Hist贸ria da Arte Prof. Tatiana Martins Material de apoio Dada e Surealismo
Dada & Surrealismo
Dadaístas e surrealistas tinham em comum o niilismo, ou seja, a desvalorização do sentido e da finalidade. Os dois movimento negavam convenções e valores tradicionais e desejavam dissolver "princípios e critérios absolutos“ culturais e artísticos.
Para estes artistas e escritores, tudo foi sacudido e posto em discussão, as verdades congeladas e os valores tradicionais se despedaçadavam diante do papel do inconsciente na atividade criadora. Muitas vezes desviavam-se do rigor técnico, buscando a ruptura com os valores estético-culturais tradicionais e suas práticas, e repudiavam o processo de racionalização da era industrial.
Dada 1916-1922
O Dadaísmo foi um movimento radical que contestou valores utilizando diferentes canais de expressão como revistas, manifestos, performances e exposições.
A criação do clube literário, galeria de exposições e sala de teatro Cabaré Voltaire, inaugurou oficialmente o Dadaísmo, na Zurique de 1916 (Suiça), local neutro durante a Primeira Grande Guerra que abrigou vários jovens estrangeiros, entre alemães e franceses. O espaço, fundado pelos escritores alemães Hugo Ball (1886- 1927) e Richard Ruelsenbeck (1892- 1974), e pelo pintor e escultor alsaciano Hans Arp (1886-1966), promoveu encontros de música, dança, poesia e artes russa e francesa.
O poema fonético de Hugo Ball, “Gadji beri bimba” foi apresentado no Cabaret Voltaire, em 1916.
O grupo de jovens que fundou o Dadaísmo, a princípio como movimento literário, pretendia expressar suas decepções com a devastação da guerra e a incapacidade das ciências, da religião e da filosofia em interferir na destruição da Europa.
Calligrammes de Apollinaire A pomba apunhalada e o jato d'agua 1918
Tradução de A pomba apunhalada e o jato d'agua, de Guillaume Apollinaire, 1918 Doces figuras apunhaladas, Caros lábios em flor Mia Mareye, Yette Lorie, Annie e você Marie, onde estão vocês ó meninas? Mas junto a um jato de água que chora e que suplica esta pomba se extasia Todas as recordações de outrora Onde estão Raynal Billy Dalize Os meus amigos foram para a guerra Os seus nomes se melancolizam Esguicham para o firmamento Como os passos numa igreja E os seus olhares na água parada Onde está Crémnitz que se alistou Morrem melancolicamente Pode ser que já estejam mortos Onde estão Braque e Max Jacob Minha alma está cheia de lembranças Derain de olhos cinzentos como a aurora O jato de água chora sobre a minha pena OS QUE PARTIRAM PARA A GUERRA AO NORTE SE BATEM AGORA A noite cai o sangrento mar Jardins onde sangra abundantemente o louro rosa flor guerreira.
O Dadaísmo propunha que a arte estivesse liberta do racionalismo, a partir da seleção e combinação de elementos ao acaso, resultado do automatismo psíquico.
Hans Arp Colagem com quadrados organizados de acordo com as leis do acaso 1917
O nome do movimento sinaliza um encontro aleatório, que é princípio central da criação para os dadaístas, sem qualquer sentido de escolha racional: o termo dada foi encontrado ao acaso na consulta a um dicionário francês. O sentido original da palavra, cavalo de pau, referente a um cavalinho de brinquedo, não tem relação com bandeiras ou programas do Dadaísmo, e aí está seu valor.
Receita de Tristan Tzara para um poema dadaísta: Pegue um jornal. Pegue uma tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Em seguida, corte cuidadosamente cada uma das palavras que formam este artigo e coloque-as em um saco. Agite-as suavemente. A seguir, retire cada pedaço de recorte, um após o outro. Copie cada palavra conscienciosamente na ordem em que são retiradas do saco. O poema se parecerá com você. E você será um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade encantadora, ainda que incompreendido pelo grande público.
As manifestações dos dadaístas eram propositalmente desordenadas e diretamente ligadas ao choque e ao escândalo. Em seu segundo número, publicado em dezembro de 1919, a revista berlinense "Der Dada" colocava aos seus leitores a questão “O que é Dada?” e ao mesmo tempo sugeria uma série de respostas possíveis e impossíveis, desde "uma arte" a "um seguro contra incêndios". E o questionário acabava com outra pergunta: “Ou será que não é nada, por outras palavras, tudo?”. Capa da publicação Der Dada nº2
O Dadaísmo não criou um estilo específico ou defendeu modelos e métodos, ao contrário, atuou contra a pre-definição de projetos e recusou as experiências formais que o antecederam.
