Take 52

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PIXAR

TAKE.COM.PT | ANO 13 | NÚMERO 52


ARTIGOS

CRÍTICAS

04 Escapismo? Sim, obrigado! . editorial 06 As primeiras curtas da Pixar 10 As personagens icónicas da Pixar 54 A concorrência da Pixar 58 Um novo tipo de histórias

14 Toy Story 16 A Bug's Life 17 Toy Story 2 18 Monsters, Inc. 20 Finding Nemo 22 The Incredibles 24 Cars 26 Ratatouille 28 Wall-E 30 Up 32 Toy Story 3 34 Cars 2 35 Brave 36 Monsters University 37 Inside Out 38 The Good Dinosaur 40 Finding Dory 42 Cars 3 43 Coco 44 The Incredibles 2 46 Toy Story 4 48 Onward 50 Soul 52 Luca

Director José Soares. josesoares@take.com.pt Editora Sara Galvão. Editores adjuntos José Carlos Maltez. António Araújo. Colaboraram nesta edição António Araújo. Diogo Simões. Filipe Lopes. Hélder Almeida. João Bizarro. JB Martins. José Carlos Maltez. Pedro Miguel Fernandes. Pedro Soares. Rui Alves de Sousa. Sandra Gaspar. Sara Galvão. Design José Soares. Ilustração José Soares. Imagens Arquivo Take. Pixar. Alambique. Big Picture Films. Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema. Cine Mundo. Columbia TriStar Warner Portugal. Costa do Castelo Filmes. Fox Portugal. Films 4 You. iStock. LNK Audiovisuais. Lanterna de Pedra Filmes. Leopardo Filmes. NOS Audiovisuais. Midas Filmes. Nitrato Filmes. Outsider Filmes. Pris Audiovisuais. Sony Pictures Portugal. Universal Pictures Portugal. Valentim de Carvalho Multimédia. Vendetta Filmes. Imagem de capa Toy Story © Todos os Direitos Reservados ao autor. © 2021 Take Cinema Magazine - Todos os direitos reservados. As imagens usadas têm direitos reservados e são propriedade dos seus respectivos donos.

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© José Soares


ESCAPISMO? SIM, OBRIGADO! SARA GALVÃO

“Quando a vida te deprime, sabes o que tens de fazer? Continua a nadar.” – palavras da grande filósofa azul Dory. Se havia melhor altura para rever os clássicos da Pixar, não fui informada. Por estes dias, caíram que nem um mimo. Um mundo 3D extra colorido onde há alegria e esperança e não há referência a vocês-sabem-bem-oquê? Sim, sim, e sim. Escrever um editorial no final de 2020 sem martelar sem precedente no teclado? Provavelmente proibido por lei. Os filmes de que falamos nas próximas páginas são, na sua maioria, um enorme testamento à criatividade e resiliência humana. Numa altura em que a maior parte dos governos parece ter-se esquecido do poder e importância das Artes, ver um peixe-palhaço atravessar o oceano pelo filho é, de certo modo, reconfortante. Sim, Marlin, também nós atravessaremos o oceano em direcção a parte incerta, e bolas se não nos havemos de divertir (q.b.) enquanto o fazemos. Apesar de tudo o que acontece fora da minha bolha sanitária. Se isto fosse um filme, estaríamos no meio do segundo acto, antes das coisas ficarem mesmo negras e antes da grande transformação do terceiro e final acto. Ou então estamos todos numa prequela do Wall-E e ninguém nos disse nada (põe o ouvido à escuta para ver se topas a banda sonora do Thomas Newman). Esta é uma edição que celebra uma produtora que, ao longo dos anos, trouxe alegria e emoção aos nossos corações enquanto expandia os limites da tecnologia para melhor servir as suas histórias. Estes filmes são mais do que escapismo. São odes à condição humana.


Soul, 2020



AS PRIMEIRAS CURTAS DA PIXAR FILIPE LOPES

Depois do primeiro filme da saga Star Wars, hoje intitulado Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977), George Lucas decidiu entrar no mundo da animação computorizada. A Lucasfilm (empresa que fundara em 1971) criou mesmo uma câmara de movimento controlada por computador, mas isso não bastava para chegar ao próximo patamar de evolução na indústria cinematográfica. O que ele pretendia era chegar a um nível de tecnologia que lhe permitisse concretizar ideias impossíveis à luz da tecnologia cinematográfica existente. Para isso, convidou Edwin Catmull, um especialista em ciências da computação, e criou uma divisão da Lucasfilm a que deu o nome de Graphics Group, cujo objectivo era inventar meios de produção digital que preenchessem o vazio do que até então era impossível de fazer no cinema. Catmull recrutou uma equipa dos mais talentosos “cientistas dos computadores” que havia para construir as ferramentas futuristas de que Lucas necessitava. Era uma equipa versátil, formada por pessoas de vários quadrantes que iam desde a Arquitectura e a Arte até à informática ou à ciência pura e dura, e constituíam uma espécie de grupo rebelde dentro da própria Lucasfilm, “o que até era divertido porque estávamos a fazer todas estas coisas de que ninguém entendia o valor”, como disse o próprio George Lucas. No entanto, o grande sonho deste grupo de artistas informáticos, mais do que colaborarem em filmes de imagem real com efeitos visuais credíveis, era o de realizarem uma longa-metragem de animação totalmente feita


em computador, algo que lhes parecia impossível na altura. A grande viragem dá-se quando John Lasseter, acabado de ser despedido da Disney por estar a planear juntar animação tradicional com animação por computador, é convidado para a equipa por Ed Catmull. Pela primeira vez, a equipa poderia contar com um verdadeiro animador nas suas fileiras. “O nosso grupo adorava a animação e sabíamos muito de animação. Não sabíamos animar bem, mas conseguíamos entendê-la”, refere, a propósito, Alvy Ray Smith. Rapidamente é lançado o desafio para uma pequena animação totalmente feita em computador que terá o próprio Ray Smith como realizador, mas com a animação a cargo de Lasseter. Este diz ter sido inspirado ao ver as limitações daquilo que tinham para trabalhar, já que o que podiam fazer implicava a utilização obrigatória de formas geométricas para fazer construções mais complexas. John desafiou a equipa a criar novos programas que lhe permitissem animar os movimentos de esmagar e esticar que tinha aprendido na animação tradicional. Esta primeira curta, As Aventuras de André e Wally B. (1984), tem a duração de dois minutos, e a acção consiste, basicamente, num encontro, não muito cordial, entre uma simpática e engraçada personagem chamada André e um zangão chamado Wally B.

estava bem ciente disso, conversou com eles e disse-lhes que para isso necessitariam do investimento de 30 ou 40 milhões de dólares, que ele não tinha. Em 1986, pouco depois de George Lucas, Ed Catmull e Alvy Ray Smith terem mudado o nome da divisão para Pixar, Ed partilha com Steve Jobs, de visita à Lucasfilm, o seu sonho, e faz com que este acredite nesse sonho. Rapidamente Jobs compra a Pixar a Lucas por cinco milhões de dólares e investe mais dez milhões para lançar a empresa. É então que mais um desafio é feito por Catmull a John Lasseter: realizar um pequeno filme de animação que demonstre o que é a Pixar. Daqui nasce Luxo Jr. (1986), a história de um candeeiro de escritório da marca Luxo que observa o seu filho Luxo Jr. a brincar com uma bola. Pela primeira vez na história, um filme de animação 3D é candidato ao Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação. A Pixar ganha o seu símbolo, que se mantém até hoje, e uma estrela que entrará em mais três curtas de animação (todas realizadas pelo mesmo John Lasseter): Luxo Jr. in 'Front and Back' (1991), Luxo Jr. in 'Surprise' and 'Light & Heavy' (1991) e Luxo Jr. in 'Up and Down' (1993). Desta fase da empresa, Lasseter recorda o facto de só terem um computador, que usavam à vez de forma non-stop; das longas noites e dias em que dormitavam num pequeno espaço do escritório ou no carro, ou que não dormiam de todo, sempre a trabalhar para tentar chegar mais longe, onde ainda ninguém

O sonho deste grupo comandado por Ed Catmull era o de fazer uma longa-metragem de animação totalmente em computador, e Lucas, que 8


metragem exclusivamente feita por computador, bem como uma empresa que tivesse vontade em associar-se à Pixar nesse objectivo. Como todos sabemos, a empresa acabou por ser a Disney e “a tal” primeira longa de animação digital, foi mesmo Toy Story (1995). Mas isso é uma história para ser contada noutro local desta revista. Neste artigo, falta-nos apenas falar de Sunny Knicks Knacks (1989), novamente realizado por John Lasseter, e em que um boneco de neve aprisionado num globo de água com farripas de neve artificial pretende aproveitar os raios solares de Miami junto às belezas plastificadas que ocupam a mesma prateleira de souvenirs que ele. A luta para sair do globo assume proporções épicas e tudo aponta para um desfecho cor-de-rosa… Será?

havia chegado. É deste período que são todas as primeiras curtas após As Aventuras de Andre e Wally B. A seguinte é O Sonho de Red (1987), que nos apresenta a um monociclo que nunca ninguém quis comprar, colocado a um canto de uma loja de bicicletas. O seu sonho é, um dia, actuar num circo… Red’s Dream é um marco na história da Pixar porque, pela primeira vez, um filme aí produzido não tem um final feliz. De uma curta para a outra, a equipa desenvolve novo software, ganha mais experiência, é mais capaz do que na curta anterior. Lasseter segue à frente, inspirando e desafiando todos à sua volta, e no ano seguinte realiza a curta que dá à Pixar o seu primeiro Óscar, bem como o primeiro Óscar de sempre a um filme de animação feito por computador, Tin Toy (1988). Considerado por muitos como o antecessor de Toy Story, o pequeno filme de cinco minutos relata a relação entre um bebé e os seus brinquedos, nomeadamente um boneco de corda que toca vários instrumentos e que dele foge, recusando-se a brincar com ele. Quando se arrepende e quer voltar atrás, já o bebé está com a atenção virada para outro lado. Embora some êxitos, a vida da produtora encontra-se, por esta altura, em risco, já que dá prejuízo ano após ano, apesar dos seus programas inovadores e as suas animações e efeitos visuais em filmes de imagem real cada vez mais bem conseguidos. Faltava, de facto “a tal” longa9


Billy Wilder, 1906-2002


AS PERSONAGENS ICÓNICAS DA PIXAR HÉLDER ALMEIDA

Desde a sua estreia cinematográfica em 1995 que a Pixar tem criado uma série de personagens icónicas que perduram na memória dos espectadores bem depois das suas aventuras terminarem no grande ecrã. Desde brinquedos com vida, monstros simpáticos e peixes perdidos, a robôs num planeta Terra deserto, o mundo do Cinema tem sido presenteado com estas criações que tanta magia, diversão e emoção nos trazem.

emocionalmente pela dor do crescimento e da necessidade de seguir em frente. Em 2001 temos a estreia de Monstros e Companhia, onde conhecemos Mike e Sully, dois simpáticos monstros. Colegas na empresa Monsters Inc., Sully é a grande estrela do seu local de trabalho, onde tem a missão de atravessar portas para o nosso mundo, entrar no quarto de crianças e assustá-las de forma a que os gritos possam fornecer energia ao seu mundo. Mike, por sua vez, monstro pequeno e pouco assustador, é o braço direito de Sully, sempre ofuscado pelo sucesso do seu melhor amigo e à procura de um lugar de destaque. Monstros e Companhia apresenta-nos mais uma dupla icónica da Pixar, numa obra bastante divertida que, à semelhança de outros filmes do estúdio, tem uma mensagem dirigida a um público mais adulto, sempre disfarçado de filme para a família. Billy Crystal e John Goodman são Mike e Sully, respectivamente, e conquistaram o público e a crítica de tal forma que, anos mais tarde, estreou a prequela Monstros – A Universidade, onde Mike e Sully se conhecem.

