PROFESSAR 2020

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são luiz teatro municipal

© Helena Gonçalves

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23 a 26 janeiro 2020

teatro

estreia I


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A escola, esse paradoxo

À conversa com a equipa artística de Professar Este projeto nasce com um laboratório de escrita para teatro aberto a professores. O que vos levou a chamar estes profissionais ligados à educação e à pedagogia para a criação artística? Sara Duarte: Ao longo de cerca de 20 anos, fui tendo experiências de trabalho em várias escolas e vendo estas figuras de referência para crianças e adolescentes. Fui ouvindo muitas comunicações de desconforto em relação a uma série de limitações, de obrigações e de coisas pré-definidas na organização da educação no nosso país. Este projeto surgiu de uma necessidade de pensar em conjunto com diferentes pessoas ligadas à educação. Não no sentido de dar respostas e de encontrar uma solução, mas sim de pôr à vista, de pensar sobre todas estas coisas. A ideia foi, com estes profissionais ligados à educação, fazer um percurso criativo, um projeto que se demorasse no tempo, onde se partilhassem ideias e se experimentassem metodologias e uma forma de trabalhar, para depois chegarmos a um notas

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espetáculo. O laboratório surgiu para se criar o texto a partir destas pessoas que estão mesmo nas escolas ou no mundo da educação e depois ser posto em cena. Achei interessante dar voz aos professores e serem eles a subir ao palco e a se auto representarem. Lígia Soares: É muito interessante essa vontade de pôr a educação num plano artístico e em palco, porque é uma coisa muito pouco representada. O que leva professores a aceitarem este desafio de escrever uma peça de teatro e depois de a interpretar? Não se assustaram com o palco? Inês Peceguina: Sou investigadora na área de educação, tenho formação em Psicologia, já dei aulas na Faculdade, mas não me considero professora, e o que me desafiou aqui foi a escrita de um texto. Ao início, ninguém sabia que ia ter de subir ao palco! [risos] Mas talvez tivesse vindo na mesma se soubesse. Ângela Veiga: Acho que se soubesse não teria vindo... Mas interpretar esta peça acabou por se revelar um bom desafio.

Foi a parte da escrita que me interessou e também a reflexão sobre estes assuntos, porque não tenho tempo de conversar e de pensar com as minhas colegas sobre educação e sobre aquilo que fazemos diariamente na sala de aula. Não há tempo para trocar ideias nem metodologias, para discutir. Ana Teresa Magalhães: Este lugar de reflexão foi intenso, falámos muito, levantaram-se questões muito interessantes. Sou educadora artística, trabalho nas escolas em projetos de artes plásticas, que é a minha formação, e já tenho uma ligação ao teatro, por isso juntei aqui as duas coisas. Luísa Ramos Carvalho: Eu, por outro lado, trabalho numa escola onde a reflexão está presente todos os dias e, por isso, não tinha avidez de reflexão, foi mais a atração pela escrita e pelo teatro que me levou a participar. Como perita externa do Ministério da Educação, faço reuniões de reflexão de forma sistemática em escolas. Mas fiquei espantada com os nossos encontros porque se falaram de coisas muito estimulantes que até levei para essas reuniões. Ana Cotrim: Sou professora reformada, achei que não ia ser escolhida para participar no laboratório, mas acho que “morrerei sempre

professora” e foi isso que disse na candidatura. Ao longo dos anos de professora, conheci muitas escolas em Portugal e também no estrangeiro, fui professora, avaliadora… e o desafio de pensar o sistema educativo nunca se vai descolar de mim. O teatro é outra paixão que tenho desde sempre. Ana Fonseca: A mim cativou-me o sair da escola para falar da escola. Pedro Branco: Hoje arrependo-me de ter vindo [risos], mas o que me atraiu foi isso: sair da nossa zona de reflexão dentro das escolas – porque estou numa escola onde ela existe sempre –, contactar com outras pessoas e, na área da escrita e do teatro, ser dirigido, depois de anos a dirigir pessoas. Sofia Rosa: Também foi a escrita criativa o que me chamou. Dei aulas muitos anos, agora estou num cargo de direção e faltava-me criatividade na vida. Fiquei imensamente agradada por perceber que tínhamos aqui uma panóplia de pessoas diversificadas, com respostas muito diversas e de vários pontos do país. O desafio do teatro fez-me tremer, mas fui em frente. Daniela Viana: Eu sempre estive ligada à criação artística e dou aulas extra-curriculares, por isso, achei curioso juntar estes dois notas

