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SARAH SANTOS
DIÁLOGOS ÍNTIMOS Prazeres e desprazeres sexuais femininos
Campo Grande - MS 2018
Título: Diálogos Íntimos - Prazeres e Desprazeres Sexuais Femininos Copyright © 2018 Sarah Santos Todos os direitos reservados. Autora Sarah Santos Orientador Edson Silva Projeto gráfico e diagramação Sarah Santos Design da capa Danielle Mugarte Contato sarahsantos.jornalismo@gmail.com
Projeto Experimental do Curso de Jornalismo 2018
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
À Rosa Maria Batista Santos, que viveu a pobreza, o capacitismo e a violência doméstica para me criar da melhor maneira e que tenho a honra de chamar de mãe.
Agradecimentos À minha mãe, Rosa Maria Batista Santos, pela dedicação imensurável para a minha criação e educação. À minha irmã, Letícia Santos de Oliveira, por todo o cuidado e carinho que uma irmã mais velha poderia oferecer. Ao meu avô, Valto Batista Dias, por preencher a ausência paterna e à minha avó, Dativa Batista dos Santos, por ser a minha maior inspiração de empoderamento feminino. Ao meu orientador e professor, Dr. Edson Silva por aceitar me acompanhar nesta jornada e desempenhar esse papel com excelência. O seu respeito pelo meu local de fala como mulher, riqueza em contribuições científicas e conselhos foram fundamentais para a construção do Caderno de Entrevistas. À Dra. Katarini Miguel, mulher competente, articulada e de resistência pelo acompanhamento no processo de montagem do projeto, diálogos sobre o projeto e indicações de leituras que enriqueceram com o trabalho. Aos meus amigos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul que dividiram meus melhores e piores dias desses quatro anos e mesmo com a deficiência, fizeram eu me sentir incluída em todos os momentos. Entre eles, Gustavo Zampieri, Maria Paula Garcia, Luiana Oliveira, Kimberly Teodoro e Claiane Lamperth. Cito também Danielle Mugarte, minha veterana da faculdade e grande amiga, pelos conselhos e por ter contribuído com o design da capa desta obra. Ademais, às mulheres fortes, sensíveis e singulares que me confiaram histórias tão íntimas e me fizeram tocar o profundo dos dramas humanos que o ofício do jornalismo traz. Muito obrigada.
Sumário Introdução Liberdade Assistida Um Corpo pelo Mundo Prazer Alternativo Sexo sobre Rodas Sem referências A sexualidade da mãe Sexualidade Clandestina A psicanálise e a sexualidade feminina A psicopedagogia e a educação sexual Percepções dos diálogos
Introdução A sexualidade é um fenômeno que acompanha a mulher desde as primícias de seu desenvolvimento fisionômico. Freud escrevia sobre as manifestações do sexo nos primeiros meses de vida em 1905. Para a mulher, todavia, a carga da culpabilização por expressar-se um ser sexual esteve unificada à sua dignidade. Na idade média, a popularização e poder adquirido pela igreja católica implantou o sistema familiar patriarcal em que a liderança do lar e participação da vida pública estava a cargo dos homens. A mulher, por sua vez, zelava pela casa e bem estar de seus membros. Os impactos desta mudança não foram benéficos para o desenvolvimento da sexualidade feminina, já que o sexo passou a ser controlado pelo homem. A cultura pedia que ela se casasse virgem e fosse submissa primeiramente ao pai e depois, ao marido. Em um contexto onde o seu valor seria menor que o do outro, o prazer sexual estava fortemente comprometido. No século XIX, as erupções da sexualidade feminina eram nomeadas de ‘histeria’, uma doença psíquica que atingia apenas indivíduos do sexo feminino e os sintomas eram irritabilidade, insônia, ansiedade, dores de cabeça, choro e falta de apetite. Essa doença não levaria à morte, mas era necessário um tratamento manual. Os médicos realizavam o procedimento de uma massagem nas genitálias de suas pacientes que provocavam gemidos e ondas de calor. A estimulação era feita até ocorrer o “paroxismo histérico”, identificado como o ápice, então, as mulheres se acalmavam. A chamada ‘histeria’ foi desmentida por Freud no século XX, que apontou a sexualidade como componente do desenvolvimento humano e fundamental no comportamento e relações interpessoais do indivíduo. Ainda no século XX, a entrada da mulher no mercado de trabalho e o aumento em potencial de sua
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participação na vida pública repercutiu na rotina sexual e no trato com o próprio corpo. À medida que a mídia democratizou algumas informações referentes a métodos contraceptivos e os padrões femininos de beleza passaram por um processo de apego ao cunho sexual, a busca pelo prazer sexual feminino tornou-se uma pauta ao menos válida para o bem estar da mulher. Ainda assim, não só a igreja como o Estado exercem forte influência normativa sobre o corpo e a sexualidade. Nestas determinações, as mulheres seguem a ocupar posições subalternas. Informações básicas sobre métodos contraceptivos são acessíveis em âmbito nacional, mas conhecimento sobre o próprio corpo segue em carência. *** A proposta deste caderno é apresentar um compilado de entrevistas a respeito do fenômeno dos prazeres e desprazeres sexuais femininos com mulheres de perfis divergentes na sociedade. É importante observar que apesar das faixas etárias, crenças, vivências, dádivas e traumas, o filtro do gênero amarra as personagens da obra e aponta experiências em comum, a maioria delas ocasionadas por entendimentos machistas que sujeitam mulheres a situações de insatisfação sexual e violência. Dentre os destaques dos temas propostos para as fontes estão pautas como primeira vez, autoestima, violência, afetividade, preconceito, entre outros. Com isso, nota-se que o prazer sexual feminino é impactado por outros fenômenos que compõem o cotidiano da mulher. Como um projeto de conclusão de curso, a execução do trabalho exigiu vigorosa atenção nos procedimentos de pesquisa. O projeto foi estabelecido com pesquisa documental e pessoal. As fontes documentais foram utilizadas para adquirir proximidade e propriedade sobre o objeto estudado, com a leitura de
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artigos científicos, notícias midiáticas, produtos audiovisuais, legislações, textos opinativos, entre outros documentos. As fontes pessoais, por sua vez, foram construídas com uma pesquisa criteriosa por fontes com a intenção de oferecer contribuições específicas com o depoimento de suas vivências e seleção das personagens do Caderno de Entrevistas. Após esta etapa, houve uma conversa inicial com as mulheres para o conhecimento da sua história e detecção de detalhes das suas experiências e personalidade despercebidos na construção da pauta. Estas informações foram utilizadas na composição do roteiro de perguntas específicas. Além disto, as pesquisas documentais deram embasamento para a criação do roteiro de perguntas gerais, de questionamentos possíveis de serem feitos à todas as fontes entrevistadas. O ápice do trabalho foram as entrevistas, realizadas com base nos roteiros de perguntas gerais e específicas, no entanto, com ocasionais desvios e questões adicionadas de acordo com as retratações feitas durante o diálogo com a fonte. Após esse procedimento, as entrevistas foram transcritas e tratadas para melhor legibilidade. Foram 10 entrevistas, sete de fontes populares que compartilharam as suas vivências sobre sexualidade e possuem sua identidade reservada. Portanto, os nomes retratados neste caderno são fictícios. Três fontes são devidamente identificadas por oferecerem a sua contribuição científica a respeito do assunto, na atuação de profissionais da psicologia, sexologia e pedagogia. ***
Mulheres de perfis plenamente divergentes um do outro abriram as suas casas e as suas histórias para que eu pescasse vivências. Enquanto algumas personagens exibiram os pontos mais
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delicados de seu cotidiano, outras se mostraram resistentes à superfície da informação. De sua forma, singularmente contribuíram para a construção desta obra. *** Em tempos de retrocesso em direitos humanos e relativização da violência e do preconceito, falar sobre sexualidade é um ato de resistência. Como estudante de jornalismo e mulher com deficiência, é dever posicionar-me contra as perseguições e intolerância em relação às minorias sociais. O retrato infeliz das eleições presidenciais e ameaças fascistas foi lembrado por algumas das mulheres entrevistadas e, para preservar uma representatividade que têm sido esquecida, uma das questões inegociáveis para a construção desta obra foi que todas as fontes fossem do sexo feminino. Como resultado dessa exigência, foram coletados dramas humanos, conexões de gênero que escaparam da relação de entrevistada e jornalista e contribuições científicas consistentes. Percebe-se que, mesmo que refutada esta teoria, mulheres que tomam partido, falam sobre suas experiências íntimas e ocupam os espaços sociais que são seus por direito ainda são vistas como ‘histéricas’. Pois bem, falar é o que nos resta e ele não será pretexto para que a nossa voz se cale. Somos sementes.
Liberdade Assistida Os shorts que ressaltavam as pernas anunciavam a vinda de Alice quando abriu o portão. A casa simples, porém cheirosa e
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arrumada da periferia de Campo Grande pertencia somente a ela, que é uma típica jovem-adulta trabalhadora de 19 anos. Faz faculdade de enfermagem, trabalha e nas horas vagas faz rimas de rap como ‘MC’. Possui o próprio carro, ajuda a mãe e a irmã. O caminho para conversar com suas familiares sobre sexo e relacionamentos é aberto. A morena usufrui da liberdade que muitas garotas da sua idade gostariam de ter. No entanto, ela mesma afirma que é uma liberdade assistida. Com histórico de abuso sexual, violência doméstica, experiências na cama que lhe deixaram ressabiada e outras, de perna bamba, busca por relações mais prazerosas e menos cerceadas pelo machismo. Sua fala apressada e postura exibem o desembaraço em tratar o sexo como um assunto qualquer. Sempre precavida com os métodos contraceptivos e disposta a dialogar com os seus parceiros para que ambos sintam prazer, para a moça, ‘transar é vida’. Sarah Santos: quem é você? Alice Nunes: eu sou Alice, me apresento como acadêmica de enfermagem e MC como lazer. Sexualmente falando, sou uma pessoa hétero, mas que já teve alguns relacionamentos com meninas. Conheci o lado bi, mas sou mesmo hétero. Comecei a minha vida sexual com quase 16 anos por besteira mesmo, a minha irmã já não era mais virgem, eu imaginei que era bom o negócio e fui experimentar com uma pessoa meio nada ver. Não foi um príncipe, mas foi uma pessoa bacana até. De lá para cá, venho tendo uma vida sexual bem ativa e não tenho o sexo como tabu, até porque na profissão que eu escolhi, ela não pode ser tabu. Tenho que saber conversar abertamente e eu tive uma educação familiar muito boa, a minha mãe criou eu e minha irmã sozinhas e somos feministas, então nunca aceitamos que mulher não possa fazer algo. Minha mãe sempre disse que eu tinha meu corpo, tinha vontades, é uma delícia, então tinha que me cuidar e podia recorrer a ela se tivesse dúvidas. Minha mãe me ensinou a usar camisinha, como fazer. Então, nunca tive vergonha de falar sobre sexo porque nunca fui repreendida sobre isso.
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Sarah: considera que a mulher tenha liberdade sexual? Alice: não. Temos uma liberdade, mas é uma liberdade assistida. Se você comenta com um cara que deu pra dois na mesma noite, o cara vai te taxar de vagabunda, sem valor, que não é para casar. Então, podemos transar com quem quisermos, desde que não nos preocupemos com isso. Com os rótulos que vão te colocar. Já passei por uma fase difícil, onde todo mundo falava que eu dava demais, eu dizia que dava sim e sabia o nome de todo mundo porque tinha uma agenda com o nome das pessoas com a qual eu transava. Se falarem, eu olho na lista e falo se dei ou não. Não tenho mais vergonha de dizer que eu transo, gozo, tenho prazer. Mas por muito tempo fingia que não era assim. Mas é bem pesado, temos uma falsa liberdade. Sarah: você citou uma fase em que era rotulada por sua vida sexual, quem te rotulava? Como era isso? Alice: a maioria no grupo de amigos, amigos da batalha de “Já passei por uma fase difícil, onde rap, os homens. Com as todo mundo falava que eu dava demais, eu dizia que dava sim e sabia mulheres, até trocamos o nome de todo mundo porque tinha conhecimentos. Mas homem uma agenda com o nome das pessoas não, quando eu contava que com a qual eu transava. Se falarem, transava com alguém eles eu olho na lista e falo se dei ou não. diziam que não queriam saber. Não tenho mais vergonha de dizer que eu transo, gozo, tenho prazer.” Mas na mesma roda, eles falavam das minas com as quais eles transavam. Os homens se sentem afetados quando uma mulher conta que fez sexo com um cara e foi ruim, ou não foi como esperava, ou foi muito bom. Eu acho engraçado. Não tenho vergonha, aí que eu falo. Justamente porque não quero que falem que eu estou errada. Não é errado ter tesão, querer transar. Sarah: tem uma rotina de cuidados com sua saúde sexual? Alice: sim, justamente pela minha área de estudos, não posso aprender e fazer errado. Tem um ou dois meses que eu fui no ginecologista pela última vez e conversei sobre as minhas questões,
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aconselho as minhas amigas a irem regularmente. Minha mãe também é enfermeira, então quando acontece algo errado eu falo com ela. Era acostumada a fazer sexo às vezes sem proteção, mas quando comecei a faculdade e vi umas coisas, parei com isso. Fui no mercado, tinha promoção e comprei 20 pacotes de camisinha. A mulher do caixa e as pessoas atrás me olharam estranho, mas poxa, é meu direito. É até constrangedor a mulher comprar camisinha, é errado você se proteger. Sarah: e em relação a cuidados estéticos, tem essa prática para o sexo? Alice: eu sou bem chata com isso. Particularmente, detesto pêlo. Nem em mim e nem no meu parceiro. Não é para satisfazer homem, é para mim. Eu adoro me depilar, ficar lisinha, para olhar no espelho e “De uma transa que duraria de meia hora à uma hora, eu me eu gostar. Não acho pêlo atraente, resolvo em 3 minutos com a pois eu me masturbo e dá uma masturbação.” atrapalhada, mas geralmente não me depilo quando estou menstruada, justamente para deixar mais tranquilo. Sarah: você citou mastubração, considera que sente prazer consigo mesma? Alice: cara, vou falar pra ti, é bizarro. De uma transa que duraria de meia hora à uma hora, eu me resolvo em 3 minutos com a masturbação. Claro, a transa demora mais porque tem a questão da química com outra pessoa. Se eu estou muito tensa, não tenho nada pra fazer, ou vejo algo que me deixou excitada, me masturbo por uns minutos, lavo a mão e sigo a vida normal. Se estou estudando e fico tensa, ou em um assunto que envolve sexualidade, eu me resolvo. Já me masturbei em trabalho, em cursos, casa de amigas. É massa, chega a ser engraçado. Porque às vezes demora ou você nem goza com uma transa. Sarah: costuma ter um diálogo com seus parceiros quando sente-se insatisfeita em uma transa?
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Alice: já enchi muito ego de homem. O cara era ruim e não sabia nada, mas eu falava que ele era o melhor. Com o passar do tempo, parei com isso. Porque eu me considero uma pessoa muito boa de cama, até porque foram muitos elogios, então acontecia de eu satisfazer o cara e não ser satisfeita. E aí, para aumentar a autoestima dele, falava que ele era muito bom e ele continuava me procurando, aí eu dava desculpas. Eu transava com caras que não sabiam fazer oral, me machucavam, não sabiam o que estavam fazendo e por vergonha, eu mentia. Isso prejudica. Então, mudei. Se o cara é bom, ele é elogiado. Se o cara é ruim, ele é criticado. Ou eu não sou direta mas dou algumas sugestões de como ele pode melhorar. Descobri que além do prazer masculino, o meu prazer é muito importante. Antes eu transava pra homem, hoje eu transo para mim. Se não está bom, eu paro e digo que não está legal. Ou vai mudar, ou não vai ter mais. Porque é complicado saber que a vida inteira você foi doutrinada para satisfazer homens. Sarah: como foi a sua primeira vez? Alice: poxa, foi engraçadíssimo. Eu descobri o sexo muito cedo, mas por um abuso, mas só quis saber de verdade mais tarde. Com o meu primeiro namoradinho, fiz sexo anal. Pensava que o médico e minha mãe não poderiam saber. Comecei e não gostei muito, porque não era pra mim, era só pro meu namorado. Nós terminamos, houve agressão. Muito tempo depois conheci esse outro rapaz, ele sempre tentou e eu dizia que não queria porque achava que se a minha mãe soubesse ela me mataria. Só que eu escutava a minha irmã comentando com as amigas sobre a vida sexual dela, ela é mais nova que eu, começou a sua vida sexual aos 13 anos, e eu com quase 16. Uma vez a minha mãe me levou no ginecologista e ele disse que quando a mulher é virgem, ela tem um buraquinho que cabe um dedinho, um tubo de caneta, algo assim. Então, eu fazia isso com o rapaz. Nós fazíamos isso e sexo oral. Um dia fiz um trabalho sobre DST’s, no nono ano, e pensei que não poderia dar uma palestra sobre isso se eu nunca tinha transado. Sempre tive um corpo de mulher, comentei sobre o trabalho com o meu ficante e disse que precisava
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saber como é. Não foi nada romântico. Deitamos no chão e fizemos. Começou devagar, ele viu que eu fui cedendo e acelerou na penetração. Só ele sentiu prazer. Doeu um pouco, mas “Já enchi muito ego de homem. O cara muito tempo depois ele me contou que jurava que não era ruim e não sabia nada, mas eu tinha tirado a minha falava que ele era o melhor. Com o virgindade. Ele disse que passar do tempo, parei com isso. Porque achava que eu estava fazendo eu me considero uma pessoa muito boa teatrinho. Transamos mais vezes, demorou uns três de cama, então acontecia de eu meses para eu sentir prazer, satisfazer o cara e não ser satisfeita.” até achei que eu era assexuada. Sarah: você contou para a sua mãe? Alice: um mês depois, eu e minha irmã conversamos com a nossa mãe sobre não sermos mais virgens. No outro dia, às sete da manhã, ela nos acordou, levou no ginecologista e disse que era para receitar anticoncepcional. Ele ficou surpreso. Depois disso, eu namorei um rapaz que foi o primeiro com o qual “Eu transava com caras que não sabiam fazer eu realmente senti oral, me machucavam, não sabiam o que estavam prazer. Eu gozei, fazendo e por vergonha, eu mentia. Isso prejudica. senti o que era sexo, Então, mudei. Se o cara é bom, ele é elogiado. Se o saí de pernas cara é ruim, ele é criticado. Ou eu não sou direta bambas. Voltei a mas dou algumas sugestões de como ele pode melhorar. Descobri que além do prazer masculino, ficar com o rapaz o meu prazer é muito importante. Antes eu com o qual eu tinha transava pra homem, hoje eu transo para mim.” perdido a virgindade e falei que não tinha sido bom. Ele ficou muito mal por não ter me tratado como eu merecia naquele momento. Pediu desculpas e tivemos outra ‘primeira vez’. Foi bonitinho. Sarah: você citou um abuso, pode falar sobre isso?