Tudo começou com Woody e Buzz Lightyear, num mundo onde os brinquedos têm vida quando os seres humanos não estão a ver. O cowboy Woody, um brinquedo da velha guarda, vê-se ameaçado pela chegada de Buzz Lightyear, astronauta e o último grito no que diz respeito a brinquedos. Rapidamente essa rivalidade passa a amizade, uma das mais belas e emocionantes da História do Cinema. O filme é Toy Story – Os Rivais, a primeira longa-metragem de animação computorizada, estreada em 1995, que começou uma revolução que mudaria o género para sempre e que, na altura, foi premiada com um Óscar especial, ainda antes da criação da Categoria de Melhor Filme de Animação. Tom Hanks é Woody, Tim Allen é Buzz, e o sucesso foi tão grande que deu origem a três sequelas, todas sempre muito bem recebidas pela crítica e pelo público. Nestas quatro aventuras memoráveis, numa saga praticamente perfeita, conhecemos o verdadeiro valor da amizade e somos ainda devastados

O mar é um lugar desconhecido e enorme, um verdadeiro mistério para o ser humano e palco para a acção de À Procura de Nemo, estreado em 2003. Marlin, um peixe-palhaço, perde o seu único filho, Nemo, quando 11


este é levado por humanos, e é obrigado a sair do seu lugar de conforto para se aventurar pelo alto-mar para o encontrar, acompanhado de Dory, um peixe com graves problemas de memória. Esta dupla conquista crítica e público numa aventura aquática divertida e inteligente, com uma animação deslumbrante e pormenorizada. Albert Brooks é Marlin e Ellen DeGeneres é Dory, que irá assumir o protagonismo na sequela estreada em 2016, À Procura de Dory. Um ano depois dos acontecimentos do primeiro filme, é Dory quem se perde quando tenta encontrar a verdade sobre as suas origens. A sequela tornar-se-ia num dos maiores sucessos da história da animação.

super-herói que se encontra na reforma depois do mundo ostracizar todos os seres com super-poderes. No entanto, quando uma nova ameaça surge, o Senhor Incrível vê-se de volta ao que tanto adora, enquanto lida com os problemas da sua vida familiar, na qual cada membro, aparentemente, também tem super-poderes. Os Incríveis é uma aventura inteligente e bastante divertida que se tornou num enorme sucesso comercial e crítico, abrindo caminho para uma sequela estreada em 2018, com ainda maior sucesso, sendo que se tornou na animação mais lucrativa de sempre nas bilheteiras americanas. Em 2006, a Pixar aventura-se no mundo das corridas de carros. O protagonista de Carros é Faísca McQueen, uma estrela das corridas que se vê afastada dos holofotes da fama e perto de perder a sua popularidade. Carros acaba por ser mais uma aposta ganha por parte do estúdio, embora a crítica considere o filme demasiado infantil para os padrões habituais da casa de animação. No entanto, a popularidade entre os mais pequenos é enorme, e Faísca McQueen, tornar-se-ia numa máquina de vender no que a merchandising diz respeito. Devido ao sucesso do primeiro filme, e com o intuito de vender mais bonecos, surgem duas sequelas, com críticas mornas e com um retorno comercial cada vez menor.

Estamos em 2004. A Pixar já é, seguramente, uma casa de sucessos estrondosos que não dá mostras de falhar. Depois de encantar miúdos e graúdos com brinquedos com vida, monstros simpáticos e peixes falantes, o agora gigante da animação decide aventurar-se no mundo dos super-heróis numa altura em que este tipo de filmes ainda não era tão popular como é hoje. Para tal, são requisitados os talentos de Brad Bird, que havia começado a sua carreira com Os Simpsons e teve a sua estreia na realização com O Gigante de Ferro, para a Warner. Bird cria um filme de animação que mistura super-heróis com um toque de James Bond, e assim o mundo conhece The Incredibles - Os Super Heróis, filme de comédia e acção em que seguimos a família do Senhor Incrível, um ex-

Em 2007, o mundo delicia-se com as aventuras de Remy, um rato perito em culinária e com um paladar requintado que se vê no meio dum 12


restaurante outrora popular na cidade de Paris. O filme é Ratatui, um dos filmes mais adorados da Pixar. Com um argumento bem escrito, uma banda-sonora mágica e um toque que dá àgua na boca, o filme foi dos mais bem recebidos do ano. E assim, depois de Ratatui, a Pixar abre portas à sua produção mais arriscada de sempre.

um jovem escuteiro, Carl vê-se arrastado para uma incrível aventura que o faz perceber que a vida ainda tem mais para dar. Apesar da grande aventura que é, e de ser bastante divertido, Up – Altamente é também uma obra tocante que aborda o tema da perda de forma cuidada e adulta, emocionando multidões quando estreou. Uma vez mais, um enorme sucesso para o estúdio.

Wall-E segue as aventuras dum pequeno robô que dá nome ao filme. Wall-E tem como missão acumular o lixo que encontra num planeta Terra deserto depois da população o ter abandonado. No entanto, quando Wall-E encontra uma nova forma de vida recém-nascida, o pequeno robô vê-se arrastado para uma aventura fora do normal. Bastante inspirado em 2001 – Uma Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick, Wall-E é uma aventura de ficção científica cheia de coração e com uma forte mensagem ambiental. Com a acção centrada num robô que não fala num filme de poucos diálogos, Wall-E torna-se-ia num dos sucessos do ano e um clássico imediato, acabando por ganhar o Óscar para Melhor Filme de Animação.

Ao longo de 25 anos de vida, a Pixar criou um vasto leque de personagens memoráveis. Nesta última década assistimos ao regresso de algumas dessas personagens nas suas devidas sequelas, enquanto fomos conhecendo novas personagens, como Merida, de Brave – Indomável, e as várias emoções no inteligente Inside Out – Divertida-Mente. São estas personagens que têm conquistado o coração e a imaginação de milhões de pessoas, de miúdos e graúdos, ao longo desta duas décadas e meia. Deambulámos pelo mundo dos brinquedos, dos insectos (Uma Vida de Insecto), monstros, peixes aventureiros, super-heróis com pinta de espiões, carros falantes, ratos culinários, robôs com coração e emoção e aventuras onde a idade não tem limites. Tudo são histórias que fazem agora parte do nosso imaginário e que estão a passar de geração em geração. E tal não seria possível sem a existência destas personagens tão memoráveis e icónicas que apenas a Pixar consegue criar.

Continuando dentro do género da aventura, mas desta vez num ambiente bem terrestre, em 2009 temos a estreia de Up – Altamente, uma obra divertida e tocante onde seguimos Carl, um velho viúvo que está em luto pelo falecimento da sua esposa de longa data. Quando encontra Russell, 13


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Título nacional: Toy Story: Os Rivais Realização: John Lasseter

TOY STORY

Elenco: Tom Hanks, Tim Allen, Don Rickles, Wallace Shawn Ano: 1995

JOSÉ CARLOS MALTEZ

animados quando os humanos não estão presentes, perfeitamente conscientes do seu lugar no mundo – isto é, no quarto de Andy, o rapazinho que é seu dono e com eles brinca. Entre eles destaca-se Woody (voz de Tom Hanks), o cowboy que é o líder e mentor do grupo, sempre ciente do papel que os brinquedos têm no crescimento de uma criança. Mas o status quo muda quando Andy recebe um boneco diferente, o space ranger Buzz Lightyear, o qual não sabe sequer ser brinquedo, e leva as suas missões espaciais e armas poderosas a sério. A ciumeira inicial converte-se em confronto, dando azo a mal-entendidos e a um incidente que leva a que Buzz e Woody se percam e tenham que lutar em conjunto para voltar a Andy, ganhando, no processo, admiração mútua. Se para a criançada, Toy Story foi a abertura a novos heróis – veja-se o dinheiro que até hoje se tem feito a vender Woodies, Buzzes e outros –, para os adultos, o filme foi como que o relembrar daqueles tempos idílicos em que meia dúzia de bonecos das mais diversas proveniências eram suficientes para construirmos uma história que nos levava a mundos distantes. Com esse elogio da nossa (perdida?) imaginação infantil sem rédeas, o filme falava ainda do confronto entre tradicionalismo (o cowboy) e modernidade (o astronauta), entre valores testados e a descoberta da mudança, afinal algo sempre presente no crescimento, momentos onde a amizade, lealdade e a compreensão de diferenças são fundamentais na formação de uma pessoa. Ideias à parte, Toy Story é um filme de aventuras em ponto pequeno (isto é, o do tamanho dos bonecos), onde obstáculos e soluções são fruto de uma imaginação fértil, e onde o ritmo e o tom cómico são sempre acertados. Mais palavras para quê, quando miúdos e graúdos (e miúdos que já se tornaram graúdos) o aprovam com distinção? Toy Story é um verdadeiro clássico do cinema!

Quando o mundo do cinema percebeu que estava a chegar um projecto inovador onde a animação seria computorizada, a expectativa foi enorme. Por detrás de tudo estava o nome da Disney, a maior referência da animação mundial, e que, depois de alguns anos de vacas magras, estava de volta com filmes de grande aclamação quer do público, quer da crítica. A par desse nome, surgia outro, que pouco dizia ao mundo em geral: Pixar. Esta, nascida no seio da Lucasfilm em 1979, e tornada independente em 1986, com financiamento da Apple de Steve Jobs, era então uma companhia procurada por produtoras de cinema para tratar de algumas componentes gráficas. Não estaria nas cogitações de ninguém imaginar a Pixar como uma das mais importantes produtoras de animação mundial, mas isso foi o que aconteceu após a Disney a ter contratado (numa tentativa de recuperar o seu ex-funcionário John Lasseter) para desenhar aquela que ficaria para a história como a primeira longa-metragem de animação computorizada: Toy Story. Foi com a parangona de filme tecnicamente revolucionário – e depois de uma produção quezilenta e muitos guiões rejeitados –, que Toy Story chegou às salas. E se ficou claro que se estava a fazer história do cinema – um pouco como tinha sucedido dois anos antes com Parque Jurássico (Jurassic Park, Steven Spielberg, 1993), a maior surpresa terá sido o facto de Toy Story ser bem mais que uma simples montra de efeitos técnicos. Mostrando características que marcariam o percurso da Pixar, o filme de lançamento da produtora destacava-se pela coesão narrativa, personagens carismáticas (com uso de vozes de grandes actores: Tom Hanks, Tim Allen, Don Rickles, Wallace Shawn, etc.) e uma invulgar capacidade de funcionar em dois registos: como filme cómico de aventuras para crianças e como portador de temáticas relevantes para os adultos. Subtitulado em Portugal como Os Rivais, o filme de John Lasseter (escrito a muitas mãos por Joss Whedon, Andrew Stanton, Joel Cohen e Alec Sokolow) conta-nos a história de um grupo de bonecos que vemos 15


Título nacional: Uma Vida de Insecto Realização: John Lasseter, Andrew Stanton

A BUG'S LIFE

Elenco: Dave Foley, Kevin Spacey, Julia Louis-Dreyfus Ano: 1998

RUI ALVES DE SOUSA

possam ajudar a sua colónia a enfrentar um temível gafanhoto e o seu conjunto de súbditos. As peripécias são as de uma comédia de enganos – nem Flik sempre consegue mostrar os seus dotes criativos da melhor forma (com algumas invenções a provocarem estragos no reino muito correcto das formigas), nem o “exército” que arranja para combater a ameaça iminente o é na verdade. O resultado é uma série de gags que continuam a provocar efeito em nós, muito pela culpa destes insectos com personalidade exemplar, desde os heróis aos vilões, passando por uma galeria de coloridas personagens secundárias. Foi a primeira longa-metragem da Pixar após o acontecimento mundial que foi o primeiro volume de Toy Story: Os Rivais, e é uma das que merece mais estima por parte do público, que parece ter posto de lado esta comédia que, com o passar dos anos, ainda é tão divertida e pertinente como em 1998.

Uma Vida de Insecto esteve envolvido em polémica na época do seu lançamento. Tudo porque, poucas semanas antes, estreara um filme com uma premissa semelhante da rival Dreamworks – Formiga Z foi também uma aventura animada envolvendo pequeníssimas criaturas numa sátira à sociedade dos humanos. Contudo, duas décadas se passaram e, dúvidas à parte quanto à originalidade do conceito, é a “versão” da Pixar que melhor envelheceu. Falamos não só a nível de animação como também no conteúdo da sua história. Uma Vida de Insecto é uma fábula com tons políticos e de crítica social em que conhecemos Flik, uma formiga aspirante a inventora que não se identifica com o sistema reinante, que consiste em trabalhar todo o dia e não lutar contra os múltiplos agressores da colónia. Flik quer demonstrar que há mais vida para além disso, procurando guerreiros que

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Título nacional: Toy Story 2 - Em Busca de Woody Realização: John Lasseter, Ash Brannon e Lee Unkrich

TOY STORY 2

Elenco: Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Don Rickles Ano: 1999

JOSÉ CARLOS MALTEZ

Mais uma vez, como acontecera com o tomo anterior, o filme de Lasseter funciona a dois níveis. Por um lado temos o humor, ritmo de peripécias, e a dinâmica entre personagens – com Joan Cusack a emprestar brilhantemente voz à intrépida e efusiva cowgirl Jessie; por outro temos as ideias mais sérias, como o sentido de realização e pertença, e o olhar para o mundo dos brinquedos quer como uma criança o faria (como objectos de diversão que se usam até estarem desfeitos), quer como um adulto provavelmente o faz (como peças de colecção que se querem intactas e cujo valor é monetário e não emocional). E assim, sendo uma sequela (a primeira da Pixar), Toy Story 2 voltou a divertir e emocionar, valendo como uma obra que nada fica a dever à sua antecessora.