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lados. Achei que a educação tem imensos pontos que precisam de ser falados e alterados e que era essencial dar voz a tantas vozes que se andam a manifestar pelas mudanças no ensino – e nada melhor do que fazê-lo num meio artístico, que coloca as questões noutro prisma e chega de forma eficaz às pessoas. Para este projeto trouxeram práticas e ideias das vossas salas de aula. E para as salas de aula também levaram o que aqui foi falado? Ângela Veiga: Sem dúvida. Por exemplo, nunca mais fiz aquilo de pôr os alunos a completarem as minhas palavras, que é uma coisa que os professores têm a mania de fazer e com que brincamos aqui [risos]. Pedro Branco: A mim aconteceu-me o contrário [risos], passei a fazer isso! Ângela Veiga: Uma vez falámos das luzes brancas das salas de aula e agora pergunto sempre aos meus alunos “querem que ligue a luz ou estão confortáveis assim?”. Antes chegava e acendia a luz sem perguntar nada. Houve pequenas coisas que alterei conscientemente no meu dia-a-dia de professora. Daniela Viana: Falámos e refletimos tanto que era inevitável não levar notas

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algumas dessas questões para o nosso dia-a-dia. Como foi o processo de trabalho? Em torno de temas pré definidos? Lígia Soares: Tudo começou por tentarmos perceber que urgências existiam, o que é que estes professores sentiam que era mais premente de ser trabalhado. E foi logo muito intenso! Foram surgindo os temas que discutíamos e trabalhávamos. Tentávamos trazer propostas, mas muitas vezes as coisas fluíam de outras formas. Tivemos temas como a avaliação, a disciplina, as metodologias, a transmissão de conhecimento, as rotinas, o recreio… tudo isto chegou ao texto e está na peça. Sara Duarte: Gravámos todas as sessões que tivemos e algum desse material foi depois transformado em material dramático. Luísa Ramos Carvalho: Todos os textos refletem, acredito, esta necessidade de falarmos na perspetiva dos professores que somos. E de falar principalmente daquilo que nos angustia. Lígia Soares: Temos a noção de que isto é um assunto que interessa a toda a gente: professores, pais, alunos… É um assunto transversal. Neste grupo que juntámos no

laboratório há experiências e contextos muito diversificados, seja de classes sociais, de geografias, de trabalho, há professores do ensino público e do privado… Aqui vemos pequenos retratos da escola. Como escolheram o que havia de saltar das salas de aula para o espetáculo? Lígia Soares: Não quisemos moralizar sobre aspetos muito concretos. Por exemplo, no documento com que começa a peça, que é super abrangente e inclusivo e que representa uma ideia quase utópica de educação, observámos, na sua linguagem retórica e pouco pragmática, a distância entre uma coisa ideal e o esforço que é pedido a um professor para a pôr em prática. Falámos muito sobre essa distância entre intenções e práticas e como isso cria um espaço de frustração para professores e também para alunos. Sara Duarte: Pusemos em cena o sintoma dessa dificuldade que é todo aquele desconforto no corpo dos alunos, no início do espetáculo. Sofia Rosa: Fizemos pequenos retratos das nossas vivências na escola e da forma de a sentir e de a viver, resultado da reflexão que fizemos durante quase um ano no laboratório de escrita. A minha