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Alice: sim. Eu chamo esse acontecimento de história do banheiro. Foi na escola, com uma menina, por incrível que pareça. Ela tinha a mesma idade que eu. Tinha uns 8 anos, ela disse que ia no banheiro comigo. Me jogou para dentro do box, abaixou a calça e falou ‘me chupa’. Eu fiquei surpresa, nem sabia como fazer, ela puxou meu cabelo e fez eu fazer oral nela. É “Eu acredito que o homem têm o ego muito frágil. Se veem uma horrível falar isso, eu sinto o gosto menina que sabe sentar, não na boca. Isso acontecia diariamente deixam ela ir por cima, porque e quando eu não queria, apanhava e goza mais rápido. A mulher não minha irmã era ameaçada. Eu fazia pode controlar o prazer.” aquilo porque tinha medo. Ela nunca me tocou, mas eu era obrigada a fazer nela. Durou uns 5 meses. Um dia, uma menina olhou pelo banheiro do lado e saiu gritando para a coordenação. Eu pedi para que ela não contasse para ninguém, mas ela contou e chamaram a minha mãe, tive muito medo. Na minha cabeça eu queria, mas hoje vejo que estava lá para proteger a minha irmã. Eu tinha hematomas no corpo. Era galo na cabeça por ela puxar o meu cabelo, arranhados, mordidas, tapas no rosto. Minha mãe ficou muito assustada, mas me apoiou. A escola disse que estávamos ‘brincando de namoradinho’. Na época, minha mãe perguntou se eu gostava de meninos ou meninas e eu já sabia que era heterossexual. A escola não aceitou trocar de horário ou de sala para a notícia não se espalhar, eu tive que conviver com ela por um tempo. Mas nunca mais se repetiu. Sarah: isso influenciou na sua vida sexual? Alice: muito. Hoje eu tenho vontade e prazer em ser submissa no sexo, conversei com uma psicóloga e ela confirmou isso. Por muito tempo não aceitei ser chupada, fui conseguir esse ano. Sarah: como é gostar de ser submissa na cama? Alice: ah, a maioria dos caras não entendem. Eu tenho que ensinar para eles o nível de dor que eu suporto. Gosto que puxa cabelo, que xinga. Quando é ficante, é mais fácil fazer. Mas quando é com um
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namorado, fica mais complicado. Eu tive que construir meu último namorado para me dominar mais. Eu tenho muitos piercings, na vagina e nos seios e isso não é algo que avisa antes né. Então, no ato sexual, os rapazes ficam impressionados, acham que eu sou muito louca. Eu acredito que o homem têm o ego muito frágil. Se veem uma menina que sabe sentar, não deixam ela ir por cima, porque goza mais rápido. A mulher não pode controlar o prazer. Eles se “Eu tenho que ensinar para eles o assustam com qualquer coisa nível de dor que eu suporto. Gosto que diferente. puxa cabelo, que xinga. Quando é Sarah: você já sofreu violência ficante, é mais fácil fazer. Mas quando em algum relacionamento? Isso teve impacto na sua vida é com um namorado, fica mais sexual? complicado. Eu tive que construir meu Alice: já tive um namorado que último namorado para me dominar tinha o hábito de me cheirar mais.” para ver se eu estava cheirando outro homem, olhar minha calcinha para saber se estava gozada, queria saber até se tinha cheiro de camisinha. Se eu ficava na faculdade conversando após a aula ele achava ruim, se eu cumprimentasse um homem, também. Eu trabalhava, estudava e só ficava em casa. Hoje sei que passei por um relacionamento abusivo. Com ele, eu era extremamente ciumenta. Hoje não aceito sentir ou receber esse ciúmes… Acredito que em cada relacionamento eu me torno uma nova Alice. Sarah: você disse que escreve músicas de rap e participa de batalhas. A sua sexualidade foi atingida em algum momento? Alice: sim, muito! Em algumas batalhas, as primeiras coisas que falam é que eu dou pra todo mundo, que eu sou puta, que eu sou mina e não posso usar boné. Escuto muito isso. Eu respondo que sou puta e é essa puta que espanca os caras, que sou mina e sou melhor que eles. Na batalha mais famosa que eu tenho, o cara disse que eu iria me arreganhar para ele. Eu respondi assim: “colou de Corumbá para perder aqui, então pode pá, vou te falar que a levada é chacina,
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você colando aqui vai perder pra uma mina. Licença pra você é o caralho, presta atenção em mim que eu vou te falar, não me arreganho pra você, você é um gordo, nem seu pinto você vê”. Sarah: como avalia a sua autoestima? Alice: baixíssima. Por muito tempo transava por transar, justamente pela autoestima. Transava com caras nada a ver para falarem que eu sou gostosa e encher meu ego. Não gosto do meu corpo, da minha barriga ou do meu rosto, tiro uma foto e fico procurando defeitos. Hoje, eu não consigo mais fazer isso. Terminei um namoro recentemente. Foi curto, mas de muita conexão, amor, coisas gostosas. Então, eu não consigo transar com alguém por transar. Eu só quero ele, o cheiro dele, o corpo dele. Estou há uns 10 dias sem transar, mas não sem me masturbar. Não consigo procurar contatinhos, porque eu quero o meu ex. Se não tem ele, tem a minha mão. Não estou querendo ainda, mas vai chegar esse momento. Porque sexo é saúde. Transar é vida.
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Um corpo pelo mundo
Rebeca não olha nos olhos. Em compensação, não existe censura em sua fala. A criação na periferia carioca lhe forneceu uma adolescência próxima da vida noturna do Rio de Janeiro, vivendo na crista da objetificação da mulher brasileira. Hoje, com 35 anos, por trás da rotina de um matrimônio e trabalho com crianças há um passado de presença no mercado do sexo do qual ela não se envergonha. A mulher de cabelos pretos, voz aguda e postura impetuosa é assumidamente bissexual e aos 18 anos conheceu a prostituição de luxo como uma escolha para ganhar dinheiro. A prática da profissão a levou para a Espanha em uma rotina agitada de trabalho com clientes da classe média alta. Seu ofício era realizar os seus desejos reprimidos dos homens. Largou a prostituição dois anos depois pela namorada. Aos 30 anos recebeu o diagnóstico de endometriose e essa foi a interrupção do seu sonho de engravidar. Ainda assim, segue acreditando na possibilidade de gerar um filho. Sarah Santos: quem é Rebeca? Como você se identifica? Rebeca Borges: sou intitulada Rebeca, tenho 35 anos, sou acadêmica de pedagogia no sétimo semestre, trabalho em uma escola, sou casada atualmente com um homem, tenho cinco filhos, dois cachorros e três gatos. Sarah: você acredita que vive em uma sociedade machista? Se sim, por quê? Rebeca: sim, muito. Onde as mulheres não têm voz, não falamos e quando falamos, na maioria das vezes, mesmo que escutadas somos taxadas como loucas, como ‘fora da casinha’. Sarah: acredita que, no contexto atual, a mulher é livre sexualmente?
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Rebeca: não. A mulher continua sendo, mesmo atualmente, continua sendo a procriadora, o sexo para a mulher é sempre para procriar. Ela é a dona de casa, a do lar, não tem direito de ter um orgasmo, ela não tem direito de transar com o parceiro que ela quiser, independente do gênero. Ela não tem direito de ter voz na cama… Se ela não tem voz fora da cama, imagina na cama? Na cama ela tem que se sujeitar ao que o outro quiser. Eu acho que vivemos em uma sociedade na qual a mulher não tem direito nem fora da cama nem dentro da cama. O direito dela é de ficar quieta. Sarah: durante a sua criação, houve diálogo com os seus pais sobre sexualidade? Rebeca: desde muito nova minha mãe sempre conversou abertamente comigo. Tanto que quando eu tinha uns 5 anos, ela deixou uma revista aberta em cima da minha cama em “Na minha adolescência havia aquelas que tinha fotos de um parto. revistas com contos eróticos e minha mãe Eu lembro da cena muito deixava eu ler. Com aquilo, eu acabei clara, de ver aquela revista aprendendo de tudo um pouquinho.” e descobrir de onde saíam os bebês. Eu já tinha perguntado, mas minha mãe não explicava certinho, e aí foi a época em que ela achou que eu estava madura o suficiente para saber. Ela sempre conversou. Com o meu pai nunca tive esse tipo de conversa. Sarah: sua criação influenciou na sua vida sexual? Rebeca: acho que eu sou mais desinibida por conta disso. Porque sexo nunca foi um tabu na minha vida, algo de que não podia se falar como já vi várias pessoas que foram criadas assim, como minha mãe sempre falou abertamente. Na minha adolescência havia aquelas revistas com contos eróticos e minha mãe deixava eu ler. Com aquilo, eu acabei aprendendo de tudo um pouquinho e nunca tive tabu ou vergonha no sexo, eu deixo acontecer. Sarah: quando você olha para o seu corpo hoje, sente-se satisfeita? Rebeca: já me senti menos. Hoje, acho que aprendi a me amar do jeito que eu sou. Porque com o passar dos anos o nosso corpo vai
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ficando bem diferente, a cabeça continua sendo a mesma, mas o corpo não responde da mesma forma. Então, hoje estou acima do meu peso, mas já estive mais acima do peso e emagreci e como eu não tenho uma vida de academia, o meu corpo não é o padrão que a sociedade exige. Mas já me senti mais infeliz, hoje sei que essa sou eu, não estou 100% satisfeita, mas me aceito melhor que antigamente. Sarah: você se recorda da sua primeira experiência sexual? Rebeca: foi aos 13 anos de idade com uma mulher e hoje em dia eu vejo como um abuso. Ela era amiga da minha mãe, eu fui dormir na casa dela e acabou acontecendo. Nessa vez, eu fui ativa no ato. Depois, tive a primeira experiência sexual com um homem, aos 14 anos de idade. As duas foram boas, muito boas. Sarah: tem costume de realizar exames ginecológicos? Rebeca: aos 14 anos, depois que perdi a virgindade com o rapaz, minha mãe já me levou ao médico e comecei a tomar anticoncepcional aos 15. Hoje em dia, tomo o remédio da endometriose, mas vou ao médico regularmente desde então. Sarah: você citou a endometriose, isso influenciou de alguma maneira na sua vida sexual? Rebeca: sim, na minha vida sexual e fora dela. Depois dos 25 anos eu passei a ter algumas dores na hora da penetração. Não era frequente, mas algumas vezes, próximo ao período sexual eu sentia. Não era insuportável, mas era uma dor e eu sabia que alguma coisa não estava muito bem e até então eu não tinha descoberto. Na minha vida, influencia por causa da dificuldade de engravidar. Descobri que minhas trompas são obstruídas por causa dela. Influencia 100% hoje e eu tenho que tomar um medicamento contínuo. Foi através dela que desenvolvi depressão, crise de ansiedade, dores nas pernas, enxaquecas, tudo o que eu tinha e não sabia o porquê. Sarah: atualmente, quais são os seus cuidados contraceptivos no ato sexual? Rebeca: nenhum, até porque eu quero ter um filho. Mas eu tomo o remédio da endometriose e com ele eu não tenho menstruação, então
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eu não ovulo e não tem como fecundar o óvulo. Não deixa de ser um contraceptivo. Sarah: o seu parceiro se envolve nesses cuidados? Rebeca: ele sabe de todo o processo quando eu vou ao médico, sempre me acompanha quando possível, conhece o tratamento e foi através dele que entendemos várias coisas que aconteciam com meu corpo. Ele se envolve tanto que se preocupa mais que eu mesma com os remédios que tenho que tomar. Sarah: realiza algum procedimento estético para o ato sexual? Rebeca: para fazer sexo, não. Eu gosto de me manter depilada, mas é algo particular meu. No entanto, faço sexo sem estar depilada também. Claro que algumas vezes eu estou mais inspirada e acabo comprando uma lingerie diferente, comprando um acessório, fazendo outras coisas. Mas isso não é uma regra no meu dia a dia. Sarah: considera que sente prazer sexual sozinha? Rebeca: sim, eu falo que sempre me como melhor do que qualquer outra pessoa. Essa é a realidade. Sarah: como a prostituição surgiu na sua vida? Rebeca: através de uma amiga que já trabalhava com isso. Eu sempre tive muitos problemas pessoais com a minha mãe, ela não reconhecia todo o sacrifício que eu fazia para ajudar ela financeiramente e aí um dia minha amiga disse que tinha um lugar para trabalhar onde eu ganharia dinheiro. Eu sabia do que se tratava, mas não tinha certeza e fui. Ao chegar lá, era um lugar chamado “termas”, vulgo puteiro. Mas era um puteiro de luxo, não um ralé. Ficava no centro do Rio de Janeiro. Lá, nós trabalhávamos de biquíni. Ela levou uma roupa pra mim, uma sandália de salto e apresentou para o gerente. Eu digo que ela me jogou dentro do inferno, porque não me ensinou porra nenhuma. Eu tinha 18 anos. Sarah: hoje, você considera que a prostituição foi uma escolha ou uma situação determinada para você? Rebeca: acho que os dois. Foi uma escolha minha, tanto que entrei e saí por vontade própria, mas aconteceu porque tinha que acontecer. Não vejo como uma experiência ruim porque com prostituição eu
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aprendi muitas coisas. Aprendi o valor financeiro das coisas. Pensam que dentro desses lugares coisas são bagunçadas, mas eu aprendi coisas sobre a vida lá dentro também. Era como se fosse um emprego normal com horário de entrar e de sair, aprendia a respeitar as pessoas. Se uma menina estava com um cliente, você não ia em cima do cliente dela ou se você sabia que um cliente tinha uma garota específica, não ia em cima dele. Claro que tinha gente sacana, “Lá, nós trabalhávamos de biquíni. mal caráter, isso tem em Ela levou uma roupa pra mim, uma qualquer lugar, mas foi uma sandália de salto e apresentou para experiência que tinha que o gerente. Eu digo que ela me jogou acontecer para, de alguma dentro do inferno, porque não me ensinou porra nenhuma. Eu tinha 18 forma, me fazer um ser humano anos.” melhor. Sarah: na conversa inicial, você citou que havia se prostituído na Europa. Como foi isso? Rebeca: aquele puteiro do Rio de Janeiro era de classe média alta, as meninas eram de periferia, mas elas não eram tão leigas. Uma delas já tinha ido para a Europa, depois algumas outras foram. Minha amiga que me levou para aquela casa tinha ido para a Espanha, me explicou como era e eu também fui. Lá, continuava sendo classe média alta, a prostituição era mais fácil em termos de trabalho. Aqui no Brasil você transa muito mais, lá na Europa você ganha muito mais dinheiro do que transa. Trabalha de roupa, de salto, não precisa expor o corpo. Além do dinheiro valer muito mais, um programa de lá valia três do Brasil. Na época que eu fui o euro valia quatro e dez, então eu ganhei bastante dinheiro. Lá eu cansava menos, apesar de que no Rio eu trabalhava das 16h às 22h e no exterior era das 16h às 4h, eu perdia muitas noites de sono. Só que na Espanha o programa envolvia droga. Aqui no Brasil eu nunca trabalhei com droga, a não ser álcool. Lá, o Europeu tem a cultura de ir ao puteiro para fazer uso de cocaína. Tem um tipo de clientela, os “loucos”, são homens que gastam até 5 mil euros por noite com mulheres, cocaína e bebida.
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Eles não ficam com uma mulher só, é muito cansativo, eles vão gastando durante a noite e fazendo loucuras. Sarah: quais eram os seus serviços na prostituição? Rebeca: tudo. Na Espanha era sexo, drogas e rock n roll, na Espanha eu cheguei até mesmo a vender. Sexo de todas as formas que você pode imaginar. Oral, anal, vaginal, ativa com um cara. Quando tinham esses “loucos”, eles pediam diversas coisas. Acabam também ficando passivos. Eu introduzia o braço, o pé, consolo, eles vestiam roupas minhas. É uma loucura, o inferno é ali. Sarah: você sentiu prazer em algum momento? Rebeca: com cliente, não. Mas, como eu gosto de mulher, às vezes eles pagavam para a gente se pegar na frente dele e chamávamos a que a gente queria pegar da boate. Mas quando eu era ativa com um cara, eu sentia prazer. Não chegava ao orgasmo, mas sentia. Não sei se era por ser ativa ou machucar eles um pouco. Ver o cara sentindo dor era bom. Sarah: houve alguma vez na qual você se sentiu violentada? “Aqui no Brasil você Rebeca: na Espanha não. Rola muito de transa muito mais, lá na pedirem sem camisinha, a gente fala não e Europa você ganha ponto. Tanto lá, quanto aqui. Mas aqui no muito mais dinheiro do que transa.” Brasil eu trabalhava em uma casa que era termas e whiskeria. Então, embaixo era um barzinho e na parte de cima era a boate, em que os homens entravam com um roupão. Eles entravam, passava pela recepção e recebiam uma chave de armário. Tiravam a roupa e colocavam chinelo e roupão. Ao subir para o programa, tinham que deixar os pertences deles. Esse dia o movimento estava fraco e esse homem meio bêbado. Quando ele chegou no quarto, queria fazer sem camisinha e eu disse que não. Nunca transei sem camisinha, fui fazer isso com o meu marido. Ele era policial, deixou a arma em cima da mesa e me prendeu. Disse que se eu não transasse com ele sem camisinha me daria um tiro, e eu disse que então, ele teria que atirar. Ele ficou por cima e colocou a mão por baixo, como se fosse arrancar a camisinha.
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Eu consegui, não sei como, movimentar meu pé e empurrar ele. Eu nunca trancava a porta, então saí correndo pelada pela boate e me escondi dentro da lavanderia. Avisei uma das camareiras e conversei com o gerente. Fui embora e eles resolveram. Não sei se ele pagou pelo programa, mas a casa me pagou e ele nunca mais voltou lá. Foi uma única vez e eu fiquei com medo, achei que ele iria me estuprar ou me matar. Sarah: considera que têm boas lembranças dessa época? Rebeca: sim, eu tenho amigas dessa época. Acredito que em tudo que acontece na nossa vida, temos que ver o lado bom e o lado ruim. Eu até tenho boas lembranças e saudades, principalmente da época da Espanha em que eu fiz muitos amigos. Tinha dia que a gente não queria trabalhar e só bebia, a bebida para nós era de graça. Eu fiz amigos de vários países e sinto bastante falta. Da “Me tornei mais experiente com a primeira vez que eu fui, “Quando eu era ativa com um cara, eu fiquei em um puteiro que prostituição. Você acaba conhecendo mais sentia prazer. Não chegava ao logo fechou e passei pra o seu corpo e o corpo de outras pessoas. outro. Da segunda vez, orgasmo, mas sentia. Não sei se era Não tem como separar, porque isso faz consegui entrar no local que por ser ativa ou machucar eles um parte da sua vida.” fiquei por mais tempo e lá pouco. Ver o cara sentindo dor era parecia que era a nossa casa, bom.” era muito bom, nós éramos bem unidas, como se fosse uma grande família. Foram dois anos bacanas. Sarah: você considera que a prostituição te tornou uma pessoa mais experiente? Faz uma diferenciação entre a prostituta e quem você era no dia a dia? Rebeca: me tornei mais experiente com a prostituição. Você acaba conhecendo mais o seu corpo e o corpo de outras pessoas. Não tem como separar, porque isso faz parte da sua vida. Você acaba adquirindo alguns costumes, conhecendo novas práticas. Sarah: por que você saiu da prostituição?
