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Alimentanda por homenagens

Conceição

Apresentar esta personagem como Conceição Freitas da Silva e Conceição dos Bugres, separadamente, não representa somente a reafirmação da passagem de um mulher humilde a uma artista capaz de identificar seu povo através de suas esculturas. Representa um paradoxo vivido por muitos artistas brasileiros que ficam entre a fama e o esquecimento, entre a pobreza financeira e a riqueza estética de sua produção.

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Apesar de reconhecer que Conceição não ganhou dinheiro com suas esculturas, Ilton Silva contraria o que relatam os outros entrevistados, ao insistir que sua mãe não passou por grandes privações. “Ela viveu feliz. Comeu o que ela quis. O dinheirinho era pouco mais dava. Para quê dinheiro se não é para isso?”. A opinião de Ilton pode ser influenciada pelo próprio estilo de vida que adotou para si, sem grandes apegos materiais. A escolha de viver desta forma, talvez pelos mesmos motivos de Conceição, esteja mais relacionada a uma questão de necessidade do que de escolha.

Como foi dito anteriormente, as pessoas que conheceram Conceição não se conformavam com a pobreza em que ela vivia. Esta indignação poderia não existir se se tratasse de uma mulher comum, mas Conceição era uma artista e as pessoas que se manifestavam incrédulas diante de suas condições de vida tinham consciência da injustiça que esta situação representava.

“Conceição não pedia nada a ninguém”. A afirmação da professora Maria da Glória Sá Rosa demonstra o que muitos alegam: Conceição não se revoltava com

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os percalços de sua vida. Porém, o fotógrafo Roberto Higa conta uma passagem em que evidencia que a artista não se mantinha passiva diante de sua situação.

O fato, segundo o fotógrafo, ocorreu em um das poucas homenagens de grande repercussão que Conceição dos Bugres recebeu em vida, em 1982, no Círculo Miguel de Cervantes20, em São Paulo. No evento, houveram diversas manifestações, feitas por artistas, políticos e intelectuais, voltadas à história e ao trabalho de Conceição. Houve dança apresentada pela academia de Marilú Guimarães21, cinema com Cândido Alberto da Fonseca, fotografia com Roberto Higa, música com Geraldo Espíndola22 e a poesia de Raul Longo. Além da presença de Tetê Espíndola23 e Almir Sater24, que na época residiam na capital paulista.

Sobre a reação de Conceição perante tal homenagem, Roberto Higa conta a seguinte passagem. “Eu acho que foi único evento em que se fez uma homenagem a Conceição dos Bugres. E um detalhe que eu não esqueço, é que a coitada da Ceição, volta e meia, perguntava para mim. ‘De quanto é que vai ser o prêmio que eu vou ganhar? De quanto é que vai ser?’ Ela, coitada, uma pessoa sempre necessitada de dinheiro, como sempre aconteceu com os artistas aqui no estado desde o antigo Mato Grosso, estava preocupada com o

20. Colégio Miguel de Cervantes Av. Jorge João Saad, 905 – Morumbi São Paulo – SP. 21. Ex-deputada de Campo Grande, professora, empresária e jornalista brasileira. 22. Compositor, músico e cantor sul-mato-grossense. 23. É uma cantora, compositora e instrumentista sul-mato-grossense. 24. É um violeiro, compositor, cantor e instrumentista sul-mato-grossense. 86

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dinheiro, com quanto seria o prêmio que ela ia ganhar. Eu não sei quem que teve a incumbência de explicar para ela que não ganharia dinheiro. Porque na verdade ela ganhou uma placa e ganhou um ramalhete de flores. Mas eu acho que não a satisfez, não!”