Com a ideia inicial de criar uma sequela de Toy Story para o mercado de vídeo, a Disney cedo se entusiasmou com o projecto, decidindo votá-lo às salas de cinema. Para tal voltou a encomendar o filme à Pixar, novamente com John Lasseter ao leme, chegando-se a Toy Story 2 – Em Busca de Woody, que contava com todas as vozes que tinham dado vida aos bonecos do primeiro filme, e algumas personagens novas. No seu cerne, voltamos a ter Woody, o boneco que parece ser a consciência do quarto de brinquedos, e guardião do seu dono humano, Andy. Só que Woody é roubado por um coleccionador sem escrúpulos (voz de Wayne Knight), e vai conhecer um conjunto de outros cowboys que terão pertencido à colecção original de onde ele foi extraído. Resta a Woody a escolha entre pertencer a um conjunto que lhe garante a imortalidade num museu e a efemeridade das brincadeiras infantis, na função de educar emocionalmente as crianças que com ele brincam.

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Título nacional: Monstros e Companhia Realização: Pete Docter, David Silverman

MONSTERS, INC.

Elenco: Billy Crystal, John Goodman, Steve Buscemi Ano: 2001

RUI ALVES DE SOUSA

Monstros e Companhia foi a primeira longa-metragem de Pete Docter, um dos nomes mais importantes da escola Pixar, responsável por algumas das ideias mais sonantes do cinema deste estúdio de animação.

resultado é uma obra que questiona o medo como motor da sociedade e que tão bem se enquadra ao que sentimos em relação ao próprio sistema em que estamos inseridos.

Em Monstrópolis, Sully é o empregado favorito da empresa Monsters, Inc, que fornece energia à cidade através de sustos a crianças humanas. Ele e o seu amigo fala-barato Mike, que é uma espécie de seu assistente, são a equipa de sonho neste meio. Mas é claro que nada vai ser o que parece à medida que a narrativa prossegue e vamos conhecendo melhor os meandros daquele mundo, povoado de intrigas de luta pelo poder e pela manutenção do establishment, numa narrativa tão fantasiosa mas com tantos pontos de contacto com a nossa realidade, em que as crianças já não se assustam tão facilmente e que, por isso, irá forçar o negócio monstruoso a encontrar novas formas de subsistência. O

Se este é um dos filmes essenciais da Pixar, é-o em muito por causa do elenco extraordinário de vozes que reuniu, um dos mais importantes da animação recente, em que o par de protagonistas foi interpretado pela melhor dupla possível: John Goodman e Billy Crystal. E o vilão é Steve Buscemi (num papel que lhe fica tão bem), e o veterano James Coburn encarna Waternoose na perfeição. A metáfora da história mantémse intocável, e mesmo que a animação possa parecer rudimentar em alguns aspetos, comparando com o que é possível fazer hoje, ainda assim mantém o seu carisma e alguns dos momentos de comédia mais conseguidos da animação contemporânea.

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Título nacional: À Procura de Nemo Realização: Andrew Stanton

FINDING NEMO

Elenco: Albert Brooks, Ellen DeGeneres, Alexander Gould Ano: 2003

SARA GALVÃO

despida de preconceitos: “peixes nadam, pássaros comem” — apesar de, claro está, haver quem escolha ver os peixes como amigos, não comida).

Marlin, o peixe-palhaço sem jeito para contar anedotas, acabara de se mudar para uma anémona com vista para o oceano com a mulher e as suas 400 ovas quando a tragédia lhe bate à porta: uma barracuda ataca a família, deixando-o sozinho no mundo com o seu filho Nemo. Anos mais tarde, Marlin é um pai galinha que nunca deixa Nemo sair do seu radar super-protector e sufocante. Claro está, é só uma questão de tempo até que Nemo se revolte — numa fúria adolescente que infelizmente o leva a ser capturado por uns mergulhadores e a acabar dentro de um aquário dum dentista em Sydney. Marlin é assim obrigado a enfrentar os seus piores pesadelos para, com a ajuda de Dory, um peixe com memória de, er, peixinho dourado, ir salvar o filho.

Se a história de Nemo é, por si, uma delícia narrativa, temos a acompanhála uma animação belíssima que nos mostra um fundo do mar garrido e cheio de diversidade (não deixa de ser interessante comparar este mundo com o de A Pequena Sereia, onde o fundo do mar não consegue competir com o mundo exterior), que não se coíbe de jogar com as nossas expectativas (olá, Tubarões Anónimos!) e polvilhar o drama com piadas q.b. (o cardume que ganharia qualquer jogo de charadas, as gaivotas idiotas e o estranho interesse de certos animais em medicina dentária). Acrescente-se a excelente banda sonora da autoria de Thomas Newmann, que captura na perfeição os sons discretos do ambiente submarino sem nunca se sobrepor à beleza das imagens ou da história que nos passa à frente dos olhos (ao contrário de outros, tosse tosse, Hans Zimmer). Tudo isto em menos de duas horas que passam a correr, qual corrente este australiana, sem que o interesse seja perdido, mesmo em visualizações repetidas. Não é por acaso que À Procura de Nemo destronou O Rei Leão como o filme de animação com mais sucesso de bilheteira — e rumores dizem que também é o responsável por Michael Eisner ter sido despedido da sua posição como presidente da Disney.

Andrew Stanton escreveu o guião de À Procura de Nemo depois de ter dado por si a tornar-se na versão humana de Marlin, demasiado preocupado e ansioso com a segurança dos seus descendentes, de uma maneira sufocante e pouco construtiva. Talvez por isso o filme se torne, em típico estilo da Pixar, mais do que uma mera lição moral para as crianças que o vêem (tal como Nemo, têm de aprender a desembaraçarem-se sozinhos); é fácil ver na história um lembrete para os pais que, com a preocupação de proteger os filhos de todos os males possíveis e imaginários, os impedem de crescer como adultos competentes.

Intemporal, com personagens que regressarão em glória para a sequela em 2016, À Procura de Nemo consegue tocar os corações mais empedernidos, numa perfeição à qual a Pixar nos mal-habituou, sem que a magia da história se esgote com o passar dos anos.

Esta lição é ilustrada não só pela atitude e estilo parental descontraído das tartarugas (que Marlin conhece depois de um encontro infeliz com alforrecas) mas também por Dory que, por ter problemas de memória, se parece esquecer de ter medo do desconhecido. É ela que, ausente de passado, ensina Marlin a viver no presente — mesmo que o presente seja assustador. E apenas juntos conseguem derrotar o verdadeiro “vilão” da história — o trauma de Marlin que o impede de ser um pai que ajuda o filho a crescer e a confiar nas suas próprias habilidades (falando em vilões, o filme também consegue justificar a realidade da biosfera de uma maneira 21


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Título nacional: The Incredibles - Os Super Heróis Realização: Brad Bird

THE INCREDIBLES

Elenco: Craig T. Nelson, Samuel L. Jackson, Holly Hunter, Jason Lee Ano: 2004

ANTÓNIO ARAÚJO

para as vozes das personagens, dispensando grandes e reconhecíveis nomes, sempre atraentes do ponto de vista do marketing, preferindo interpretes que garantissem desempenhos adequados às personagens. Craig T. Nelson e Holly Hunter foram escolhas inspiradas para Bob e Helen, emprestando em iguais doses o entusiasmo de ser um super-herói e o desgaste de uma vida desperdiçada, vivida abaixo das suas verdadeiras potencialidades. Samuel L. Jackson não precisa de ser mais que igual a si próprio para ser eficiente como Lucius, enquanto que Sarah Vowell e Spencer Fox encarnam convincentemente as personalidades opostas das crianças: Dash com um entusiasmo contagiante próprio da idade, e Violet com todas as inseguranças próprias de quem está a entrar na adolescência. Fundamental para o sucesso do elenco como um todo foi a escolha do próprio realizador como a designer Edna e Jason Lee como o vilão Syndrome, um misto volátil de insegurança e falta de confiança com ameaça letal e insolência.

Aos poucos, foi-se tornando evidente que o sucesso da Pixar era a fomentação de um processo colaborativo e o incubar de talento interno, surgindo de título para título colaboradores rapidamente promovidos a realizadores do seu próprio filme. Em 2004, com The Incredibles - Os Super Heróis, deu-se a excepção que confirmou a regra. John Lasseter convidou o amigo Brad Bird a juntar-se ao seu grupo de trabalho, depois do fiasco de bilheteira de O Gigante de Ferro, o projecto de animação tradicional que Bird tinha desenvolvido com a Warner Bros. Este imaginou uma homenagem aos filmes de espiões e bandas desenhadas da sua juventude em que injectou as preocupações de meia-idade sobre as próprias aspirações enquanto artista à custa da vida familiar. Embora em retrospectiva possa parecer uma ideia óbvia, no princípio do milénio não se vivia a febre de super-heróis que se vive actualmente. Ainda assim, o verdadeiro espírito no centro deste filme está imbuído de uma homenagem retro aos filmes de espiões dos anos sessenta, período temporal da narrativa, muito especialmente à saga James Bond. Em larga parte, também contribuiu para isso mais uma estreia na Pixar, Michael Giacchino, que compôs uma banda sonora reminiscente do trabalho característico de John Barry na saga do espião britânico mais célebre do mundo.

The Incredibles - Os Super Heróis constituiu um risco para a Pixar. À data, foi o seu filme mais longo e complexo, mas o resultado final é um triunfo que cresce com repetidas visualizações. Este é um exemplo daqueles títulos que encantam miúdos ao mesmo tempo que oferecem algo para os graúdos. Encerra conceitos que exploram a crise de meia-idade e ansiedades parentais, bem como ideias complexas como as expectativas da sociedade em relação aos papéis que se desempenham em função do género. Pelo meio de uma trama de espionagem há também tempo para o desenvolvimento de temáticas de identidade e de afirmação pessoal num contexto de estrutura familiar, e da sua importância para a preparação de uma criança para encarar o mundo externo a esse núcleo seguro. Digam lá, quem é que nunca sonhou em vestir uma licra e, nem que fosse só por um bocado, ser super?

The Incredibles apresentou algumas dificuldades técnicas no que respeita à animação digital. Por um lado, Brad Bird não estava familiarizado com este processo de trabalho e tinha escrito um argumento complexo, situado em múltiplos cenários, sem qualquer preocupação com os constrangimentos impostos à partida pelo meio. Por outro, a representação digital de humanos sempre constituiu um nível de dificuldade acrescido para este tipo de animação — não foi por acaso que os títulos anteriores da Pixar tinham evitado ao máximo representá-los, com algumas excepções. Sem ter comprometido a sua visão à custa de simplicidade técnica, Bird acertou em cheio na contratação dos actores 23


Título nacional: Carros Realização: John Lasseter, Joe Ranft (co-realização)

CARS

Elenco: Owen Wilson, Bonnie Hunt, Paul Newman Ano: 2006

FILIPE LOPES

e o conceito de família. De realçar o facto de em Carros estar um dos últimos trabalhos de Paul Newman, que empresta magistralmente a voz a ‘Doc’ Hudson, um premiado veterano da competição automobilística, que será como que uma espécie de mentor para McQueen. O filme é muito bem escrito e ritmicamente bem construído, coisas a que a Pixar nos habituou desde o primeiro segundo, e a personagem de Faísca tem uma aura, algures entre o intrépido aventureiro e o “aprendiz de feiticeiro”, que encanta miúdos e graúdos, pois, apesar dos números de bilheteira não terem sido espectaculares, e ter falhado a vitória nos Óscares, teve direito a duas sequelas, o que só tinha acontecido à “jóia da coroa”, o já referido Toy Story.

Carros é a sétima longa-metragem de animação produzida pela Pixar, e a quarta realizada pelo lendário John Lasseter, sendo a terceira em co-realização (só a primeira – Toy Story (1995) – é que Lasseter dirigira sozinho), desta feita ao lado de Joe Rafton, um talentoso argumentista que fez parte da produtora desde a sua origem e, antes disso, dos Estúdios Disney de animação tradicional, que tem aqui a sua primeira (e única, já que um grave acidente de viação tirar-lhe-ia a vida ainda antes da estreia deste filme) experiência na realização. Na história de Carros, a estrela é Faísca McQueen (Lightning McQueen, no original), um jovem carro de corridas um bocadinho inebriado pela fama e em luta pelo título, que, ao ficar “preso” por uns dias na cidade de Radiator Springs, descobre que há valores bem mais importantes do que as vitórias e a popularidade, como a amizade, a solidariedade, o amor

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Título nacional: Ratatui Realização: Brad Bird e Jan Pinkava

RATATOUILLE

Elenco: Brad Garrett, Lou Romano, Patton Oswalt Ano: 2007

PEDRO SOARES

Dantes, a culinária era uma coisa de homens viris, de barba rija e pêlo no peito, com nomes como Chefe Silva ou Chef André, a quem pouca gente ligava. Depois, a gastronomia tornou-se uma moda e o marketing rapidamente foi buscar uma série de palavras estrangeiras para a tornar mais apelativa. Foi o lifestyle e o gourmet por todo o lado, até surgirem em menos de nada os gastrossexuais(!); de repente, o chef tornou-se sofisticado e trendy (mais uma palavra estrangeira), como o Jamie Oliver, e ir ao restaurante passou a custar os olhos da cara por uma boa barrigada de fome.