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Rebeca: porque eu estava cansada, é uma vida que desgasta. Não é só um desgaste físico, é um desgaste emocional e espiritual. É um lugar muito pesado e carregado, é um lugar em que a energia não é boa. Eu nunca fui materialista, então acabei percebendo que o dinheiro não era tudo isso. Ganhei muito dinheiro por um tempo, mas saí para trabalhar no comércio, em uma loja. A mudança financeira foi enorme, mas eu não senti, porque não sou ligada ao dinheiro. Uma coisa que sempre me incomodou foi ter que viver no anonimato. Querendo ou não, para algumas pessoas você tem que dar satisfação e enquanto eu vivia nesse submundo, acabei me afastando da minha família para não ter que dar satisfação. Também estava dentro de um relacionamento e a pessoa não aguentava mais, porque a ausência é muito grande. A gente não trabalha só naquele horário, acaba atendendo por fora, como eu viajava, ficava muito tempo ausente. Sarah: como você se descobriu bissexual? Rebeca: foram das duas relações sexuais que eu tive no início da minha vida. Tanto com a mulher, quanto com o homem. Eu senti que os dois eram bons, só que minha experiência com ela foi uma vez só e depois eu namorei esse rapaz e nunca mais me relacionei com mulher até uns 17 anos, quando voltei a me relacionar com mulher. Não teve um momento no qual eu decidi ser. Foi acontecendo, foi natural. Sarah: como foram os seus relacionamentos amorosos? Rebeca: os meus relacionamentos são muito duradouros, então eu não tive muitos. Eu tive flertes, eu tive transas, eu tive casos. Mas relacionamentos mesmo foram sempre bons. Só em um que o rapaz era muito novo e sexualmente era uma negação, mas era uma boa pessoa, então eu tive paciência. Nos outros, a combinação de sexo com sentimento sempre foi boa. Sarah: como avalia-se sexualmente hoje? Rebeca: acho que eu só não sou mais tão disposta quanto antes, não sei se por conta da minha vida corrida e vou até procurar um médico. Não sei se é normal, de verdade. Não sei se eu ando com preguiça,
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com cansaço. Às vezes a gente tem algumas transas esporádicas durante a semana, mas frequentemente mesmo é no fim de semana e eu nunca vi isso, agendar para transar. Talvez seja por conta das vidas corridas e às vezes só nos encontramos a noite, na cama, para dormir. Mas quando acontece, acontece bem. Não tenho problemas com o meu corpo e ele também não. Mas é bom! Se eu pudesse arrumar algumas coisas no meu corpo, eu arrumaria. Mas não tenho problema com o meu corpo. O problema que eu tinha era com o meu cabelo né, mas agora consegui superar. Às vezes eu olho para o meu corpo e penso que eu envelheci, mas sou feliz do jeito que eu sou.
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Prazer Alternativo A sala de estar com poucos móveis dava a ideia de uma instalação recente naquela casa. Danielle limpava e organizava a casa enquanto esperava a sua esposa chegar do trabalho, não muito diferente de famílias heteronormativas. O corpo curvilíneo ajeitava os lençóis amarrotados da cama de casal e prendia os cabelos curtos em um rabo de cavalo, para ter mais agilidade. Ela me deu um banco para sentar e tagarelava de um lado para o outro daquele quarto. Danielle Souto tem 27 anos e é casada com sua parceira há um ano e meio. Tem uma filha de 9 anos que mora com a sua mãe e sente-se em conflito com a sociedade por este motivo, mas acredita que essa é a melhor criação que poderia dar para a menina. A gravidez aos 18 anos prejudicou o desenvolvimento da sua sexualidade e mesmo assim, a cabeleireira persistiu com sua fé em relacionamentos. Considera-se uma pessoa ativa sexualmente e isso trouxe divergências com a sua esposa, porém, apostam no diálogo para solucionar. Atualmente, é bem resolvida com a sua sexualidade e conseguiu o apoio da sua família. Seu maior medo, no entanto, é o ódio alheio quanto às diferenças. Sarah Santos: quem é você? Danielle Souto: isso é difícil responder. Geralmente essas perguntas acontecem quando estamos flertando, né? Mas como estou casada há um ano e meio, eu não sei mais. Mãe, filha, manicure, mulher, saí de casa cedo para ter a minha liberdade e privacidade. Já fui uma pessoa bem mais calma e meiga, só que a escola me mudou um pouco, a partir de quando eu mudei para Campo Grande. Se eu pudesse voltar atrás, continuaria morando na cidade pequena para não passar o que eu passei. Sarah: acha que vivemos m um país em que a mulher seja livre sexualmente?
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Danielle: nem um pouco. Nas manifestações, percebemos que se uma mulher se expõe de biquíni ela é a vagabunda, mas se estiver na praia de biquíni é a gostosa. Pode ser casada, mas vai ser visada do mesmo jeito. Nós só somos boas quando estamos nos expondo para os outros olharem. Quando buscamos direitos, não. Sarah: se vê em uma sociedade homofóbica? Danielle: extremamente. Eu e minha esposa fomos passear ontem no shopping, nós não sabíamos que teria passeata de um candidato que se diz ser contra homossexuais no centro, descemos do carro e “A minha esposa me deixa brava não ficamos de mãos dadas nem porque ela é a primeira a soltar por um minuto. Sarah: você e sua parceira quando estamos juntas em público. costumam se preocupar com a Às vezes não estamos fazendo nada, demonstração de afeto em nem se beijando, mas ela solta.” público? Danielle: a minha esposa me deixa brava porque ela é a primeira a soltar quando estamos juntas em público. Às vezes não estamos fazendo nada, nem se beijando, mas ela solta. Eu entendo porque ela mudou para cá faz quatro anos e viveu a vida toda no Rio Grande do Sul. Era ela e apenas mais uma mulher negra em uma classe de 19 pessoas brancas. Sarah: teve diálogo com os seus pais sobre sexualidade durante a sua criação? Danielle: não. Aliás, eu não me aceitava, como pediria para a minha mãe me aceitar? Quando eu era criança não tinha nenhum pensamento sobre, mas a partir dos 11 anos… A minha irmã sempre foi lésbica, usava shortão, camiseta, boné e eu vivia brigando com ela, a primeira coisa que a xingava era de sapatão. Então, eu não me aceitava e não aceitava que ela fosse. Só me assumi depois que tive a minha filha. A minha mãe chorou pois achou que tinha perdido mais uma filha, o meu pai ficou uns dois meses sem falar comigo e meu irmão ficou um ano.
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Sarah: como é a relação com a sua família hoje? Danielle: depois desses dois meses sem se falar, o meu pai disse que se eu trouxesse um sapo dentro da casa dele e falasse que estava “A minha irmã sempre foi lésbica, feliz, para ele tudo bem. Então, ele respeita muito. Não fala nada. usava shortão, camiseta, boné e eu A minha mãe também. Com o vivia brigando com ela, a primeira meu irmão, a gente conversa, mas coisa que a xingava era de sapatão. depois que ele ficou um ano sem Então, eu não me aceitava e não falar comigo, disse coisas absurdas, que preferia que eu aceitava que ela fosse.” morresse a ser lésbica, nunca mais foi a mesma coisa. Eu não consigo considera-lo da mesma forma, não tem vínculo de irmão, morreu ali. Sarah: como é com a sua filha? Ela sabe? Danielle: sabe desde que desenvolveu a fala e o pensamento, com uns dois anos e meio. Uma vez ela foi para a igreja com os avós paternos dela e voltou falando que o que eu fazia era errado. Falaram para ela que eu estava fazendo errado e que não seria uma boa influência para a minha própria filha. Eu chamei e tentei explicar da melhor forma, que Deus é amor, que ele deu o livre arbítrio e cada um pode fazer o que bem entender com a sua vida e quem pode julgar é somente ele. Se veio dentro da igreja, também tinham que ter explicado isso. Depois disso, ela nunca mais tocou no assunto. Com sete anos ela perguntou o que eu acharia se ela namorasse menino ou menina e eu disse que não achava nada porque ela não tinha idade para namorar e quando tivesse, voltaríamos a conversar a respeito. Hoje, ela ama a minha esposa, diz que ganhou uma segunda mãe, que tem duas mães, é bem tranquilo. “Minha primeira experiência válida eu Sarah: qual foi a sua primeira experiência com tinha 13 anos e fiquei com uma amiga, uma mulher? só que ela não se tornou lésbica, tanto
que é conservadora, namora militar. Para ela, isso nunca aconteceu. Para mim, foi uma descoberta.”
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Danielle: minha mãe me conta que quando eu era pequena, estava brincando de casinha com uma amiguinha e ela achava estranho. Mas eu falo para ela que eu não me lembro. Então, para mim, na minha primeira experiência válida eu tinha 13 anos e fiquei com uma amiga, só que ela não se tornou lésbica, tanto que é conservadora, namora militar. Para ela, isso nunca aconteceu. Para mim, foi uma descoberta. Mas até os 18 anos eu ficava escondida para os meus pais não saberem. Sarah: desde então, ficava com rapazes também? Como era para você? Danielle: era mais por causa da minha mãe, das minhas amigas, porque era todo mundo hétero. Sabe aquela coisa de 2008, quando nos reuníamos para beber na rua? Era mais ou menos isso, “Eu sou uma pessoa muito ativa para continuar a minha vida sexualmente e minha esposa é mais calma, gosta mais de namorar, de ficar social, porque eu não tinha junto, de companhia. Para ela, duas outros amigos. Quando fiz 18 vezes na semana está ótimo, mas se anos, parei de andar com todo dependesse de mim, eu faria todo dia.” mundo que eu andava e comecei a sair com a minha irmã lésbica. Fazia social com pessoas mais parecidas comigo. Sarah: considera que sentia prazer ficando com meninos? Danielle: nunca senti. Já gostei de verdade de um homem, mas foi a pior coisa da minha vida. Relacionamentos fracassados mesmo. Sarah: tem diálogo com a sua esposa sobre como sentem-se melhor no sexo? Danielle: tem que ser conversado, até porque eu sou uma pessoa muito ativa sexualmente e minha esposa é mais calma, gosta mais de namorar, de ficar junto, de companhia. Para ela, duas vezes na semana está ótimo, mas se dependesse de mim, eu faria todo dia. Então, conversamos muito sobre como é a vontade, como nos sentimos melhor, a gente se respeita bastante. Sarah: teve outras parceiras antes da sua esposa?
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Danielle: Tive um relacionamento de três anos e outro relacionamento de dois, todos com mulheres. Foi tranquilo em relação à sexualidade. Sarah: sua criação influencia na sua vida sexual hoje? Danielle: a única coisa que minha mãe conversou sobre foi a respeito de menstruação, explicar o que é e como eu deveria proceder. Mas em relação a relacionamentos, não. Então, quando eu entrei na pré adolescência, o meu pai era caminhoneiro, a minha mãe entrou dentro do caminhão com ele e deixou a gente para o meu irmão criar. Ela não acompanhou muito, quem acompanhou foi a minha irmã mais velha. A convivência que eu tive com ela influenciou em relação a conhecimentos sobre gravidez, doenças sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos. Sarah: considera que sente prazer sozinha? Danielle: sim. Não pratico muito, mas sinto. Sarah: costuma fazer visitas ao médico para cuidar da sua saúde sexual regularmente? Danielle: sim, eu tenho ovários policísticos e dois nódulos no seio, então eu tenho que fazer visitas regulares, de seis em seis meses. Sarah: como adquiriu seus conhecimentos sobre saúde sexual? Danielle: no terceiro ano tivemos uma palestra na escola e eu pedi para a minha mãe comprar um livro sobre sexualidade e ela comprou. Foi na leitura mesmo. Já que ela não conversava sobre, que pelo menos me desse informações por outro lugar. Sarah: toma algum cuidado em contracepção para o ato sexual? Danielle: graças a Deus, eu não preciso. Sarah: e em relação à aparência? Danielle: olha, eu tenho alergia. Me depilei tem uns 15 dias e tenho que esperar crescer muito para depilar de novo, se não eu fico com dermatite atópica, começa a inflamar e minha esposa entende. Não vai me rejeitar ou falar para eu não pôr um short porque estou com a perna peluda. A minha preocupação é uma vez por mês com depilação, só quando está me incomodando. Sarah: a maternidade influenciou na sua sexualidade?
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Danielle: não vou mentir, não. Influenciou. Foi uma gravidez indesejada porque eu engravidei assim: estava em uma festa com amigos e amigas, estava brigada com a menina que eu estava ficando e um amigo estava brigado com a ficante dele. Começamos a nos beijar, todo mundo tinha bebido, fomos para o quarto. Ele só colocou o pênis dentro de mim, eu perguntei se ele estava sem camisinha e ele disse que sim. Então pedi para ele tirar e voltamos para a festa. Pronto, engravidei. Uma semana depois era para descer e minha menstruação sempre foi muito regulada, sem eu precisar tomar nada, já fiquei desconfiada e fiz o exame de sangue. Confirmou. Chorei meses por isso, demorou muito para eu parar de chorar, eu não queria mesmo. Acho que eu aprendi a lidar um pouco melhor uns dois meses depois dela ter nascido, mas como a briga com a minha mãe era constante, quando ela fez um ano e meio eu saí de casa. Isso influenciou na vida dela também, né. Ela sente falta, eu não sei por qual motivo, mas fazem dois anos que ela faz cocô e xixi na roupa. Na escola, no shopping, onde ela estiver. Ela sente vontade e faz. Não consegue mais ir ao banheiro e até os sete anos, ia ao banheiro normal. No físico não tem nada, ela já fez todo tipo de exame, é psicológico. Não sei se aconteceu alguma coisa com ela e ela não conta ou se a culpa é minha. Nem a psicóloga conseguiu descobrir. Minha mãe diz que ela é nova para tomar calmante, então não dá. Mas minha filha tem surtos de raiva, de jogar as coisas, bater no rosto da minha mãe. Se não fosse crime, eu poderia ter feito aborto e ela não teria sido criada dessa forma. Não que eu não queria ter um filho, queria, mas que fosse criado de maneira melhor. Acredito que isso influenciou sim na minha sexualidade. Sarah: se sentiu julgada em algum momento por ser lésbica e ter uma filha? Danielle: por todo mundo que sabe que eu tenho ela. Só o fato dela não morar comigo já afeta, mas se ela morasse me julgariam da mesma forma. Porque ela moraria com um casal lésbico. Então, teriam críticas de qualquer jeito. Eu não tive ela no modelo de família tradicional, eu não era casada.
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Sarah: como avalia as políticas públicas brasileiras em relação à população LGBTT? Danielle: em relação a saúde sexual… Acho que tem, quem tem HIV consegue tomar o coquetel de graça, o que não acontece lá fora. Não dá para sermos hipócritas e reclamar de tudo aqui dentro. Mas poderia ser muito melhor, né. Sarah: acredita que existe uma fetichização de homens com mulheres lésbicas? Danielle: tem um amigo da minha irmã, policial civil, que quando eu estava solteira em 2016 queria ficar comigo e com outra menina juntas. Homofóbico e tudo mais. Sarah: hoje, se considera resolvida com a sua sexualidade? Danielle: sim, eu não minto que a minha gravidez influenciou negativamente. Mas eu nunca senti prazer com homem, então não teria porquê continuar me enganando.
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Sexo sobre rodas “Piés para qué los quiero si tengo alas pa' volar”(pés, para que os quero, se tenho asas para voar), dizia Frida Kahlo com sua personalidade registrada na história e lembrada como símbolo do movimento feminista. Mesmo que não seja o fator mais simbólico, foi sua condição física que a impedia de andar e levou a pintar quadros reconhecidos internacionalmente. A conversa com Flora Alves foi leve como os pés da artista. Ela possui uma síndrome chamada Artogripose, ocasionada por complicações no nascimento. O obstetra forçou um parto normal que fraturou seu corpo da cintura para baixo. As pernas finas identificam a deficiência e dão suporte para o corpo. Sentadas em sua cama, em companhia da cadeira de rodas e seus animais de estimação, ela abriu o seu lado mais íntimo do cotidiano: a deficiência e o sexo. Branca, de cabelos lisos, loiros e seios fartos, Flora considerase privilegiada por ter esse corpo e é bem resolvida consigo mesma após 28 anos de luta com a própria aparência. Também, teve experiências com assédio e abuso sexual, por não conseguir andar, foi mais difícil buscar ajuda do que seria para mulheres sem deficiência. Com pais acessíveis e diálogo aberto, a vaidosa moça teve acesso aos esclarecimentos sobre sexualidade desde muito nova. Explica que mesmo na Internet, não existem materiais sobre a sexualidade da mulher com deficiência e na maioria das vezes, acaba ensinando outras mulheres sobre como aproveitar o melhor do seu potencial sexual. Sarah Santos: quem é você? Flora Alves: sou Flora Alves, tenho 28 anos, sou independente, sou dona de mim, sou muito bem resolvida com a minha sexualidade, sou cadeirante e me considero empoderada. Sarah: você se vê em uma sociedade machista?