O relato de Roberto Higa reflete bem a contradição da vida de Conceição. Porém algumas pessoas tentam extrair um ponto positivo nesta antítese. Raquel Naveira conta o que sentiu ao ver as obras de Conceição em um dos museus do Rio de Janeiro. “Esses dias andando pelo Catete25, ali perto do Museu da República, existe o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, e a Conceição dos Bugres está presente como a representante do Mato Grosso do Sul. Cada vez que eu passava por ali e via as fotos da Conceição com seus bugrinhos eu ficava profundamente emocionada. Apesar de todo esse sofrimento que nós testemunhamos – sofrimento também de mãe, porque é muito sofrido você observar seus filhos e não poder dar o que gostaria e ficar imaginando o futuro deles. Tudo isso eu percebi na Conceição. A falta que ela tinha de mais recursos, mais tempo, mais material para poder desenvolver a sua obra. Então, dentro desse quadro de beleza, tristeza e melancolia e ao mesmo tempo de luta, de garra, de sobrevivência, ver a obra da Conceição dos Bugres lá no Rio de Janeiro me deixou muito tocada. Porque percebemos que a obra é maior que tudo, ela vence todas as dificuldades, todas as barreiras. Quando ela tem

25. Bairro do Rio de Janeiro

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essa força da poesia, essa força da universalidade, ela se impõe por cima de todas as contingências”.

Américo Calheiros, que visitou o mesmo museu durante os anos 90, acrescenta que nas obras da ala referente à região Centro-Oeste, os bugres de Conceição eram as únicas peças representando o estado de Mato Grosso do Sul.

Apesar de não existir um mapeamento dos bugres pertencentes a acervos públicos, foi constatado que alguns museus abrigam as esculturas em exposição permanente. Além do museu no Centro de Folclore e Cultura Popular, no Rio de Janeiro, o Museu de Arte e Cultura Popular da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT- MACP) e o Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul (MARCO) possuem bugres de Conceição.

Rosa, Duncan e Penteado (2007, p.38) listam as exposições de que Conceição dos Bugres teria participado até o ano de 1997.

Coletivas: 1970 – Panorama das Artes Plásticas em Campo Grande/MS – AMA - Referência Especial III Exposição Nacional de Arte – V Colóquio dos Museus de Arte do Brasil – Curitiba/PR 1971 – 4 Artistas de Mato Grosso – Brasil Galeria IBEU – AMA - Rio de Janeiro/RJ Ilton e Conceição – Galeria Hotel Campo Grande – AMA – Campo Grande/MS

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1972 – Arte Brasil Hoje – 50 Anos Depois – Galeria Collectio – São Paulo/SP 1974 – Mostra de Arte das Olimpíadas do Exército – Brasília/DF – Medalha de Ouro Bienal Nacional – São Paulo/SP Mostra Inaugural do Museu de Arte e Cultura Popular da UEMT – Cuiabá/MT Mostra Estadual de Artes Plásticas – Museu de Arte e Cultura Popular da UEMT – Cuiabá/MT 1975 - Panorama de Artes Plásticas em Mato Grosso/MT Museu de Arte e Cultura Popular da UEMT – Cuiabá/MT 1978 – Artistas de Mato Grosso do Sul – FCMG – Corumbá/MS 1997 – Exposição In Memorian – Centro Cultural José Octávio Guizzo – Campo Grande/MS

Individual: 1975 – Museu de Arte e Cultura Popular da UEMT – Cuiabá/MT

Rodrigo Teixeira (2011, p. 19), acrescenta a esta lista a Exposição Conceição e Sua Gente – Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul – Campo Grande/MS. Esta listagem nos mostra que as exposições que impulsionaram a consolidação do trabalho de Conceição do Bugres, inclusive fora de Mato Grosso, foram realizadas entre os anos de 1970 a 1972. Este

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período se refere aos anos em que Aline Figueiredo e Humberto Espíndola trabalharam intensamente com a artista em Campo Grande, através da Associação Mato-grossense de Arte (AMA). Após esse período o casal se mudou para Cuiabá, capital do estado ainda unificado, e continuou trabalhando com a artista provendo inúmeras exposições na cidade.