Hans Arp Dada, 1919
Ainda assim, é possível identificar exemplos característicos da expressão dada nos readymade de Marcel Duchamp (1887-1968), que apresentam o espírito do Dadaísmo, antes mesmo de o movimento ter sido oficialmente iniciado. Duchamp transformava um objeto escolhido ao acaso em obra de arte, realizando assim uma crítica radical ao sistema da arte.
Marcel Duchamp Roda de bicicleta,1913
Objetos utilitários, sem valor estético em si, eram retirados de seu contexto original e colocados na condição de obra de arte ao receber uma assinatura e habitar um espaço de exposição, museu ou galeria. Por exemplo, a roda de bicicleta encaixada num banco, ou o mictório invertido se apresentam como readymade.
Marcel Duchamp A fonte, 1917
Ou ainda os bigodes colocados sobre a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, que fazem dela um readymade retificado. Os readymades eram objetos manufaturados apresentados como arte.
Marcel Duchamp L.H.O.O.Q. ,1919 (Soletrando em francês: Elle a chaud au cul)
Segundo o judeu romeno Tristan Tzara – pseudônimo de Samy Rosenstock que significaria em tradução livre "triste terra", escolhido para protestar contra o tratamento dos judeus na Romênia: “A arte não é a mais preciosa manifestação da vida. A arte não tem o valor celestial e universal que as pessoas gostariam de lhe atribuir. A vida é muito mais interessante” Tzara foi poeta e ensaísta refugiado de guerra como os tantos jovens que se encontravam em Zurique, em 1916. Participou da fundação do movimento Dada e, no ano seguinte, após a partida de Hugo Ball, foi ele quem assumiu o controle do movimento em Zurique.
Poema simult창neo escrito por Huelsenbeck, Janko e Tzara.
Richard Huelsenbeck Capa para a publicação “Em frente, Dada” 1920
Tristan Tzara proclamou a vontade de destruição da sociedade com seus valores e sua lingua-gem. No pós-guerra, os experimentos de vanguarda contribuiram para manifestações de ação teatral como o teatro do absurdo de Eugène Ionesco, Jean Genet, Arthur Adamov e Samuel Beckett. Dirigindo-se ao ilógico e à transgressão, sua caracterização tendia ao bizarro e ao simbólico.
Cena de Coração de gás, 1921 Peça teatral de Trsitan Tzara que se utiliza da fonética em uma série de textos disconexos, parodiando o drama clássico. A peça apresenta absurdos diálogos entre personagens denominados Boca, Ouvido, Olho, Nariz, Pescoço e Sobrancelha, reinterpretando metáforas, provérbios e expressões idiomáticas.
Raoul Hausmann (1886-1971) Dada vence, 1920
Como negação da cultura estabelecida, o movimento Dada defendia o absurdo, a incoerência, a desordem e o caos, procurando chocar o público ligado aos valores tradicionais e desejando libertar a imaginação pelo rompimento com noções artísticas convencionais.
Raoul Hausmann (1886-1971) ABCD, retrato do artista 1922
Os princípios de subversão mobilizados pelos readymade podem ser vistos ainda nas máquinas antifuncionais de Francis Picabia (13791953), pintor e escritor francês que envolveu-se sucessivamente com os principais movimentos estéticos do início do século XX, como o Cubismo, o Surrealismo e o Dadaísmo.
Francis Picabia, Imagem muito rara da Terra, 1915
Francis Picabia Mรกquina de transformar rapidamente 1917
Francis Picabia, Garota nascida sem m達e, 1917-18
Man Ray (1890-1976) foi um fotógrafo e pintor norteamericano Conheceu o francês Marcel Duchamp em 1915 e juntos fundaram um núcleo Dada nova-iorquino.
Man Ray O cabide, 1920
Em 1921 Man Ray também manteve contato com o movimento surrealista e trabalhou como fotógrafo apenas para financiar sua pintura. Porém, foi na fotografia que desenvolveu suas obras mais reconhecidas, utili-zando a raiografia (ou fotograma) e criando imagens abstratas (obtidas sem o auxílio da câmera) com a exposição à luz de objetos dispostos sobre o papel fotográfico.
