Glossário - Arte Contemporânea

Page 1

GlossĂĄrio Significados de termos, expressĂľes e palavras utilizadas pelo sistema das artes.


Readymade O termo foi criado por Marcel Duchamp (1887-1968) para designar um tipo de objeto, por ele inventado, que consiste em um ou mais artigos de uso cotidiano, produzidos em massa, selecionados sem critérios estéticos e expostos como obras de arte. Os objetos utilitários, sem valor estético em si, retirados de seu contexto original, eram colocados na condição de obra de arte ao receber uma assinatura e habitar um espaço de exposição, museu, galeria ou coleção de arte. Ao transformar qualquer objeto em obra de arte, o artista realiza uma crítica radical ao sistema da arte. Por exemplo, se apresentam como readymade: a roda de bicicleta encaixada num banco, o mictório invertido, ou a reprodução da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, sobre a qual Duchamp pintou bigodes e cavanhaque e as letras L.H.O.O.Q., que permitem a formação de uma frase obscena, quando lidas em francês.


No panorama artístico dos anos 1950, o Dadaísmo e o Surrealismo, como o pensamento do francês Marcel Duchamp (1887-1968) – difundido a partir da ideia do readymade – já haviam formado frentes de oposição aos modelos convencionais modernos, questionando os padrões e estilos regulados pela crítica e o poder das instituições legitimadoras da arte oficial.

Marcel Duchamp , Roda de bicicleta,1913

Marcel Duchamp , A fonte, 1915


Marcel Duchamp L.H.O.O.Q. ,1919 (Soletrando em francĂŞs: Elle a chaud au cu)


Marcel Duchamp Escorredor, ou Porta-garrafas, ou Ouriço, 1914

Marcel Duchamp Pá de neve - Em antecipação ao braço quebrado, 1915


Instalação É uma linguagem artística na qual a disposição de elementos no espaço é temporária e pode buscar criar uma relação de participação direta com o espectador que entra ou percorre o espaço da instalação. Os trabalhos são experimentados no tempo e no espaço, buscando mais interatividade com o espectador, e a obra pode ser composta de elementos variados, em formatos e escala diversos, organizados em ambientes abertos ou fechados. Embora oficializada e difundida somente a partir dos anos 1980, é possível encontrar este formato já nos anos 1920, na obra Marcel Duchamp.


Ao centro do espaço onde estão expostas pinturas surrealistas, Duchamp cria uma luminária, com um grande tonel-fogareiro onde sugeria acender uma fogueira, se lhe fosse permitido. Num trocadilho, que ele adorava, virou a exposição de ponta-cabeça e “fez as pessoas ficarem de pé sobre a cabeça”.

Montagem da Exposição Internacional do Surrealismo (Nova York,1938), por Marcel Duchamp


Marcel Duchamp, Milha de fio, 1942. Exposição Primeiros Documentos do Surrealismo, Nova York.


“O que é Milha de Fio? Num nível tão óbvio que nossa experiência prontamente o nega, uma imagem do tempo morto, uma exposição cristalizada em envelhecimento precoce e transformada num sótão grotesco de filme de terror. Ambas intervenções de Duchamp não reconhecem o outro tipo de arte presente, que se transforma em papel de parede [...]. O fio, ao afastar o espectador da arte, tornou-se a única coisa de que ele se lembrava. Em vez de ser uma interferência, uma coisa entre o espectador e a arte, ele se tornou paulatinamente uma arte nova de certa espécie”. Brian O’Doherty


Yves Klein utilizou o espaço como discurso em sua exposição Le Vide (Paris, 1958). A mostra (Vácuo, ou O Vazio, em português) exibia o espaço interno da Galeria Iris Clert quase totalmente desocupado, com exceção de dois membros da Guarda Republicana vestindo seus uniformes, que ficaram a postos na entrada da copa, onde era servido um “coquetel Azul”. Yves Klein, Galeria Iris Clert, exposição Le Vide (Paris, 1958)


Cildo Meireles, Desvio para o vermelho, 1967 - PerĂ­odo de ditadura militar no Brasil e paĂ­ses latinos.