Maria da Glória Sá Rosa conta que Conceição sempre dizia que as pessoas que a tornaram famosa eram Humberto e Aline. Foram eles os responsáveis por apresentar os bugres para o mundo das artes. Apesar do trabalho de Conceição dos Bugres ser genuíno e pioneiro, sem o empenho deste artista plástico e desta crítica de arte, o pouco reconhecimento que Conceição teve em vida talvez nem tivesse existido.

Também o filho da artista, Ilton Silva, conta do esforço do casal em divulgar o trabalho da mãe: “A Aline e o Humberto pegavam as esculturas da minha mãe, não sei nem que carro que a Aline tinha, e botavam tudo no porta-malas e saíam vendendo. Então essa parte de comercialização eles ajudaram e sempre pagaram certinho para nós. A Aline, falando em crítica de arte, foi a primeira que defendeu, que falou, que mostrou Conceição dos Bugres para o poder público. Aline pegava a imprensa e falava, ‘Ela é boa!’. Eu não devo favor para eles não. Eles fizeram o que tinham que fazer. Foram lá e descobriram o valor, pegava e levava para a imprensa. Todos os jornais falavam em Conceição. Correio do Estado, aquele dos Diários Associados

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do Assis Chateaubriand, Diário da Serra. Assis Chateaubriand adquiriu obras da Conceição e minhas. Era Conceição para cima e para baixo. Eles fizeram o trabalho direitinho. Porque não forçaram a barra. A Aline vendia e divulgava. Não é que se não fossem a Aline e o Humberto ela não seria conhecida. Se não fossem eles, seriam outros. Mas a questão é que foram eles que promoveram a Conceição. Que fizeram a promoção das suas obras. Que deu valor para a obra da Conceição”.

A classe artística de Campo Grande foi o primeiro setor a contribuir com ações que ajudavam no reconhecimento de Conceição dos Bugres e de sua obra por parte do público. A artista serviu como tema para diversos setores artísticos.

No audiovisual, a artista foi retratada no documentário de Cândido Alberto da Fonseca, “Conceição dos Bugres” (1979). Em 1984, sua história foi tema da peça de teatro “O Sonho de Ceição”, sob direção de Cristina Mato Grosso e encenado pelo Grupo de Teatro Amador Campo-grandense (GUTAC). Posteriormente, o Grupo se tornou o Instituto de Educação e Cultura Conceição Freitas (INECOM), em homenageando a própria artista. Na poesia recebeu, além da homenagem de Raul Longo, os versos do poema de Raquel Naveira, “Conceição dos Bugres” (2006). Entre as manifestações póstumas está o espetáculo do Ginga Companhia de Dança, “Conceição de Todos os Bugres” (2000), de Luis Arrieta26 .

26. Bailarino e coreógrafo argentino.

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Nas artes plásticas foi representada por diversos nomes, além do próprio Ilton Silva. Júlio Cabral a homenageou com a tela “Conceição” (1999), o aquidauanense Carlos Cabral, utilizou a figura dos bugres em um dos quadros da série “Aquidauana, Brasil” (2004), Magno Missirian dedicou uma série à artista, com as telas “Tributo à Conceição I, II e III” (2012).

Porém, mesmo bem intencionadas, as ações do meio artístico eram limitadas e não tinham como amparar Conceição financeiramente. O único setor capaz de dar este suporte era o poder público. A jornalista Margarida Marques relatou que o descaso do governo com a artista Conceição dos Bugres durante sua vida foi representado, ironicamente, no dia de seu velório. Ela conta que o governo do Estado de Mato Grosso do Sul enviou uma coroa de flores enorme pelo falecimento. De tão grande, a homenagem não coube dentro da pequenina casa de madeira em que seu corpo estava sendo velado e teve que ficar no meio da rua.

Pioneira para as artes e peças promocionais para o governo

As críticas ao tratamento dado pelo Estado à Conceição e suas obras são intensas por conta da representação desta artista perante todo o panorama das artes de Mato Grosso do Sul. Muitos não acreditam que estampar a figura de seus bugres em peças promo-

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cionais de eventos culturais e turísticos do Estado seja o suficiente para valorizar as obras de uma artista. Alega-se seu pioneirismo nas artes sul-mato-grossense e o suporte dado às próprias entidades públicas voltadas para cultura, fazendo-as surgir de maneira representativa com a divisão do estado, sendo a figura dos bugres de Conceição a principal representação artística do MS.

