são luiz teatro municipal
25 fev a 1 mar
Portugal, Meu Remorso
©Patrícia Sequeira
A pa r t i r d e t e x t o s de Alexandre O’Neill C r i aç ão e i n t e r p r e taç ão A n a N av e e J oão R e i s
Quarta a Sábado às 21h00 Domingo às 17h30 Sala Principal; M/12 Duração: 1h15
CONVERSA COM A EQUIPA ARTÍSTICA, SÁBADO DIA 28 FEv APÓS O ESPECTÁCULO
© Alexandre Delgado
Sempre sofri Portugal, tanto no sentido de não o suportar como no de amar-sem-esperança. São as palavras de Alexandre O’Neill que nos levam a uma viagem pelo Portugal dos nossos dias: Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor / O tapete que vai partir para o infinito / Esta noite ou uma noite qualquer. Se, em muitos aspectos, O’Neill foi um poeta incompreendido e indecifrável, certo é que se tornou um dos grandes nomes do Século XX. Portugal, Meu Remorso é um tributo a partir das inquietações e incertezas, da admiração tida pelo poeta que apostava tudo na vida mesmo que errada. Esta noite ou uma noite qualquer, com algumas palavras de ódio e outras de amor, fica o convite para uma viagem ao Portugal infinito de Alexandre O’Neill.
2
PORTUGAL , MEU REMORSO Maria Antón ia Olive ira
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, golpe até ao osso, fome sem entretém, perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, rocim engraxado, feira cabisbaixa, meu remorso, meu remorso de todos nós…
Esta é a estrofe final de um dos poemas mais conhecidos de Alexandre O’Neill, Portugal. A pátria, esse tema a que regressava sempre de forma irónica ou francamente jocosa, toma aqui cores mais sombrias: de forma entristecida e inquietante, O’Neill interpela-se a si próprio e, por fim, a nós também. O seu amor sem esperança por Portugal, que chega à insuportabilidade, à troça e ao desdém, é semelhante ao que se tem por um pai severo, ou por uma amante desleal de chinelo no pé e ainda assim permitindo-se sobrancerias. Não se atura, mas não se consegue ignorar. Fitar a pátria e o seu Carnaval absurdo é uma atracção pelo abismo, porque é encarar-se também a si próprio — o poeta O’Neill não olha de cima, nem se exclui do que observa. Na sua poesia misturam-se má-consciência e envolvimento atormentado, ironia prazenteira e cúmplice, regozijo e distanciamento enjoado, o encolher de ombros fatalista e o lamento lírico ardendo pela aventura. Até, enfim, ao exorcismo, num intenso jogo de espelhos e de consciente irmanação entre ele, poeta, e a “patriazinha iletrada” que tanto glosa. Não há por isso torres de marfim para o poeta O’Neill, antes a rua, o café, a tasca e o barbeiro, o público contra o privado, o fascínio pelo espectáculo da vida naquilo que ele tem de contingente e sobretudo de insólito. Pode assim a aventura surgir de qualquer lado ou momento, estando-se a ela predisposto e possuindo o olhar transviado — atento, cirúrgico — herdado dos (poucos) anos de Surrealismo: “Somos um país de dadaístas: há minas de dadaísmo em Portugal. É só lá chegar com um martelo e um escopro e tirarmos um bloco de Dadaísmo, desculpe o absurdo! Mas tem uma expressão de tal modo objectiva que é quase um minério.” O espectáculo Portugal, Meu Remorso persegue este olhar de Alexandre O’Neill, transmutado nas palavras dos poemas, prosas e cartas que escreveu. A selecção de textos e a dramaturgia não obedecem a uma linha narrativa; tão-pouco existe um encadeamento cronológico ou biográfico. As afinidades são doutro tipo: há palavras que saltaram de um texto para outro, ideias que ecoam, sons que se prolongam, poemas que altercam entre si. Fiquemos com as palavras de Alexandre O’Neill, de um texto que gravou no início dos anos 70, acompanhando as suas poesias: “Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momen3
©José Frade
tos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros. É pouco como projecto? Em todo o caso, é o meu. O que vou deixando escrito, ora me desgosta, enjoa até, ora me encanta. Acontece certamente o mesmo aos outros poetas, tenham estatuto ou não. Mas comigo talvez essa oscilação se dê com mais frequência. É que a invenção atroz a que se chama o dia-a-dia, este nosso dia-a-dia, espreita de perto tudo o que faço. É o preço que tenho pago para o esconjurar, pelo menos nas suas formas mais gordas e flácidas. Façamos um pouco de boa companhia, sim?”
©José Frade
ESTE POETA TAM BÉ M É MEU Ru i Lagartinho
Ana Nave e João Reis conversam com Rui Lagartinho sobre a sua relação pessoal com a poesia de Alexandre O’Neill e a vontade de fazer Portugal, Meu Remorso.