Remy vai então aliar-se a um aspirante a cozinheiro trapalhão, Linguini (Lou Romano), e juntos vão ascender aos píncaros da culinária francesa, avaliada pelo genial crítico de comida Anton Ego (vocalizado por Peter O'Toole e com um visual assustadoramente parecido ao dos monstros famosos de Boris Karloff e Bela Lugosi). Obviamente que depois há uma narrativa secundária e uma história romântica a suportar tudo isto, sendo esta muleta bem frágil e o elo mais fraco do filme. Mas estamos a ver um desenho-animado e é isto que se espera de um desenho-animado, não é? Onde é que já se viu um desenho-animado sem um final feliz?

Nessa mesma altura, a Disney acabava de aumentar o seu império e de cimentar o seu monopólio no mundo do cinema de animação com a aquisição da Pixar. E para primeira produção do consórcio, a Disney ― a quem o oportunismo comercial não é uma coisa estranha, não é? ― não pôde deixar de tentar capitalizar a foodie trend.

Ratatui é mais um feelgood movie do que uma comédia e, por isso, são quase raros os gags ou sequer o humor físico. Serve-se antes de um humor inteligente e subtil, sempre mais próximo do público graúdo, movendo-se depois para mais perto do público miúdo graças a um visual colorido e sempre em movimento, tecnicamente perfeito e texturizado de uma maneira que quase conseguimos sentir o sabor dos pratos confeccionados. E, cada vez mais, é a Pixar a fazer verdadeiramente cinema de animação, tirando partido da câmara e de ferramentas cinematográficas como o enquadramento, a montagem ou a mise-enscène, sem se limitar à realização banal e académica.

Serve esta introdução mais ou menos disparatada para apresentar Ratatui, o filme da Pixar que aproveitou esta vaga para desmontar uma série de clichês do género, começando logo pela ideia de que tudo o que é chef é francês, tudo o que é francês é rude e tudo o que é rude tem hábitos estranhos ao norte-americano vulgar. Ratatui passa-se então em França e, como todos os filmes norte-americanos passados em França, é falado em inglês com um sotaque carregado à franciú, enquanto comem pernas de rã, croissants e outros estereótipos do género. Seguindo também a tradição antropomorfa da Disney, Remy (voz de Patton Oswalt) é um rato que ganha dimensão humana por não ser como os seus semelhantes: tem um olfacto apurado e um paladar exigente, cansa-se de comer e roubar comida como todos os ratos e deseja criar e dar o seu contributo ao Mundo. Por isso, identifica-se muito mais com os homens do que com os roedores.

Ratatui não é tão de tirar o fôlego como Os Incríveis, que tinha sido o título anterior, nem tão filme como Wall-E, que foi lançado posteriormente, mas não deixa de atingir uma bitola bem alta, como aliás é (era?) apanágio da Pixar. E é um dos poucos filmes que faz mesmo fome ver, o que acho que também significa qualquer coisa, não concordam?

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Título nacional: Wall-E Realização: Andrew Stanton

WALL-E

Elenco: Ben Burtt, Elissa Knight, Jeff Garlin Ano: 2008

JB MARTINS

quer seja pelos singelos momentos onde Wall-E está simplesmente a existir e a apreciar os pequenos momentos da sua vida solitária. Não são precisos diálogos para se sentir. Uma emoção vale mais do que mil palavras, e tanto Wall-E como EVE (o robô feminino pelo qual o nosso amigo desenvolve uma paixão mais ou menos platónica) sentem mais do que muitas personagens de carne e osso. A relação entre os dois desenvolve-se mesmo à frente dos nossos olhos e química é palpável.

Não é preciso avançar mais do que uma cena para se perceber que Wall-E é algo especial. O filme começa com uma panorâmica sobre uma Terra abandonada e poeirenta. Uma representação crua acompanhada por uma banda sonora intensa e inquietante. A Pixar (aqui representada pelo realizador Andrew Stanton e o director de fotografia dos Coen Roger Deakins) optou por começar de uma forma seca e reflexiva, e não o fez por acaso (raramente alguma coisa é por acaso na casa do Toy Story). Somos imediatamente transportados para uma realidade pósapocalíptica, que é provavelmente o cenário mais improvável para um filme animado que se acredita vir a ter grandes momentos de comédia. Inesperado? No mínimo. Mas isto só vem mostrar que a Pixar não está para brincadeiras. O consagrado estúdio que em 2008, ano em que Wall-E chegou às salas, estava no auge das graças do público e da crítica, e já tinha conquistado praticamente tudo o que havia para conquistar nos domínios da animação, continuou a arriscar através de novas e irreverentes fórmulas. Como objecto fílmico, Wall-E é das experiências mais completas (e complexas) que alguma vez foram tentadas no cinema de animação, com referências que vão desde o reinado de Charles Chaplin no cinema mudo a filmes como E.T. - O Extra-Terrestre (Steven Spielberg, 1981) ou 2001: Odisseia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968). A comédia romântica cruza-se com a ficção científica existencialista e tudo encaixa na perfeição.

Depois disto, e após a mudança de cenário (da Terra passamos para um lugar distante algures no espaço exterior), o filme assume por inteiro o papel de objecto de reflexão social e ecológica. A humanidade está reduzida a uns seres amorfos e conformados, incapazes de apreciar a vida por culpa da dependência pelas tecnologias. Uma visão particularmente profética, sobretudo se tivermos em conta que estávamos em 2008, numa altura em que as redes sociais e os smartphones ainda não tinham tomado conta da sociedade. A crítica social surge de forma intensa e credível, complementando assim ainda mais uma obra que até então já era rica em subtexto e, curiosamente, mesmo com humanos no grande ecrã, a verdadeira humanidade continua a cargo das máquinas de serviço. O desenvolvimento e desenlace da narrativa é o esperado da Pixar, ou seja, emocionalmente muito rica e pautada por alguns momentos surpreendentes.

O filme está dividido em dois grandes momentos. Durante a primeira parte, podíamos perfeitamente estar a assistir a uma bobina perdida do início do século XX. Isto, claro, não fosse o facto de se passar 700 anos no futuro e ter um autómato como personagem principal. Nesse primeiro momento, a expressividade dos píxeis de Wall-E (qual Charlot reencarnado) assume todo o protagonismo, quer seja através da representação de uma paixão aparentemente proibida

Nos anos seguintes, a Pixar continuou a esticar os limites da animação para tentar compreender aquilo que nos torna humanos. Mas revisitar Wall-E passados todos estes anos e constatar que, apesar das grandes mudanças que aconteceram na sociedade nos últimos tempos, tudo continua assustadoramente actual, serve para nos lembrar que foi aqui a primeira vez que acertou em cheio. 29


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Título nacional: Up – Altamente! Realização: Pete Docter, Bob Peterson

UP

Elenco: Edward Asner, Christopher Plummer, Jordan Nagai Ano: 2009

RUI SALVES DE SOUSA

“fugir” na sua própria casa, içando-a no ar com milhares dos seus balões. Começa assim uma aventura sem limites em busca do seu “Santo Graal”, honrando o seu sonho e o da sua mulher, e procurando as Cataratas do Paraíso. E se bem que o filme acabe mais por ser uma comédia a partir daqui, continuamos a encontrar outros pequenos apontamentos emocionais que tanto nos podem dizer também: o lado mais trágico de Russell, o confronto com o herói Muntz, e com a sua verdadeira personalidade, e o amor da esposa que se mostra sempre presente. E no meio disto, há espaço para a descoberta de uma ave rara, um cão que fala, e momentos ternurentos entre Carl e Russell, que se torna no filho que ele e a mulher não conseguiram ter. Pete Docter gosta de juntar risos e lágrimas sem olhar a quem. Com este filme voltou a surpreender pela densidade dramática, que, apesar das aparências, continuará presente ao longo de toda a narrativa, não se cingindo ao brilhante momento inicial. A grande aventura da descoberta do oásis perdido na América do Sul é, também, uma viagem de redenção para Carl. E é notável a discrição suave com que o realizador consegue caminhar entre géneros, sentimentos e intenções narrativas, misturando a filosofia já tão característica da Pixar com uma série de referências visuais e sensoriais que nos fornecem um cocktail de animação e imaginação que agrada a todas as idades – e, como já é apanágio do estúdio, melhora e ganha novas dimensões à medida que o revisitarmos em diferentes etapas da nossa vida.

Só a sequência inicial bastava para inscrever este filme na História do cinema de animação e, assumimos, de todo o cinema. Exemplo perfeito da narrativa cinematográfica no seu esplendor, a abertura de Up – Altamente! comoveu espectadores de todo o mundo, e, dez anos depois, continua a ser exaustivamente partilhado pelas redes sociais fora. Em poucos minutos, Pete Docter concebeu uma súmula da experiência humana que conta a história de amor entre Carl e a sua mulher, que se conhecem na meninice. Ambos são apaixonados pelos altos voos e aventuras do explorador Charles Muntz, deixando as suas imaginações infantis arquitetar um futuro tão emocionante como o desse herói nacional. Vemos as várias fases do percurso do casal, os avanços e recuos, as alegrias e tristezas, e os sonhos que, por todas as voltas que a vida dá, não se puderam concretizar. Só quem tem um coração feito de mármore é que não sente nada com este momento, que está com certeza no panteão dos grandes feitos da Pixar enquanto estúdio de animação conceituado, tanto pela estética como pelo conteúdo filosófico tão forte que é inserido numa porção tão curta, mas impactante, do filme. Elogios feitos a quem de direito, vale a pena afirmar que tudo o que se segue no filme também merece ser analisado com minúcia – porque, dez anos depois da sua estreia, todas as atenções parecem ter ficado por esses minutos iniciais, ignorando o resto desta aventura porque não atinge os píncaros emocionais do que nos foi apresentado na dita sequência. Mas Up – Altamente! consegue mesmo ser uma das mais belas obras da Pixar, com uma das suas tramas mais equilibradas. Depois da morte da esposa, o protagonista fecha-se no seu mundo. Nada mais quer com o que o rodeia, já que tudo o que fez parte da sua vida está a desaparecer. A sua pequena e bonita vivenda é a única coisa que resta, agora que todo o resto são prédios gigantescos e um ruído ensurdecedor. E então aparece Russell, o escuteiro aparentemente imbecil que acompanhará acidentalmente Carl quando este decide

Por isso, repetimos: Up – Altamente! não se resume a uma curtametragem. É uma longa repleta de grandes ideias, e um dos melhores exemplos da capacidade da Pixar em desconstruir ideias feitas nos espectadores e no cinema mainstream, através de uma aventura que, tal como a jornada de Carl, tem muito mais para descobrir do que parece à primeira vista. 31


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Título nacional: Toy Story 3 Realização: Lee Unkrich

TOY STORY 3

Elenco: Tom Hanks, Tim Allen, Don Rickles, Joan Cusak, Ned Beatty, Michael Keaton Ano: 2010

JOSÉ CARLOS MALTEZ

homenagem aos filmes de fuga, nomeadamente A Grande Evasão (The Great Escape, John Sturges, 1963). E se é de escapismo que toda a brincadeira fala, aqui na literal fuga que os bonecos têm de empreender, Toy Story 3 ganha uma proporção quase épica na qual sentimos que há muito em jogo, da libertação das personagens ao destino que as espera (serem ou não úteis no crescimento de quem ainda queira brincar com elas), e mesmo àquilo que pretendia ser o caminho da saga. E este delineia-se nos minutos finais, quando, libertados os bonecos e regressados a casa, embora pouco confiantes no que ainda os espera, o filme tem uma inesperada mudança de perspectiva. Se até aí tivéramos dois filmes que nos davam essa possível forma de os brinquedos verem o mundo dos humanos, de repente temos, pela primeira vez na série, a forma como os humanos vêem o mundo dos brinquedos. Por isso, a sequência final de passagem de testemunho em que Andy entrega o seu legado à pequena Bonnie, na descrição que faz de cada um dos bonecos que foram parte do seu passado – e do nosso passado –, nos apanha sempre desprevenidos, constituindo um dos mais sinceros e comoventes finais de um filme de animação. Mais uma vez, miúdos e graúdos saíam de uma sala de cinema – ou do sofá caseiro onde viram o filme juntos – com sentimentos contraditórios, os pequenos divertidos pela aventura, os adultos comovidos ao relembrar tantos brinquedos que ficaram para trás e que foram tão importantes na sua vida. Sendo frequentemente considerado um clássico, Toy Story 3 acabou nomeado a Óscar de Melhor Filme, sendo o segundo filme da Pixar a conseguir tal distinção – depois de Up - Altamente! (Up, Pete Docter e Bob Peterson, 2009) –, e o terceiro filme de animação de sempre a ser nomeado para essa categoria, partilhando a honra ainda com A Bela e o Monstro (Beauty and the Beast, Gary Trousdale, Kirk Wise, 1991).