Ilton Silva fala do porquê de Conceição ainda ser tão significativa para a cultura do estado. “Hoje você não vê um escultor em Mato Grosso do Sul com projeção igual à da Conceição. A Conceição é um incentivo. Quem quiser ser famoso, ser bom e representar a cultura tem que conhecer a Conceição. Na escultura não tem uma nova geração. Até hoje não esqueceram a Conceição. Quando esquecerem é porque apareceu um que superou ela na nova geração. A Conceição é a velha geração. Na nova geração não tem um escultor e nem uma escultora agora que a supere. Então a importância dela é esta, a de que ainda estão buscando alguém que seja melhor do que ela. Tem que ter alguém disposto a superá-la. Essa é a importância da Conceição na cultura sul-mato-grossense!”.

Margarida Marques acredita no pioneirismo da artista. “Assim como a Lídia Baís é artista plástica precursora no Mato Grosso do Sul, a Conceição é a artista popular precursora no estado. É a primeira artista popular que realmente deu um símbolo ao estado. Então, ela tem toda a importância”.

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As acadêmicas Silvana Colombelli Parras Sanches e Maria Luiza Silva de Campos utilizam uma citação de Roger Bastide27 para se posicionarem de forma esclarecedora sobre a relação da artista com o poder público local:

(…) a obra de Conceição coincide com a própria trajetória da sociedade em que está inserida. Certa vez, Bastide (2006, p. 296) escreveu que “[...] na América do Sul [...] a arte serve às populações mestiças para mostrar por intermédio de seus escritores suas capacidades intelectuais contra as elites brancas”. Entretanto, o que se percebe ao pesquisar sobre Conceição, é, para usar as palavras de Bastide, uma mestiça aplaudida pela elite branca sul-mato-grossense para servir a interesses muito específicos, que são a legitimação lírica da cultura de um Estado em formação. (BASTIDE apud SANCHES e CAMPOS, 2011, p.5)

Presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul desde janeiro de 2007, Américo Calheiros acredita que o reconhecimento de Conceição independe das ações do poder público. “A Conceição sempre teve seu espaço. Porque o grande artista, ele esta acima das ações de governo. Ele existe pela qualidade, pela propriedade e pela força que seu trabalho tem. É assim que um artista passa de fato ser um artista.”

Margarida Gomes Marques considera deficitário o tratamento dado pelo governo, já que os recursos no setor são insuficientes, dificultando o desenvolvimento

27. Foi um sociólogo francês que faleceu em 1974. Em 1938 integrou a missão de professores europeus à recém-criada Universidade de São Paulo, para ocupar a cátedra de sociologia. No Brasil, estudou durante muitos anos as religiões afro-brasileiras, tornando-se um iniciado no candomblé da Bahia. 94

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de políticas públicas para a cultura no Mato Grosso do Sul. “O apoio financeiro que é dado é irrisório. Porque acontece o seguinte: tudo que você fizer que não é comercial precisa de apoio, e a arte não é industrial. Necessita ter políticas públicas para isso. Não é ajudar. É política pública. Assim como tem para a saúde, para a educação”, afirma.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos órgãos responsáveis pela área da cultura, pode se destacar algumas iniciativas tomadas no que concerne ao reconhecimento de Conceição dos Bugres. A maioria destas ações foi feita após a morte da artista e por esse motivo acaba tendo um caráter mais de homenagem.

Além de publicações relacionadas à Conceição, financiadas pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), que segundo Américo Calheiros têm a função de preservar a memória para as futuras gerações, existem iniciativas mais pontuais. Entre essas está a réplica em pedra de um bugre de Conceição, pesando duas toneladas, instalada em frente ao Centro de Convenções Rubens Gil de Camilo28. A reprodução foi feita por Ilton Silva e pelo artista plástico José Carlos da Silva, o Índio.