ideia para este espetáculo é colocar coisas em causa e que ele seja um ponto de partida de reflexão. Conseguirmos fazer isto com as pessoas que estão no terreno é muito valioso. Ana Teresa Magalhães: Eu vejo aqui um ponto de reflexão, mas para mim este espetáculo também é levar essa reflexão e a educação ao absurdo. Este lado de surreal das ideias que trocámos e que aqui ganharam novos sentidos. O palco permite isso: levar tudo a uma outra dimensão e abusar de um lado mais figurativo. Inês Peceguina: Sim, aqui desconstruímos a nossa realidade. É uma visão artística, não é literal. Luísa Ramos Carvalho: A ideia não é que este texto seja literal ou programático ou didático… Ângela Veiga: Acredito que alguns que não sejam professores e que venham ver a peça tenham dificuldade em perceber algumas coisas… Sofia Rosa: O texto é altamente simbólico, mas acho que todos vão entender, porque todos nós vivemos a escola, se não como professores, como alunos e como pais e mães. Lígia Soares: A construção deste texto foi um puzzle muito livre. notas

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Criamos cenas muito irónicas e muito lúdicas, fomos ao absurdo de como a escola é um sítio tão dinâmico e que procura contextualizar tudo, mas está tão desfasada de tantas realidades. E, ao mesmo tempo, é um sítio tão lúdico. Pedro Branco: A escola é um paradoxo! Como dizemos na peça, é um sítio com grades onde as crianças encontram liberdade. Ana Teresa Magalhães: Uma coisa muito importante nesta peça é olhar o lugar da criança na escola. Lígia Soares: Não quisemos fechar aqui nenhuma construção identitária e depois fomos abrindo cada vez mais um bocadinho. Não nos interessou ter personagens e atores que fizessem de alunos e outros de professores, até porque é tudo uma continuidade. A educação é uma coisa geral, em que tanto podemos ser encontrados num papel como noutro ou até nos dois ao mesmo tempo. Aqui tivemos ainda a relação com as convenções teatrais, com o espectador e essa ideia do aluno ser um espectador. Isso deu-nos mais liberdade para incluir muito mais ideias e para representar não só estes professores, mas também a preocupação deles com as crianças – o que acabou por ir abrindo para coisas mais lúdicas, para o faz-de-conta… notas

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Não foi fácil, com tanto material, estruturar uma peça. Sofia Rosa: É muito bonito isto. Nós, enquanto professores, podemos estar muito distanciados da nossa criança interior e esta linguagem de brincadeira em palco permite-nos descobrir essa criança. Com isso, podemos até compreender melhor os alunos que temos à frente. É importante que não percamos esta criança que está dentro de nós e que se perde muitas vezes no trabalho que temos na escola, com toda a burocracia à nossa volta. Foram em busca da criança em vocês para conseguirem subir ao palco? Sofia Rosa: Sim, é voltar a brincar a sério. Inês Peceguina: Não me sinto atriz aqui, sinto que estou a interpretar um texto para o qual contribuímos. Ana Cotrim: Ah, qualquer professor é um ator! Pedro Branco: Não concordo com isso… Sofia Rosa: Mas nós, professores, estamos sempre a representar. Por muito que coloquemos muito de nós, a educação é uma representação.

Nas aulas tenho de representar muitas vezes, mas em palco não me sinto de todo atriz, porque me identifico com os papéis que desempenho. Pedro Branco: Para mim não é novo estar em cima do palco, no entanto, continua a ser um sítio onde me sinto muito desconfortável e exatamente por isso é muito atraente. Aqui, como na sala de aula, eu sou eu, não represento. E aqui ainda me sinto a representar menos, mesmo quando estou a fazer coisas que normalmente não faço na escola. Daniela Viana: Talvez o que haja de comum entre um ator e um professor é que os dois têm de transmitir as suas emoções sem descarregarem o lado pessoal em quem está à sua frente. Ângela Veiga:

Na peça, ouvem-se lamentos e reivindicações. É preciso a escola mudar? Pedro Branco: No início, receei que se caísse em clichés e falámos disso, mas acho que a Lígia e a Sara fizeram um trabalho fantástico a transformar tudo aquilo de que falámos no texto deste espetáculo. Na verdade, só não vê quem não quer que a escola está em crise.

