Daniel Marenco - Fotografia - Revista Abigraf 270

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F OTOG R A F I A

Todo artista tem de ir aonde o povo está*

A

Daniel Marenco

câmera é ao mesmo tempo escudo e elemento de ligação. Com ela, Da­niel Marenco, fotojornalista de 34 anos, já documentou as condições sub-​­humanas do Presídio Central de Porto Alegre — fotodocumentário pelo qual foi finalista do Prêmio Esso —, os Jogos Pan-​­americanos de 2011, a seca no Rio Grande do Sul, a visita do papa ao Brasil, as recentes manifestações no Rio de Janeiro e tantos outros eventos, sempre lutando para encontrar o inusitado, para chegar à imagem que encerra uma boa história. Natural de São Leo­pol­do, re­g ião metropolitana de Porto Alegre, Da­niel começou a fotografar aos 19 anos graças à avó, sua grande incentivadora. Ela ajudava um deputado da re­g ião e indicou o neto para trabalhar na assessoria de imprensa. O fotógrafo desse político ensinou os rudimentos do ofício e nesse am­bien­te Da­niel, que cursava Educação Física, partiu para o Jornalismo. Durante toda a faculdade ele só pensava em fotojornalismo, o que o fez complementar sua formação com vá­r ios cursos paralelos. Neles conheceu alguns dos fotógrafos com os

quais viria a trabalhar, entre eles João Wainer (neto do jornalista Sa­muel Wainer), fotógrafo da Folha de S.Paulo e hoje diretor e editor da TV Folha. Com equipamento comprado através de empréstimo con­traí­do pela avó, Da­niel conseguiu montar um portfólio básico e com ele uma vaga no Diá­r io Gaú­cho, em 2005. Dois anos depois partiu para o Zero Hora, e em 2010 surgiu a chance de mudar-​­se para São Paulo. “Eu já estava meio insatisfeito no Zero Hora e fui conversar com o meu editor. Ele disse: — Tem que ir. Lá o fotojornalismo é diferente. Para Porto Alegre estampar uma capa fora daqui precisa acontecer algo real­men­te ex­traor­d i­ná­r io. Em Copacabana, se alguém fincar 10 cruzes na areia, a foto corre o mundo”.

Para Daniel Marenco, a fotografia é apenas um pretexto. Um ótimo subterfúgio para que ele possa ver o mundo, estar em locais e nos momentos em que os fatos estão ocorrendo, filtrar a vida através de suas lentes. Tânia Galluzzi

ARREBATAMENTO

Trabalhando para a Folha, Da­niel sentiu não só o frenesi da cidade quanto a pressão da disputa com O Estado de S.Paulo pela melhor imagem. Em 2012 transferiu-​­se para o Rio de Janeiro, mas a agitação só aumentou, uma vez que assumiu o posto de único fotógrafo da Folha na capital fluminense. Tanto é que seus ensaios

*Trecho da canção Nos Bailes da Vida, de Milton Nascimento

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estão tem­p o­r a­r ia­men­te congelados. Aguardam uma brecha os gaú­c hos da fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina e o Uruguai, homens cuja cor­d ia­l i­da­de contrasta com a dura lida de peão. “Sou muito dedicado. Vivo todo o Rio. Mesmo que eu queira, não consigo fazer outra coisa”, conta Da­niel.

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& DANIEL MARENCO Tel. (21) 9 8276.3515 www.danielmarenco.com REVISTA ABIGR AF  março /abril 2014

Desde o desabamento do prédio no Centro do Rio, em janeiro de 2012, o fotógrafo diz que não teve mais trégua. Na sea­ra das tensões diá­ rias, a tomada por manifestantes da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), em junho de 2013, é lembrada como uma das mais agudas. “Até aquele momento eu nunca tinha sentido medo. Foram cenas grotescas. Não tinha PM na rua”. O clima nas manifestações não baixou. A vio­lên­cia só aumentava, de acordo com Da­niel. “A polícia dava tiro de fuzil e as pes­soas não re­cua­vam”. Confirmando o que o fotógrafo confessa ter pressentido, em fevereiro deste ano, em um desses atos foi morto o cinegrafista da TV Bandeirantes, San­tia­go de Andrade, em plena Central do Brasil. “Pouco antes da morte do San­tia­go ha­v ía­mos decidido trabalhar sem identificação nas manifestações. Não sa­bía­mos mais como se­r ía­mos recebidos”, afirma Da­niel. “Num determinado momento, vimos que não po­d ía­mos nos esconder e voltamos a usar o crachá”. Porém o fotógrafo acredita que, depois da morte de San­tia­go, em futuras manifestações de maior porte, a imprensa usará os mesmos pesados coletes que tem de vestir quando vai cobrir ocor­rên­cias policiais como a recente ocupação da Favela da Maré. E o calendário não parece que vai dar respiro para Da­niel. A Copa do Mundo e as eleições devem ocupar coração, mente e olhar. Mas não é para estar onde tudo acontece que Da­ niel escolheu a fotografia? Então, o Rio é hoje o cenário perfeito.


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