ouvintes comovidos a dizer-me "obrigado por esta rubrica tão saudosista, quem 273
o Edgar Wright fez o Shaun of the Dead, o Danny Boyle o 28 Days Later e o Zack Snyder o remake do Dawn of the Dead do Romero. Ainda era algo bizarro gostar desses filmes. Hoje é difícil encontrar quem não goste de zombies, cortesia do The Walking Dead, que se transformou numa espécie de Dallas dos mortos-vivos.
me dera voltar para lá e não sair mais de lá". E nunca fora essa a minha intenção. O presente é tramado, mas, por exemplo, é o lugar onde o meu filho existe. Quero estar com ele, vê-lo crescer; não quero ser devolvido ao tempo em que levava calduços dos bullies. Eu adoro a minha infância e juventude, gosto de a revisitar, mas é sempre com um bilhete de ida e volta. Gosto daquilo que sou hoje e de espreitar para aquilo que me formou, mas nunca me pareceu saudável a ideia de voltar e ficar lá. Apesar desta minha aparente obsessão pelos “80s”, não sou saudosista.
Quais as diferenças entre o 2017 que vivemos agora e aquele que o Nuno Markl de 1986 sonhava? Em 1986, eu provavelmente acharia que 2017 iria ser o que vemos no Blade Runner. Nem era preciso ser 2017; eu já achava que 2000 seria um universo distante e mágico. No fim de contas, e apesar de tudo o que, entretanto, aconteceu e passou a existir, não só os carros ainda não voam, como conseguimos usar na série o cenário real da Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica, porque está muito próxima do que era em 86!
Como encara a mudança de paradigma dos últimos trinta anos, onde as paixões de poucos (como a banda desenhada e o Star Wars — paixões geeks e nerds que se escondiam por não serem genericamente aceites) se tornaram populares fenómenos de massas? Acho que tem de novo a ver com o facto de os jovens geeks de outrora serem os indivíduos de meia-idade de hoje, contagiando os filhos com os seus velhos vícios. A bem dizer, no caso do Star Wars, aquilo sempre foi um megafenómeno. Hoje é um super-híper-megafenómeno porque a escala das coisas aumentou. Mas há uma larga reserva de material que continua "for geek eyes only". Para mim, o mais espectacular exemplo de mudança de paradigma é o caso do The Walking Dead, mais até que o Star Wars. Lembro-me de, ainda não há muito tempo, pessoas me olharem de lado por adorar filmes de zombies. Ainda era assim quando
A ideia de uma série juvenil passada nos anos oitenta escrita pelo Nuno Markl invoca imediatamente a memória de séries como Freaks and Geeks. É esta mistura de comédia e melancolia que podemos esperar de 1986? Há-de haver inspiração de várias coisas — não só Freaks and Geeks como, praticamente, toda a filmografia do John Hughes e mais umas 274
aquela visão meio enciclopédica dos meus anos de infância e juventude estava fechada, mas sempre achei que haveria lugar para um filme ou uma série sobre o assunto. Tivemos o Conta-me Como Foi, que falou à geração antes da minha, e tivemos Os Filhos do Rock, que abordava os “80s” de um ponto de vista musical e artístico. O 1986, que começou por ser um esboço, no início dos anos 2000, para uma longa-metragem (chamada O Videoclube, e que olhava para os clássicos clubes de vídeo da era VHS com uma nostalgia algo Cinema Paraíso), podia ser a primeira série a abordar os anos 80 no coração de um bairro, e ainda por cima com um catalisador de ficção tão bom como a segunda volta das Presidenciais, que partiu o país ao meio e teve a campanha eleitoral mais pop de sempre em Portugal. Foi isso que me levou a conceber isto. Achei que valia a pena voltar aos anos 80 se fosse por este ângulo da ficção.