Todos sabem que a escola tem de mudar, sim, mas esta peça dará projeção a isso. Pedro Branco: Acredito que este é um texto crítico, mas acho que nem pomos o dedo na ferida diretamente, porque, para mim, os grandes responsáveis por isto estar assim somos nós, os professores. Sempre achei e continuo a achar que a escola não muda por nossa causa. Aqui, apesar de estarmos a fazer uma caricatura de nós próprios, isso pode ser entendido como uma crítica, mas não é muito frontal. Ângela Veiga: Achas que nós, professores, temos autonomia para mudar a escola? Não acho que dependa só dos professores. Ana Cotrim: Podes ser um grão na engrenagem. Ângela Veiga: ... e se não te dão liberdade para isso? Sofia Rosa: Tens de exigir! Pedro Branco: Somos muito mais poderosos do que podemos imaginar. E esse tipo de resposta é que faz com que não se resolva nada. Há sempre uma desculpa qualquer para não se fazer nada. Sofia Rosa:

Que se faça. E que se comece por uma peça de teatro. Entrevista realizada em janeiro 2020, por Gabriela Lourenço / Teatro São Luiz notas

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23 a 26 janeiro teatro

PROFESSAR

© Helena Gonça lves

LÍGIA SOARES E SARA DUARTE estreia Sala Mário Viegas Público-alvo: > 15 anos m/15 Duração: 1h20 (aprox.)

público geral

Sábado, 21h; domingo, 17h30 €12 com descontos

25 janeiro, sábado Conversa com o público após o espetáculo, mediada pela investigadora Irene Santos e comentada pelo professor catedrático Rui Canário + Lançamento livro “Professar” 26 janeiro, domingo, 17h30 escolas quinta e sexta, 10h30 Conversa com a equipa após sessão escolar €3 criança; gratuito para acompanhantes de grupos escolares

Conceção e Direção artística: Lígia Soares e Sara Duarte; Cocriação e interpretação: Ana Cotrim, Ana Fonseca, Ana Teresa Magalhães, Ângela Veiga, Daniela Viana, Inês Peceguina, Luísa Ramos Carvalho, Pedro Branco, Sofia Rosa e com a colaboração de Bárbara Almeida, Evangelina Martins, João Faria e Lília Lopes; Apoio à pesquisa: Irene Santos; Espaço cénico e Figurinos: Helena Gonçalves; Conceção, execução e produção de figurinos especiais: Ricardo Barbeito; Som: Rui Bentes; Desenho de luz: Nuno Patinho; Edição e operação de vídeo: Beatriz Tomaz e Ricardo Cruz; Produção executiva: Daniela Ribeiro e Vanda Cerejo; Apoio: Escola Secundária de Camões, Escola Básica e Secundária Passos Manuel, Esquerda.net, Externato Fernão Mendes Pinto, Escola Secundária de Fonseca Benevides, Ministério da Educação / DGEstE – DireçãoGeral dos Estabelecimentos Escolares Equipa adicional edição livro “Professar”: Revisão de texto: Pedro Cerejo; Design gráfico: Sílvia Prudêncio

24 janeiro, sexta, 10h30

© Helena Gonça lves

mediante marcação

Agradecimentos: Ângela Lopes, Antonieta Ferreira, Carlos Banha, Catarina Nunes, Diogo Lidónio, Florbela da Cruz Valente, Isilda Medroa, João Jaime Pires, Ludovina Filipe, Luis Amarelo, Luísa Gomes, Maria José Pereira, Paula Leal, Pascal Paulus, Rui Canário, Rui Pina Coelho, Turma Mista do Externato Fernão Mendes Pinto Imagens gentilmente cedidas por Esquerda.net Músicas: Coconuts by MBB - Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 Unported, Happy Place by Alexander Nakarada – Attribution 4.0 International (CC BY 4.0), Lobo Loco by Red Hills Solstice – Attribution 4.0 International (CC BY 4.0)

teatrosaoluiz.pt

O teatro meia volta e depois à esquerda quando eu disser é uma estrutura financiada pelo Governo de Portugal – Direção Geral das Artes Coprodução: teatro meia volta e depois à esquerda quando eu disser e São Luiz Teatro Municipal

Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Programação Mais Novos Susana Duarte Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Mónica Talina, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Ricardo Campos, Tiago Pedro, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão

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