Ricardo Hantzchel - Fotografia - Revista Abigraf 276

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F OTOG R A F I A

Extrativista de imagens

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Ricardo Hantzchel 82 REVISTA ABIGR AF  março /abril 2015

natureza explorada pelo fotógrafo é feita de concreto, vigas de ferro, vidro, asfalto. É também lunar, vasta, pouco hospitaleira. O produto, imagens carregadas de dramaticidade, enfatizada pela escolha do PB, revelando universos a poucos passos do desaparecimento. Seja espalhando as artesanais pinholes por cantos estratégicos da capital paulista, cidade em constante construção e desconstrução, seja acompanhando a rotina de trabalhadores que não terão a chance de transmitir seu ofício para os filhos, a coleta de Ricardo Hantzschel é farta e multifacetada. Como afirmou o também fotógrafo e curador Eduar­do Castanho, Ricardo é um fotógrafo documentarista sutil, que usa o solo seguro da rea­li­da­de para decolar em busca das grandes altitudes do in­cons­cien­te. Às imagens somam-​­se processos de revelação e am­plia­ção alternativos, revalorizando o significado de cada reprodução. O envolvimento de Ricardo, 51 anos, com a fotografia é antigo. Aos oito anos ganhou uma câmera de um tio e aos 10 viu pela primeira vez uma imagem se formar no laboratório caseiro de sua madrinha. “Entendi naquele momento que a fotografia faria parte da minha vida de alguma forma”, conta Ricardo. Ele acabou estruturando seu mundo em torno da fotografia. Formado em Jornalismo pela PUC de São Paulo (e pós-​­gra­dua­do em Fotografia e Mídia pelo Senac), Ricardo começou a trabalhar aos 23 anos como fotojornalista, primeiro na revista Imprensa e depois na Iris Foto. O passo seguinte foi a fotografia co­mer­cial, as publicações de grandes empresas, aproveitando sua habilidade em retratos, além dos re­la­tó­r ios anuais e o still de joias. Em paralelo, a paixão pelo laboratório químico e pela pesquisa com materiais o levou a uma ex­pe­r iên­cia de um ano como laboratorista-​­chefe do Museu da Imagem e do Som e à es­ pe­cia­li­za­ção em có­pias fine art para exposições. No final da década de 1990, inoculado pelo vírus do trabalho autoral, Ricardo partiu para projetos pessoais, ini­cian­do pelo Porto de Santos. Sem se dar conta, ele prin­ci­pia­va uma série de ensaios sobre ce­ná­r ios e ofí­cios em transformação. Os quatro anos de via­gens a Santos renderam a exposição À Sombra do Porto, em 1999. No final de 2002, Ricardo agarrou

a oportunidade de fotografar o Complexo Pe­ ni­ten­c iá­r io do Carandiru poucos dias antes de sua demolição. Os detalhes desse cenário abandonado transformaram-​­se em imagens múltiplas emolduradas em caixas de madeira e ferro, cons­truí­das com os restos do próprio Carandiru, expostas em 2004. RELEITURAS

Aos poucos, Ricardo foi colocando de lado a fotografia co­mer­cial em prol dos projetos pessoais e também da atividade como docente. Ainda nos anos de 1990 atuou como professor e orien­ta­dor de Fotografia do Museu Lasar Segall e desde 2000 é professor da gra­dua­ção e pós-​ ­g ra­dua­ção da Faculdade de Fotografia do Senac. Com mais espaço para a experimentação, aprofundou-​­se na câmera pinhole, máquina fotográfica sem lente, cons­truí­da artesanalmente a partir de caixas ou latas vedadas, com um ou mais pequenos ori­f í­cios. Da pesquisa pela técnica veio o ensaio A Cidade Múltipla, em 2003, vencedor do Prêmio Porto Seguro de Fotografia, numa releitura de pontos referenciais da capital paulista e, em 2006, a concepção do projeto Cidade Invertida. Ma­te­r ia­li­za­do em um trailer transformado em câmara obscura e laboratório

Não importa a técnica, ou, muitas vezes, ela é fundamental. Ricardo Hantzschel age como um coletor de imagens, ávido por registrar cenários em extinção ou em profunda transformação. Tânia Galluzzi

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1 Ensaio “Sal”, Joel Galinha 2 Ensaio “A Sombra do Porto”, açúcar 3 Ensaio “Vestígios do Carandiru”, banheiro, pavilhão 8 4 Pesquisa de materiais para o ensaio “Sal”

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5 Ensaio “Vestígios do Carandiru”, cela Água, pavilhão 8 6 Ensaio “Sal”, Boreal 7 Ensaio “Sal”, Pavão 8 Ensaio “Cidade Múltipla”, Largo da Memória

PB, que já percorreu cerca de 20.000 km, o Ci-

dade Invertida reú­ne fotógrafos, educadores e artistas em projetos culturais re­la­c io­na­dos à fotografia objetivando tornar a linguagem fotográfica numa ferramenta propulsora de cultura. “Mais do que ensinar a fotografar, o objetivo é fazer com que as pes­soas aprendam a ver e deixem de ser passivas dian­te das imagens que habitam seu co­ti­d ia­no”. Para dar continuidade a esse trabalho, Ricardo está reformando seu estúdio para que o espaço também possa abrigar aulas e workshops.

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RICARDO HANTZCHEL www.fotopositivo.com.br www.cidadeinvertida.com.br REVISTA ABIGR AF  março /abril 2015

A mais recente incursão do fotógrafo num am­bien­te em mutação esteve em cartaz entre fevereiro e março no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Com 33 imagens, a exposição Sal documenta o processo de extração ma­nual do sal nos mu­ni­cí­pios de Ara­r ua­na e Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro. Usando diferentes câmeras, da pinhole à digital, Ricardo registrou, entre janeiro de 2011 e janeiro de 2015, um modo de produção que se mantém inalterado desde o século XIX e que, segundo ele, tende a se extinguir na próxima década. Para a impressão das imagens, vencedoras do XIV Prêmio Funarte Marc Ferrez, Ricardo recuperou a técnica do papel salgado, cria­da pelo precursor da fotografia Wil­liam Henry Fox Talbot, em 1834, na qual o papel é embebido numa solução de cloreto de sódio (sal comum) e pincelado com uma camada de nitrato de prata. A exposição marca também o lançamento do primeiro livro de Ricardo, Sal, impresso pela Ipsis. Lançado em 21 de março no 5º– Festival de Fotografia de Tiradentes, a obra terá outras duas vernissages: 28 de abril, na DOC Galeria em São Paulo, e 6 de maio, no Museu José de Dome em Cabo Frio.


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