coisas menos óbvias como o Electric Dreams. Mas acho que, acima de tudo, a maior inspiração são as minhas vivências de 1986, juntamente com as memórias dos outros argumentistas, a minha irmã Ana e o Filipe Homem Fonseca, mais o incrível input da nossa consultora de época, a Joana Stichini Vilela. A série tem um lado de fantasia pop, mas São Domingos de Benfica não é Hollywood, não quisemos inventar uns “80s” alternativos em que filtramos as nossas memórias portuguesas através das referências cinéfilas. Apesar de tudo, o 1986 é muito uma série do bairro; um bairro que representa um país dividido numa altura quente da política. 1986 conta com muitos elementos e referências autobiográficas. Qual foi a inspiração e o ímpeto para a escrita da série? Na verdade, quando acabei a Caderneta de Cromos na Comercial, eu estava com uma overdose de “80s”. Eu esmiucei aquela década e aquelas memórias a um ponto em que já não tinha mais nada de interessante para dizer aos ouvintes sobre elas. E lembro-me de ler críticas à fase final da rubrica com as quais concordava: uma delas dizia qualquer coisa como “que saudades do tempo em que Nuno Markl não estava escravo das memórias e falava sobre tudo”. Eu li aquilo e pensei: esta pessoa tem toda a razão. Eu próprio estava com saudades do tempo em que não estava escravo das memórias e falava sobre tudo! Portanto,
Quais os sentimentos que a época recordada em 1986 lhe invocam? Era um rapaz popular na escola? Eu tentava comprar a minha popularidade com caricaturas. Ajeitavame no desenho, criava também bandas desenhadas que circulavam pela escola. Histórias que preenchiam cadernos daqueles Sebenta, e que tinham continuação. Enquanto alguns colegas meus me aviavam calduços e humilhação, outros queriam saber como seguiam os meus 275
toscos comics desenhados em marcadores Molin. Por vezes, apareciam colegas meus que queriam tudo — faziam-me bullying mas reconheciamme talento nas BD. Alguns convertiam-se em amigos por causa do talento nas BD. Foi uma juventude algo acidentada e complexada, mas não foi exageradamente dramática. Tenho carinho por esses tempos, embora odeie bullies e essa continue a ser uma das minhas cruzadas. Gostei de incorporar pedaços da minha história pessoal na narrativa do 1986 e de os distribuir por mais do que uma personagem. Partilhe connosco um pouco do seu processo de escrita. É uma tarefa prazenteira ou uma provação à qual se obriga? É uma tarefa muito prazenteira, apesar de todos os desafios e trabalho que envolve. Mas isto foi novo para mim: uma coisa é estruturar um sketch, ou mesmo uma longa-metragem de 90 minutos; a outra é conseguir este malabarismo milagroso de contar uma história cujo arco narrativo atravessa 13 episódios, sendo que cada um desses episódios convém que tenha, lá dentro, o seu arco narrativo mais pequeno. Nunca conseguiria fazer isto sozinho, daí ter chamado a Ana e o Filipe para me ajudarem. Nunca tinha trabalhado com a minha irmã em escrita e acho que nos completamos bem. Eu tenho as ideias e levo-as a voos descontrolados; ela é uma freak da estrutura e da coerência, trazia-me várias vezes à terra.
Como é que os actores jovens reagiram à roupa e às músicas que estavam na moda há́ mais de trinta anos? Eles foram todos bem escolhidos por várias razões. Pelo talento, porque tinham o perfil certo para as personagens, mas também pela bagagem que tinham: nenhum deles é inteiramente extraterrestre em relação àquela década. Ou por interesse e curiosidade dos próprios ou por influência dos pais, todos eles conheciam muita coisa dos anos 80. É claro que estamos a falar de pessoas que andam entre os 15 e os 19 anos, o que significa que alguns deles nunca tinham pousado uma agulha num disco de vinil ou sintonizado uma velha telefonia a pilhas. E não há nada de errado nisso — com a idade deles eu não sabia pôr a tocar o velho gravador de bobines do meu pai! Mas aprenderam esses detalhes depressa e abraçaram as personagens como se vivessem naquela altura. Nos intervalos entre takes, lembro-me de falar com eles sobre músicas dos “80s” e filmes do John Hughes e esquecer-me da diferença de idades entre mim e eles. Gosto muito daqueles cinco!
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