Man Ray Ray-o-Graph II, 1925
Man Ray, Rayografia (O beijo), 1922
Surrealismo 1924-1945
O termo Surrealismo, criado pelo escritor francês André Breton (1896-1966) baseado na ideia de "estado de fantasia supernaturalista" do também escritor Guillaume Apollinaire (1880-1918), encontra um sentido de afastamento da realidade comum que os surrealistas celebram já em seu primeiro manifesto, de 1924. Segundo Breton, autor do manifesto, trata-se de "resolver a contradição até agora vigente entre sonho e realidade pela criação de uma realidade absoluta, uma supra-realidade".
O italiano Giorgio de Chirico fez parte do movimento chamado Pintura metafílistica, considerado precursor do Surrealismo.
Em suas telas, os objetos parecem não ter sentido. O mistério, o sonho, os espaços vazios, as sombras, as perspectivas inesperadas e as justaposições são caraterísticas de sua obra.
Giorgio de Chirico Troubadur, sem data
Giorgio de Chirico (1888-1978), A estação de Montparnasse,1914
Giorgio de Chirico Le grand metaphysicien, 1917
Artistas de feições muito variadas reunem-se na crítica à racionalidade burguesa e em favor de um universo do fantástico e dos sonhos. Na literatura, reunem-se muitos outros além de Breton, como Louis Aragon, Philippe Soupault, Georges Bataille, Michel Leiris, Max Jacob. Nas artes plásticas, René Magritte (1898-1967), André Masson (1896- 1987), Joán Miró (1893-1983), Max Ernst (1891-1976), Salvador Dalí (1904-1989) e outros. Na fotografia, Man Ray (1890-1976), Dora Maar (1907-1997) e Brasaï (1899-1984). No cinema, Luis Buñuel (1900-1983).
Max Ernst, O chapĂŠu faz o homem, 1920
Max Ernst O fagote Harmonioso (Ilustração para Os infortúnios dos Imortais), 1922
A frottage (fricção) desenvolvida por Ernst faz parte das técnicas automáticas de produção. Trata-se de esfregar lápis ou crayon sobre uma superfície áspera ou texturizada para "provocar" imagens, com resultados aleatórios, como na série de desenhos História Natural, realizada entre 1924 e 1927.
Max Ernst, O fugitivo, (folha XXX, Historie Naturelle), 1926
Max Ernst, Floresta e sol, 1931
A importância do mundo do sonho, do que é irracional e inconsciente, tem relação direta com o livre uso da obra de Sigmund Freud (1856-1939) e da psicanálise pelos artistas, o que lhes permitiu explorar nas artes o imaginário e os impulsos ocultos da mente.
Rene Magritte Paisagem popular, 1926
René Magrite A interpretação dos sonhos, 1930
Rene Magritte, A traição das imagens (Isto não é um cachimbo), 1948
RenĂŠ Magrite, Golconde, 1953
O anti-racionalismo buscado pelos surrealistas coloca o movimento em posição oposta às tendências construtivas e formalistas na arte, que nasceram na Europa após a Primeira Guerra Mundial, 1914-1918.
André Masson Torso, 1926
Joan Mir贸, Pessoa atirando pedra em um p谩ssaro, 1926
Joan Mir贸 A batata, 1928
O Surrealismo, é uma vertente crítica de origem francesa, alimentado pelo caráter irreverente e dessacralizador do Dada, do qual vem parte dos surrealistas. Assim como no movimento Dada, no Surrealismo surgiu uma crítica cultural que dirigiu-se não somente para as artes, mas para modelos culturais. Os surrealistas contestavam valores, fazendo uso de vários canais de expressão como os dadaistas, e mobilizaram diferentes modalidades artísticas, entre elas a escultura, a literatura, a pintura, a fotografia, as artes gráficas e o cinema.
Salvador Dali radicalizou a ideia de libertação dos instintos e impulsos contra qualquer controle racional, pela defesa do método da "paranóia crítica", forma de tornar o delírio um mecanismo produtivo, criador.
Salvador Dali Algumas vezes eu cuspi com prazer sobre o retrato da minha mãe (Sagrado Coração), 1929
Salvador Dali, O enigma de meu desejo ou minha m達e, minha m達e, minha m達e, 1929
Salvador Dali, O mel ĂŠ mais doce que o sangue, 1927
Salvador Dali, Persistencia da mem贸ria, 1931
Salvador Dali, A tentação de Santo Antônio, 1946
A revista francesa Minotaure, criada em 1933, em Paris, pelo suíço Albert Skira e editada até seu fim, em 1939, por André Breton e o teórico surrealista Pierre Mabile (1904-1952), foi uma espécie de porta-voz do movimento que sucedeu duas outras publicações: La Révolution Surréaliste e Le Surrealisme au service de la revolution.