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Flora: totalmente. Nós vivemos em uma sociedade extremamente machista, onde se eu uso um decote é porque estou me oferecendo para macho, se eu uso um short mais curto é porque também estou me oferecendo, então, em tudo eu estou na pretensão de ter um homem. Sarah: acredita que a mulher chegou em um parâmetro de liberdade sexual? Flora: falta muito. Conseguimos falar mais abertamente sobre isso, é um tabu ainda, mas muito já foi superado. Estamos longe de alcançar a liberdade. Sarah: durante a infância, teve diálogo sobre sexualidade com os seus pais? Flora: sim. tenho até hoje, se eu sou o que eu sou em relação à sexualidade é por causa dos meus pais. Lembro que eu tinha 10 anos e meu pai explicou que era normal sentir um fogo no corpo e as meninas iriam querer transar, era a lei da vida, mas tinha que usar camisinha, “Eu leio muito, busco tomar anticoncepcional, com a relatos de mulheres com justificativa de que não queria ser avô deficiência. Às vezes vou cedo. A minha mãe também, sempre buscar ajuda e acabo ajudando as pessoas, pois muito aberta, muito disposta a falar tenho uma vida sexual sobre sexualidade. O diálogo é aberto. ativa e sempre aceitei o Sarah: como cuida da sua saúde meu corpo e a minha sexual? deficiência.” Flora: sou alérgica anticoncepcional, mas sou a louca do ginecologista. Então, sempre estou no médico. Faço exames regularmente, tenho um cuidado com a minha saúde sexual. Sarah: onde busca os seus conhecimentos sobre sexualidade? Flora: eu leio muito, busco relatos de mulheres com deficiência. Às vezes vou buscar ajuda e acabo ajudando as pessoas, pois tenho uma vida sexual ativa e sempre aceitei o meu corpo e a minha deficiência. Quando tinha dúvidas sobre alguma coisa, buscava informações na internet. Mas eu não achava nada a respeito do que eu procurava
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porque é um assunto muito vago. Se você parar para pesquisar sobre a vida sexual da mulher com deficiência, você não acha muitas coisas na Internet, então acabava ajudando mais do que sendo ajudada. Sarah: como se descobriu sexualmente? Flora: foi com 18 anos, com meu primeiro namorado e foi horrível, porque ele era gay. Eu descobri depois, mas foi péssimo. Com a segunda pessoa foi melhor, fui me descobrindo sexualmente, sabendo os limites do meu corpo. Sarah: sente-se satisfeita com o seu corpo? Flora: sim, eu amo o meu corpo. Acho que deveria ter um pouquinho mais de bunda, não por uma questão de estética, mas porque eu fico muito tempo sentada e dói a bunda. Mas eu super aceito, acho que o meu corpo está ótimo. Sarah: seus parceiros tinham cuidado em relação à prevenção contraceptiva? Flora: sim. Como eu não tomo anticoncepcional e mesmo quando eu tinha um namorado e tomava anticoncepcional em adesivo que era o único que não me dava reação, sempre usava camisinha, porque eu não tenho medo de engravidar tenho medo de pegar doença. Toda relação que eu tinha era com preservativo. Me sentia mais segura assim. Sarah: em algum momento da sua vida sentiu-se reprimida em relação à sua sexualidade? Flora: acho que na adolescência foi mais difícil porque eu via as minhas amiguinhas namorando, todo mundo tendo um chamego e eu não tinha isso, mas na época, achava que era por minha deficiência e depois, em uma briga interna, percebi que eu afastava as pessoas que tinham interesse por mim. Eu tinha um preconceito e achava que não iam gostar de mim por causa da deficiência, mas não vinham para cima de mim porque eu era muito brava. Sarah: como avalia o desenvolvimento da sexualidade da mulher com deficiência? Flora: quando se fala de pessoa com deficiência, independente do gênero, acreditam que não temos vida sexual ativa. Que somos seres
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humanos puros, inocentes e assexuados. Não veem uma sexualização, então, é um tabu ainda. Quando a pessoa descobre que podemos ter uma vida ativa sexualmente e socialmente há um choque, pois esperam uma vida triste, em casa, vegetando. Não há consciência de que a pessoa com deficiência tenha uma vida comum. Sarah: considera que o seu processo para sentir prazer sexual seja diferente de mulheres sem deficiência? Flora: não. Eu nunca tive problemas sexuais, costumo dizer que eu só não dou em pé, porque eu não ando, de resto, eu faço. Então, nunca houve uma questão com isso. Inclusive, meus ex parceiros tinham um cuidado porque eles se interessam, mas é um tabu, não sabem o que podem e o que não podem fazer. No meu caso, eu sou cadeirante e por eu andar de cadeira de rodas acham que eu não tenho sensibilidade, mas tenho, são vários tipos de deficiências e as pessoas generalizam isso. Sarah: em relação ao flerte, existem preconceitos neste processo e como você lida com isso? Flora: batemos na tecla de nos verem como assexuados. Se um cara fica com uma mulher com deficiência em uma festa, ele é ‘o cara que não perdoa nem a aleijada’. Por exemplo, quando eu vou para a balada e vejo alguém interessado, porém não chega em mim por preconceito ou medo de ouvir piadinha, eu vou até a pessoa, peço para dançar ou chego perto, converso, dou oi, não dou em cima, mas tento quebrar o gelo e ver se o interesse é recíproco. Porque não dá para saber se a pessoa está flertando ou deslumbrada com a deficiência. Ainda mais dançando, rebolando, bebendo. É um preconceito, no geral. Sarah: considera que sente prazer sozinha? Flora: opa! Meu dedo já me deu muito mais prazer que machos por aí. Sarah: quais foram os seus desafios na descoberta da sua sexualidade? Flora: antes, eu fingia orgasmos, que estava bom só para satisfazer os meus parceiro e para mim, isso foi um processo pois eu entendi
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que não, o sexo é uma troca de prazer para os dois. Então, hoje em dia, se não está bacana eu mostro para o parceiro o que tem que fazer, tendo deficiência ou não, toda mulher deveria fazer isso. Principalmente no sexo oral, onde geralmente as pessoas não sabem fazer e “Meu dedo já me deu outras não falam como elas podem fazer. muito mais prazer que A minha questão foi essa, do prazer. machos por aí.” Quando comecei a me tocar e descobrir os meus pontos, para mim, foi essencial. Sarah: considera que os rapazes tenham preconceito? Flora: o preconceito é só antes de conhecer, na balada, por exemplo. O cara me acha bonita, mas não chega em mim porque se ficar comigo vão me zoar e eu não quero ser essa pessoa. Mas hoje em dia, principalmente nos lugares onde frequento não tem isso. Em baladas normativas acontecem, mas depois de ficar com a pessoa, não há problemas em sair em público, pegar na mão. Nunca tiveram vergonha de me assumir depois da primeira ficada. Sarah: por ser bem resolvida com o seu corpo e sua deficiência, outras pessoas já tiveram conflitos com a sua vida? Flora: quando você é bem resolvida sexualmente, te acham a puta do rolê. A safada, a cachorra. Independente de deficiência. Mas, como eu tenho deficiência, não me veem como vulgar, mas como um exemplo de superação que aceita o seu corpo. Sarah: há acessibilidade em atendimento ginecológico para mulheres com deficiência? Flora: é foda, porque eu nunca tive problema no ginecologista. Eu me viro, subo e desço, mas no movimento social vi que a minha deficiência é muito pequena perto de outras e tem mulheres com deficiência que nunca foram ao ginecologista pela falta de acessibilidade. Então, eu ir regularmente ao médico não significa que outras mulheres vão. Tem algumas que só foram aos 40 anos. Quando se fala de acessibilidade, não quer dizer uma maca alta ou uma rampa, mas é a falta de costume dos profissionais. Tem mulheres com deficiência visual e auditiva que nunca visitaram um
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ginecologista por não conseguirem conversar com um médico. Mulheres com nanismo não vão ao ginecologista. Os profissionais também não sabem como ajudar, acham que vão levar um processo por qualquer coisa, mas a ajuda oferecida pode ser levada mais em consideração do que essas possíveis falhas. Sarah: já teve experiência com assédio? Flora: fui abusada com 9 anos pelo meu tio e já tentaram me estuprar umas duas vezes na rua. Não aconteceu porque eu creio muito que Deus me proteja, mas eu já sofri assédio e é muito mais difícil, porque eu não ando. Eu sei me defender, tenho “O devotee sabe disso e se apropria para curso de autodefesa, mas na atrair as mulheres. Ele não gosta da hora do desespero você não mulher, mas da deficiência dela. Do braço percebe, só quer correr e curto, da perna torta, do traço que a pedir ajuda. Mas isso não diferencia. Nem gosta de você, é da sua afetou minha sexualidade, é deficiência. Não gosto, não defendo e tenho um trauma, mas eu superei. pena de mulheres que se entregam para Sarah: já encontrou esse tipo de pessoa.” homens com fetiche pela sua deficiência? Flora: sim, isso se chama devoteísmo. Ninguém sabe que isso existe. No Orkut, eu conversava com um rapaz de Cuba. Nunca falei para ele onde eu morava e um dia o cara apareceu em Campo Grande e ficou me esperando na praça Ary Coelho. Até hoje não sei como ele conseguiu os meus dados porque no Orkut tinha o meu apelido. Eu morro de medo, porque quando se fala de mulher com deficiência tem um trauma por trás, não se sabe o que essa mulher viveu. Eu sou muito bem resolvida comigo, sei que mesmo com uma deficiência, eu sou o padrão que a sociedade exige. Sou loira, de cabelo liso, magra, com um corpo padrão e se eu for em uma balada, vão se interessar por mim. Mas, geralmente, as cadeirantes são mais cheinhas, não tão vaidosas, não é geral, mas existe. Então, existe uma carência afetiva, rola uma insegurança em esperar que os seus parceiros te troque por pessoas sem deficiência. O devotee sabe disso
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e se apropria para atrair as mulheres. Ele não gosta da mulher, mas da deficiência dela. Do braço curto, da perna torta, do traço que a diferencia. Nem gosta de você, é da sua deficiência. Não gosto, não defendo e tenho pena de mulheres que se entregam para esse tipo de pessoa. Sarah: como é a acessibilidade em motéis e sexshoppings? Flora: eu já fui muito em motel, porque é difícil trazer pessoas para a minha casa, em respeito aos meus pais. Mas não tem motel adaptado, eu nunca fui em um. Parece que em Campo Grande só tem um motel acessível. Geralmente, quando eu vou, o meu parceiro me pega no colo porque não compensa desmontar a cadeira só para ficar no quarto. Mas mesmo assim, o meu ginecologista disse que após as relações sexuais se deve fazer xixi logo após o término, para evitar infecções e eu não tenho como ir em banheiro de motel, pois o banheiro é apertado e eu fico constrangida de pedir para os parceiros me levarem. Espero chegar em casa, tomo banho e faço o meu xixi, mas sei que é errado. Em sexshoppings, a primeira vez em que eu fui, a moça ficou muito assustada. Fui atrás de acessórios e recebi parabéns por estar comprando, como se eu fosse um exemplo de vida e eu não gostei, pois só ia transar mesmo.
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A sexualidade da mãe Abriu a porta com um pedido de desculpas. “Perdão pela bagunça, não tenho tido muito tempo de arrumar a casa”. As paredes recheadas de quadros, o sofá com roupas dobradas e os brinquedos no chão deixavam marcas de uma casa que chamava para perto. Com jeito de lar. Aninha vestia um vestido florido que combinava com o seu sorriso e receptividade. Ofereceu cerveja. Casada há pouco tempo e mãe de um bebê de 5 meses, experimenta o cotidiano de dividir as contas, a cama e os conflitos com uma pessoa. Ao mesmo tempo, vive a maternidade em suas frustrações e descobertas e tenta descobrir a própria identidade. A mulher de riso fácil e baixa estatura vivenciou a depressão e os conflitos com o próprio corpo ao lidar com a gestação, mas viu uma nova pessoa ao encontrar o seu filho. Sarah Santos: quem é você, Aninha? Aninha Ramos: todo mundo começa se apresentando, né. Eu sou a Aninha e falo que isso não é nem um apelido, virou nome com o passar do tempo. Não é nem pelo tamanho, é algo que veio da infância e sempre me apresentei assim. Por mais que eu fale Ana em um primeiro momento, logo me chamam de Aninha, é automático. Sou jornalista, mãe e esposa. Sarah: como avalia a liberdade sexual nos dias atuais? Aninha: eu acho que ainda temos a melhorar, mas não avalio que esteja tão ruim. Acho que a mulher começou a ser livre. Ainda há muito a se desenvolver, eu tenho uma irmã 10 anos mais velha que eu, por exemplo, e vivemos um choque de gerações. Eu vivi um momento de liberdade que ela não viveu e minha mãe também não. Percebo que com o passar do tempo e a mentalidade das pessoas, ficamos cada vez mais livres. Estamos longe, mas já é um caminho. Sarah: acha que vive em uma sociedade machista? Aninha: nossa, totalmente. Noto isso, principalmente depois que eu virei mãe, porque eu tenho um marido que é muito parceiro em tudo,
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em consultas, cursos de gestantes, teve apenas uma vez em que teve um outro homem no curso, eram apenas mães. Os cursos eram sempre voltamos para as mães, como se o filho nascesse só para a mãe criar e o pai continuasse sua vida normal. Como voltei a trabalhar recentemente e em um emprego novo, meu filho passou mal esses dias na escola e me ligaram para ir buscar. Eu disse que meu marido iria porque eu não podia sair e falaram comigo a tarde inteira para saber como ele estava, sendo que sabiam que era ele quem iria buscar. Eles tinham o telefone do pai, enquanto isso, no trabalho dele questionaram o porquê eu não iria buscar o “A gente não tem o hábito de se nosso filho. Depois que virei tocar, ensinam para a gente que isso mãe, senti isso na pele, mas é pecado e depois você tem vejo o quanto as pessoas nos dificuldade até na amamentação, por olham diferente porque não conhecer o seu corpo.” tentamos desconstruir isso. Porque eu sou mãe de um menino, então sei que temos uma responsabilidade maior de criar um menino que não seja machista. O pai dele tem um papel muito importante nisso, mas a gente vê que o mundo ainda é machista. Sarah: acredita que chegamos em um ponto de diversidade sexual? Aninha: ainda estamos dando passos e eu tenho muito medo que a gente dê passos para trás, principalmente pelo contexto político em que estamos. Sarah: durante a sua infância e adolescência, teve diálogo sobre sexualidade com os seus pais? Aninha: não tive. Eu acho que pouquíssima gente tem, né. Apesar de não ter tido um papo, também tive uma liberdade em relação a dormir na casa de namorado e namorado dormir em casa, por exemplo. Não era aquela coisa de ‘vamos conversar’, mas eu sempre tomei remédio e ela sempre marcou médicos para mim e a partir do momento em que comecei a me relacionar sexualmente, eu mesma passei a marcar médico e comprar remédio. Minha mãe não conversou comigo, mas eu tinha suporte.
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Sarah: então, onde foram os seus aprendizados sobre sexualidade? Aninha: agora você me pegou… Acho que estou aprendendo até hoje. Até hoje a mulher é muito reprimida. E uma outra coisa que esbarra é a maternidade, de novo. Quando eu achava alguma coisa na Internet, parava e lia, mas descobri muita coisa sobre minha sexualidade e meu corpo depois que fui mãe, fui saber o quanto a gente não sabe e não se conhece. A gente não tem o hábito de se tocar, ensinam para a gente que isso é pecado e depois você tem dificuldade até na amamentação, por não conhecer o seu corpo. Eu tirava as dúvidas com médico e tinha acesso a Internet. Mas é algo que até hoje eu tenho dúvida. Eu tento não tomar pílula porque queria me livrar desses hormônios. Sarah: como é a sua relação com o seu corpo? Aninha: nossa, eu estou em uma fase péssima. Eu estou 15 kilos acima do meu peso, estou com o peso que eu estava no final da gestação, eu passei dos 70 kilos e não tinha chegado nem aos 60, nem no auge do auge tinha chegado aos 60 e está muito ruim. No começo falavam que era porque eu tinha acabado de ter filho, mas as roupas não servem mais e o corpo não é mais o mesmo, por mais que talvez, se eu estivesse magra, ainda estaria meio disforme, porque ainda é uma barriga de pós parto. “A gente não se sente desejável, por mais Eu estou cheia de estrias, que o parceiro fale que você está bem, está cheia de celulites, não gostosa, que gosta de você assim, para parar estou bem com o meu corpo. de pensar nisso, você não quer pensar em Sarah: isso influencia na tirar a roupa. Eu pedi para o meu marido sua sexualidade? tirar o espelho do meu quarto, ele não tirou, Aninha: nossa, muda mas eu pedi.” completamente. Porque a gente não se sente desejável, por mais que o parceiro fale que você está bem, está gostosa, que gosta de você assim, para parar de pensar nisso, você não quer pensar em tirar a
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roupa. Eu pedi para o meu marido tirar o espelho do meu quarto, ele não tirou, mas eu pedi. Tem um espelho grande e eu pedi para ele tirar porque eu não queria. Sarah: como foi a sua primeira experiência sexual? Aninha: nossa, hoje eu dou risada porque foi em um contexto muito engraçado. Mas assim, foi completamente engraçado. Não me arrependo, mas eu tinha 15 anos, era muito nova, aconteceram as coisas comigo muito nova. Meu primeiro beijo foi com 10. O meu primeiro namorado tinha 19, chama Luciano, não sei dele hoje. Foi no carro, ele dirigia uma Ranger, era na frente do Yotedy e tinha uma festa, estava tocando Macarena. Hoje, toda vez que eu escuto Macarena eu lembro. Mas acho que era porque todas as minhas amigas estavam fazendo, estava todo mundo entrando nesse mundo e você é levada. Você entra em um namoro diferente do namorinho de infância. Começa a sentir desejos, entra em um mundo em que todos estão fazendo e vai. Não digo que foi especial, nem sei se o de alguém é realmente especial. E não foi nada bom. Sarah: você faz visitas regularmente ao ginecologista? Aninha: faço. Sempre fiz. Principalmente porque “Todas as minhas amigas estavam fazendo, sempre tive problema de estava todo mundo entrando nesse mundo e infecção urinária, então, você é levada. Você entra em um namoro pelo menos duas vezes diferente do namorinho de infância. Começa por ano vejo se está tudo a sentir desejos, entra em um mundo em que bem. Faço o papanicolau, todos estão fazendo e vai. Não digo que foi especial, nem sei se o de alguém é realmente ultrassom, tudo. Eu me especial. E não foi nada bom.” cuido bastante e se vejo se tem alguma coisa errada, uma coceira, um desconforto, já mando mensagem para a minha médica, já dou um jeito dela me atender. Ou, se eu percebo o que é, já me automedico. Sarah: o seu parceiro te acompanha nisso? Aninha: sim, muito. Eu lembro que no começo da relação eu passei cândida para ele. Ele morava em Dourados e eu tive que perguntar
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para ele por telefone se estava tudo bem, porque eu não queria falar que passei algo para ele. No final eu falei e ele tinha sentido mesmo. Indiquei um remédio para ele tomar e se não passasse, teria que ir no médico. Então, ele é muito parceiro nisso. Não pelo lado dele, porque ele só vai no médico se for de ambulância, mas ele me dá muito apoio. Eu tive problemas na gravidez, depressão e ele foi comigo no psiquiatra, cuidava da questão dos remédios, era muito parceiro nisso. Sarah: você realiza algum procedimento estético para o ato sexual? Aninha: não. Sabe que antes eu ligava um pouco para lingerie, mas com o tempo, com o meu atual, ele nunca se importou muito e eu também não, até seria bacana. Eu depilo para mim, porque eu gosto de me sentir bem, mas eu não faço isso pensando no sexo. Sarah: como descobriu que estava grávida? Aninha: primeiro, você descobre que está grávida e a maternidade é construída, não é um conto de fadas, pelo contrário. A gente queria ter filho, mas eu achei que fosse demorar mais. A gente não achou que viria esse ano, as pessoas demoram anos, meses para conseguir engravidar. Não foi planejado, mas paramos com os remédios e eu engravidei em 40 dias. Foi uma coisa chocante! Eu não tive nenhum enjoo, nada que indicasse que eu estava grávida. Senti uma cólica, não desceu, o peito estava dolorido. Em um sábado que eu até tinha discutido com o meu namorado na época veio uma luz pedindo que eu fizesse um teste. Passamos na farmácia e compramos, mas eu tive certeza que ia dar negativo. Fizemos o teste, fui no banheiro, achei que ia demorar e fiquei no celular. Quando eu olhei, já deu positivo. Gritei para o meu namorado e descobrimos o positivo. No dia seguinte, fizemos o teste de sangue que confirmou. No começo você fica super feliz com a novidade, só que depois complica. Eu achei que as coisas só iam mudar depois que o bebê nascesse, mas muda imediatamente. A sua relação, a relação com o seu parceiro e sua família, a questão da responsabilidade pesa muito. E você só tem um positivo, não tem mais nada. Não tem barriga, não sente nada. Depois você sente. Eu sentia muito mal estar, vomitava muito, até
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fiquei internada, mas é algo muito abstrato. Todos sempre falavam como se fosse a coisa mais linda do mundo, mas, não, é longe disso. Depois as coisas da gravidez vão acontecendo e você cria uma relação. Mas quando nasceu parecia que não era meu, eu cuidava bem, mas não parecia. Teve a questão do puerpério, eu tive depressão pós parto e tive que tomar remédio. Já tomava remédio na gestação e continuei, tive que triplicar minha dose porque você acha que a maternidade vai ser linda e nem sempre é. Hoje eu vejo o quanto ela me completa como pessoa, até me transformou em uma profissional melhor, uma pessoa melhor e eu acho que ainda estamos descobrindo. É o meu primeiro filho, cada semana é uma descoberta, o primeiro ano de uma criança é muito puxado para a família inteira. Desde aquele positivo, a minha vida mudou para sempre e eu ainda estou tentando me reencontrar em tudo isso. Sarah: como fica a sexualidade de uma mulher durante a gestação? Aninha: meu marido não podia encostar em mim e muitas mulheres relatam isso. Eu criei uma repulsa, não deixava ele nem usar perfume, lá em casa ninguém usava. Fui criando repulsa de sexo, eu não queria saber, só queria dormir. Aí entrou a depressão, pois eu não queria fazer absolutamente nada. Uma vez o meu marido ficou deitado comigo no chão porque eu não queria nem levantar. Mudou muito, você passa por momentos nos quais você não quer de jeito nenhum e “Na gravidez, meu marido depois vem uma fase gostosa de não podia encostar em mim descobertas. O seu peito e a sua barriga [...] Fui criando repulsa de estão crescendo e no final, não tem sexo, eu não queria saber, posição nenhuma para nada. Você não consegue dormir, não consegue transar, só queria dormir.” não consegue fazer nada. Até tomar banho para mim é muito difícil. Não conseguia calçar sandália ou enxugar o pé. Tive a repulsa, querer e viver algo diferente e de no final, nem conseguir. Sarah: durante esse período, você teve uma rede de apoio?