Alexandre O’Neill morreu em 1986. Por essa altura entravam vocês na idade adulta. Como e quando é que o Alexandre O’Neill chegou às vossas vidas? Ana Nave: Era eu adolescente e lembro-me que havia em minha casa uma colectânea de poemas do Alexandre O’Neill onde estava um poema que se chama Fala!. Começa assim: fala a sério e fala no gozo/ fá-la p’la calada e fala claro/ fala deveras saboroso/ fala barato e fala caro. Eu na altura decorava muitos poemas e tentei decorar aquele. Nunca consegui. Desisti. Lembro – me que a brincadeira com as palavras me fascinava. O descodificar daquelas palavras sem as conhecer era um dos meus jogos secretos desses anos. Naqueles instantes ele era só meu. João Reis: Eu cheguei ao O’Neill pela porta dos surrealistas. Interessei-me primeiro pelo Mário Cesariny e pelo António Maria Lisboa e depois li alguns textos, poemas dispersos do O’Neill. Na altura tinha um programa na rádio onde tinha uma colaboração com a Assírio & Alvim, e o Manuel Hermínio Monteiro fornecia-me livros para eu ler nesse programa. Lia também com grande devoção a revista Phala e lembro – me de ter lido num número uma entrevista da Clara Ferreira Alves ao Alexandre O’Neill e de imediatamente ter ficado impressionado pela pessoa. Comecei por comprar os livros que havia disponíveis, depois saiu a obra completa de que guardo um exemplar em estado deplorável, tanto foi o uso que lhe dei ao longo de todos estes anos. 5
Já percebi que fazer este espectáculo é para vocês um privilégio, um sonho que se concretiza. E o peso da responsabilidade por este ser um poeta de tanta outra gente? Ana Nave: É um esforço sem ponto de chegada. É inquietante porque levanta muitas questões, há muitas contradições. A escrita do O’Neill é uma escrita activa que abre portas e portas. É um espectáculo que por mais ensaiado e rodado que esteja em palco estará sempre em construção. João Reis: Estamos no fio da navalha em relação às expectativas que foram criadas ao pormos em cena a poesia do O’Neill. Em poetas mais líricos no sentido tradicional talvez seja mais fácil este tipo de trabalho. A isto acrescenta-se no meu íntimo, a minha admiração pessoal pelo homem por detrás da obra, pelo seu inconformismo, pela sua humildade, pela sua solidão e pela sua ternura. Imagino uma pessoa imensamente terna sem deixar de ser sarcástica. A sua própria relação de amor-ódio com Portugal cria uma tensão suplementar e dramática. Fica claro: Isto não é um recital. Ana Nave: Não, não é. Tu crias um imaginário a partir destas palavras, que te acompanha pela vida, um imaginário que pode ser teu mas que é sempre de algum modo português. Não há uma maneira de se fazer um espectáculo a não ser nesta procura da tradução da criatividade, da subversão e isso está claro muito longe de uma palavra estática atirada a uma plateia. João Reis: A relação que ele tem com o quotidiano da vida comum, vários poemas do espectáculo são sobre isso, obriga-nos a ter uma visão mais apertada sobre o seu universo. Há um voo imenso mas de repente somos puxados à terra para falarmos da vidinha e isso deixa-nos sem chão. Mas se calhar dá-vos asas. João Reis: Sim. Nós fartamo-nos de voar, nesta viagem curta, mas longa para nós. Mas há sempre uma angústia, um receio de não sermos capazes de o acompanhar. Estamos sempre a constatar que nunca o conseguiremos seguir pelos labirintos por onde ele nos leva. Ana Nave: Qualquer texto do Alexandre O’Neill nunca é uma coisa só. Passa rasteirinhas. Está a ir num sentido e de repente dá-nos a volta. E depois, ele fala sempre tão bem e tão certo. Hoje por exemplo estes versos acompanham-me desde que acordei “Não podias ficar presa comigo/à pequena dor que cada um de nós/ traz docemente pela mão/ a esta pequena dor à portuguesa” Ana Nave e João Reis: (juntos) “tão mansa quase vegetal.”
6
biografias
ANA NAVE
JOÃO REIS
Nasceu em 1967. Estreou-se com actriz profissional em 1985 na Companhia de Teatro de Almada/ Grupo de Campolide, a protagonizar a peça de Eugene O’Neill, Marco Milhão, encenada por Joaquim Benite. Como actriz interpretou personagens de autores como: William Shakespeare, Edward Bond, J. M. Singe, Cristoph Hein, Robert Patric, Carlo Goldoni, Almeida Garrett, Anton Tchekhov, Gil Vicente, Mário de Carvalho, Bertold Brecht, Athol Fugard, Arthur Miller, Patrick Marber, Molier, Dea Loher, Bruce Graham, BernardMarie Koltès, Garcia Lorca, em encenações de Rogério de Carvalho, Joaquim Benite, Julio Castronuevo, Rui Mendes, José Peixoto, Mário Jaques, Cristina Carvalhal, João Lourenço, Carlos Avilez, entre outros. Como encenadora destacam-se espectáculos como: Fala-me Como A Chuva e Deixa-me Escutar de Tennessee Williams, Inimigo de Classe de Nigel Williams, Quantos Dias Faltam Para Que Amanhã Faça Parte do Futuro e Os Seis Sentidos e o Sentido do Pecado de Rui Silvares, I Stand Before You Naked de Joyce Carol Oates, Jantar Entre Amigos de Donnald Margulies, Mulheres em Frente ao Espelho de Eduardo Gálan, Loucos por Amor de Tom Sheppard, Salvação – O Sangue é Mais Real a Preto e Branco de Chris Thorpe, Harper Regan de Simon Stephens e A Casa dos Anjos de Luís Mário Lopes, Prémio Melhor Texto para Teatro 2010, atribuído pela SPA. No cinema participou como actriz em A Mulher Polícia de Joaquim Sapinho, António, Rapaz de Lisboa de Jorge Silva Melo, As Três Palmeiras de João Botelho e Camarate de Luís Filipe Rocha. Trabalha regularmente em televisão, tendo sido nomeada como melhor actriz para os prémios de Monte Carlo com a série Liberdade 21 e recentemente protagonizou a série E Depois do Adeus. Em televisão tem feito também direcção de actores em telenovelas e séries.