Onze anos depois, a Pixar, desta vez já como empresa pertencente ao universo Disney, voltava a Toy Story, fazendo da série uma das mais prolíficas, num género – a animação dos grandes estúdios norteamericanos – até aí mais dado a histórias originais que à serialização de marcas consagradas. Desta vez, a realização passava para Lee Unkrich, que fora co-realizador de Toy Story 2 e responsável pela montagem dos dois filmes anteriores, voltando o argumento a estar a cargo de nomes recorrentes, como o realizador que iniciou a saga John Lasseter, Andrew Stanton e o próprio Lee Unkrich. Como não podia deixar de ser, o filme voltava a contar com o nosso já conhecido grupo de bonecos, com as vozes habituais: Woody (Tom Hanks), Buzz Lightyear (Tim Allen), Jessie (Joan Cusack), Mr. Potato Head (Don Rickles), Rex (Wallace Shawn), Hamm (John Ratzenberger), Mrs. Potato Head (Estelle Harris), Barbie (Jodi Benson) e o “novo” Slinky Dog (com Blake Clark a substituir o entretanto falecido Jim Varney). Já a história usava a passagem dos anos que decorreu entre os filmes, com Andy – o dono da bonecada – já com 17 anos, a preparar-se para sair de casa para ir estudar para a universidade. E se Woody é escolhido por Andy para ir consigo, como totem de um passado que ele recorda com saudade, uma série de mal-entendidos faz os outros irem parar ao lixo, optando por escolher o menor dos males: serem doados para um jardim-de-infância, onde podem ser “brincados” ininterruptamente até ao fim dos seus dias. Só que nem tudo é o que parece, e o paraíso idílico onde são recebidos torna-se num inferno quando Buzz e os outros são remetidos à sala dos bebés, que mais não fazem que roê-los e destruí-los, numa prisão deliberada comandada pelo urso de peluche Lotso (Ned Beatty) e pelo seu ajudante Ken (Michael Keaton). Obviamente que Woody – que pelo meio tinha ganho uma acidental nova dona – a imaginativa Bonnie – vai voltar para salvar os amigos, transformando grande parte do filme numa 33


Título nacional: Carros 2 Realização: John Lasseter, Bradford Lewis

CARS 2

Elenco: Owen Wilson, Larry the Cable Guy, Michael Caine Ano: 2011

PEDRO MIGUEL FERNANDES

internacional acaba por retirar alguma força à série, mesmo que sem falhas no argumento. Estamos perante uma história bem contada, com princípio, meio e fim bastante bem definidos, mas falta-lhe a chama presente no primeiro episódio centrado na recuperação de Faísca McQueen e na sua relação com um carro mais velho que se torna o seu mentor. De uma história de renascimento passamos a um puro filme de espionagem que salta de sequência de acção em sequência de acção sem se preocupar muito com o desenvolvimento das relações entre as personagens, onde estava a força do Carros original. Isto acaba por tornar Carros 2 como pouco mais do que uma simples sequela, que cumpre os mínimos, mas que perde o lado de fábula do título anterior.

Sem contar com a saga Toy Story: Os Rivais, Carros foi o primeiro título da Pixar a ter direito a uma sequela. Se no primeiro capítulo o protagonista era Faísca McQueen, um arrogante carro de corridas que aprende o que é a humildade após passar uma temporada numa terreola perdida no interior dos EUA, desta feita o papel principal pertence ao seu fiel amigo, o reboque Mate. E a aventura passa a ser global. Em vez de Radiator Springs, Carros 2 tem como cenário Japão, Itália e Reino Unido, países escolhidos para acolher uma prova global para promover um novo combustível, mais ecológico e destinado a substituir os combustíveis fósseis. Mas a prova está a ser alvo de sabotagem, e Mate acaba envolvido com uma dupla de espiões britânicos que procura descobrir o que se passa com os ataques aos carros participantes. Apesar de bem conseguido a nível de animação, com imagens e cores delirantes para cada um dos cenários do filme, este lado de intriga

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Título nacional: Brave - Indomável Realização: Mark Andrews, Brenda Chapman, Steve Purcell

BRAVE

Elenco: Kelly MacDonald, Billy Connolly, Emma Thompson Ano: 2012

RUI ALVES DE SOUSA

E é aqui que o filme tem a sua principal pecha: o desenvolvimento da narrativa e todos aqueles elementos simbólicos característicos da Pixar (coisas que só mais à frente entenderemos o seu real significado) são tirados a ferros, sem grande coerência, descambando a narrativa numa série de gags mais ou menos conseguidos. É sem dúvida um dos poucos filmes originais da marca que sofre de um certo desequilíbrio no conjunto, mas consegue, ainda assim, ser um bom pedaço de diversão que se dirige a mais faixas etárias do que a dos mais novos.

É óbvia a diferença de qualidade entre Brave - Indomável e os marcos essenciais da Pixar. Tal como é costume, o estúdio apostou numa abordagem nova para um conceito já muitas vezes visto no cinema. Neste caso, as histórias de princesas foram reinventadas num contexto desprezado na animação: o da cultura escocesa, que pouco ou nada diz ao universo norte-americano, contando com atores de origem britânica no elenco de vozes. Merida é uma princesa destinada a ser rainha, mas que não quer ser obrigada a cumprir o muito rígido mundo de protocolos e comportamentos ensinado pela sua mãe. Pede a uma estranha bruxa que consiga fazer com que a mãe mude de ideias... mas tudo dá para o torto nesta aventura um pouco inconsequente em que a Pixar mostra ter ficado mais apegada a uma fórmula do que à criatividade que um universo destes podia proporcionar.

Por isso, Brave – Indomável não é um dos títulos mais importantes da Pixar, mas continua, no entanto, a ser superior à maioria das produções do cinema de animação recente – incluindo, se bem que de uma forma superficial, algumas das coisas boas que associamos ao estúdio.

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Título nacional: Monstros: A Universidade Realização: Dan Scanlon

MONSTERS UNIVERSITY

Elenco: Billy Crystal, John Goodman, Steve Buscemi e Helen Mirren Ano: 2013

JOÃO BIZARRO

Doze anos depois de ficarmos a conhecer James P. "Sulley" Sullivan e Mike Wazowski em Monstros e Companhia (Monsters Inc., Pete Docter, David Silverman, Lee Unkrich, 2001), voltamos atrás no tempo e vamos acompanhar a sua formação como aprendizes de assustadores, antes de irem parar à fábrica de Monstros.

Tal como acontece no seu antecessor, esta prequela divertida para toda a família volta a provar que a Pixar raramente falha e, embora não seja dos melhores filmes da produtora, não desilude nem envergonha o primeiro filme. Com Monstros: A Universidade, Dan Scanlon estreia-se na realização de longas-metragens de animação, ele que tinha estado nos storyboards de Carros (Cars, John Lasseter, 2006), e divide o argumento com Daniel Gerson e Robert L. Baird. As vozes voltam a ser entregues a Billy Crystal (Mike), John Goodman (Sulley) e Steve Buscemi (Randall).

No princípio, os dois não se dão nada bem. Sulley é um presunçoso com a mania das grandezas, como se não precisasse de aprender, visto que a sua figura já é bastante assustadora, enquanto que Mike é um aluno aplicado, sempre a esforçar-se para ser melhor. Quando este conflito de interesses leva a situações devastadoras, eles vão unir os seus feitios, aceitando-se tal como são, e dar origem à dinâmica que fez sucesso no primeiro filme. Tal como na maior parte dos filmes passados em escolas, não podem faltar os nerds, os bullies, os mais e os menos populares no campus universitário e até uma diretora mais ríspida.

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Título nacional: Divertida-Mente Realização: Pete Docter e Ronnie Del Carmen

INSIDE OUT

Elenco: Amy Poehler, Bill Hader, Lewis Black Ano: 2015

RUI ALVES DE SOUSA

Depois de uma espécie de período sabático, ocupado com sequelas mais ou menos para picar o ponto e alimentar o apetite voraz da sócia Disney, a Pixar regressou em força com Divertida-Mente. Esta é a história do que se passa na mente de uma adolescente (e não só), antropomorfizando as suas emoções em arquétipos muito bem definidos: a felicidade, a tristeza, a fúria, o medo e o nojo.

No exterior, Divertida-Mente é um teen movie sobre uma adolescente que tem de enfrentar uma mudança de casa e todos os desafios sociais que isso implica. Mas no interior, Divertida-Mente é um coming of age inspirador (e inspirado), com uma paleta de emoções bem definida e uma mensagem moral muito Disney (e isto é um elogio, atenção), para toda a família e todas as idades.

Divertida-Mente é, portanto, a Pixar a arriscar novamente, sem medo de voltar a criar um fantástico mundo novo. Desta vez, é um universo colorido e digitalmente irrepreensível, fantasiando o interior da mente humana como se Freud e Einstein tivessem realizado o Fantasia. E o momento em que os protagonistas passam pela parte do cérebro dedicada ao pensamento abstracto é das melhores coisinhas que a animação nos deu nos últimos anos (ali logo atrás, a morder os calcanhares a HomemAranha: No Universo Aranha).

Com um equilíbrio mais ou menos perfeito entre humor, drama e aventura, Divertida-Mente é o regresso da Pixar à boa forma, abraçando um tema clássico onde é fortíssima: o da família e o do relacionamento humano. Uma categoria de filme!

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Título nacional: A Viagem de Arlo Realização: Peter Sohn

THE GOOD DINOSAUR

Elenco: Jeffrey Wright, Frances McDormand, Raymond Ochoa, Jack Bright Ano: 2015

ANTÓNIO ARAÚJO

proporções problemáticas. O realizador Bob Peterson foi afastado do projecto em 2013, a um ano da estreia planeada, na sequência de diferenças criativas e problemas no desenvolvimento da história. A Pixar vivia o seu primeiro momento de quebra de qualidade, e foi neste contexto que Peter Sohn tomou as rédeas à produção e retrabalhou completamente a história.

A Viagem de Arlo conta uma História alternativa em que o meteorito que provocaria a extinção dos dinossauros falha a Terra por um triz, num momento de humor inspirado, e a evolução coloca estes míticos animais no caminho da inteligência, vindo-se a cruzar com os primatas a dar os primeiros passos em direcção à Humanidade. Arlo é um jovem apatossauro com dificuldade em atingir o seu potencial na quinta da família. Quando, numa incursão para lá dos limites do seu espaço seguro, encontra-se só e longe de casa, forma uma aliança inesperada com uma criança humana selvagem na tentativa de voltar a casa. Pelo caminho vão viver perigos e aventuras, fortalecendo o laço que os une e ultrapassando medos e preconceitos.

Por causa dos atrasos, o filme viria a estrear em 2015, tal como Inside Out – Divertidamente, a primeira vez que a Pixar estreou dois filmes no mesmo ano. Dada a popularidade daquele título, o “bom dinossauro” passou relativamente despercebido. Não sendo um ponto alto da produtora, é, no entanto, um filme simpático com uma narrativa simples que parece, de certa forma, desmerecer os deslumbrantes cenários de realismo fotográfico, em notório contraste com as opções visuais para as personagens, nitidamente apontadas aos mais novos.

Se as produções da Pixar são sempre atribuladas, com as narrativas em constante mutação e evolução, A Viagem de Arlo foi o segundo título — depois de Brave: Indomável — em que as atribulações tomaram

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Título nacional: À Procura de Dory Realização: Andrew Stanton, Angus MacLane (co-realização)

FINDING DORY

Elenco: Ellen DeGeneres, Albert Brooks, Ed O'Neill Ano: 2016

FILIPE LOPES

amiga de Destiny e que terá perdido a capacidade de se ecolocalizar. De uma maneira ou de outra, estas novas personagens irão ajudar Dory a conseguir os seus intentos de encontrar a mãe Jenny (Diane Keaton) e o pai Charlie (Eugene Levy), no que se espera ser um final feliz. Até lá, muitas coisas acontecem, já que o filme está cheio de pequenos apontamentos de humor e picos de acção, segundo a fórmula a que a companhia já habituou os fãs.

Escrito por Victoria Strouse, a quatro mãos com Andrew Stanton, a partir de uma história deste, e realizado por Stanton e Angus MacLane, À Procura de Dory é o natural e previsível prolongamento de um dos títulos que mais popularidade (e dinheiro) deu à Pixar: À Procura de Nemo (2003). Se Stanton é um dos nomes fortes da companhia, responsável por êxitos milionários e prémios prestigiantes para a Pixar, incluindo dois Óscares, o primeiro deles exactamente com a recémreferida longa-metragem que é a prequela desta (o outro Óscar venceu-o com o maravilhoso Wall-E, de 2008), Angus MacLane tem, aqui, a sua única passagem pelo leme da realização, embora seja um dos nomes consagrados na equipa de arte da produtora de animação fundada por Edwin Catmull e Alvy Ray Smith.