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Aninha: eu tive uma rede de apoio que foram os grupos de whatsapp. A gente não planejou, mas a minha melhor amiga engravidou oito semanas depois, são dois meses de diferença entre as crianças. Mas eu não tinha ninguém, tinha uma amiga que já tinha filho, mas não era próximo. Isso influenciou muito porque eu não tinha mais turma, eu me cansava muito, já estava dormindo às oito horas da noite, eu precisava de uma nova rede de pessoas e a rede de apoio entrou quando eu comecei a fazer cursos de maternidade. Tinha cursos, um grupo de Whatsapp de gestantes e ali tinham amigas de barriga com as quais eu conversava coisas que não conversávamos com outras pessoas. E não sabemos nada uma da vida da outra, só compartilhamos a gravidez e agora, sobre os bebês. Eu tive o apoio das doulas, por mais que às vezes eu falava que não queria mais nem tentar parto normal e dispensava, mas ela sabia que era assim mesmo. Tive esse apoio e sou muito grata por isso. Era um grupo de grávidas, agora é um grupo de mães. A maioria dessas pessoas não tem alguém que esteja passando pela mesma coisa para compartilhar. Sarah: como foi o seu parto? Aninha: foi uma cesariana de emergência. A gente ficou 12 horas em trabalho de parto, mas eu não vi passar. Mas os batimentos do meu filho caíram muito e teve que fazer uma cesária de emergência. Estava tudo bem para continuar, as contrações deram uma parada e quando foram ver o coração do bebê, estava muito baixinho. Sarah: quem é Aninha após a gravidez? Aninha: ainda estou tentando descobrir quem eu sou. Depois do parto, eu diria que se tivesse outro filho tentaria parto normal até o final. Não tive dor nos pontos, a minha recuperação foi boa, mas tive efeito da anestesia, a minha cabeça parecia que iria explodir de tanta dor. Ainda estou nesse caminho. Você não se reconhece mais fisicamente, está com todos os hormônios alterados, sujeita a tudo, e depois tem que se encaixar em uma rotina com um bebê. Hoje eu tenho que ter horário para tudo e uma coisa que me tira do sério é a privação do sono. Estou com um problema muito sério em relação a
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sono, o meu bebê acorda de madrugada, não dorme mais e só chora. Eu não pretendia voltar a trabalhar, queria ficar em casa no primeiro ano do bebê, mas já não aguentava mais. Surgiu um convite para trabalho que me surpreendeu bastante e eu voltei. Voltar para o mercado de trabalho também é um desafio, eu não sou a Aninha de antes. Acho que sou uma pessoa melhor, mas ainda não sei quem é essa Ana. Eu faço terapia, faz umas duas semanas que eu não vou porque comecei a trabalhar. Não sei ser só mãe, nem só mulher, nem só jornalista, tenho que equilibrar tudo isso. Sarah: você amamenta? Aninha: não, e isso é outra coisa que aperta, a questão da culpa. A minha primeira culpa foi o parto que hoje eu fiz as pazes, porque eu martelava que não tinha conseguido parto normal, mas não é que eu não consegui, eu não pude ter parto normal porque se não colocaria em risco a minha vida e a vida do meu filho. Teve a amamentação que era muito difícil, não imaginava que seria assim. Nos primeiros 15 dias foi tudo muito bem, aí descobrimos que o filho tinha refluxo e com o passar do tempo ele mamava cada vez menos porque doía e ele chorava muito. A minha produção de leite caiu, ele perdeu peso e tivemos que entrar com complemento. Eu ficava pilhada porque tinha que produzir leite e aí é que eu não produzia. No final, ele entrou na mamadeira, ficou o peito e a mamadeira e com um mês ele desmamou de vez. Sarah: como consolidou as suas expectativas em relação a maternidade? Aninha: eu senti que cuspi para cima em tudo. Tudo o que a gente cria de expectativas não é como na vida real. A gente idealiza uma maternidade e um bebê que não existem. Minha mãe não insistiu no peito e meu filho também não mamou no peito, as pessoas falam de não levar o bebê para a cama dos pais e eu levo, porque se não eu não durmo. É só de madrugada, mas eu levo. Chupeta eu disse que não daria, mas coloquei. Achei que não criaria ele com televisão e tablet, mas isso é um aliado, ,senão, você não faz nada. São várias coisas nas quais a gente paga a língua mesmo, fala que não vai fazer
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e não é porque é o mais fácil, mas é porque tem uma hora que você enlouquece. Eu pensava que não submeteria meu filho a tempo, a pressa, mas não dá. Ele está inserido nesta rotina. Sarah: você se sente julgada como mãe? Aninha: completamente. Até porque nos grupos de Whatsapp tem pessoas de tudo quanto é tipo. Hoje eu vejo que não tive um suporte com a amamentação e me senti muito culpada, queria ter tido alguém que dissesse que eu não sou menos mãe por isso. A gente viaja muito e meu filho já viajou. Na volta para Campo Grande, uma vez, uma médica viu a mamadeira no avião e começou a me questionar. Foi invasivo, eu me senti mal com aquilo. Meu filho dorme muito cedo e ele pôs esse horário, não adianta eu fazer ele tentar ficar acordado e eu sou muito julgada por isso, porque nós saímos e não levamos ele. Você sempre está fazendo errado por algum motivo. Sarah: como ficou a sua vida social e individualidade com a maternidade? Aninha: não tenho mais “Eu engravidei em 40 dias individualidade, talvez seja o porque eu pratiquei muito. Mas é momento no qual eu vá ao salão, mas aquilo de todo relacionamento às vezes eu levo o meu filho. Gosto novo, é diferente por causa da muito de dormir e me permitia isso. Então, se tem alguém para cuidar do paixão. Eu ainda sou apaixonada bebê, o meu momento é de dormir. pelo meu marido e o amo, mas Eu não durmo mais de porta aberta um relacionamento novo tem um para ouvir ele chorando a noite. O que eu faço com o meu marido, até fogo.” para fortalecer o relacionamento e não virar uma sócia dele é sair toda sexta-feira e minha mãe ajuda bastante. A gente conversa, namora, bebe cerveja… A cerveja foi algo que me fez falta, quando o bebê foi para a mamadeira eu me senti aliviada porque voltaria a ser um pouquinho da Ana que eu era antes. Claro que eu não bebo como bebia antes porque eu não posso ter nenhum tipo de ressaca, mas você perde a individualidade. A prioridade sempre vai ser meu filho,
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depois dele vem o meu marido e só então, vem eu. Não tem como inverter e eu não conseguiria me colocar em segundo lugar porque o meu marido sempre me colocou. Eu brinco que vou para o trabalho para descansar da loucura com o bebê. Sarah: como desenvolveu a sua sexualidade antes e depois do casamento? Aninha: muda completamente, eu engravidei em 40 dias porque eu pratiquei muito. Mas é aquilo de todo relacionamento novo, é diferente por causa da paixão. Eu ainda sou apaixonada pelo meu marido e o amo, mas um relacionamento novo tem um fogo. Não sei se é porque, no meu caso, eu achava que não iria ficar com ele. Mas é bem diferente, hoje, eu estou casada e os assuntos são de casa. Se ele chega o nosso primeiro assunto é sobre o carro, perguntamos se está tudo bem um com o outro, mas é preciso conversar sobre o dia seguinte e encaixar o filho nele. As atribuições do cotidiano te tomam, é a rotina. Mas tentamos quebrar isso, reservar uma noite por semana para nós dois. A gente fica falando do filho, mas tenta não falar dele. Dá saudade, mas é a vida de hoje. Eu não reclamo.
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Sem Referências Aimee Souza é pastora de uma igreja evangélica e tem 32 anos. Considera que vive em função da sua fé e, diariamente, trabalha na administração de dois templos e evangelização da população em sua cidade ao lado de seu esposo. Casados há oito anos, eles aguardaram consolidar a sua união perante Deus, seus familiares e a igreja para iniciarem a vida sexual. Têm um filho e para ela, é um desafio criá-lo em uma sociedade machista. De cabelos curtos e coloridos, calça jeans e postura descontraída, Aimee assume que a mulher também deve considerar as suas sensações em um ato sexual com o seu parceiro. É perceptível que confronta algumas doutrinas da cultura evangélica e de acordo com a líder religiosa, encontrou a sua identidade em Cristo há dois anos e desde então, ela exigiu de si mesma novos costumes e comportamentos. Sarah Santos: quem é Aimee? Aimee Souza: eu acho que nesse mundo cheio de pessoas sem identidade, eu me encontrei há dois anos. Quando consegui entender quem sou eu. Sou uma pessoa com muitos sonhos, muitos projetos. Às vezes, são coisas absurdas. Com tudo o que eu vivi, hoje me defino como alguém com muita fé, com muita certeza de quem é Deus, quem é Cristo. A minha vida é isso. A minha vida se define em Cristo, eu vivo para ele, 24 horas por ele, eu vim nessa Terra para ele. Sarah: acredita que vive em uma sociedade machista? Aimee: com certeza. Tem muitas coisas ridículas, algumas ideias e pensamentos que eu não sou fã. Sarah: durante a sua infância e adolescência, teve diálogo com seus pais sobre sexualidade? Aimee: não. Minha mãe e meu pai, meu pai muito menos, mas com minha mãe não tive essa abertura, creio que pela criação dela. Da forma como ela foi criada, do tempo da minha vó. Tem até um
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episódio engraçado: com seis anos de idade eu ouvi a palavra pênis e achei ela legal. Queria falar aquilo toda hora. Teve um dia em que minha mãe estava em uma roda com as minhas tias, eu a chamei e ela pediu para esperar. Eu sempre fui muito ousada, então entrei na roda, coloquei a mão na cintura e perguntei para ela o que era pênis. Acabou o assunto na hora. Minha mãe me levou pro lado, disse que “pênis é o piu-piu do homem, vagina é a pepeca da mulher” e pediu para que eu não perguntasse mais. Então, comecei a descobrir. Quando cheguei na adolescência, comecei a pesquisar por mim mesma. Como eu morei no interior, essa parte da sexualidade era muito reservada. Por um lado foi bom, pois minha infância foi bem vivida. Mas pelo outro, eu era imatura, brincava de Barbie aos 15 anos. Então, a “Quando cheguei na criança demorou para sair de mim. adolescência, comecei a pesquisar por mim mesma. Sarah: como você enxerga a visão da Como eu morei no sexualidade nos dias atuais? interior, essa parte da Aimee: eu acredito que crianças estejam sexualidade era muito tendo acesso a isso muito cedo, vejo reservada. Por um lado crianças pulando fases, deixando viver foi bom, pois minha porque, infelizmente, a sociedade, não infância foi bem vivida. nomeio quem, mas acabaram tirando isso Mas pelo outro, eu era das crianças. Tanto que meu filho tem imatura, brincava de sete anos e me faz perguntas que eu tento Barbie aos 15 anos. explicar na linguagem dele, o mais Então, a criança demorou simples possível. Mas a sexualidade está para sair de mim.” sendo trabalhada de maneira muito avançada para a idade deles. Sarah: como é a sua relação com o seu filho no que diz respeito à sexualidade? Você acabou de citar que tem um filho, como é criá-lo em uma sociedade machista? Aimee: eu tento não aguçar nada, preservar a infância dele para que ele cresça conforme a idade. Mas quando ele me pergunta, Sarah, eu não faço rodeios, eu explico tudo, independente de qualquer coisa. Tento criar o meu filho com o máximo de respeito possível pelas
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mulheres. Talvez eu seja presa falando isso, mas teve uma vez em que estávamos em uma roda e ele jogou um brinquedo em uma menina, ela tinha 18 anos, pegou no rosto dela e fez um vergão. Mais que depressa, eu peguei esse menino e bati nele. Disse que em uma mulher não se deve bater, se deve proteger. É isso que eu tento passar para ele. Ele aprendeu, tinha 3 ou 4 anos, mas é devido a essa sociedade onde o machismo é imposto. Não que ele seja, eu tento educar ele nos caminhos do Senhor, mas trazendo esse respeito. Espero conseguir. Sarah: como você avalia o seu corpo? Está satisfeito com ele? Aimee: sim, não vejo necessidade de mudar algo. Claro que nunca estamos satisfeitos, os seres humanos são terríveis, sempre querem melhorar algo e sempre dá para melhorar. Mas eu olho no espelho e me aceito, com isso, sou resolvida até bem demais. Eu não me importo muito com algumas coisas relacionadas a beleza. Sarah: você costuma cuidar da sua saúde sexual? Aimee: eu acabei de ter uma experiência péssima com isso. Faz muito tempo que eu não visitava o ginecologista. Estava tudo sempre bem e temos o costume de procurar esses médicos só “Casei com uma pessoa virgem e quando não está. Eu me senti hoje completo oito anos de casada, uma hipócrita, mas tudo bem. tudo o que eu sei sexualmente e ele Eu tive problemas com infecção sabe foi o que construímos juntos dentro do relacionamento. Nos urinária, fiz tudo certinho sentimos completos pois não temos depois de alguns anos. Acredito referências.” que depois que a mulher completa 30 anos ela se torna mais vaidosa e cuida mais do corpo. Me falavam isso e eu não acreditava, hoje vejo que é verdade. Eu me cuido mais, me maquio para sair. Mas tive esse problema sério, procurei um ginecologista e cheguei a conclusão que preciso me avaliar mais nisso. Sarah: como você adquiriu seus conhecimentos sobre sexualidade? Aimee: eu fui procurando, Sarah. Busquei muito na bíblia as coisas e temos uma pessoa linda, que é o espírito santo. Ele te ampara. Antes
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de casar, via amigas muito frustradas com o casamento, principalmente no campo da sexualidade. Elas não eram satisfeitas e tinham problemas muito sérios em relação a isso. Eu pensava que não era possível termos um Deus tão grande e existirem essas frustrações. Comecei a buscar na Internet, a ler livros e até antes de casar eu conversava sobre isso com os jovens, quando fui líder na minha igreja. Não é uma regra, é simples e acontece. Eu montei o meu conhecimento. Sarah: você esperou até se casar para perder a virgindade? Como foi essa experiência? Aimee: hoje eu vejo que foi a melhor escolha que eu fiz. Um dos problemas que eu tratava com os jovens da igreja quando era virgem e solteira, era que as pessoas tinham muitas referências sobre sexo e não se “Antes de casar, via amigas satisfaziam com seus parceiros atuais, isso causava separação. Mas as muito frustradas com o pessoas não assumem isso porque têm casamento, principalmente no vergonha. O homem não assume isso campo da sexualidade. Elas e nem a mulher. Quando não eram satisfeitas e tinham conversávamos separados, os casais comparavam as suas experiências problemas muito sérios em com as que tiveram anteriormente. relação a isso. Eu pensava que “Ela não faz isso, não deixa eu fazer não era possível termos um isso”. Isso fez com que eu me Deus tão grande e existirem guardasse e quando você faz um sacrifício grande para algo, a essas frustrações.” realização pessoal, não digo biblicamente, mas pessoal mesmo; essa realização explode, é muito melhor. Casei com uma pessoa virgem e hoje completo oito anos de casada, tudo o que eu sei sexualmente e ele sabe foi o que construímos juntos dentro do relacionamento. Nos sentimos completos pois não temos referências. Posso dizer que hoje, sexualmente, eu sou uma pessoa muito satisfeita por ter feito essa escolha.
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Sarah: você e seu companheiro dialogam sobre sexo? Aimee: muito. Claro que com um ano ou dois anos de casamento não existe muita intimidade, você faz sexo, mas não existe uma intimidade para conversar sobre isso. Conforme passa o tempo o sexo vai melhorando. Você senta e conversa. Hoje eu tenho liberdade de falar para ele como eu gosto que ele faça, como eu gosto de ser tocada. No começo tiveram desencontros e então, melhorou. Sarah: como você descobriu a vocação para ser uma pastora? Aimee: foi logo que descobri a minha identidade. Sarah, desde criança eu cuido de gente. Parando para analisar, na minha vida toda eu era a amiga conselheira. O significado de pastor é cuidar e ensinar as pessoas com paciência. No meu primeiro emprego mesmo, as pessoas “Na vida conjugal, você senta e me procuravam muito para conversa. Hoje eu tenho aconselhar e orar. A igreja me ajudou liberdade de falar para o meu muito a desenvolver essa vocação. Eu marido como eu gosto que ele cresci nisso, cuidei de gente, até em faça, como eu gosto de ser determinado ponto onde fiz os tocada. No começo tiveram procedimentos ministeriais, provas e desencontros e então, me tornei pastora. Eu amo fazer isso, melhorou.” é parte da minha identidade. Sarah: como uma mulher pode encontrar a sua identidade cristã? Aimee: por mais que vivamos em uma sociedade machista, a mulher encontrou o seu espaço. Tanto a cristã, quanto a que não é. A própria fundadora da igreja quadrangular é uma mulher e isso foi em 1920! Eu acredito que todos nós temos espaço nesse mundo e na igreja não é diferente. Algumas não aceitam mulheres sendo pastoras, mas eu acredito muito no espaço da mulher cristã. Acho que a igreja abriu a mente e Deus usou um homem para fazer isso. Porque para as mulheres terem espaço, em algum momento um homem tem que conceder esse espaço. Hoje temos voz dentro da igreja, eu pastoreio ao lado do meu esposo e ele me ouve muito.
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Sarah: existem posicionamentos contrários a sua postura como pastora dentro da igreja? Aimee: eu tenho um problema grande, acredito que meu cérebro seja muito próximo da minha boca. Então, se alguém tenta me oprimir, eu falo. Nunca houve preconceito declarado, mas já fui líder de jovens e, por eu ser mulher, alguns jovens se achavam mais capazes na orientação. Mas eu tive um apoio muito grande do meu pastor, ele acreditou em mim e ajudou a formar muito do que eu sou hoje. Quando eu sofria com o machismo, tentava passar batido por aquilo e não ofender. Acredito que quando você ofende, acaba descendo no nível da pessoa. Espero que o amor de Cristo encontre essas pessoas e elas mudem de pensamento. Coitados. Sarah: como a bíblia vê as mulheres? Aimee: sempre que vou pregar para mulheres digo que temos um quê a mais com Deus, não menosprezando os homens, mas somos muito emoção. Quando o espírito santo chega perto, nós sentimos na hora. Mesmo que seja uma mulher de personalidade mais forte, ela sente imediatamente. A emoção tá ali, aflora. Nós temos acesso mais fácil ao céu do que um homem que é racional. Nós somos mais fáceis de se entregar a Deus. Eu acredito que Deus nos fez como algo especial. Vejo Deus como um pai protetor e acredito que ele nos veja com muito amor. Não é que ele não nos ame, pelo contrário, ele ama a humanidade inteira. Mas as mulheres são acessíveis. Sarah: e a questão da mulher ser submissa ao companheiro, como funciona? Aimee: foi difícil para mudar isso na minha mente, pois cresci em um lar cristão, mas na igreja ensinava que a mulher tinha de ser submissa e eu acho que não tinha nada a ver. A cabeça deles era muito fechada e depois que eu casei que entendi o que era submissão. É muito fácil você ser submissa a uma pessoa que te ama. A bíblia fala que o esposo tem que dar a vida pela esposa como Cristo deu pela igreja. Então, com um marido que faz isso, é simples ser submissa a ele. Mas colocaram na nossa mente que ser submissa é ser pisada, abaixar a cabeça para tudo o que o marido falar. A nossa
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mente é condicionada a isso, mas submissão é estar sob a mesma missão. Ajudar e fazer o casamento dar certo. Errar e acertar juntos. Se perguntarem se sou submissa, e digo que sou. Sarah: o que você diria para jovens cristãs sobre como elas podem levar uma vida cristã? Aimee: que ela seja quem ela é. Sem tentar entrar em um padrão para arranjar um casamento ou agradar outras pessoas, independente de ser namorado ou já casado. Seja você mesma neste mundo de tantos rótulos, porque é desta forma que Deus te ama. Nós vemos tantas jovens perdendo a identidade enquanto era para estarem formando a sua identidade. O ápice do que Deus quer de nós é sermos o que nós somos e sermos felizes com o que Deus nos deu.