Conceição dos Bugres também dá nome a um residencial, inaugurado pelo governo do estado e prefeitura em 2009, na Vila Nasser, em Campo Grande. Gilberto Luiz Alves também relembra que o Conselho Estadual de Cultura considerou o bugre de Conceição como ícone

28. O Centro de Convenções situa-se na rua do Poderes, no Parque dos Poderes, em Campo Grande – MS.

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cultural de Mato Grosso do Sul, ainda nos anos 90.

O que podemos considerar a iniciativa mais significativa do estado de Mato Grosso do Sul no que tange a preservação de parte da obra de Conceição dos Bugres é o acervo da exposição permanente do Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul (MARCO), fundado em 1991. Porém é o fortalecimento deste acervo que é apontado como iniciativa mais viável e necessária de ser fortalecida para a preservação da memória de Conceição dos Bugres e da própria arte sul-mato-grossense.

Grande parte dos bugres produzidos, podemos dizer que os mais belos, estão guardados longe dos olhos do público, em acervos particulares. Um dos principais deles pertence a Humberto Espíndola e Aline Figueiredo. Humberto acredita que o maior reconhecimento por parte do Estado seria montar este acervo. “Deveriam ir atrás das pessoas e oferecer uma grana para ter um acervo particular. Todas as vezes que tiveram exposições de Conceição dos Bugres aqui no estado, eu tive que emprestar o meu acervo, até que ele foi muito estragado e eu nunca mais quis emprestar. Então o governo, hoje, se quiser fazer uma exposição de Conceição dos Bugres, não tem como fazer”, pontua.

A mesma opinião é compartilhada pelo colecionador Gilberto Luiz Alves. “A Conceição conseguiu sensibilizar setores culturais do nosso estado. A obra dela inclusive foi consagrada como ícone cultural de Mato Grosso do Sul. O que nós não temos ainda é um

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trabalho no sentido de reunir a obra de Conceição e preservá-la como ela merece. Colocando inclusive a público. Nós teríamos que pensar em soluções no sentido de colocar essa obra à disposição de todos, para educar o olhar, analisando e vendo estas obras em espaços públicos”.

Herança do não-reconhecimento

Não podemos negar que, de trinta anos para cá, houve significativos avanços na área cultural, com a consolidação de órgãos destinados a cuidar do setor e a criação de diversos espaços públicos, como o MARCO, a Morada dos Baís, o Centro Cultural José Octávio Guizzo e o Memorial da Cultura Apolônio de Carvalho. Porém, alguns entrevistados manifestaram uma crítica muito séria no que tange a distribuição dos recursos para fomentar as manifestações artísticas, mesmo com a existência do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC) e Fundo de Incentivo da Cultura do Estado (FIC). Segundo Gilberto Luiz Alves, a situação é agravada pela falta de um movimento expressivo de animação cultural por parte da sociedade civil, como houve em outras épocas.

Quanto às partes que competem ao poder público e ao artista, Américo Calheiros faz a seguinte colocação: “Eu acho que o artista ele tem a sua independência, tem a sua vida própria e quanto mais independente

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ele for, mais ele vai ter na sua obra o retrato da sua independência, que lhe permite dizer as coisas da forma que ele entende, mesmo que isso em um dado momento confronte-se com coisas que muitas vezes as pessoas, até a grande maioria, não concorda. Então essa independência de cada artista eu acho extremamente vital. Inclusive para que seu trabalho seja a expressão genuína do seu pensamento, das suas emoções, da sua sensibilidade. O Estado tem que, antes de tudo, ter respeito por esse trabalho, segundo, tem que buscar dentro das possibilidades que tem, a divulgação, a abertura de novos espaços, a facilitação da comercialização, o registro desse processo de trabalho que o artista desenvolve, no caso dos artesãos, e buscar, obviamente, dar condições para que o artista aprimore na sua arte”.