Esta é, particularmente, uma das histórias contadas pela Pixar com mais transversalidade etária, satisfazendo tanto as crianças como os adultos que procuram um bom momento de diversão. A animação é fantástica, nomeadamente no que respeita à recriação da água ou da textura de elementos como os pêlos e penas de animais, cheios de pormenor e riqueza na forma como se comportam, ou com os jogos de cor que existem em algumas das cenas passadas debaixo de água. As personagens são outra das mais-valias. Bem desenhadas, bem escritas, empáticas com o público, é interessante verificar que não há um vilão neste filme de aventuras animado. E não se lhe sente a falta. Sendo uma empresa apostada em fazer entretenimento para toda a família, o “tiro” da Pixar voltou a ser certeiro e o resultado da bilheteira ultrapassou a espantosa barreira dos mil milhões de euros, algo que, à época, só havia acontecido com Toy Story 3. Falando de dinheiro, e por curiosidade, até ao ano de 2019 com o lançamento de Toy Story 4, a Pixar nunca perdeu dinheiro em nenhuma das 21 longas-metragens que produziu, o que não deixa de ser uma extraordinária marca que assinala o sucesso comercial desta produtora norte-americana.

A história recupera uma das mais amadas personagens da Pixar, Dory – a hilariante “peixinha” cirurgiã-patela, azul e amarela, que sofre de perda de memória a curto-prazo –, um ano depois de esta ter ajudado o seu amigo peixinho-palhaço, vermelho e preto, Marlin, a encontrar o seu filho Nemo. Dory lembra-se, subitamente, da sua família; do seu pai e da sua mãe que, muito provavelmente, andarão à sua procura desde que se perdeu deles. Marlin e Nemo vão ajudá-la nessa demanda… pelo menos até ela desaparecer e ambos terem que a encontrar, ao mesmo tempo que ela tenta encontrar os pais. Albert Brooks e Ellen DeGeneres voltam a dar voz aos dois protagonistas, Marlin e Dory, respectivamente e Alexander Gould deixa a voz de Nemo (por ter crescido e modificado o seu timbre vocal), sendo substituído pelo bem mais jovem Hayden Rolence. A estas personagens juntam-se outras, como Hank (voz de Ed O’Neill), um polvo que perdeu um tentáculo e cujo sonho é viver num tranquilo e confortável aquário bem longe do Oceano; Destiny (Kaitlin Olson), uma tubarão-baleia que tem problemas de visão e é amiga de infância de Dory; ou Bailey (Ty Burrell), uma beluga 41


Título nacional: Carros 3 Realização: Brian Fee

CARS 3

Elenco: Owen Wilson, Cristela Alonzo, Chris Cooper Ano: 2017

ANTÓNIO ARAÚJO

mero exercício de nostalgia ou saudosismo — chega-se mesmo a retirar tempo de antena às personagens já estabelecidas e populares, como Mate —, mas sim uma ponderação sobre relevância de quem já sentiu o passar dos anos, da importância da experiência e da imprescindibilidade do papel de mentores na transmissão de conhecimento e valores às gerações mais novas.

Quando Carros estreou em 2006, foi um dos títulos mais divisivos da Pixar, criando um fosso entre crianças, cujo conceito de carros sencientes encantou, e adultos, para quem a premissa não fazia sentido, apesar do apelo sentimental e nostálgico por outros tempos e outras vivências. Talvez pela identidade cultural e desportiva indissociável dos EUA, a sequela procurou, dois anos depois, tramas em paragens internacionais, no entanto com resultados muito questionáveis, tendo em consideração o nível de qualidade a que a produtora nos tinha habituado. Em 2017, Carros 3 parecia ser apenas mais um título para capitalizar à custa de uma marca estabelecida, acabando largamente ignorado pela crítica apesar dos simpáticos resultados de bilheteira. A verdade é que esta terceira parte representa um salto qualitativo incomensurável em relação ao filme anterior. Também aqui se reflecte sobre a passagem do tempo, procurando ressonância junto de quem acompanhou Faísca McQueen e companhia ao longo dos anos. Curiosamente, não se trata de

A introdução da nova personagem Cruz Ramirez permite também a exploração de conceitos como a inclusão e a igualdade de género — alinhados com o zeitgeist da actualidade —, mas também temas tão universais e intemporais como o perseguir dos sonhos contra todas as adversidades. Faísca McQueen volta não só a ser o foco da narrativa como a crescer ao longo da mesma, num arco de aprendizagem que o ensina a aceitar um novo papel, longe dos holofotes do estrelato, porém igualmente recompensador.

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Título nacional: Coco Realização: Lee Unkrich, Adrian Molina

COCO

Elenco: Anthony Gonzalez, Gael García Bernal, Benjamin Bratt Ano: 2017

SARA GALVÃO

uma animação musical cujo público-alvo são crianças, hein?

Miguel quer ser músico, tal qual o seu ídolo, Ernesto de la Cruz. Mas a família dele baniu toda e qualquer musicalidade, uma estranha proibição que dura há gerações. Miguel não desiste, contudo, e através de trocas e baldrocas acaba por ir parar à Terra dos Mortos, um universo colorido onde descobrirá antigos segredos de família…

Apesar da ausência de humor (em comparação com outros filmes da Pixar) — ou talvez exactamente por isso — Coco consegue chegar aos píncaros emocionais de um Wall-E, algo ajudado pela excelente música de Michael Giacchino e, claro, por um guião que nos suga para dentro de um mundo cheio de cores e esqueletos dançantes onde os mortos estão mais vivos que os vivos e onde nem tudo é o que parece. Com várias piscadelas de olho a objectos culturais tão reconhecíveis como o chinelo da avó, Coco consegue o raro feito de mostrar o lado colorido da morte.

Uma das mais bonitas e espampanantes animações da Pixar, Coco consegue arrancar lágrimas aos mais cínicos de entre as suas audiências, ao mesmo tempo que celebra a cultura mexicana, estereótipos à parte. De que fala Coco, então? O que começa por ser uma história sobre alguém que tem de lutar contra a sua própria família para seguir os seus sonhos vai-se transformando numa parábola sobre vida, morte e lembrança, e acaba por mostrar que, por mais que tentemos fugir de quem somos e de onde vimos, nada é mais poderoso — ou importante — do que as pessoas com quem partilhamos um código genético. Nada mau para

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Título nacional: The Incredibles 2: Os Super Heróis Realização: Brad Bird

THE INCREDIBLES 2

Elenco: Craig T. Nelson, Samuel L. Jackson, Holly Hunter, Catherine Keener, Bob Odenkirk Ano: 2018

ANTÓNIO ARAÚJO

pela utilização excessiva de ecrãs. Pelo contrário, a utilização dos superheróis de segunda linha como aliados dos protagonistas é um elemento enriquecedor e orgânico aos acontecimentos do filme anterior, onde o vilão partiu numa missão para eliminar todos os super-heróis mais populares, sobrando figuras com poderes de variáveis utilidades.

Esta sequela tardia consegue manter o charme do original, não o chegando a igualar verdadeiramente, fruto das repetições temáticas que vacilam entre serem ecos desses temas ou repetições pouco originais. A inversão mais satisfatória acaba por ser o protagonismo de Helen: ao ser a mulher do casal a partir em missão é ao homem da casa que cabe agora tratar das tarefas domésticas, responsabilidade subvalorizada pelo próprio à partida.

Apesar de se perder um pouco daquele charme de espionagem retro evocativa dos títulos originais do James Bond, Incredibles 2 mantém a fasquia muito elevada e oferece momentos de boa disposição e de acção entusiasmante que divertirão mesmo os mais pequenos alheados dos conceitos adultos introduzidos por Bird, que volta a produzir um título maior para a Pixar com potencial para voltar a encantar tanto miúdos como graúdos.

Brad Bird reaproveita os elementos mais populares do primeiro filme, colocando-se novamente na pele de Edna para duas curtas cenas e aumentando o factor cómico com as atribulações de Jack-Jack. Dash e Violet repetem os mesmos momentos narrativos pelos quais já tinham passado, mas onde a escrita se ressente mesmo é no desenho do vilão e das suas motivações, oferecendo uma mensagem anacrónica que visa a falta de atenção e o marasmo da população em geral, nomeadamente

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Título nacional: Toy Story 4 Realização: Josh Cooley

TOY STORY 4

Elenco: Tom Hanks, Tim Allen, Annie Potts, Tony Hale, Keegan-Michael Key Ano: 2019

JOSÉ CARLOS MALTEZ

a que os bonecos sucessivamente se percam e reencontrem, se unam em missões de salvamento e conheçam novos vilões. E se estes são a boneca de porcelana Gaby Gaby (Christina Hendricks) e os seus maléficos fantoches de ventríloquo – com a acção a decorrer numa loja de brinquedos vintage que mais parece um cenário de filme de terror – por outro lado Woody e amigos vão encontrar novos aliados, como a tal reencontrada Bo Peep – entretanto decidida a viver sem donos – , os peluches de feira Bunny (Jordan Peele) e Ducky (Keegan-Michael Key), e o motociclista de plástico Duke Caboom (Keanu Reeves numa interpretação delirante). Se, por um lado, alguns dos bonecos nossos conhecidos perdem protagonismo (a morte recente de Don Rickles e idade avançada de Estelle Harris deixaram os Potato Heads quase sem falas), por outro mantém-se o carisma e a personalidade de cada nova adição, num colorido vivíssimo de prestações e dinâmicas. É certo que o enredo – algo circular, com a constante repetição de perdas e reencontros, novos grupos de salvamento e objectos de salvação – se torna um pouco questionável. No entanto, o ritmo de aventura, as soluções sempre originais e humor das personagens tornam Toy Story 4 numa experiência divertidíssima, que sofre apenas de um grande mal: o peso da trilogia de que descende, e à qual pouco acrescenta.

Estando as nossas mentes cinéfilas tão formatadas para aquela palavra mágica que é a “trilogia”, talvez poucos esperassem – e ainda menos vissem necessidade – que Toy Story viesse a ter um quarto filme, agora que passavam nove anos sobre o filme anterior da série. Pensado para ser realizado por John Lasseter, que acabou por o passar a Josh Cooley, com quem inicialmente iria dividir despesas, Toy Story 4 trazia consigo não só o peso de uma trilogia que alguns já chamavam das mais perfeitas e equilibradas da história do cinema como a pergunta de como construir uma história que não envergonhasse. Talvez se esperasse um de dois caminhos, ou, como acontecera em Toy Story 3, se usasse a passagem do tempo para mostrar o mundo dos brinquedos a assumir novos papéis na evolução das vidas que tocam; ou simplesmente se contaria uma nova história de aventuras que não faria a saga evoluir. Com Andrew Stanton e Stephany Folsom a desenvolverem um argumento que nasceu de uma história trabalhada por oito autores, onde se contava o citado Lasseter, o próprio Cooley e até a actriz Rashida Jones, Toy Story 4 começa por nos lembrar que no filme anterior perdêramos a personagem Bo Peep (Annie Potts) – num flashback digno de um thriller de acção –, para nos colocar de seguida no momento em que Toy Story 3 nos deixara: no quarto de brinquedos de Bonnie, onde os antigos bonecos de Andy agora se juntam a novos amigos. Dois episódios definem o filme, narrativamente, um pequeno prólogo, e uma saga épica. O prólogo leva-nos ao primeiro dia de escola de Bonnie, que vence a timidez quando, com a ajuda secreta de Woody, faz (literalmente) um amigo: um bonequinho feito de um garfo partido, plasticina e outros pedaços de lixo: Forky (Tony Hale). Só que Forky não se entende como brinquedo, já que tudo o que conhece é lixo, e isso torna-se o catalisador da citada saga: uma viagem pelo país, na qual Bonnie e os pais levam a bonecada toda. O resto é o habitual conjunto de mal-entendidos e acidentes que levam

Como que para contrariar isso mesmo, o filme encontra um final inesperado que faz dele a conclusão do arco narrativo de Woody, o tal boneco que por vezes parecia pai dos outros todos, sem outra vida que não fosse lutar pelo grupo, e extremamente ciente do papel dos brinquedos na vida dos seus donos. Pois finalmente chegou a hora de Woody “crescer” e descobrir que talvez ele próprio tenha direito a uma vida em que apenas tenha que pensar na sua felicidade. Será esse tema o abrir de portas para um possível Toy Story 5?

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Título nacional: Bora Lá Realização: Dan Scanlon

ONWARD

Elenco: Tom Holland, Chris Pratt, Julia Louis-Dreyfus, Octavia Spencer Ano: 2020

ANTÓNIO ARAÚJO

histórias de fantasia ― fenómeno que podemos agradecer à trilogia O Senhor dos Anéis, à saga Harry Potter, à série televisiva A Guerra dos Tronos e até à própria animação da Disney Frozen - O Reino do Gelo ― como de conceitos já explorados em obras anteriores – ocorre-me, por exemplo, o pouco apreciado Hook (1992), de Steven Spielberg, em que Peter Pan cresceu e esqueceu-se da magia de criança. Além disso, numa opção rara em filmes desta produtora, Bora Lá pisca o olho e referencia descaradamente outros títulos, numa atitude pós-moderna que a Pixar tão bem tem conseguido evitar ― com mais que um momento a beber inspiração de vários filmes do aventureiro Indiana Jones.