Sexualidade Clandestina Gorda. Palavra que carrega um histórico de ofensas e exclusão dos espaços de cultura e lazer, da mídia, da moda, da estética e, principalmente, do desejo dos olhos masculinos. Dândara tem 32 anos, é esposa, militante e mãe de dois rapazes. Ela estuda assistência social, na realização de um sonho que por muito tempo
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não pode concretizá-lo, pois estava presa em um cenário de violência doméstica. Após ter sua autoestima massacrada por anos de agressões físicas, morais e psicológicas, ela pôde juntar os cacos e reconstruir uma mulher sensível às causas sociais e satisfeita com o próprio corpo. Dândara foi vítima de abuso sexual ainda criança, casou-se ainda na adolescência com o seu agressor e uma vida com marcas da violência precoce comprometeu o desenvolvimento da sua sexualidade. De pele negra, roupas estampadas, sorriso de batom roxo e corpo fora das fórmulas normativas, sua vida está começando agora. Sarah: quem é você? Como se define? Dândara: bom, como eu me identifiquei… Hoje já me identifico como Dândara Sanches, com 32 anos e como feminista negra. Não só como mulher ou só como negra, mas feminista negra, que acho que é um termo que me contempla enquanto mulher. E mãe, sou esposa, acadêmica de serviço social, militante do movimento negro e de mulheres negras e tenho algumas representações que me colocam um pouquinho de mais responsabilidade por conta dessa luta por direitos. Tanto em relação às mulheres, quanto em relação à população negra da questão racial. Sarah: como você enxerga a questão da liberdade sexual hoje em dia? Dândara: tenho tentado entender bastante e lutar pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Então, não só lutar pelos direitos, mas entender sobre eles, porque a gente fica durante tanto tempo com essa recusa de entender a nossa própria sexualidade, o que são direitos sexuais e reprodutivos, que são duas coisas diferentes, que quando a gente começa a falar sobre isso, por mais que a gente apoie e lute a favor disso, a gente precisa aprofundar o nosso conhecimento dessas coisas. A gente tem que conhecer as mulheres e a nós mesmas, é uma construção imensa que a gente precisa fazer. Então, eu sou uma pessoa que acha que a mulher tem
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que ter direito sobre o próprio corpo, eu sou a favor da descriminalização do aborto, eu acredito que quem tem que decidir sobre o que quer fazer e o que quer ser somos nós, mulheres. Sarah: Você se vê em uma sociedade machista? Dândara: eu vejo ainda como se a gente estivesse na época das trevas. Ao mesmo tempo, a gente discute tanto sobre tantas coisas, a gente está discutindo mais sobre questões referentes ao aborto, tudo mais, mas ao mesmo tempo os nossos direitos enquanto mulheres e enquanto cidadãs estão sendo retirados. Então, pensando nessas questões das políticas públicas, por exemplo, que é o que garante os nossos direitos. Porque não adianta a gente ficar discutindo muita coisa, se essas coisas não estão asseguradas. Então eu vejo que essa linha avançar faça com que a gente esteja nessa era das trevas. Porque a gente não sabe o que vai ser amanhã por conta de não ter assegurado os nossos direitos. Sarah: sobre a sexualidade, você teve uma educação para isso em casa?
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Dândara: não existiu informação familiar. À começar por aí, não existiu, não conversava sobre nada. Minha mãe sempre teve muita vergonha de falar sobre sexo, não se falava sobre isso né, sempre foi uma coisa muito escondida, parecendo que era algo ligado a safadeza. Não como se o prazer fosse uma coisa safada, que por ser safada, era algo proibido. Uma vez, eu devia ter uns 8, 9 anos de idade, eu ia na casa da minha tia e minha tia tinha um bidê, e aí quando a gente estava em casa eu perguntei para a minha mãe para que servia aquele vaso que tem duas torneiras em cima, e ela falou que quando eu crescesse mais iria me contar. Ela não podia me falar que sei lá, era pra higiene, era pra lavar. Porque ela não podia dizer pra “Minha mãe sempre teve muita quê serve aquele vaso? Então pra vergonha de falar sobre sexo, não ela, aquilo seria demais pra mim, se falava sobre isso né, sempre como ela iria me explicar? Então, por muitos anos eu não sabia nem o foi uma coisa muito escondida, que era bidê porque não podia falar parecendo que era algo ligado a sobre isso, deve ser que tinha medo safadeza.” de ligar a torneirinha e sentir alguma coisa na hora… Gente, é muito absurdo isso! Sarah: sobre a questão do abuso, pode contar o que foi? Dândara: então, são assim, várias cenas que eu me recordo. Tipo de um tio ir em casa, me sentar no colo e ficar conversando com a minha mãe, e na frente da minha mãe ficar passando a mão, parecia que ele não estava passando sabe, é aquela coisa tão à vista que parece que não é. Recordo que ele pegava no meu peito, passava a mão na minha perna estranho, não chegava a tocar na a genitália mas que passava perto. Quando minha mãe virava para o lado, ele pegava mais para dentro da minha perna, ficava aquela sensação agoniante e não me tirava do colo. Mais para frente, um outro tio esfregava a genitália em mim por cima da roupa, todas as vezes em que ele me via ele fazia isso e eu sempre ficava assustada e não fazia nada, é óbvio, simplesmente ficava naquela inércia e não entendendo. Ele
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parecia um tio tão legal, sabe, era aquele tio que fazia festa quando via. Só que era para me esfregar, para pegar no meu corpo. Até que ele chegou na culminância de, acho que com uns 10, 11 anos, me agarrar mesmo, me dar um beijo na boca dentro de um bar com um monte de homens, que era o que tinha na frente da casa dele e minha mãe sempre ia na casa dele, que era onde a irmã dela morava. Sarah: nesse episódio em que seu tio te deu um beijo, qual foi a sua reação? Dândara: na hora, recordo de ter muito medo porque você não sabe o que vai sair dali. Fiquei parada, estática, lembro só que tranquei a boca e ele ficou beijando por fora. Tinham outras pessoas olhando, uns quatro ou cinco homens. Eu tava brincando e ele me chamou, De lá, eu fui pra rua onde estava brincando de bicicleta com minha prima e o filho dele, nós tínhamos a mesma faixa etária. Contei pra eles, não contei pra minha mãe ou para a esposa dele. Falei pra ele “olha, seu pai me agarrou”, o engraçado é que eu esperava que ele fizesse alguma coisa, mas ele era uma criança como eu. Sarah: e sua primeira experiência sexual, como foi? Dândara: horrível (risadas). Tudo tem que ser ruim, né gente? Eu tinha 14 anos só pra começar, e a pessoa tinha 7 anos a mais. Eu fiquei trancada dentro de um quarto, era um namorado que depois se tornou meu marido, de papel passado, aí com ele a gente já estava namorando a seis meses, eu já tinha apanhado dele. E aí foi péssimo, porque era com esse homem que não era carinhoso, na verdade era um agressor, eu já tinha sofrido violência, então tudo levava para ter uma relação sexual antes da hora, porque eu acho que com 14 anos, não era o momento de eu ter uma relação sexual com um cara de 21 anos que já tinha experiência, já tinha tido namoradas, provavelmente já tinha até DST. Sarah: você citou que casou com ele, como foi? Dândara: casei de papel passado aos 16 anos, se fosse legalizado uma criança com 14 anos casar, eu teria casado com 14. Meus pais foram e assinaram, tudo tranquilo porque ele era “uma boa pessoa”,
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entendeu? Ele era maravilhoso na visão da sociedade, um homem agressor era bom. Coloquei inclusive o nome dele. Sarah: como foi o ciclo do seu casamento, até o fim, e como você desenvolveu a sua sexualidade depois que acabou? Dândara: durante o relacionamento, assim, a gente ficou por 7 anos, eu fiquei dos 14 aos 21 com ele, foi bem complicado, foram muitas idas e vindas, muitas idas à delegacia, direto tinha camburão na minha casa, não tinha Lei Maria da Penha ainda, então ligava no 190 e ia pra lá. Eu estive prestes à morte várias vezes, eu acho que ele só não me matou porque ele não me pegava, porque quando ele chegava e eu me escondia. Tive meu filho com 16 anos, fiquei grávida com 15. Me separei dele e tive um outro relacionamento que era bem diferente daquele primeiro, mas eu guardava todos os traumas que eu vivenciei, então, foi difícil pra mim ter um relacionamento sexual com outra pessoa, porque era como se fosse a primeira vez. Era muito tempo com uma pessoa só, a gente acaba acostumando com o tempo de fazer tudo que essa pessoa gosta, fora a vergonha que a gente fica do corpo. Quando eu me separei dele, estava mais magra do que eu estou hoje, mas estava gorda assim mesmo. E eu entrei em uma noia que tinha que emagrecer porque estava na pista e queria namorar. Mas os meninos querem namorar com menina gorda? Não querem, né? Quase entrei em uma anorexia, ficava o dia inteiro sem comer e comia um negocinho quando estava para desmaiar. Emagreci 30 kilos desse jeito, sem qualidade nenhuma. Fiquei lá com meu corpo sexy, só que não, porque nunca fica, a sociedade aí quer que a gente fique com um corpo inexistente. Eu tinha todas as minhas marcas de gestação, de emagrecimento, tudo, mas com a roupa ninguém percebe. Então eu saía, ia para as baladas, estava curtindo a vida. A primeira vez que fui ter um relacionamento com uma pessoa foi bem complicado, mas depois não tive mais problema. Quando percebi que conseguia fazer sexo, deu um alívio. Até a questão religiosa também vem, porque eu era casada e tinha que ser santa e agora ia ficar fazendo sexo com outros caras? Mas eu não estava nem aí mais. Fui viver minha vida, mas não foi fácil. Tive
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experiências ruins e boas, fui ver o que é ser negra, porque quando eu fui casada aos 15 anos, era outra realidade, não passei por uma seleção como acontece hoje, de você ir em uma balada e os meninos selecionarem. Quando eu me separo começo a vivenciar isso. O que é estar em uma balada e o que é ser preterida por ser negra, pois se estava eu e mais duas meninas negras, os meninos não caíam matando em cima da gente. Podíamos estar lindas e poderosas, mas ficávamos pro final. Só que eu não percebia isso, percebo isso hoje, porque eu não tinha amplitude de criticidade, era muito imatura, não tinha vivenciado nada da vida. Eu lembro da dor que eu sentia quando eu via que isso acontecia. Os meninos eram aqueles que ligavam de madrugada pra ficar comigo. Duas horas da manhã e como eu estava nem aí pra nada, eu aceitava aquilo porque queria ter essas experiências, mas hoje acho uma decadência. Mas é o que acontece com as meninas, se a gente não for padrão, a nossa sexualidade vai ser vivenciada assim, na clandestinidade. Sarah: quando saiu do primeiro casamento, você tinha um filho. Como foi vivenciar a sexualidade sendo mãe? Dândara: ah, tinha isso! Como eu te falei, nesse período eu ainda não tinha consciência das coisas. Eu acho que até começar a ter consciência, você passa pelas coisas, sente, mas não entende. Eu sentia que tinha preconceito por eu ter filho e isso era mais uma camada que passava na questão. Tinha um menino que conheci logo depois que separei e adorava ele, mas ele era um ridículo. E eu gostava dele. Eu não queria chegar no fim de semana e ficar em casa, eu não vivi isso, casei muito cedo e ainda tinha 21 anos. Queria ir pro pagode, ficar lá, beber e conhecer as coisas. E ele “Se estava eu e mais duas meninas negras, os meninos não caíam matando em cima da achava aquilo horrível, ao gente. Podíamos estar lindas e poderosas, mesmo tempo que eu mas ficávamos pro final. Só que eu não queria ficar com ele, não percebia isso.” queria parar as coisas que eu estava fazendo. Eu namorava ele e continuava saindo. “Acho que sentia mais prazer na adrenalina daquela vivência do encontro, daquela coisa diferente, o frio na barriga do que prazer sexual.”
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Lembro que uma vez ele disse que eu era uma péssima mãe, ele me conhecia a pouco tempo, não sabia da minha vida e disse isso. Ele achava isso porque eu queria me divertir e mãe não pode se divertir. Mãe tem que ser sacrificada. Se tem uma coisa que sempre tive repugnância é falarem de mim como mãe, porque o que eu já passei pro meu filho hoje estar com 16 anos e as pessoas terem coragem de levantar a voz pra falar. Eu passei por isso sozinha e não tinha nem parente para cuidar dele enquanto eu trabalhava. Não dá pra aceitar. Eu via que tinha preconceito. Eu estava tão enfurecida que queria namorar com todos os rapazes que eu conhecia. Não adquiri nenhuma doença, fiz todos os meus exames, mas foi sorte, eu poderia ter pego. Então, acho que por conta das caixas que fazem com que nós cresçamos, quando você sai dela, quer conhecer as coisas e corre riscos. Várias transas horríveis, a maioria péssimas, foi quando eu descobri que os homens não estão nem aí para o prazer feminino, se você teve orgasmo ou não, pouquíssimos dessa curta carreira que eu tive se importaram comigo. Eu não era acostumada a andar com camisinha, então dependia sempre do menino na hora do ato. Isso é uma problemática, as meninas tem que andar com camisinha, e se você quiser fazer alguma coisa? Isso é questão de cuidado com a gente, mas colocam isso como safadeza. Sarah: durante esse tempo em que você esteve solteira, considera que sentiu prazer? Dândara: acho que sentia mais prazer na adrenalina daquela vivência do encontro, daquela “Dá pra contar nos dedos os caras coisa diferente, o frio na barriga que eu fiquei que realmente sabiam do que prazer sexual. Porque dá ou tinham interesse em retribuir o pra contar nos dedos os caras prazer, fazer um sexo oral, por que eu fiquei que realmente sabiam ou tinham interesse em exemplo. Eles não querem. E retribuir o prazer, fazer um sexo quando fazem, ainda tem aqueles oral, por exemplo. Eles não que não sabem!” querem. E quando fazem, ainda
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tem aqueles que não sabem! Eu não sei qual que é pior. Mas acho que poucas vezes foram prazerosas. Tinham uns que era uma tristeza, eu não sei como que eles tem coragem de achar que estão fazendo sexo com uma mulher, transa que nem um coelho, descarrega e acha que terminou. Com parceiros assim a gente não conversa, só fala com quem tem mais intimidade. Quando não tem, ou encontra alguém que faz direito, ou não encontra. Na época, tinha mais era frustração, coisas ridículas, homens ridículos. Sarah: como desenvolveu-se sexualmente nos dois “Com o primeiro marido, havia violência até durante a relação casamentos? Dândara: com o primeiro sexual. Exemplo, a pessoa fazia marido, tinha violência até penetração e dizia que parecia estar durante a relação sexual. Exemplo, a pessoa fazia mais largo.” penetração e dizia: “parece que está mais largo”, querendo dizer que eu fiz sexo com alguém com pênis mais grosso, o tempo todo ele achava que eu estava traindo ele e eu nunca traí aquele homem. E aí, eu não tinha direito de ter prazer e tinha a questão da igreja que interferia até no sexo. Tinham cursos de casais e eles não tinham nenhuma formação e falavam que não podia ter sexo oral porque a boca é pra Jesus e também não pode ter masturbação. Tipo assim, a mulher que não tiver orgasmo peniano nunca terá. Quer dizer que Deus faz o meu corpo, põe um clitóris que é algo que dá muito prazer pra mulher e que ela não pode usar? Pra quê Deus ia fazer isso? Não existe isso, não tem lógica. Uma pessoa pode ser cristã, mas não tem lógica dizer que a mulher não pode ter orgasmo clitoriano, que isso é pecado, que estimular o clitóris da mulher é errado. Quer dizer que só o homem pode ter prazer? Segundo o pastor, não é nem segundo às escrituras, é um absurdo. A gente ia fazer sexo e ao mesmo tempo ficava aquela coisa: “será que eu chupo? Mas vai ser pecado, se ele chupar, também é pecado”.
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Sarah: hoje, como você avalia sua sexualidade e seu corpo? Dândara: hoje eu penso que estou no meu auge enquanto mulher, porque eu sempre fui muito massacrada por conta do corpo, via muitos defeitos e hoje em dia que estou no período mais gordo da minha vida não tenho problemas com isso. Vou lá, tiro minha roupa, tomo meu banho, volto, me olho no espelho de corpo inteiro, passo um creme, levanto minha dobrinha, cuido de mim. Não tenho mais problemas com isso. “Tinha a questão da igreja que interferia até no Lógico que tem dias sexo. Tinham cursos de casais e eles não tinham em que pode ser que eu nenhuma formação e falavam que não podia ter dê uma baqueada, ache que a roupa que eu sexo oral porque a boca é pra Jesus e também tenho em casa ficaria não pode ter masturbação. Tipo assim, a mulher melhor se eu perdesse que não tiver orgasmo peniano nunca terá. Quer um pouco mais de peso dizer que Deus faz o meu corpo, põe um clitóris uma vez ou outra, mas hoje e me acho bonita e que é algo que dá muito prazer pra mulher e que não coloco meu peso ela não pode usar?” como empecilho pra fazer alguma coisa. Uma das violências que vivenciei foi obstétrica, eu fui no pediatra porque só conseguia dar mamá de um lado pro meu filho porque ele não pegava o seio. E aí, o pediatra foi me auxiliar. Aí, ele pegou no meu peito e disse: “também, com esse peito virado para a costela, como a criança vai pegar o bico?” Eu tinha acabado de ter filho, tinha engordado quase 60 kilos, fiquei mal depois da gravidez. Aí, minha família falava que meu peito era chapoca, eu nem sei o que é isso. Me libertei! Esses peitos deram a vida para duas crianças. A gente tem que regozijar os nossos corpos, sejam eles de qualquer forma que forem.
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A psicanálise e a sexualidade feminina Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente, cursa pós-graduação em Psicopatologia e Psicanálise na UNIGRAN e participa de cursos na Sociedade Psicanalítica de Mato Grosso do Sul (SPMS). Em entrevista, explicou à partir da Psicanálise como acontece e se desenvolve o prazer sexual e quais os impactos dos desprazeres no psicológico de uma mulher. Apontou fatores como o complexo de Edipó, a feminilidade, a religião, o psiquismo e o subconsciente. Também, a existência do gozo e qual o caminho da psiquê feminina na era da depressão e de outras psicopatologias. Teóricos como Freud e Lacan estiveram presentes na fala da profissional e o atual quadro político do país também se mostrou como um ponto de influência na sexualidade. Sarah Santos: em que momento da vida se inicia a sexualidade feminina? Ariane Alves: seguindo pela linha que eu trabalho, a psicanálise, uma das primeiras coisas que Freud fez que chocou o mundo foi tirar essa áurea de ‘anjinho’ da criança de que ela não tem sexualidade. Ele foi um dos primeiros caras a falar que sim, as crianças desenvolvem uma sexualidade. Muitas pessoas confundem sexualidade com sexo, elas não querem necessariamente fazer sexo, mas é preciso um acompanhamento para que isso traga o menor prejuízo possível. Que consiga lidar com seu corpo, desejos e orientação sexual. Então sim, a sexualidade começa na infância e tem um papel fundamental no desenvolvimento do ser humano. Sarah: como define, de acordo com a sua linha de pesquisa, a questão da lesbianidade e a bissexualidade? Ariane: na psicanálise, ele retrata que no início de 1900, época de pré-guerra, uma mulher escreve uma carta para ele pois queria que atendesse o seu filho homossexual. Freud responde que isso não é uma doença e ela deveria rever aquela situação, essa carta é pública.