Na instalação de Yayoi Kusama, o espaço é todo branco e os visitantes são convidados a colar adesivos de bolinhas coloriddas onde bem entenderem.

Yayoi Kusama, The Obliteration Room, na Queensland Gallery of Modern Art. No Brasil, uma sala criada com o mesmo conceito é apresentada na mostra Obsessão Infinita, em exposição no CCBB Rio 12/10/2013 a 20/01/2014.


Performance A performance artística é uma modalidade interdisciplinar que, assim como o happening, pode combinar linguagens como vídeo, teatro e poesia. Popularizou-se a partir dos anos 1970, mas suas origens estão ligadas a movimentos da vanguarda moderna como o Dada e o Surrealismo. Difere do happening por ser mais cuidadosamente elaborada e não envolver necessariamente a participação dos espectadores. Em geral, segue um roteiro previamente definido, podendo ser reproduzida em outros momentos ou locais. Apesar de poder incorporar aspectos cênicos, diverge do teatro por não tratar diretamente de representação. Por seu caráter efêmero e de rápida duração, depende de registros, seja em fotografia, vídeo ou memoriais descritivos, para chegar ao grande público.


Paralelamente Ă s pinturas convencionais, em suas Antropometrias, Yves Klein trabalhou com modelos nuas cobertas com tinta azul, como pincĂŠis vivos, que moviam-se ou imprimiam-se sobre telas para formar a imagem. Os trabalhos de Klein frequentemente se utilizavam de Performance.

Yves Klein Antropometria, 1960


Yves Klein, Antropometria, 1960

Ao final da dĂŠcada de 1950, os trabalhos monocromĂĄticos de Klein tornaramse quase exclusivamente produzidos em um matiz azul intenso, que ele patenteou como International Klein Blue, embora a cor jamais tenha sido produzida comercialmente.


“Artistas como o francês Yves Klein e o norte-americano John Cage [...] desvencilharam a arte de uma materialidade sensível ou, em outras palavras, do seu destino como mercadoria. A crítica de arte norte-americana Lucy Lipard, no início da década de 1970, chamou essa tendência de desmaterialização da obra de arte. Mas desde meados dos anos 50, o universo da arte expande-se, e, definitivamente, a esfera da arte ultrapassa a auto-referencialidade moderna, voltando-se para o mundo real”. Cristina Freire


John Cage (EUA, 1912-1992) é conhecido pela utilização de instrumentos não tradicionais, tais como banheiras, rádios e instrumentos de percussão improvisados​​, além de notação musical radical que dá grande margem de manobra à composição. Suas experimentações nem sempre são consideradas música, no sentido comum.

John Cage tocando um piano de brinquedo na performance In a landscape, 1948.


Cage esteve em um programa de TV e quando o apresentador Dave Garroway disse “Esta é uma boa gente, Sr. Cage, mas inevitavelmente alguns deles vão rir durante sua performance. Tudo bem?” Cage respondeu:“Claro, eu considero o riso preferível às lágrimas."

John Cage, Water Walk,1960. No programa de TV I’ve got a secret.


Quando as práticas performáticas surgiam tomando o espaço/tempo da arte, o efêmero das ações Fluxus (Europa, EUA e Japão, 1961-1978) misturava arte e cotidiano, buscando destruir convenções e valorizar a criação coletiva de artistas, músicos e escritores.

George Brecht performando Solo para violino 1964.


Happening O termo foi criado no fim dos anos 1950 pelo americano Allan Kaprow para designar uma forma de arte que combina artes visuais e uma espécie de teatro sem texto nem representação. Nos espetáculos, diferentes materiais e elementos são orquestrados de forma a aproximar o espectador, fazendo-o participar da cena proposta pelo artista (nesse sentido, o Happening se distingue da Performance, na qual não há participação do público). Os eventos apresentam estrutura flexível, sem começo, meio e fim. As improvisações conduzem a cena - ritmada pelas ideias de acaso e espontaneidade - em contextos variados como ruas, antigos lofts, lojas vazias e outros. O happening ocorre em tempo real, como o teatro e a ópera, mas recusa as convenções artísticas. Não há roteiro, assim como não há separação entre o público e o espetáculo. Do mesmo modo, os atores não são profissionais, mas pessoas comuns.