Actor desde 1989. Curso de formação de actores do IFICT (Instituto de Formação Investigação e Criação Teatral), workshops com Daniel Stein, Daniel Zerky, Polina Klimovitskaya e Lenard Petit entre outros. Trabalhou com os encenadores ou em encenações de Ricardo Pais, Nuno Carinhas, João Lourenço, José Wallenstein, Luís Miguel Cintra, Giorgio B. Corsetti, Jorge Lavelli, Carlos Pimenta, Rui Mendes, Miguel Guilherme, Marcos Barbosa, António Pires, José Neves, Carlos Avilez, Duarte B. Ruas, Adriano Luz, Pedro Mexia, Mário Feliciano e Michel Van der Aa. Em textos de Schnitzler, Shakespeare, Jarry, Ionesco, Genet, Fassbinder, Gil Vicente, Calderón, Botho Strauss, Jacinto L. Pires, Eric E. Schmitt, Bukowski, Thomas Otway, Pessoa, Duras, Shawn, Stoppard, Corneille entre muitos outros. Entre Lisboa e Porto fez espectáculos em Guimarães, Braga, Viseu, Aveiro, Guarda, Torres Novas e Faro. Pelo Teatro Nacional São João esteve em Roma, Reims, Madrid, Santiago de Compostela e São Paulo. Encenou excertos de Três Cartas da Memória das Índias de Al Berto no Teatro São João em 1999 e Transacções de David Williamson no Teatro Maria Matos em 2009. Actor em concertos com a Orquestra Metropolitana de Lisboa e a Orquestra Sinfónica do Porto com música de Luís Tinoco e o Remix Ensemble na Casa da Música com Michel Van der Aa. No cinema foi actor em filmes de João Canijo, Fernando Lopes, Rita Azevedo Gomes, Ruy Guerra, Manoel de Oliveira, Vicente Alves do Ó, Luis Filipe Rocha, Edgar Pêra, Tiago Guedes e Pedro Sena Nunes. Para televisão fez inúmeras séries e novelas. Foi co-responsável pelo projecto Os Sons, Menina!... teatros radiofónicos, como realizador e autor no âmbito de uma iniciativa do Teatro Nacional São João. 7
Criação e interpretação Ana Nave e João Reis Dramaturgia Maria Antónia Oliveira Apoio Dramatúrgico Rui Lagartinho Movimento Félix Lozano Espaço sonoro Francisco Leal Vídeo Patrícia Sequeira e Duarte Elvas Desenho de luz João Cachulo Figurinos Rafaela Mapril Produção executiva Mónica Talina Co-produção O Lince Viaja e São Luiz Teatro Municipal
São Luiz tEatro municipal Direcção Artística Direcção Executiva Aida Tavares Programação Mais Novos Susana Duarte Adjunta Direcção Executiva Margarida Pacheco Secretariado de Direcção Olga Santos Direcção de Produção Tiza Gonçalves (Directora) Susana Duarte (Adjunta) Mafalda Sebastião Margarida Sousa Dias Direcção Técnica Hernâni Saúde (Director) João Nunes (Adjunto) Iluminação Carlos Tiago Ricardo Campos Ricardo Joaquim Sérgio Joaquim Maquinistas António Palma Cláudio Ramos Paulo Mira Vasco Ferreira Som Nuno Saias Ricardo Fernandes Rui Lopes Secretariado Técnico Sónia Rosa Direcção de Cena José Calixto Maria Távora Marta Pedroso Ana Cristina Lucas (Assistente) Direcção de Comunicação Ana Pereira (Directora) Elsa Barão Nuno Santos Design Gráfico Silva Designers Bilheteira Cidalina Ramos Hugo Henriques Soraia Amarelinho Frente de Casa Letras e Partituras Coordenação Carla Pignatelli Inês Macedo Assistentes de Sala Carolina Serrão Domingos Teixeira Filipa Matta Helena Malaquias Hernâni Baptista Inês Garcia João Cunha Sara Fernandes Sara Garcia Sofia Martins Carlos Ramos (Assistente) Segurança Securitas Limpeza Astrolimpa
www.teatrosaoluiz.pt