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The Incredibles
from Take 52
ANTÓNIO ARAÚJO
Aos poucos, foi-se tornando evidente que o sucesso da Pixar era a fomentação de um processo colaborativo e o incubar de talento interno, surgindo de título para título colaboradores rapidamente promovidos a realizadores do seu próprio filme. Em 2004, com The Incredibles - Os Super Heróis, deu-se a excepção que confirmou a regra. John Lasseter convidou o amigo Brad Bird a juntar-se ao seu grupo de trabalho, depois do fiasco de bilheteira de O Gigante de Ferro, o projecto de animação tradicional que Bird tinha desenvolvido com a Warner Bros. Este imaginou uma homenagem aos filmes de espiões e bandas desenhadas da sua juventude em que injectou as preocupações de meia-idade sobre as próprias aspirações enquanto artista à custa da vida familiar. Embora em retrospectiva possa parecer uma ideia óbvia, no princípio do milénio não se vivia a febre de super-heróis que se vive actualmente. Ainda assim, o verdadeiro espírito no centro deste filme está imbuído de uma homenagem retro aos filmes de espiões dos anos sessenta, período temporal da narrativa, muito especialmente à saga James Bond. Em larga parte, também contribuiu para isso mais uma estreia na Pixar, Michael Giacchino, que compôs uma banda sonora reminiscente do trabalho característico de John Barry na saga do espião britânico mais célebre do mundo.
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The Incredibles apresentou algumas dificuldades técnicas no que respeita à animação digital. Por um lado, Brad Bird não estava familiarizado com este processo de trabalho e tinha escrito um argumento complexo, situado em múltiplos cenários, sem qualquer preocupação com os constrangimentos impostos à partida pelo meio. Por outro, a representação digital de humanos sempre constituiu um nível de dificuldade acrescido para este tipo de animação — não foi por acaso que os títulos anteriores da Pixar tinham evitado ao máximo representá-los, com algumas excepções. Sem ter comprometido a sua visão à custa de simplicidade técnica, Bird acertou em cheio na contratação dos actores para as vozes das personagens, dispensando grandes e reconhecíveis nomes, sempre atraentes do ponto de vista do marketing, preferindo interpretes que garantissem desempenhos adequados às personagens. Craig T. Nelson e Holly Hunter foram escolhas inspiradas para Bob e Helen, emprestando em iguais doses o entusiasmo de ser um super-herói e o desgaste de uma vida desperdiçada, vivida abaixo das suas verdadeiras potencialidades. Samuel L. Jackson não precisa de ser mais que igual a si próprio para ser eficiente como Lucius, enquanto que Sarah Vowell e Spencer Fox encarnam convincentemente as personalidades opostas das crianças: Dash com um entusiasmo contagiante próprio da idade, e Violet com todas as inseguranças próprias de quem está a entrar na adolescência. Fundamental para o sucesso do elenco como um todo foi a escolha do próprio realizador como a designer Edna e Jason Lee como o vilão Syndrome, um misto volátil de insegurança e falta de confiança com ameaça letal e insolência.
The Incredibles - Os Super Heróis constituiu um risco para a Pixar. À data, foi o seu filme mais longo e complexo, mas o resultado final é um triunfo que cresce com repetidas visualizações. Este é um exemplo daqueles títulos que encantam miúdos ao mesmo tempo que oferecem algo para os graúdos. Encerra conceitos que exploram a crise de meia-idade e ansiedades parentais, bem como ideias complexas como as expectativas da sociedade em relação aos papéis que se desempenham em função do género. Pelo meio de uma trama de espionagem há também tempo para o desenvolvimento de temáticas de identidade e de afirmação pessoal num contexto de estrutura familiar, e da sua importância para a preparação de uma criança para encarar o mundo externo a esse núcleo seguro. Digam lá, quem é que nunca sonhou em vestir uma licra e, nem que fosse só por um bocado, ser super?
Título nacional: The Incredibles - Os Super Heróis Realização: Brad Bird Elenco: Craig T. Nelson, Samuel L. Jackson, Holly Hunter, Jason Lee Ano: 2004