Allan Kaprow. Fluids, 1967

No happening Fluids, de Allan Kaprow, voluntĂĄrios construiram treze estruturas retangulares feitas de blocos de gelo durante trĂŞs dias em toda a cidade de Pasadena, Estados Unidos.


Arte Conceitual É um maneira de pensar e fazer arte que tem o conceito ou a atitude mental como prioridade em relação à aparência da obra. As ideias são mais importantes que o objeto de arte, ou seja, a obra final a qual estamos acostumados a chamar arte, reconhecida por categorias como pintura, escultura, desenho etc., pode nem chegar a ser realizada concretamente. Caso um projeto venha a ser realizado, não há exigência de que a obra seja construída pelas mãos do artista, que pode muitas vezes delegar o trabalho físico a uma pessoa ou empresa que tenha habilidade técnica específica. O que importa é a invenção da obra, o conceito elaborado antes de sua materialização. Devido à grande diversidade, não há um consenso para definir os limites do que pode ou não ser considerado Arte Conceitual. Muitos trabalhos que usam a fotografia, xerox, filmes ou vídeo como documento de ações e processos, geralmente em recusa à noção tradicional de objeto de arte, são designados como arte conceitual. Além da crítica ao formalismo, artistas conceituais atacam ferozmente as instituições, o sistema de seleção de obras e o mercado de arte.


Segundo Joseph Kosuth (1945), em seu texto Investigações, publicado em 1969, a análise linguística marcaria o fim da filosofia tradicional, e a obra de arte conceitual, dispensando a feitura de objetos, seria uma proposição analítica. Como, por exemplo, em Uma e Três Cadeiras, onde o artista apresenta o objeto cadeira, uma fotografia dela e uma definição de cadeira impressa sobre papel em fotocópia, de verbete do dicionário.

Joseph Kosuth Uma e Três Cadeiras, 1965


A Coleção do Museu do Brooklyn: “O Jogo do Imensionável", 1990. Joseph Kosuth.

Para este trabalho, o artista selecionou obras do acervo do Museu do Brooklyn, a partir de quase todas as categorias encontradas, entre esculturas egípcias, pinturas renascentistas, porcelanas do século 18, gravuras japonesas, pinturas do século 20 e fotografias contemporâneas, misturando pinturas religiosas, nus, eróticos e sátiras sociais.


“Escreva uma palavra (ou palavras) no verso do cartão e coloque-o em algum lugar. Me informe qual a palavra e o lugar para que eu possa montar um gráfico de distribuição dos cartões no mapa mundi, o qual será enviado a cada participante.”

Série de Poemas Espaciais nº 1, 1965 – edição Fluxus. Mieko (Chieko) Shiomi.


Os trabalhos do grupo Fluxus eram expressamente simples e baratos. Quase nenhuma galeria privada os vendeu, e seus predecessores podem ser identificados com os readymades de Duchamp – poderíamos dizer que, de certa forma, são todos objetos ‘recortados’ do mundo em comum (ou mundo real) e ‘colados’ no espaço da arte.


“smile flux machine for yoko ono by george maciunas” “máquina de sorrisos fluxus para yoko ono por george maciunas”

Máquina de sorrisos Fluxus, c. 1970 – edição Fluxus montada por George Maciunas.


Para Maciunas, criador do termo Fluxus, os artistas envolvidos “deveriam buscar suas atividades artísticas no cerne das experiências cotidianas: comer, dormir, andar etc.”. E muitas vezes os artistas partiam de ‘instruções’ para realizar ações, como a ’partitura’ 4’33’’ de Cage, que instruía o músico ou maestro a ficar em silêncio durante o tempo que dá nome à obra, e as ‘instruction paintings’ de Yoko Ono (Japão, 1933), que determinam ações a serem realizadas por outros artistas: Grite: 1. Contra o vento 2. Contra a parede 3. Contra o céu


A Arte Conceitual dirigiu-se para além de formas, materiais ou técnicas. Foi, sobretudo, uma crítica ao objeto de arte tradicional. Conteúdos políticos, antropológicos e institucionais tensionavam os domínios da arte. O contexto, em suas múltiplas dimensões tornava-se central em muitos projetos. As ações, situações e performances espalhavam-se pelo espaço urbano, misturando os pólos da criação e recepção da arte, enquanto a figura do artista se diluía. A preponderância da ideia, a transitoriedade dos materiais utilizados, a atitude crítica frente às instituições, notadamente o museu, assim como formas alternativas de circulação das proposições artísticas, em especial durante a década de 1970, são algumas de suas estratégias.


