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Andre Arruda
F OTOG R A F I A
As curvas do Rio
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uand o crianç a, Andre Arruda costumava acompanhar a avó com uma missão: traduzir o mundo. Cega, dona Nathercia via o que estava ao redor através dos olhos do menino. Talvez daí tenha vindo o apego de Andre pelas imagens, a sensibilidade para os efeitos da luz sobre corpos e objetos, o cuidado com os detalhes. As reminiscências continuam latentes, entremeadas em retratos e cenár ios fortes e envolventes como a paisagem do Rio de Janeiro, sua cidade natal. Ainda pequeno Andre chegou a brincar com a câmera do pai, fotógrafo amador, mas antes da fotografia outra linguagem o seduziu, a música. O garoto queria o peso do metal, chegava a estudar baixo oito horas por dia e, levando o instrumento a sério, foi parar num estúdio de gravação. Mas o cantor que ele devia acompanhar estava a anos-luz de seus ídolos do rock. “Detestei a exper iênc ia e visto que a música perdia um baixista med íocre fui para o jornalismo”, brinca Andre. A extinta Faculdade da Cidade foi seu destino em 1986 e ali, numa aula de fotografia, viu pela primeira vez o trabalho do mestre Cartier-Bresson. O encontro foi decisivo. Conseguiu do pai uma câmera usada e não mais livrou-se delas. Aos 24 anos batalhou uma vaga no Jornal do Brasil, reduto de feras do fotojornalismo como Evandro Teixeira e Rogério Reis, na época editor de fotografia. Cobrindo os encantos e as mazelas da capital fluminense encontrou os Clóvis1, homens vestidos de pierrô, arlequim e palhaço que mantêm viva uma antiga tradição do Carnaval do Rio. “O Carnaval de rua perdeu toda a sua espontaneidade, virou um negócio depois da gestão do Eduardo Paes. E os Clóvis conseguiram se manter, porém restritos a pontos da periferia. Eles são movidos pela paixão pela festa.” Essa autenticidade sensibilizou Andre e sua 1 Corruptela para clowns.
tradução está no ensaio Clóvis, que acaba de ganhar o Prêmio Brasil Fotografia 2017 na categoria Revelação. Doze imagens mostram homens em fantasias muito coloridas, que fazem parte de um movimento hoje quase marginal. NOVOS VOOS
Depois de seis anos de JB, Andre ficou mais um ano e meio no O Globo até partir para carreira solo em 2000. Encontrou espaço no mercado editor ial, fotografou, e ainda fotografa, para as principais revistas do País. “Fiz muita Vip e Playboy. A paisagem do corpo feminino é linda.” Acompanhando o protagonismo da mulher, em
Andre Arruda é um devoto. À luz, ao corpo feminino, à paisagem carioca, à fotografia de gente, à música. E é esse sentimento que impulsiona sua carreira de sucesso na fotografia. Tânia Galluzzi
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1 (página de abertura) Clóvis 12 2 (página anterior)Fortia Femina – Claudia Rozenfeld 3 Sebastião Salgado/Canivete Suíço 4 Abaixo do Céu, Acima da Terra – Rio de Janeiro
Nova York viu pela TV no início dos anos 2000 um concurso de body bulding (fisiculturismo) e ficou com a ideia de fotografar as adeptas dessa prática. O projeto Fortia Femina começou em 2003 e agora está conc luído, reunindo imagens de 18 atletas de body bulding, e pronto para se transformar em livro. Antes desse, saiu no final de 2016 o 100 Coisas que Cem Pessoas Não Vivem Sem, trazendo celebridades e pessoas anônimas com objetos que fazem parte de sua rotina diá ria. “Quer ia fazer um livro de retratos, mas precisava de um diferencial. Decidi unir a ideia com a atração que temos pela catalogação.” Um dos retratos mais trabalhosos foi o do pianista Arnaldo Cohen, que elegeu um Steinway de cauda, do qual só existem quatro no Rio. “Um deles está no Teatro Municipal e precisei fotografá-lo de cima.” O mesmo aconteceu com o fusquinha 4
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ANDRE ARRUDA www.andrearruda.com REVISTA ABIGR AF julho /agosto 2017
rosa das irmãs Bianca e Branca Feres, atletas do nado sincronizado. “Normalmente os homens escolhem coisas ligadas ao trabalho, enquanto as mulheres são mais livres.” Andre segue fazendo editor ial e publicidade e em paralelo os trabalhos pessoais. Afora o Fortia Femina, caminha o Abaixo do Céu, Acima da Terra, centrado na dança das nuvens. Mas clicar pessoas é o que mais o atrai, sejam famosos ou não. Ele confessa que admiração demais atrapalha, como aconteceu no encontro com um de seus ídolos, Rob Halford, vocalista da banda de heavy metal Judas P riest. “Eles vieram tocar no Brasil em 1994 e fui cobrir pelo Jornal do Brasil. Quando ele chegou eu travei. As fotos ficaram horríveis. Mas a entrevista até que ficou legal.” É possível que hoje o riscado fosse outro. Será?