Modelo para a capa da revista Minotaure, 1933 criada por Pablo Picasso
Man Ray , Tempo observat贸rio: os amantes, 1936
Man Ray Rrose Selavy, Pseud么nimo de Marcel Duchamp 1921
Man Ray, Perfil e m達os, 1932
Brassaï Mulher com máscara de gato, 1930
Brassa誰, O gato, 1945
Joan Mir贸, O campo lavrado, 1923
Joan Miró Camponês catalão com guitarra c.1924
Joan Miró, Constelação: a estrela da manhã, 1940
Joan Mir贸, Noturno,1940
Joan Mir贸 O ouro azul, 1967
Um repertório amplo foi traduzido nas obras surrealistas, na busca de procedimentos e métodos que seriam capazes de fugir aos controles conscientes do artista, liberando imagens e impulsos primitivos. Os temas e imagens obsessivamente tratados pelos surrealistas tinham soluções bastante distintas, como: - sexo - erotismo - corpo, suas mutilações e metamorfoses - manequim e boneca - violência, dor e loucura - civilizações primitivas - o mundo da máquina
Foram muito utilizadas a escrita e a pintura automáticas como formas de transcrição imediata do inconsciente, que para os surrealistas, eram a expressão do "funcionamento real do pensamento" .
André Masson Desenho automático 1924
Os desenhos produzidos coletivamente entre 1926 e 1927 por Man Ray, Yves Tanguy, Miró e Max Morise, com o título O Cadáver Requintado (Cadavre Exquis), utilizaram técnicas automáticas de produção. As regras originais do jogo são simples: alguém inicia uma frase ou desenho em um papel e o entrega ao próximo participante, para que este o continue. Uma terceira pessoa acrescenta algo, passando o papel adiante. E assim sucessivamente. No entanto, cada jogador só poderá ler a contribuição do participante imediatamente anterior a ele; o conteúdo inteiro do papel só é revelado no final. O Cadáver Requintado Tanguy, Miro, Morise e Man Ray, 1927.
As colagens e assemblages são expressões caraterísticas da lógica de produção surrealista, apoiadas no acaso e na escolha aleatória, que eram princípios centrais de criação para os dadaístas. Uma frase célebre do poeta uruguaio Lautréamont (18461870) foi tomada pelos surrealistas como inspiração: "Belo como o encontro casual entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecção.“
Max Ernst Fruto de longa experiĂŞncia 1919
Salvador Dali, As formigas, 1929
Andre Breton, Poema-Objeto, 1935
A sugestão de Lautréamont se faz notar na justaposição de objetos desconexos e nas associações à primeira vista impossíveis, que particularizam as colagens e objetos surrealistas.
Man Ray Presente - escultura de ferro pregos 1921
Meret Oppenheim (1913-1985), Objeto (CafĂŠ da manhĂŁ de peles), 1936
Brassa誰, A m達o direita de Picasso, 1943
Com argumento de Salvador Dali, Um cão andaluz foi o filme de estréia de Luis Buñuel como diretor de cinema. O filme surrealista mostra uma série de imagens chocantes e disconexas, como cenas de pesadelo e a utilização da expres-sões visuais como a francesa fourmis dans les paumes (formigas nas mãos), que significa um grande desejo de matar.
Still do filme Um cão andaluz, 1929.
Dora Maar (1907-1997) foi fot贸grafa, poetisa e pintora, bastante conhecida por seu relacionamento amoroso com Pablo Picasso.
Dora Maar Sem t铆tulo, 1934
Dora Maar SilĂŞncio, 1935-36
Dora Maar, Sem tĂtulo, sem data
Dora Maar O simulador, 1936
Dora Maar Sem tĂtulo, sem data
A crítica cultural realizada pelo Surrealismo, com base nas articulações entre a arte e o inconsciente, bem como entre a arte e a política, permite perceber um desejo subversivo e revolucionário. Esta ambição se organiza contra a repressão do que é mais primitivo e intuitivo (a partir da psicanálise), e contra o domínio burguês (na ideia de revolução marxista), embora as relações políticas do grupo tenham sido bastante controversas, o que se percebe pela adesão de alguns ao trotskismo, como Breton, diante de posições reacionárias de outros, como Dali.