Desde a sua criação, a Pixar mudou muito. No entanto, apesar de alguns títulos menos conseguidos, uma nova estreia da produtora de animação do gigante Disney é sempre aguardada com alguma expectativa. Mas não foi só a Pixar que mudou. Depois da estreia mundial de Bora Lá no Festival Internacional de Cinema de Berlim em Fevereiro de 2020, e do lançamento um pouco por toda a parte no mês seguinte, a pandemia do coronavírus (COVID-19) mudou todas as facetas da nossa corriqueira existência, ameaçando negócios de todas as naturezas e mudanças de paradigma sísmicas nos espectáculos culturais em particular. Neste contexto, Bora Lá foi apanhado no turbilhão de incerteza que ainda se mantém à data em que este texto é escrito. Como muitos outros títulos, foi disponibilizado digitalmente umas semanas depois da estreia, tornando-se numa experiência caseira para a maioria dos espectadores que não tiveram a oportunidade de o ver no grande-ecrã.

Acontece que Bora Lá, não desdenhando a sua natureza fantástica recheada de referências, continua a demonstrar o ingrediente secreto das melhores histórias da Pixar: um coração a pulsar no seu centro. Além da animação primorosa, de emocionantes sequências de perseguição e de alguns momentos de divertido humor, é necessário destacar a escolha de actores para as vozes dos protagonistas, com Tom Holland e Chris Pratt a fazerem jus à sua fama com duas interpretações em que a química entre os dois é uma nítida mais-valia para o resultado final. Neste caso, estamos perante uma aventura de descoberta, tanto literal como interior, numa exploração das dores de crescimento perante o vazio de uma figura paternal que revela uma tocante vertente fraternal que, contrariando todas as expectativas perante os trailers e materiais promocionais, poderá convocar uma ou outra lágrima nas sequências finais.

Onward, no original, desenrola-se num mundo não muito diferente do nosso, porém habitado por criaturas míticas que ao longo da sua História foram esquecendo a magia antigamente praticada, substituindo-a por inovações tecnológicas e progresso. Os irmãos Lightfoot ― Ian, o mais novo e tímido, Barley, entusiasta, impulsivo e fanático de jogos de interpretação de papéis ― vivem com a mãe, Laurel. No décimo sexto aniversário, Ian recebe uma prenda do falecido pai, Wilden: um bastão mágico que permitirá aos irmãos passarem mais um dia na sua companhia. Quando o encantamento funciona literalmente só pela metade, os dois irmãos partem numa demanda para completar o feitiço, determinados a reencontrarem-se com o progenitor, nem que seja só por breves instantes.

Se o deixaram escapar, dêem-lhe uma oportunidade. Bora Lá tem magia e merece mais do que ser o filme que a pandemia fez esquecer.

Ao longo dos anos, a Pixar tem sido primorosa na criação de narrativas assentes em conceitos inovadores e originais. Bora Lá não é um desses títulos, e parece aproveitar-se não só da popularidade recente de 49


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Título nacional: Soul - Uma Aventura com Alma Realização: Pete Docter, Kemp Powers (co-realizador)

SOUL

Elenco: Jamie Foxx, Tina Fey, Graham Norton Ano: 2020

JOSÉ CARLOS MALTEZ

engano por um mentor – papel atribuído às almas dos humanos mais célebres –, Joe vai ser emparelhado com uma alma rebelde, denominada 22 (Tina Fey), a qual se recusa a viver na Terra. Esse par paradoxal vai ser o centro do enredo, com Joe a fazer tudo para regressar à vida e 22 disposta a ajudá-lo, desde que isso lhe valha continuar por ali. Claro que os acidentes se vão suceder, o par cairá na Terra encarnando em quem menos espera e terá de lutar para conseguir os seus objectivos, mesmo que no final descubra que eles não são bem aquilo que cada um perseguia teimosamente.

Estreado no Festival de Londres, em Outubro de 2020, Soul – a aposta da Pixar para a época festiva de final de ano – teve os planos malogrados pelo prolongar do estado de confinamento que foi regra durante quase todo o ano de 2020. Sem salas de cinema, o filme passou ao streaming na cada vez mais poderosa Disney+, estreando, simbolicamente, no dia de Natal. Depois de Monstros e Companhia (Monsters, Inc., 2001), Up – Altamente (Up, 2008) e Divertida-Mente (Inside Out, 2015), Soul, que em Portugal ganha o subtítulo Uma Aventura com Alma, é o regresso de Pete Docter ao leme de uma produção da Pixar, o que vem provar pelo menos duas coisas. Primeira: com Docter na condução, qualquer filme Pixar se torna um salto em frente de qualidade, emoção, e, usando o trocadilho fácil, alma. Segunda: Docter escreve para adultos, não para crianças. Não que Soul, tal como os filmes supracitados, não seja repleto de comédia, sequências loucas de velocidade vertiginosa e toda a lógica surreal dos desenhos animados infantis. Mas a nível narrativo, e de emoções exploradas, Soul dirige-se a um público adulto (não só na idade) que entende conceitos complexos, consigne abstracção suficiente para unir pontos da história e é tocado por sentimentos de quem já viveu, esperou, procurou, sofreu, desistiu e voltou a tentar.

Podendo considerar-se um herdeiro de Divertida-Mente, Soul é novamente uma comédia metafísica em que todos os incidentes são simbólicos e todos os conceitos metáforas. No final, por entre seminários de almas, discussões de centelhas, campos onde as almas encarnadas tocam o além quando fazem algo inspirado, fronteiras entre inspiração e obsessão, explicação do que são as almas perdidas, etc. (tudo isto com representação palpável no além metafísico de Soul), a lição que nos fica é bem tangível: o que é a centelha (de inspiração, de imaginação, de vocação, de resolução?) que nos faz querer viver, e o quanto lutamos por ela ou dela desistimos? Com uma animação inspiradíssima, que sabe ir do quase realismo nas sequências de Nova Iorque ao etéreo do Além, passando por diversos tipos de traço consoante os níveis e seres transcendentes apresentados, Soul agarra pelos colarinhos qualquer adulto que queira pensar um pouco e se deixe levar na torrente de ideias e conceitos que desembocam nessa verdade tão humana que é a alegria (ou falta dela) de viver e a constante busca de inspiração e objectivos. Fazer pensar, fazendo-nos olhar para nós próprios com um sorriso nos lábios e uma lágrima ao canto do olho, parece ser o dom constante de Pete Docter, feito no qual se junta a muito poucos na história do cinema, e com o qual volta a colocar a Pixar como rainha da animação moderna.

Passando à história, Soul acompanha a vida e morte de Joe Gardner (voz de Jamie Foxx), um músico de jazz que nunca pôde seguir os seus sonhos, resignando-se a ensinar música a miúdos de liceu que preferiam estar a fazer outras coisas. Quando, num acaso, Joe tem hipótese de tocar uma noite num clube com a estrela Dorothea Williams (Angela Bassett), sofre um acidente e morre. Mas, dada a sua incrível determinação em cumprir o seu sonho, Joe vai negar-se a seguir para o Grande Além, saltando para outro nível, o Grande Aquém ou Seminário Tu, onde as almas recém-criadas vão ser treinadas em qualidades humanas e descobrir a centelha que as fará querer viver. Tomado por 51


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Título nacional: Luca Realização: Enrico Casarosa

LUCA

Elenco: Jacob Tremblay, Jack Dylan Grazer, Emma Berman Ano: 2021

DIOGO SIMÕES

pescador local, Giulietta, e que tem como ambição caçar monstros marinhos. É esta rapariga que aparece como catalisador para muitos dos momentos do filme, onde a amizade dos protagonistas é posta à prova com a vontade de ir mais além. Um sentimento crescente quando Luca descobre que Alberto está, na verdade, sozinho desde que foi capaz de se desenrascar. Luca é assim, para Alberto uma demonstração de que não existe nada de errado consigo e que ele merece amor e cuidado como qualquer outra pessoa/ser-marinho.

É pela estreia de Enrico Casarosa na direção de uma longa-metragem, que a Pixar apresenta ao espetador o seu primeiro filme animado inspirado na Riviera Italiana. Todavia, é nas profundezas de águas translúcidas que a narrativa emerge e nos apresenta Luca, os seus pais, Daniela e Lorenzo, e a avó, Sandy. A família apresentada reflete, desde logo, contornos de uma sociedade moderna onde diversas gerações se cruzam. A personagem de Luca, um monstro marinho (dobrada pelo ator Jacob Tremblay), apresenta-nos o desafio de crescer e a forma como o controlo parental se torna no “maior inimigo”. O certo é que, quando Luca descobre objetos humanos nas profundezas do oceano, fruto da poluição e descuido humano, este encontra o jovem Alberto (dobrado pelo ator Jack Dylan Grazer).

É por meio destes dilemas existenciais e de identidade que o filme se desenrola de forma bonita, tocante e humana. Sustentado na importância de se sair fora da zona de conforto, a Pixar explora as emoções da primeira amizade, da descoberta do “eu” e do desapego feito dos progenitores e amigos próximos.

Com o dilema entre escapar das balizas definidas pelos seus pais, dos perigos de se ir à superfície, Luca Paguro não consegue evitar a curiosidade que de si brota e lhe leva a confiar em Alberto para descobrir toda uma vida humana.

A encruzilhada, fazendo parte da vida de cada pessoa, torna-se palco num filme bem construído, sólido em representação da cultura italiana, bem como de uma banda sonora deliciosa e tocante. Fazer analogias com as temáticas abordadas no filme torna-se facílimo, quer na descoberta psicossocial de uma criança e da forma como esta navega pelo seu crescimento, e pela sociedade que, com medo do que é diferente, reprime e condena. Estes elementos tocam uma sinfonia harmonizada num argumento que sabe responder às diversas perguntas que se lhe colocam e onde a infância do realizador serve de mais-valia ao dar ao espetador uma justa homenagem à Riviera Italiana.

O filme desenhado pelo estúdio da Disney desenrola-se de forma muito leve, calma e humorística, onde Luca se vê a descobrir que ao sair do oceano se transforma em humano, tal e qual como o seu novo conhecido, Alberto. Torna-se claro a forma subtil como os argumentistas colocaram a poluição marítima como elemento que faz avançar a narrativa ao dar aos protagonistas a vontade de construir vespas com todo o desperdício humano que encontram.

Com a personagem Luca, a Pixar conseguiu apresentar uma narrativa que, a cada pessoa, consegue transmitir algo único e, em alguns casos, ajudar na compreensão da vida em sociedade, cada vez mais pautada pela ameaça aos direitos humanos e infantis.

Alberto passa a atuar como uma nova figura de referência aos olhos de Luca que, até então, engana a família para se refugiar na superfície. Alberto atua, nesta primeira parte do filme, como mote de força para Luca despoletar a sua curiosidade e vontade de ir mais além. Sentimentos que aumentam quando Luca conhece a filha de um 53



A CONCORRÊNCIA DA PIXAR HÉLDER ALMEIDA

A Disney sempre foi o estúdio dominante no que a animação diz respeito. No entanto, depois de décadas com grandes sucessos a criar clássicos, o estúdio viveu tempos complicados nos anos 80, com filmes que não resultavam nas bilheteiras e que, muitas vezes, caíam rapidamente no esquecimento. Com o chegar da década de 90, as coisas começaram a encontrar um rumo mais positivo quando o estúdio decide apostar num conto de fadas à antiga com A Pequena Sereia, aposta que se revela certeira ao encontrar grande sucesso crítico e comercial. Desse momento em diante, a Disney volta aos grandes sucessos com A Bela e o Monstro, Aladino e, especialmente, com O Rei Leão, que se tornou na altura no maior sucesso de sempre do cinema de animação. No entanto, para ajudar a cimentar o seu lugar como rei do cinema de animação, a Disney junta-se à Pixar que, em 1995, estreia a sua primeira longa-metragem que é, também, o primeiro filme de animação por computador. Toy Story – Os Rivais é um enorme sucesso e mais uma razão para que outros estúdios de Hollywood comecem a dar mais atenção ao género da animação.

apesar de resultados satisfatórios, nunca foram filmes com sucessos estrondosos. Com o surgimento da Pixar, e com a Disney numa nova era, outros estúdios começam então a apostar na animação.