Os membros da família de Conceição que ainda teimam em viver de arte herdaram da artista dificuldades semelhantes para realizar o seu trabalho. Alguns desses percalços estão diretamente ligados a alguns pontos citados por Américo Calheiros em relação ao papel do Estado.

Sotera Sanches fala das dificuldades que enfrenta no dia a dia para a criação e comercialização de seus totens de madeira e dos bugres de Mariano. “No geral, eu acho que o trabalho nosso como artista é muito difícil. Porque ninguém nos ajuda. Temos que nos virar para trabalhar. Tudo é comprado. Nada é de graça. Quando você vai vender, as pessoas choram. Falam que é muito caro. Não querem valorizar. Mas a gente tem que ven-

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der assim mesmo. O lugar onde mais vendemos é na Casa do Artesão. O estado não ajuda. O que o estado dá é abrir a Casa do Artesão para vendermos. Colocar lá o nosso trabalho. É isso que o estado dá, um espaço para nós. Mas mesmo assim eles ganham 30% em cima para vender. A gente bota em um preço e ele põem 30% em cima”.

Mesmo sendo reconhecido internacionalmente, Ilton Silva sempre enfrentou dificuldades em viver de arte. Sem ajuda e passando por problemas financeiros, ele se viu obrigado a deixar Mato Grosso do Sul. Por este motivo ele é radical em sua crítica a atuação dos órgãos de públicos competentes. “O estado do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, não tem condições de segurar artista. A Fundação de Cultura evidentemente faz exposições das minhas obras, mas esquece que eu tenho que comer. Quando estou trabalhando eu como feijão com arroz, eu bebo cachaça, eu fumo. Sou um ser humano igual a todo mundo. Quer dizer que só eles podem tomar seus uísques e eu não posso? Posso. Eles fazem um trabalho cultural. Nesse trabalho cultural, eles não entendem que o artista tem que viver, tem que vender as telas. O estado tem que ter um compromisso com os artistas. Agora que compromisso que tem que ter? Vender suas obras. Mas expor para dizer, ‘Eu estou fazendo um trabalho pela cultura’ e artista no seu ateliê morrendo de fome? Falta gente que entenda que o artista também é gente. Artista não é bicho. Artista não é tatu. Não é formiga que fica ali comendo miga-

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lhas. Artista está produzindo, está trabalhando, está funcionando, engrandecendo esse estado”.

Apesar da indignação, Ilton reconhece que esta valorização não depende apenas do poder público, e fala da necessidade de organização da sociedade civil com a criação de um grupo especializado para levar propostas ao poder público. “O compromisso de reconhecer o artista está nos intelectuais do estado. Os críticos de arte, os historiadores, presidente de Fundação de Cultura. Essa gente tem que buscar montar uma equipe com capacidade de reconhecer as verdadeiras obras. Porque, senão, vai se enganar. Vai cometer injustiça. Eu acredito que o estado de Mato Grosso do Sul dá um reconhecimento para as obras da Conceição e para as minhas, dentro do que nós somos. Eu e a Conceição somos artistas que representamos hoje o estado de Mato Grosso do Sul e também o Brasil. Como eu fui para os Estados Unidos representando o meu país. Mas dentro do que o Estado pode fazer, é isso aí. O Estado não pode me fazer maior que eu sou”.

Na tinta preta das páginas de jornais

Partindo do pressuposto colocado pela escritora Raquel Naveira, de que a responsabilidade de reconhecimento da cultura não é somente do Estado, mas sim dos acadêmicos, estudantes, jornalistas e comunidade em geral, é importante discutirmos brevemente a pos-

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tura de uma das áreas que contribuíram com importantes publicações na pesquisa sobre Conceição dos Bugres.

O jornalismo teve um papel fundamental no reconhecimento desta artista, como vimos anteriormente em relato de Ilton Silva. Porém é necessário levar em consideração que nas primeiras publicações referentes ao trabalho de Conceição, houve um impulso dado por Aline Figueiredo, que, de certa maneira, tinha uma influência dentro do meio jornalístico.

