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Ratatouille

PEDRO SOARES

Dantes, a culinária era uma coisa de homens viris, de barba rija e pêlo no peito, com nomes como Chefe Silva ou Chef André, a quem pouca gente ligava. Depois, a gastronomia tornou-se uma moda e o marketing rapidamente foi buscar uma série de palavras estrangeiras para a tornar mais apelativa. Foi o lifestyle e o gourmet por todo o lado, até surgirem em menos de nada os gastrossexuais(!); de repente, o chef tornou-se sofisticado e trendy (mais uma palavra estrangeira), como o Jamie Oliver, e ir ao restaurante passou a custar os olhos da cara por uma boa barrigada de fome.

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Nessa mesma altura, a Disney acabava de aumentar o seu império e de cimentar o seu monopólio no mundo do cinema de animação com a aquisição da Pixar. E para primeira produção do consórcio, a Disney ― a quem o oportunismo comercial não é uma coisa estranha, não é? ― não pôde deixar de tentar capitalizar a foodie trend.

Serve esta introdução mais ou menos disparatada para apresentar Ratatui, o filme da Pixar que aproveitou esta vaga para desmontar uma série de clichês do género, começando logo pela ideia de que tudo o que é chef é francês, tudo o que é francês é rude e tudo o que é rude tem hábitos estranhos ao norte-americano vulgar. Ratatui passa-se então em França e, como todos os filmes norte-americanos passados em França, é falado em inglês com um sotaque carregado à franciú, enquanto comem pernas de rã, croissants e outros estereótipos do género. Seguindo também a tradição antropomorfa da Disney, Remy (voz de Patton Oswalt) é um rato que ganha dimensão humana por não ser como os seus semelhantes: tem um olfacto apurado e um paladar exigente, cansa-se de comer e roubar comida como todos os ratos e deseja criar e dar o seu contributo ao Mundo. Por isso, identifica-se muito mais com os homens do que com os roedores. Remy vai então aliar-se a um aspirante a cozinheiro trapalhão, Linguini (Lou Romano), e juntos vão ascender aos píncaros da culinária francesa, avaliada pelo genial crítico de comida Anton Ego (vocalizado por Peter O'Toole e com um visual assustadoramente parecido ao dos monstros famosos de Boris Karloff e Bela Lugosi). Obviamente que depois há uma narrativa secundária e uma história romântica a suportar tudo isto, sendo esta muleta bem frágil e o elo mais fraco do filme. Mas estamos a ver um desenho-animado e é isto que se espera de um desenho-animado, não é? Onde é que já se viu um desenho-animado sem um final feliz?

Ratatui é mais um feelgood movie do que uma comédia e, por isso, são quase raros os gags ou sequer o humor físico. Serve-se antes de um humor inteligente e subtil, sempre mais próximo do público graúdo, movendo-se depois para mais perto do público miúdo graças a um visual colorido e sempre em movimento, tecnicamente perfeito e texturizado de uma maneira que quase conseguimos sentir o sabor dos pratos confeccionados. E, cada vez mais, é a Pixar a fazer verdadeiramente cinema de animação, tirando partido da câmara e de ferramentas cinematográficas como o enquadramento, a montagem ou a mise-enscène, sem se limitar à realização banal e académica.

Ratatui não é tão de tirar o fôlego como Os Incríveis, que tinha sido o título anterior, nem tão filme como Wall-E, que foi lançado posteriormente, mas não deixa de atingir uma bitola bem alta, como aliás é (era?) apanágio da Pixar. E é um dos poucos filmes que faz mesmo fome ver, o que acho que também significa qualquer coisa, não concordam?

Título nacional: Ratatui Realização: Brad Bird e Jan Pinkava Elenco: Brad Garrett, Lou Romano, Patton Oswalt Ano: 2007

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