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O Freud trabalhou mais a sexualidade masculina e a feminina como a negação dela. Mas, em uma época, chamava essa população de ‘os invertidos’ e depois ele tira essa patologização da homossexualidade e aponta como natural. Não tenho como te falar que é algo muito diferente da sexualidade. É uma sexualidade que se desenvolve normalmente, mas tem outro objeto de amor, um objeto do mesmo sexo. Sarah: você apontou a questão da mulher ser a negação do masculino, como isso funciona? Ariane: quando Freud trabalha o Edipo, desenvolve em cima do Edipo do menino. O Edipo é o momento em que o menino sente o medo da castração, por ter um pênis e ter medo de perdê-lo. Ele retrata o feminino, mas como a menina passa por essa fase? Ela percebe que não possui o falo e Freud coloca isso como ‘inveja do pênis’. Ele fala sobre como ela faz a sua passagem para o social sem ter esse objeto, mas não encara como uma patologia. São fases que acontecem e é natural. Sarah: e como isso é aplicado pelas pesquisas atuais na sociedade quando se fala de sexualidade feminina? Ariane: um dos grandes temas da pesquisa psicanalítica é a feminilidade. Atualmente, eles entendem o feminino como uma posição que pode ser ocupada tanto pelo homem quanto pela mulher. Isso é trabalhado principalmente pelos adventos da modernidade. Então, não há como definir isso como uma coisa só, a psicanálise trabalha caso a caso e não consegue dar um parecer sobre a sociedade. Salvo em casos como quando Freud tentou em psicologia do ego e das massas, em que ele tenta fazer uma pincelada sobre como ele entende o social. Que é o que está acontecendo, por exemplo, com o Bolsonaro que ascendeu e o seu autoritarismo quer falar como as pessoas devem gozar, se portar, tratar o próprio corpo. Então, o que Freud tenta colocar é o singular de caso a caso e como esse singular consegue entrar no emaranhado social. A sexualidade entra nisso, Freud fala que o jeito que você desenvolve a sua
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sexualidade vai influenciar quando tiver que sair do singular para ir para o social e procurar um objeto de amor. Sarah: qual o impacto do machismo no psicológico da mulher? Ariane: é muito grande. No psiquismo e no jeito em que a mulher entende o corpo dela, na maneira com a qual ela se apropria desse corpo. Se pensarmos que a sexualidade corresponde também a moralidade da época e lembramos da época, lembramos que a Igreja Católica dominava, o sexo era só para reprodução e a mulher não podia mostrar o seu corpo. Também, a mulher prometia ser submissa ao seu marido. Prá cá, tivemos um avanço. Mas ainda estamos muito submetidas ao homem. Na psicanálise mesmo, a maioria dos autores são homens. Quando o próprio Freud fala sobre a inveja do pênis percebemos que Freud foi machista. A incógnita fica em como vamos trabalhar para melhorar um mundo machista se as nossas construções vêm desse mundo machista. É uma coisa diária, nós tentamos escapar, ler autoras mulheres, escrevermos por nós próprias, mas é difícil. Sarah: qual o impacto disso na “O gozo está sempre com a gente até sexualidade da mulher? Ariane: é total. Por muito a nossa morte. Freud falava que a tempo acreditaram que o falo, hora em que a gente deixa de sentir é que é um objeto de desejo do a hora da morte.” nosso inconsciente, era representado pelo pênis. Então, como a mulher iria lidar com essa procura pelo falo se ela não tem o pênis? Falaram que a mulher achava várias formas de encontrar o falo, como usando salto alto, por exemplo. São coisas do feminino, a mulher tenta colocar a feminilidade dela à prova e parece que ela precisa colocar o tempo todo, estar atraente o tempo todo, uma ‘femme fatale’. Afeta nisso. Quando colocam um brinco em uma menina assim que ela nasce, é uma demonstração disso. Quando determinam do que ela vai brincar, a cor que ela vai vestir, falam de brincadeira que o menininho filho de amigos da família vai ser namorado dela, é um discurso social que
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entra na psique de uma pessoa e molda o caráter. Isso poda o ser humano. Algumas pessoas conseguem contornar e desenvolver a sua sexualidade de maneira saudável, outros não, e é essa maioria que a gente vê no consultório, sem dúvida. Sarah: qual o impacto dessas questões discutidas na autoestima da mulher? Ariane: a sexualidade e o desenvolvimento dela tem um impacto na autoestima da mulher. Mas, atualmente, é tanta coisa, que não fica só na sexualidade, mas passa por isso também. Por exemplo, o que dita o que é o corpo ideal e o tanto que as mulheres tentam se moldar para este corpo. Porque o corpo ideal é o desejado pelo sexual, tudo vai caminhar para isso. Tudo o que fazemos tem uma finalidade sexual. Isso vai de encontro com o fato da mulher ter que se provar o tempo todo mulher, feminina. Sarah: como a religião impacta na sexualidade da mulher? Ariane: é engraçado, quando você “Nunca houve tantas mulheres fala em religião, eu penso em um frígidas. Nunca houve tanta Brasil muito misturado. Porque o mulher sem sentir prazer na brasileiro é aquela pessoa que relação… Ou sempre houve, quando dá meia noite do dia 31 de dezembro pula sete ondas fazendo o porque homens não se importam sinal da cruz e pedindo para Oxalá. muito com o gozo da mulher, é Ele mistura vários símbolos. Esse cada um por si.” mix vai para a sexualidade de todas as formas. Impacta na autonomia do quanto a mulher pode se apropriar daquilo que é dela, do desejo que é dela, do prazer que é dela, que muitas vezes é negado. A mulher que fala abertamente sobre sexo é considerada a puta, a cachorra, a que não tem filtro. Acredito que não podemos falar sobre sexo, sexo é um tabu, falamos sobre sexo escondido com as nossas amigas. Não há um discurso livre sobre sexo, não há um discurso livre sobre o nosso próprio corpo. E aí, quem se apropria desse discurso? A religião. É como se estivesse lá dando bobeira e ela abocanhe. Então,
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ela coloca as regras dela, que são machistas. E quando tentam dar uma escapada, as mulheres são desqualificadas. Parece que não caminhamos muito. Sarah: em algum ponto da vida da mulher, a sexualidade acaba? Ariane: não. Em momento algum. O momento em que a sexualidade talvez possa acabar é em uma depressão muito grande em que a libido e a pulsão estão em níveis tão baixos que a sexualidade não esteja ali circulando livremente. Ou quando está “Não há um discurso livre sobre sexo, presa em um objeto muito melancólico. Mas em uma não há um discurso livre sobre o nosso vida saudável, não. O sexual próprio corpo. E aí, quem se apropria está permeando a gente o desse discurso? A religião.” tempo todo. O que eu chamo de libido é essa energia sexual que a gente transmite e volta pra gente. O sexual está no olhar, e não é só nas outras pessoas, o sexual está em tudo o que desejamos. É o gozo na linguagem psicanalítica, aquele prazer com uma pontinha de dor. Por exemplo, cócegas, não é bom? E cócegas para sempre, seria bom? Então, o gozo é isso. Aquela coisa que é boa, mas tem o limite. O gozo está sempre com a gente até a nossa morte. Freud falava que a hora em que a gente deixa de sentir é a hora da morte. Sarah: qual o impacto de um transtorno psicológico na sexualidade da mulher? Ariane: influencia. Tem algumas psicopatologias que diminuem muito a libido e tem remédios psiquiátricos que diminuem o apetite sexual. Principalmente a síndrome do pânico, os remédios que são tomados deixam a maioria das mulheres frígidas e esse é um debate que se têm porque não se importam se a mulher sente prazer ou não. A indústria farmacêutica não liga para isso. Então, a depressão, o luto, a melancolia, a síndrome do pânico afetam o estímulo sexual da mulher.
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Sarah: nessa sociedade permeada por doenças como a depressão e ansiedade, para onde caminha a sexualidade feminina? Ariane: essa é a pergunta que todo psicanalista está fazendo, para onde estamos indo. Vi uma pesquisa nos Estados Unidos sobre o porquê não existe viagra para mulher e apenas para homens. Provavelmente, porque não se “Algumas psicopatologias diminuem importam com isso. Nunca muito a libido e tem remédios houve tantas mulheres frígidas. psiquiátricos que diminuem o apetite Nunca houve tanta mulher sem sexual [...] e esse é um debate que se sentir prazer na relação… Ou sempre houve, porque homens têm porque não se importam se a não se importam muito com o mulher sente prazer ou não. A gozo da mulher, é cada um por indústria farmacêutica não liga para si. Lacan falava que não existe isso.” relação sexual, os envolvidos estão de companhia um para o outro, mas estão em busca do próprio prazer. Para onde caminha, eu não sei. Mas não acho que seja nada bom o que vêm para a mulher com isso. O caminho da mulher tem que ser de resistência, agora. Mas é caso a caso, como eu disse. Se elas procuram um consultório, conseguem uma análise e ali conseguem se descobrir e dar um traçado ao consciente delas que é tão rígido por causa do discurso social.
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A psicopedagogia e a educação sexual Gisele Morilha Alves é psicopedagoga, mestre e doutora em educação. Pesquisa sobre questões de gênero, sexualidade e educação sexual. Atualmente, coordena o curso de Pedagogia semipresencial da Unigran. Os diálogos foram sobre como a sexualidade feminina é construída na história, debates que pairam sobre o moralismo da sociedade como a escola sem partido e o fato de que a sexualidade de um indivíduo nasce com ela. A psicopedagoga ressalta que políticas públicas de direitos sexuais e reprodutivos contribuem para a qualidade de vida de uma mulher e explica que possui uma avaliação positiva sobre as conquistas sociais. Sarah Santos: como avalia o desenvolvimento da sexualidade feminina nos dias atuais?
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Gisele Morilha Alves: nós, desde que nascemos, já temos a sexualidade. Agora, a mulher, a princípio, na Idade da Pedra, ela era o ser principal e a sexualidade era quase que uma divindade. A mulher procriava e isso era divino. Ela começa a ficar em um lugar mais subordinado, inferior, subalternizado a partir da Idade Média, porque o único sexo visto era o masculino e a mulher era um homem invertido. Ocupa um grau inferior ao homem. Durante todo esse período da história, ela vai sendo inferior, como se não pudesse ter a sexualidade. Como se não pudesse ter prazer, porque isso é posto pela igreja como se os homens pudessem ser infiéis, gozar, ter orgasmos, serem promíscuos e a mulher não. A igreja coloca, “A igreja coloca, inclusive, a inclusive, a sexualidade da mulher sexualidade da mulher como como exclusiva para a reprodução. exclusiva para a reprodução. Fora isso, é pecado. Começamos com a questão do celibato e que Fora isso, é pecado.” permanece até os dias atuais, mesmo com a luta dos movimentos feministas, com a busca da igualdade. A mulher que externaliza a sua sexualidade, fala sobre as suas questões e prazeres é vista como se isso fosse errado. Sarah: acredita que vivemos em uma sociedade machista? Gisele: muito. Tanto é que há uma discussão de escola sem partido, que nada mais é que acreditar que ao ultrapassarem os portões da escola, as pessoas deixam a sexualidade dela lá fora, a orientação sexual lá fora, quando isso é uma coisa inata. A sua sexualidade nasce contigo. Sarah: acredita que exista uma cultura do estupro? Gisele: sim. O machismo propaga isso. Por exemplo, o que seria essa cultura do estupro? A padronização da sociedade, porque essas questões de gênero e sexualidade são construções sociais, culturais, políticas e histórias. A partir do momento em que a mulher é vista apenas para a procriação, se veste uma roupa curta estará provocando um homem para isso e nessa sociedade machista, a culpa vai ser dela.
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Há uma inversão de valores. A mulher tem o direito de se vestir como quiser e o homem, em momento algum tem o direito de forçar uma relação sexual. O fato de uma mulher dizer não, não é porque ela é difícil, é porque ela não quer e o corpo é dela. Isso acontece, inclusive, em casamentos. Vemos mulheres com mais “Há uma discussão de escola sem idade, por exemplo, dizendo partido, que nada mais é que acreditar que deve satisfazer o marido. que ao ultrapassarem os portões da É muito difícil colocar na escola, as pessoas deixam a sexualidade cabeça de uma mulher dessas que ela só deve dela lá fora.” transar quando quiser e não tem que ficar à disposição do marido para quando ele quiser. Se uma esposa não quer ter relações sexuais com o marido, ele não pode obriga-la. Se isso acontecer de maneira obrigatória, é estupro. A sociedade machista e capitalista transforma o corpo da mulher em um objeto de venda a partir das propagandas, das mídias. Os comerciais de cerveja estão aí pra dizer. Comercializam o corpo da mulher. Sarah: como a religião perpassa a questão da sexualidade feminina? Gisele: quando os Hebreus começam a formar os seus povos, veja, naquela época havia muito incesto, até para a reprodução, a mão de obra, a construção daquele povo. Mas aí, vamos para a história na Grécia Antiga e Grécia Clássica onde os homens eram bissexuais, não tinha tabu nenhum e isso era bem normal, homens se relacionarem com homens e com mulheres. Com mulheres, era mais para a procriação. Com os homens, por prazer. Isso era natural, era uma coisa que não era restrita. Na Idade Média surge a igreja e os casamentos arranjados que colocam como padrão normativo a heterossexualidade. A mulher cuidava dos filhos e o homem saía para a guerra e conquistar as terras. Nisso, a Igreja Católica entra para realizar esses casamentos. O homem segue tendo relações homossexuais. Grandes reis eram homossexuais, mas se casavam com mulheres em matrimônios arranjados nos quais a igreja ganhava
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dinheiro e poder reunindo reinos. Enquanto isso, apenas a mulher continuava tendo que ser monogâmica e fiel. Os reis continuavam tendo uma vida bissexual, em relações com seus parceiros de guerra, as escravas e suas esposas. Se a mulher fizesse a mesma coisa, era enforcada ou tinha os seus órgãos genitais queimados. A maior contribuição disso é da igreja. Ela traz valores morais e religiosos, essas questões passam a ser verdades únicas e a mulher é castrada, inferiorizada. Sarah: acredita que existem conflitos de gerações de mulheres em relação a sexualidade? Gisele: sim, eu sou otimista. Penso que as mulheres estão lendo mais, se impondo mais. Vejo a Lei Maria da Penha, os movimentos feministas cresceram. Veja, há anos atrás não se discutia questão de gênero e sexualidade na academia. Quando se falava em homossexualidade, eram apenas em pesquisas da área da saúde. Houve diálogo sobre as doenças sexualmente transmissíveis, principalmente na época de 80 com o advento da AIDS e hoje professores lutam para que exista uma educação sexual que não seja repressora, moralista, higiênica, biologicista, mas emancipatória. Eu, pelo menos, brigo muito, escrevo, pesquiso, para que a gente acabe com essa história de brincadeira de meninos e de meninas. A educação sexual não ensina a ser gay, homossexual, bissexual, polissexual ou pansexual, ou a ser trans. Eu não entendo essa preocupação dos pais. Hoje em dia, não se encontram famílias sem homossexuais, mas se encontram famílias que expulsam pessoas de casa por serem homossexuais. Tanto que há necessidade de existir uma casa que acolhe essas pessoas, como existe a Casa Satine, em Campo Grande. Então, sim, ao menos dentro da educação, existe um choque de gerações. Por mais que briguemos por uma educação emancipatória, a família ainda entra em conflito. Sarah: como é vista a questão da bissexualidade e lesbianidade? Gisele: nossas pesquisas mostram que a bissexualidade e homossexualidade, para os homens, tem um fenômeno importante.
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Até aí tem o machismo. Porque se uma menina se torna lésbica, tudo bem, o preconceito é menor. Se uma menina faz ressignificação de sexo, tudo bem. Quando é o contrário, que é um menino que faz ressignificação para virar menina, o preconceito na “A educação sexual não ensina sociedade, na escola e no pessoas a terem diferentes orientações campo de trabalho é bem sexuais, elas já possuem, em algum maior. Tem preconceito com lésbica sim, porém, quando momento elas manifestam essa uma mulher heterossexual orientação.” imersa no mercado de trabalho perguntam a sua idade, se é casada, se pretende ter filhos. Porque esse filho que ela pretende ter dá a ela o direito de licença maternidade. Nesse sistema capitalista isso não é interessante, por isso, preferem contratar homem. Mas se um homem vira mulher, ele também não consegue um contrato, vai ter campo no salão de beleza, mas não em uma loja, por exemplo, o que é diferente com moças lésbicas. Sarah: em um contexto Brasil, como estamos em políticas públicas de direitos sexuais para a mulher? Gisele: a luta é grande e as conquistas são pouquíssimas. Nós temos as prostitutas que não conseguiram regularizar totalmente a sua profissão, as homossexuais cada vez mais discriminadas, as transexuais e travestis que só servem para o mercado do sexo e da prostituição. As mulheres no campo de trabalho ainda ganham menos que os homens. No cenário político há muito menos mulheres no poder do que homens. A mulher segue sendo inferiorizada, ela é regulada a todo momento pelos valores morais. Ela não pode falar abertamente sobre sexo, se ela reclama de não ter tido um orgasmo para o seu parceiro, é capaz até dela apanhar, como se o orgasmo fosse direito exclusivo do homem. Tanto que se uma mulher coloca uma roupa mais ousada, é porque quer ser comida, dar para alguém. Isso ainda é muito forte. Na docência e na enfermagem a maioria ainda é mulher. Na prostituição também. A sua função é cuidar e dar
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prazer ao outro. Um exemplo disso é o que fizeram com a ex presidente Dilma Rousseff, “Na docência e na tentaram masculiniza-la, porque não admitiam serem presididos por uma mulher. enfermagem a maioria Ainda assim, deram um jeito de tira-la do ainda é mulher. Na poder porque não conseguiam ser mandados prostituição também. por uma mulher. A sua função é cuidar Sarah: qual a importância da educação e dar prazer ao sexual nas escolas? Gisele: de extrema importância. Mas se o outro.” professor não tiver informação, é melhor que ele não faça. Porque para trabalhar com educação sexual, a primeira coisa que se tem que fazer é se despir de crenças e preconceitos para compreender como essa sexualidade acontece. Pois sexo, sexualidade e orientação sexual são coisas diferentes. A Jimena Furlani explica que tem oito tipos de abordagens de educação sexual e uma delas é essa educação moral e tradicionalista que é isso o que a igreja católica pôs, que falar em sexualidade é pecado. Que se uma mulher fala sobre seus orgasmos ela vai arder no mármore do inferno. Também tem uma educação biologicista que discute apenas as doenças sexualmente transmissíveis, o controle da natalidade e alguns métodos básicos contraceptivos. Não sai disso. Cada momento da história tivemos um tipo de olhar para a mulher e o homem, o professor tem que reconhecer esse processo histórico de inferiorização da mulher. Sarah: existe um conceito e discussão de ideologia de gênero. Isso existe? É uma ideologia? Como funciona? Gisele: quem fala de ideologia de gênero não quer se desconstruir, têm resistência em ler sobre essas questões. Eu creio que o que temos são diferentes orientações sexuais, nos Estados Unidos já tem 11 tipos de gêneros para se registrar em um cartório e a gente mal conseguiu uma lei que aprovasse que o aluno fosse chamado pelo nome social. Não existe uma ideologia, isso é uma construção social. A própria Simone de Beauvoir diz que ‘não se nasce mulher, torna-
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se’. Há diferentes formas de ser mulher, assim como há diferentes formas de ser homem. A educação sexual não faz as pessoas terem diferentes orientações sexuais, elas já possuem, em algum momento elas manifestam essa orientação. Algumas resistem, negam ou chegam a tentar suicídio. Não existe uma ideologia, existe pessoas que não acreditam em gênero e falam que é um desvio, é safadeza, é doença. A gente exige que haja respeito às diferentes formas de amor. Sarah: como avalia as práticas de cuidados com a saúde sexual das mulheres brasileiras? Gisele: acho que cada dia mais. Elas estão tomando consciência da importância de cuidar do seu corpo, de se conhecer. Temos cada vez mais pessoas estudando sexologia, mulheres que vão à sex shops e buscam conhecer o seu corpo, os seus pontos de prazer e pontos de prazer do seu parceiro. A saúde pública também avançou muito nesse ponto, já se pode pegar camisinhas e pílula do dia seguinte gratuitamente nos postos de saúde. A gravidez na adolescência ainda é comum, mas hoje, é bem menos do que já foi. A mulher negra que antes era mal tratada em seus direitos sexuais hoje têm direitos que a protege. Avançamos, mas precisamos de mais, o que tem ainda é muito pouco.