Body art É uma manifestação das artes visuais em que o corpo do artista é utilizado como suporte ou meio de expressão, e está associada à Arte Conceitual e à Performance e ao Happening. É característico de propostas da body art um interesse em testar os limites do corpo humano, podendo envolver automutilações. Seu foco está no interesse em utilizar o corpo como suporte para discutir o uso e o papel social do corpo, como por exemplo tematizar questões de gênero. Numa acepção mais ampla, pode-se detectar seus primórdios já no início do século XX, na premissa de Marcel Duchamp de que “tudo pode ser usado como uma obra de arte” − inclusive o próprio corpo.


Yoko Ono Cut piece, 1964

A artista sentou-se no palco sala de concertos, com um par de tesouras próximo a ela e o público foi convidadosi a se aproximar do palco, um de cada vez, e cortar pedaços de suas roupas.


Bruce Nauman (EUA, 1940) Art Make-up, 1967-1968 filmes coloridos, em silĂŞncio


A fotografia, o cinema e a reprodução da sonoridade são manifestações reveladoras da mais profunda mudança no impacto da arte em relação à fruição do público, ao mesmo tempo que sua reprodução técnica não permite a distinção entre o original e a cópia, mudando a própria noção de arte. Surgia a ideia de que nada externo faria distinguir uma obra de arte dos objetos ou eventos mais comuns. Completando a lacuna entre arte e vida havia um projeto compartilhado por um número de movimentos, unificado por uma desconfiança comum em relação às afirmações das artes eruditas, mas discordante, como seitas de uma nova revelação, com relação a qual setor comum deveria ser salvo.


Imponderabilia mescla Performance, Happening e Body Art, para o público entrar no espaço onde ocorreria o trabalho artístico, era preciso roçar os corpos dos artistas nus.

Marina Abramovic e Ulay, Imponderabilia, 1977


Intervenção O termo intervenção, nas artes visuais, designa práticas ligadas a uma ação do artista sobre uma situação física preexistente, é definida como uma linha de procedimentos, mais que propriamente uma linguagem. Geralmente é associada a ações que se dão em estruturas urbanas ou arquitetônicas sobre as quais o artista interfere, seja de forma incisiva, alterando efetivamente a configuração física ou o material do que toma como suporte, seja de forma mais discreta, rearticulando simbolicamente determinadas características do local. Entendendo o espaço como receptor ativo da proposta, é comum a intervenção embutir um comentário crítico de ordem cultural ou sociopolítica.


Em 1985, Christo e Jeanne-Claude embrulharam a Pont-Neuf, ponte mais antiga de Paris. Seu projeto foi concebido em 1975.


A pergunta o que é arte? deixava de ser o centro das questões discutidas no âmbito da arte, quando a condição da reprodutibilidade técnica da obra de arte deslocava o pensamento artístico de seu foco do objeto autêntico para a ideia e passavam a tomar a atenção indagações conceituais a respeito de onde está a arte.


Desestetização da arte As qualidades estéticas de um objeto, seja artístico ou não, dizem repeito a sua beleza e singularidade, que implicam num juízo de gosto. Na tentativa de desestetização da arte, os artistas procuram desligar-se da estética, atacando a própria definição de arte. e A arte deixa de ser primordialmente visual, feita para ser olhada, e passa a ser considerada como ideia e pensamento. Ao abandonar características específicas do sistema da arte como a pintura a óleo, o bronze, o mármore, o pedestal e a moldura, são utilizados materiais até então não artísticos e cotidianos, como plástico, latão, areia, cinzas, papelão, borracha, lâmpadas, e também a apropriação de elementos da cultura de massa, ao se eleger um objeto entre vários iguais, como o readymade, ou utilizar o próprio corpo como matéria e suporte artístico.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.