É inegável a importância que esse primeiro passo teve para impulsionar as publicações que se seguiram. Nenhum dos entrevistados afirmou que Conceição foi esquecida pelos jornalistas, porém ao analisarem o que é feito atualmente surgem críticas e reflexões. Jornalista, Cândido Alberto da Fonseca analisa a abordagem sobre Conceição dos Bugres, a partir do que considera um novo fenômeno no jornalismo cultural. “Eu acho que a imprensa reconhece quando tem eventos falando da Conceição. Porque a nossa imprensa passou a ser uma imprensa de mediação de agendas. Se temos um evento “X” e um evento “Y”, você sai na imprensa. Mas ela perdeu o senso crítico, ela perdeu a orientação midiática do que vai ser impresso e do que não vai ser impresso. Então, não existe! Eu acho que a cultura só vai ter sua importância o dia que ela entrar na agenda política. Por enquanto ela é uma dimensão de pessoas que fazem, como se fosse um trabalho gratuito, gracioso para você ter fama e aparecer na imprensa”.

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Esta opinião também foi colocada pela jornalista Margarida Marques. Segundo ela, os espetáculos aparecem consideravelmente nos jornais antes de acontecerem, mas acabam sumindo das páginas assim que se realizam. Não existe crítica. Mas a jornalista crê que há ressalvas.

Apesar de não ser jornalista, Idara Duncan chegou a produzir textos sobre Conceição para o extinto Jornal da Cidade. Para ela, inicialmente havia uma visibilidade maior nos jornais do trabalho de Conceição por ela estar ativa. A professora destaca ainda que, atualmente, poucos jornalistas conhecem a artista.

Ilton Silva relata que o suporte dado pela imprensa ao trabalho de sua mãe foi o que motivou algumas ações por parte do Estado. “A imprensa é a coisa fundamental. Por quê? O que adianta um Estado reconhecer um artista e não divulgar. Para isso serve a imprensa. Não é que a mídia fabrica artista. Mas a mídia mostra o que está em evidência. Então a imprensa foi a coisa mais importante que teve para a obra de minha mãe. Se não tivesse imprensa a obra da minha mãe não chegaria ao poder público. Por que o poder público não mandou a imprensa fotografar as obras da minha mãe. A imprensa foi lá, fotografou, poder público viu, divulgou e mostrou.”

Dando continuidade às obras da avó, Mariano conta que a procura dos jornalistas é um dos únicos reconhecimentos que batem a sua porta. “Eu fico alegre. Nós sentamos ali na sala, eu e minha mãe, e assistimos.

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Eu chamo ela para ver. ‘Olha lá, tem uma entrevista falando sobre a minha vó e sobre nós!’ Jornalista é bom ter. Já teve muitos jornalistas que vieram aqui conversar comigo”, relata.

Entre as críticas colocadas pelos entrevistados sobre a postura do jornalismo cultural está a necessidade de publicações mais especializadas. Como crítica de arte, Maria Adélia Menegazzo, coloca que ainda não há de fato um jornalismo cultural nos veículos de comunicação de Mato Grosso do Sul. “O que existe aqui é a iniciativa de alguns jornalistas que tem um olhar mais preocupado para a área da cultura. Mas a gente não tem, por exemplo, um suplemento cultural, a gente não tem todo um caderno no jornal dedicado só à cultura. Quando eu digo cultura, tudo bem, pode incluir a cultura de massa também. Mas eu acho que tem um espaço muito pequeno para as manifestações da nossa cultura. Eu acho que isso é quase relegado a um segundo plano”.

Humberto Espíndola acredita que as publicações nesta área poderiam ser melhoradas com a criação de um acervo maior que possibilitasse aos jornalistas pesquisas mais aprofundadas para suas matérias. Gilberto Luiz Alves atribui a falta de debate nos jornais que abordam a temática da cultura à falta de uma educação cultural.

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