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As problemáticas da sexologia Karina Brum é formada em enfermagem e em gestão de capital humano com especialização em capital erótico e sexualidade humana. Há oito anos realiza terapia com mulheres e casais para potencializar sua vida sexual e afetiva. A sexóloga é autora o livro “Liberdade para Amar – Um Mergulho no Universo Erótico”. O diálogo sobre o prazer sexual feminino na perspectiva da sexologia perpassou a cultura brasileira e como ela retrata a realidade de milhares de mulheres e seus parceiros. Também, a carga de culpa que a população feminina carrega e reflete negativamente em sua sexualidade. A entrevista foi realizada em uma loja nomeada como ‘boutique’ que vende produtos e brinquedos para atenuar o desempenho sexual dos clientes e a entrevistada é proprietária e consultora sexual da loja. De acordo com ela, a diferença entre um ‘sexshopping’ e uma ‘boutique’ é o atendimento oferecido por um especialista no assunto que contribui para o entendimento do público de sua própria sexualidade. Sarah Santos: quando a mulher começa a desenvolver a sua sexualidade? Karina Brum: no geral, no desenvolvimento normal da fisiologia humana, isso acontece a partir da fase genital e fálica. Algumas crianças respeitam isso certinho e começam a partir dos cinco anos. Veja bem, essa é a parte do desenvolvimento, da autodescoberta. A parte do prazer sexual em si acontece mais para frente. Sarah: quais são as referências de uma menina no desenvolvimento da sua sexualidade? Karina: são muitas. As histórias não são necessariamente negativas. Pelo menos eu, atendo um público bem assertivo. A questão é que a pessoa tem um certo medo de aceitar e viver a sexualidade. Então, por exemplo, já me contaram que tiveram um prazer diferente usando a mão, mas não em forma de massagem ou introdução, mas toque
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mais firme, ou seja, tapa. A pessoa encara isso como anormal e como isso, inúmeras experiências sexuais que a pessoa tem ao longo da vida e até ela se permitir sentir aquilo, passa por uma consultoria achando que está sentindo coisas que um ser humano normal não deveria sentir. Sarah: fatores como religião e família influenciam nisso? Karina: isso tem se quebrado bastante, vejo, ao “As pessoas tem um problema sério com menos as pessoas sofrendo a comunicação. Então, a mulher com as angústias e vindo buscar ajuda. Mas quando descobre que precisa de um estímulo elas fazem a terapia, percebo intenso, um puxão de cabelo, um gelo, que há um excesso de uma pegada intensa e não sabe como moralismo. A pessoa busca falar isso para o seu parceiro ou ajuda porque ela tem prazer com algo que alguém que ela parceira por medo de acharem que ela é respeita no campo social e anormal ou bizarra. As pessoas criam religioso disse que é errado. monstros desnecessários.” Sarah: quais são as maiores demandas de mulheres que buscam a sua terapia? Karina: a maior demanda é de como a mulher tem prazer. Exemplo, tem muita gente se descobrindo bissexual e tendo pânico com isso, achando que é o fim do mundo e não entendendo o porquê o corpo requer certa intensidade de aconchego, afago, toque. As pessoas tem um problema sério com a comunicação. Então, a mulher descobre que precisa de um estímulo intenso, um puxão de cabelo, um gelo, uma pegada intensa e não sabe como falar isso para o seu parceiro ou parceira por medo de acharem que ela é anormal ou bizarra. As pessoas criam monstros desnecessários. Sarah: acredita que, em parâmetro nacional, a mulher possua liberdade sexual? Karina: acredito que o brasileiro e a brasileira tenham um conceito errado de liberdade, mas é aquilo que foi repassado para eles.
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Confundem muito liberdade com libertinagem e isso sabemos ao abranger o conceito de sexo a nível de novidade, quando o casal busca algo diferente. Inovam no suingue, no ménage. Quem disse que isso é inovação? Você pode inovar de outras formas. Pode conhecer a sua sexualidade e explorá-lá de forma diferente para que o seu sexo, que é totalmente diferente de sexualidade, te liberte. Então, a cultura brasileira liberta? Não, aprisiona. As pessoas dizem que o brasileiro é dado, tranquilo e bem resolvido, mas de forma alguma. Quando faço viagens de trabalho, isso me desespera, o argentino é melhor que a gente. Eles têm um desenvolvimento sexual muito melhor. Entendem o que é desejo físico, desejo afetivo, interação sexual e relacionamento. Aqui as pessoas têm mais dificuldade. O brasileiro é afetuoso, precisa se sentir na posse amorosa. Eu não acredito que ele consiga definir o que é liberdade sexual, amorosa e afetiva. Isso gera conflito. Sarah: acredita que vivemos em uma sociedade machista? E de que forma isso influencia no desenvolvimento do prazer sexual feminino? Karina: a cultura brasileira é submersa no machismo. Infelizmente, nós fomos colonizados por pessoas assim. Então falta ainda aquele querer ser, não somente estar. Eu preciso começar a buscar informação para entender o processo e aí, me permitir. É aquela história: todo mundo gosta de morango, porque eu não posso experimentar o blueberry? É porque alguém falou que era aquilo o correto. A nossa sociedade é ditadora. Mas ao mesmo tempo, a mulher têm essa consciência e falta o poder dela dizer não, entender o processo, se entender, se compreender e fora isso, se respeitar. De dizer que não quer e prefere fazer outra coisa. Sarah: como a sua linha de pesquisa vê a questão da bissexualidade e lesbianidade? Karina: tranquilo. A parte fisiológica é resolvida. A psicologia tem outros critérios, a bissexualidade e homoafetividade traz a culpa para algumas pessoas, uma culpa que não deveria existir. A pessoa instaura essa culpa por causa da sociedade. As pessoas gostam de demonstrar afeto e alguns indivíduos, por terem apanhado tanto e
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sofrido tanto preconceito, gritam para serem livres e exageram em certas situações de demonstração de afeto. Então, aquela pessoa que se sentiu ofendida com isso difama essa demonstração. Para a sexologia, é um estímulo tátil totalmente reconhecível e aceito. Na psicologia, eu trabalho tentando amenizar a culpa. Se você carregar esse fardo, não consegue ser feliz nunca. Sarah: essa questão da culpa que você apontou existe na sexualidade? Karina: existe porque a mulher tem que ser perfeita, tem que viver em uma caixa que não foi determinada por ela. A mulher tem que estar sempre linda, arrumada, maravilhosa, tem que ser perfeita. Não pode ter chulé, pintas, varizes, estar acima ou abaixo do peso e isso vêm em um molde social. São mulheres que queriam ser igual modelo x. Independente do seu tamanho, é preciso se aceitar. As pessoas precisam se preocupar mais com a saúde. Se está acima do peso e não está doente, vá ser feliz, use uma meia arrastão, uma cinta liga. Se está magra demais e doente, também dá para trabalhar isso. A culpa faz com que a mulher busque pela perfeição, faz com que ela queira o inatingível. Tudo isso, infelizmente, advém de um molde pré concebido. Sarah: acredita que as mulheres brasileiras conheçam o próprio corpo? Karina: gostaria de falar para você que sim, mas, infelizmente não. Desconhecem por falta de vontade ou realmente porque têm afazeres. Até por uma questão cultural, qual é a pregação do Brasil? Eu preciso crescer, estudar, casar, ter filhos e cuidar dos filhos, esse é o parâmetro da família católica. Os moldes mudaram muito e a mulher ficou enraizada nisso. Existe uma colcha de retalhos de famílias fora do padrão, mas junto disso vem o preconceito, a mulher tem que ser bela, recatada e do lar. Quando essa frase saiu na mídia, eu entendi o contexto dela. As pessoas falaram muito mal, mas eu não sei do quê. Infelizmente, é assim mesmo. A mulher pode ser quem ela quiser, mas o Brasil elege aquela pessoa bonita, branca, que tenha filhos, cuide da casa, cuide do marido e esteja sempre bonita. Não é assim.
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Tem dias que você não quer se arrumar, quer só dar um beijo no marido e dormir. A solução é que o parceiro contribua ativamente em casa para que ela não fique exausta emocionalmente. A mulher não deixa de fazer sexo em um matrimônio porque está cansada fisicamente, ela deixa de fazer sexo porque está cansada emocionalmente. Com isso, ela quer carinho e afago. Tanto é que em relacionamentos em que o marido oferece isso, a mulher têm mais vontade de se envolver sexualmente, porque ela se sente acolhida. Não existe a culpa. Quando a mulher tem culpa, ela faz sexo por obrigação. Sarah: seguindo essa questão, como a maternidade e o matrimônio monogâmico, dentro dos padrões hegemônicos, influencia na sexualidade da mulher? Karina: influencia cem por cento se ela não planejar. Os casais não planejam o sexo durante o casamento e a sexualidade é como você vê e sente o sexo. Tem gente que, por exemplo, se usar uma meia sete oitavos e calcinha e sutiã se sente uma deusa. Essa é a expressão na sexualidade dela. Em outra mulher, isso pode não funcionar. Quando a mulher casa, ela precisa entender que têm que desenvolver a sexualidade para ela, tem que ter sexo de qualidade para ela. O homem se conhece, se toca, sabe o que gosta e o que não gosta desde a infância. A mulher demora muito para saber e as que começam cedo vai estar resolvida na vida adulta. Sabe o que quer e o que não quer. Se não está bom, ela tenta com outra pessoa e uma hora algum deles vai ficar, e o que ficar vai ser muito bom. São experiências que as pessoas teme transformam a sua vivência em momentos extraordinários. O ideal seria que a mulher visse isso antes de se casar, para não estar imatura sexualmente. Esse ano foi um recorde, fiz terapia com muitos casais que se casaram virgens. Desses, quatro se mantiveram. Foi desesperador. Eles se mantiveram porque a mulher foi insistente e não contaram com alguns percursos, como por exemplo, quando a mulher se casa virgem ela pode ter problemas de vaginismo. Elas sentem dor e se atrelam a dor ao momento do ato sexual, acabou. O excesso de tarefas da mulher também acarreta na
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preguiça sexual, que faz com que elas não queiram transar, tentem coisas diferentes apenas para agradar o marido e não para si mesmas. Sarah: acredita que a autoestima influencia na busca “A mulher não deixa de fazer sexo em pelo prazer sexual? um matrimônio porque está cansada Karina: a autoestima está ligada ao autoamor e o fisicamente, ela deixa de fazer sexo autovalor. Sim, quando você porque está cansada emocionalmente. não vê o seu valor e vê só o Com isso, “O excesso ela quer de carinho tarefas e da afago.” mulher do outro, pode prejudicar na também acarreta na preguiça sexual, sua vida sexual. que faz com que elas não queiram Recentemente, eu tive que transar, tentem coisas diferentes apenas para agradar o marido e não para si fazer uma oficina para falar mesmas.” sobre cheiro vaginal que é nosso e vai morrer conosco, a vagina cheira dessa forma porque produz estrogênio. Uma mulher ficou indignada porque nunca iria tirar isso dela. O reconhecimento do que você é faz toda a diferença. Sarah: existe algum momento na vida da mulher em que o prazer sexual se encerra? Karina: se ela quiser, será hoje. A mulher é muito conectada com o emocional. Fisiologicamente, a mulher pára de produzir uma quantia de hormônios quando chega aos 80 anos, a menopausa também faz com que ela se desinteresse pelo sexo porque sentem dor. Dói a penetração, a contração vaginal. O músculo perde a elasticidade, ela não sente o pênis do parceiro como antes e isso a deixa desmotivada. Eu ouço muitas mulheres dizendo que se sentem como ameixas secas. Mas isso é uma questão de conhecimento e cultura erótica. Pensar e falar em sexo é importante para não perder isso.
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Percepções dos diálogos A escolha do tema “prazeres e desprazeres sexuais femininos” surgiu da busca de um elo comum entre toda a população feminina. A sexualidade perpassa características condição social, faixa etária, religião e ideologias políticas. Está presente nas relações interpessoais e intrapessoais da mulher desde a formação fisiológica até o fim de sua vida. No entanto, na projeção da pesquisa não previam-se tantas singularidades entre os perfis de personagens, ou, até mesmo diferentes percepções sobre os mesmos eventos ocorridos no histórico de uma mulher. As avaliações positivas e negativas decorrem de experiências muito pessoais e fatores que influenciaram a sua criação. O diálogo com Alice Nunes, mulher jovem da periferia mostrou que mesmo na plena prática da busca do prazer, com uma criação de diálogos e liberdade sexual, eventos como violência sexual e física podem estar presentes e gerar impactos na autoestima da mulher. Também, perceberam-se agentes da ‘masculinidade frágil’, em que os parceiros sexuais da personagem sentiram-se ameaçados com os seus posicionamentos e performance entre quatro paredes. Outra personagem, prostituta e bissexual, vivenciou uma adultização precoce e a experiência do trabalho no mercado do sexo com os seus riscos e prazeres. Rebeca Borges confessou que sentia prazer ao dominar um cliente e isso poderia advir de um desejo de vingança internalizado, mas sentia-se exposta naquele ofício e isso a fez desistir. Também, compartilhou a vivência de possuir endometriose e lidar com as frustrações trazidas pela doença. Danielle Souto, por sua vez, era tímida e pouco falava, mas muito tinha a compartilhar. Lésbica, casada e mãe de uma menina, teve uma difícil descoberta da própria sexualidade e uma gravidez inesperada que impactou negativamente a maneira como enxergava o próprio corpo e desenvolvimento da vida sexual.
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Como uma questão importante para a autora deste caderno, não poderiam faltar mulheres com deficiência para representar este grupo e Flora Alves o fez. Dividiu a sua compreensão da sexualidade feminina através do movimento de sua cadeira de rodas em uma sociedade que a fere por ser mulher e por ter deficiência. Os olhares e comentários maldosos que foram enfrentados por ela desde a infância e os desafios de desenvolver a sua sexualidade mesmo sendo entendida pelo outro como assexuada. A religião desempenha papel de exímia influência no desenvolvimento da sexualidade feminina e em uma cultura de apego à religião, como apontado pela psicopedagoga Gisele Morilha. Por isso, ao entrevistar a pastora de uma igreja evangélica, notou-se a associação do seu bem estar sexual aos mandamentos do Divino de manter o celibato até o matrimônio e de submissão ao esposo. A relação de uma mulher com o seu próprio corpo também contribui para o desenvolvimento da sua sexualidade, fato percebido com a personagem que compartilhou a experiência da gestação com suas alterações na fisionomia e a recém maternidade, Aninha Ramos e Dândara Sanches, mulher negra e obesa. É inevitável a percepção da existência de um padrão de corpo ideal que impera sobre a população feminina e salienta traços, texturas e curvas irreais para alcançar a beleza. A beleza, por si só, acompanha o sucesso e o fracasso de uma mulher no flerte, no sexo, nos afetos, no alcance do prazer e na autoestima. O impacto é evidente e as relações tornam-se mais difíceis para as que não se encaixam neste quadro. As fontes especialistas, que não tiveram sua imagem ocultada por oferecerem contribuições científicas ao trabalho, percorreram caminhos parecidos ao explicar a partir dos seus estudos os fenômenos da sexualidade. O entendimento da atuação do Estado, da religião e de uma sociedade patriarcal para a sexualidade feminina é implacável. Ao mesmo tempo, as profissionais identificam o crescimento do retrato de uma mulher moderna, que toma algumas
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decisões sobre a maneira como conduz a sexualidade, busca prazer e relaciona-se com o próprio corpo. O erotismo saiu da referência soberana dos homens. Ainda assim, eventos de assédio, violência sexual e agressões físicas motivadas por questões de gênero acontecem e registram feridas negativas na vida de mulheres. Nos diálogos com Ariane Alves, psicóloga, Gisele Morilha, psicopedagoga e Karina Brum, sexóloga, lembrou-se do atual estado de consciência política pela qual o país passa e as consequências disso para a sexualidade feminina. Ao fim deste trabalho, percebe-se que os comportamentos não avançaram muito para o benefício das mulheres de décadas atrás, antes dos movimentos sociais de luta pela questão de gênero existirem e das legislações incriminarem crimes legitimados pelo machismo. Apesar disso, é indispensável enxergar a força e a complexidade de um grupo de mulheres que buscam por sua liberdade para amar como quiser, viver a sua sexualidade e interagir com o próprio corpo de maneira mais saudável. As amarras do machismo e conservadorismo não são mais tão robustas quanto antes. O conhecimento têm se tornado popular e as pessoas conversam sobre sexualidade com um pouco menos de dificuldade do que antes. O trabalho das três fontes especialistas em prol da consciência feminina sobre a sua própria sexualidade apresentam uma evolução considerável sobre como a sociedade vê o sexo e como o prazer feminino é tratado. No entanto, a maior e mais concreta prova de um progresso para a formação deste Caderno de Entrevistas foi a abertura das portas dos lares de sete mulheres para dialogar sobre a sua vida sexual e fatos talvez nunca antes compartilhados por elas para seus parceiros, familiares e amigos. Para a autora, o desafio não se encerrou em escolher um tema incomum para realizar o seu Trabalho de Conclusão de Curso.
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O verdadeiro mergulho ao abismo esteve em enfrentar a timidez, os tabus e amarras sociais para dialogar sobre sexo com mulheres desconhecidas, ouvir depoimentos que nunca haviam sido compartilhados com ninguém e salvar todas as informações dos próprios preconceitos. O desenvolvimento deste trabalho ensinou muito sobre jornalismo e também sobre vários dos aspectos de ser mulher em uma sociedade predominantemente machista. De lutar todos os dias, mesmo que involuntariamente, desconstruir a si mesma, aos seus parceiros e aos seus filhos para não permitir que essa cultura se reverbere. Esta obra foi pensada, transcrita, diagramada e escrita por uma única estudante de jornalismo com a orientação de um professor. Porém, ela é fruto das histórias mais intrínsecas e peculiares de dores e orgasmos de mulheres singulares.
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