Vários estúdios já tinham tentado a sua sorte no género mas, na maior parte das vezes, sem grande sucesso. Talvez um dos grandes rivais da Disney nos anos 80 tenha sido a Universal quando se aliou a Don Bluth com as estreias de Fievel – Um Conto Americano e Em Busca do Vale Encantado, ambos produzidos por Steven Spielberg. No entanto,

O ano é 1998. A Pixar estreia Uma Vida de Insecto, um sucesso para o estúdio, quando o mundo se depara com uma outra animação bastante similar: Formiga Z, da Dreamworks. Aqui o estúdio não se poupou no que diz respeito a actores: Woody Allen é o protagonista de serviço, com nomes como Sharon Stone, Gene Hackman, Christopher Walken e

Um dos primeiros foi a 20th Century Fox com Anastasia, de Don Bluth, com as vozes de Meg Ryan e John Cusack. No entanto, a aposta não resulta e a Disney permanece sem rival à altura. Não ajuda o facto de depois a Fox ter continuado a sua parceria com Bluth e ter estreado Titan – Depois da Destruição da Terra, uma aventura de ficção científica com as vozes de Matt Damon e Drew Barrymore. Com um conceito mais adulto, o filme acaba por se tornar num dos maiores fracassos comerciais da História do cinema, fazendo com que a Fox encerre o seu departamento de animação. No entanto, com o fim da década de 90 a aproximar-se, Steven Spielberg e Jeffrey Katzenberg decidem aventurar-se na criação dum novo estúdio, a Dreamworks, onde decidem também apostar no género da animação. E aqui começa a surgir, aos poucos, a primeira grande rival da Pixar.

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Sylvester Stallone a seu lado. Um talento enorme que acabou por chamar a atenção e tornou o filme num pequeno sucesso de bilheteira. Depois disso, segue O Princípe do Egipto, com Val Kilmer, Michelle Pffeifer e Steve Martin no talento vocal, um outro sucesso de bilheteira. Apesar de ambos os filmes estarem longe dos resultados atingidos pela Pixar, começam a indicar que outros estúdios podem também ter sucesso na animação, quando apostam nos filmes certos. Estamos em 2001. A Dreamworks tem para estrear Shrek, uma aventura de fantasia com um ogre como personagem principal. O filme estreia no Verão e, surpreendentemente, torna-se num dos maiores sucessos do ano, com resultados de bilheteira capazes de rivalizar com os da Pixar. Mike Myers, Eddie Murphy e Cameron Diaz são as estrelas de cartaz neste filme que nos traz uma versão diferente e irónica dos contos de fadas. O resultado final conquista o público e o filme acaba por ser a oportunidade que a Dreamworks procurava para conseguir encontrar o seu espaço na animação. Shrek dá origem a mais três sequelas, todas com enorme sucesso, e torna-se na saga principal do estúdio. No entanto, em 2002, muito inesperadamente, a Fox volta a apostar no género, desta vez com a casa de animação Blue Sky. O filme é A Idade do Gelo, comédia passada nos tempos dos dinossauros onde seguimos um trio de personagens no meio da idade do gelo. O filme surpreenda a crítica e o público, dando a oportunidade à Fox e à Blue Sky de entrarem no género com algum sucesso. O filme acabaria por dar origem a mais quatro sequelas e fez com que a Blue Sky pudesse criar outros filmes como Robôs, Rio e Ferdinando, por exemplo. No entanto, mesmo com alguns casos de sucesso, a Blue Sky não consegue atingir o mesmo nível que a Pixar e a Dreamworks.

franchise. No entanto, apesar de Lego Batman: O Filme ter sido um sucesso, desde então a franchise tem perdido interesse. Lego NinjaGo e a sequela O Filme Lego 2 não resultaram nas bilheteiras. Apesar disso, a Warner tem feito uma parceria saudável com Chris Miller e Phil Lord, realizadores de Lego – O Filme que estrearam, com a Warner Animation, Cegonhas, uma comédia tresloucada que ganhou o apoio da crítica apesar de não ter tido resultado nas bilheteiras.

Voltamos à Dreamworks, que depois do enorme sucesso de Shrek, começou a atrair a atenção do público. No entanto, o estúdio tem um grande fracasso comercial com Sinbad – A Lenda dos Sete Mares, apesar de terem conseguido recuperar com filmes como O Gangue dos Tubarões, O Gato das Botas, Pular a Cerca e A História duma Abelha. Mesmo com Shrek a ser a sua saga principal, o estúdio consegue criar outras franchises conhecidas: Madagáscar, que deu origem a três filmes; Como Treinares o Teu Dragão, trilogia que é considerada a mais próxima ao nível de qualidade da Pixar; Boss Baby, O Panda do Kung Fu, Trolls e Os Croods, para dar alguns exemplos. Nos últimos tempos, a Dreamworks tem encontrado alguma dificuldade em ter o mesmo sucesso que havia encontrado há alguns anos. Filmes como Os Pinguins de Madagáscar, A Origem dos Guardiões, Turbo, Por Água Abaixo e Abominável não resultam. Mais recentemente, a Warner tem apostado na animação. Depois do enorme sucesso de Lego – O Filme, o estúdio tem-se centrado na

Também a Sony tem apostado na animação. Depois de encontrar grande sucesso com Chovem Almôndegas, também realizado por Chris Miller e Phil Lord, dando origem a uma sequela, o estúdio aliou-se a Adam Sandler com a saga Hotel Transilvânia, na qual Sandler dá voz ao conde Drácula em três filmes de grande sucesso nas bilheteiras, com um quarto filme a caminho. A Sony decidiu também apostar em Angry Birds, adaptação do popular jogo de video. Com um primeiro filme a obter resultados satisfatórios nas bilheteiras, um segundo filme estreou para ficar longe de atingir os mesmos resultados. Melhor sorte teve Emoji – O Filme, pelo menos a nível comercial, já que a nível de crítica foi considerado um dos piores filmes dos últimos anos. Inesperadamente, o maior trunfo da Sony foi a sua parceria com a Marvel, novamente com a colaboração de Chris Miller e Phil Lord, com HomemAranha: No Universo Aranha. Aqui seguimos a personagem de Miles 56


Morales que se vê rodeado de várias encarnações de Homem-Aranha, todas provenientes de universos paralelos. Com uma animação invulgar e original, uma história apelativa para um público mais jovem bem como para um público mais adulto, o filme foi imediatamente considerado o melhor Homem-Aranha no grande ecrã. Um sucesso entre os críticos, o filme torna-se no maior sucesso da Sony Animation e surpreende o mundo ao ganhar o Óscar de Melhor Filme de animação. Uma sequela está agendada para estrear em 2022.

agendada para 2022, após ter sido adiada devido à pandemia. Pelo meio, a Illumination aventurou-se em mais três animações fora das histórias de Gru. A Vida Secreta dos Animais foi a primeira destas apostas e alcançou um sucesso estrondoso depois do seu primeiro trailer se ter tornado viral. Tal sucesso deu origem a uma sequela que ficou aquém das expectativas. Seguiu-se Cantar, no qual temos um grupo de animais a cantar várias músicas populares. O filme, estreado na época de Natal de 2016, foi outro sucesso estrondoso, com uma sequela agendada para final de 2021. Por fim, tivemos também a estreia da nova versão de Grinch, com Benedict Cumberbatch a dar voz à personagem anti-natal, numa adaptação que se tornou também num grande sucesso.

Aquele que se tem revelado o maior rival para a Pixar nestes últimos anos não tem sido a Dreamworks, mas sim a Universal, através da sua parceria com a Illumination, casa de animação francesa que encontrou enorme sucesso com Gru – O Mal-Disposto. A personagem principal é Gru, com voz de Steve Carell, um vilão que acaba por se ver no lado do bem quando vê o seu lugar de maior vilão do mundo em perigo. O filme atingiu um enorme sucesso comercial e crítico, abrindo as portas para uma franchise bastante lucrativa nas bilheteiras (e não só), abrindo as portas à casa de animação. Depois desta primeira aventura de Gru, o mundo conheceu duas sequelas, um spin-off centrado nos muito populares Mínimos, as personagens amarelas que se tornaram conhecidas em todo o mundo, com uma primeira aventura a ultrapassar a barreira de mil milhões de dólares a nível global. Uma sequela dos seres amarelos está, de momento,

Apesar do enorme sucesso que estúdios rivais como a Universal, a Dreamworks e a Sony têm obtido nestes últimos anos, a Pixar continua a contar com mais altos do que baixos, ainda a dominar o mercado do cinema de animação e estando longe de abdicar do seu trono. No entanto, na maioria dos casos, com tanta rivalidade, quem acaba por ganhar é o público, com uma oferta cada vez mais abrangente no que a animação diz respeito.

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UM NOVO TIPO DE HISTÓRIAS SARA GALVÃO

Quando Toy Story: Os Rivais estreou em 1995, ninguém esperava que se tornasse o sucesso que se tornou. A Pixar, uma nova produtora nascida da divisão informática da Lucasfilm, e maioritariamente financiada pelo então em desgraça ex-Apple Steve Jobs, tinha acabado de lançar o primeiro filme de animação totalmente feito em computador; e, cereja no topo do bolo, conseguiu uma nomeação para Melhor Argumento nos Óscares desse ano. 6 anos mais tarde, a Academia seria obrigada a criar a categoria de Melhor Filme de Animação.

Uma thread viral da autoria de Emma Coats, antiga funcionária da Pixar, revela os chamados “22 segredos” narrativos da produtora, que incluem, entre outros, “admiras mais uma personagem por tentar do que por ser bem-sucedida”, “decide o final antes de tentares inventar o meio”, “desconstrói as histórias de que gostas”, “coincidências para criar problemas para as personagens são óptimas; coincidências para as tirar de problemas é batota” e “qual é a essência da tua história?” Tudo excelentes conselhos para qualquer argumentista — mas onde está, por assim dizer, o Factor X da coisa?

A Disney, incapaz de competir com estes novatos, acabaria por comprar a Pixar em 2006. Apesar disso, a produtora manteve um estilo e filosofia próprios, que se definiriam não só pelo desenvolvimento técnico e de vanguarda da animação por computador, mas por uma atenção exímia à qualidade e características das suas histórias e argumentos. Qualidade essa que a Disney ainda não conseguiu igualar de forma continuada. Certo, estamos todos cheios até às orelhas com o Let it Go e merchandise da Elsa, mas o que é isso comparado com a dança no espaço de Wall-E?

Olhemos para o outro jogador de peso na animação ocidental. A maior parte das histórias da Disney são adaptações de obras literárias (ou corrupções/americanizações, conforme preferirem), que geralmente envolvem um príncipe/história de salvação por amor, e que, desde A Pequena Sereia, prestam grande atenção a números musicais e canções originais. De certo modo, o encanto de Frozen (inspirado numa história de Hans Christian Anderson, com princesas e castelos) é que quebra o molde — o príncipe encantado transforma-se no amor entre irmãs. Em contraste, as histórias da Pixar têm um outro nível de complexidade emocional. A piada de que evoluíram da premissa de “e se brinquedos tivessem sentimentos?” até à conclusão lógica de “e se sentimentos

Qual é o segredo, então? O que faz com que as histórias da Pixar nos deixem todos, quais Bonga, com uma lágrima no canto do olho? 59


palhaço. Tal como fábulas, expressam temas adultos de uma maneira simples e memorável — com uma estrutura narrativa tradicional, sem necessidade de fogos-de-artifício.

tivessem sentimentos?” tem um enorme fundo de verdade. Afinal, grandes histórias são universais, e para contar histórias de maneira efectiva há que compreender a fundo as emoções, motivações e psicologia humana.

Mas talvez a razão principal do sucesso da Pixar seja o curioso ambiente colaborativo que cultiva, em claro contraste com outras produtoras mais naturalmente hierárquicas. Desde o início, Ed Catmull (cientista informático) e John Lasseter (realizador/produtor) incentivaram todos os empregados a trazerem novas ideias para a mesa e a comunicarem sem medos. Toda a equipa vê os filmes enquanto estão a ser feitos e pode dar a sua opinião — quer em termos de estrutura narrativa quer em termos técnicos. Assim, com a supervisão e feedback dos colegas, cada empregado é incentivado a fazer o seu melhor e a ir mais longe, num mundo comuno-artista que parece saído de, bem, de um filme da Pixar.

Não que tal fosse completamente novo no mundo da animação (sublinhese mundo). A animação asiática (Studio Ghibli e afins) destaca-se pelas suas histórias agridoces, com temas bastante mais sombrios do que a animação mainstream anglo-americana. A Pixar agarra esses temas complexos, essas FAQ da humanidade, lança-os num mundo digital 3D de fazer chorar James Cameron e apresenta-os às audiências envoltos em narrativas que servem miúdos e graúdos. É, no fundo, uma lufada de ar fresco no mundo de filmes para crianças — e quiçá os filmes que pais por esse mundo fora não se importam de pôr num loop infinito de repetição na televisão da sala.

Seja qual for a razão, em 24 longas-metragens, ainda estamos para ver um flop. Ok, talvez o Carros 3. Mesmo assim, cá estaremos para chorar com Soul (lançado em Dezembro de 2020) e Luca (lançado apenas no Verão de 2021, tal como toda a produção cinematográfica dos 12 meses anteriores).

Com as suas histórias originais que reflectem valores contemporâneos (não há espaço para princesas ou castelos, mas há piza de brócolos, aparelhos para os dentes e poluição), a Pixar apresenta personagens vulneráveis que lidam com sentimentos complexos de perda ou mudança (o fim da infância, dizer adeus, ir embora), que agem e vivem como humanos apesar de serem monstros/brinquedos/carros/peixes60


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