CENAS DA VIDA CONJUGAL DE IN GM AR BE RG M AN
ENCENAÇÃO DE RITA CALÇADA BASTOS
22 JUNHO A 4 JULHO 2021 TEATRO/ESTREIA
© Duarte Amaral Netto
M/16
teatrosaoluiz.pt
sibilidade mais acertada. Todo o meu trabalho enquanto encenadora surge da necessidade de reflexão sobre determinados temas. O tema das relações humanas, neste caso a relação entre um casal, não é exceção. Tenho-me perguntado qual é o segredo para o amor vencer sempre face a quotidianos chatos e rotineiros, que pessoa é que temos de ser para que a nossa relação com o outro não seja um emaranhado de conflitos e confusões, e este texto reflete sobre isso. Tenho assistido a muitos divórcios e separações, eu própria tenho o meu percurso, e por isso para mim este tema põe-me a pensar.
À CONVERSA COM
RITA CALÇADA BASTOS Cenas da Vida Conjugal já é um clássico. Lembra-se da primeira vez que teve contacto com este texto? Espelhei-me na obra de Ingmar Bergman nos meus tempos de Conservatório, deveria ter 22 anos. Tive sorte. Primeiro, O Persona, Os Morangos Silvestres, Lágrimas e Suspiros, A Fonte da Virgem, Mónica e o Desejo, e só mais tarde Cenas da Vida Conjugal, A Sonata de Outono, Fanny and Alexander, O Sétimo Selo e os outros. Desde o meu primeiro contacto com esse material senti que me pertencia, que falava de mim, como entendo que pertence a qualquer ser humano, e sempre quis fazer um espetáculo a partir de uma das suas obras. A primeira oportunidade surgiu com a peça Seres Humanos, encenada pelo Martim Pedroso, a partir de alguns filmes de Bergman, entre eles uma cena de Cenas da Vida Conjugal. Já lá vão muitos anos. Mais tarde, voltei a este texto também na pesquisa que fiz para o espetáculo A Meio da Noite, uma homenagem que a Companhia Olga Roriz fez ao cineasta. Por isso, posso dizer que trago o Bergman na pele.
Este viver de projeções e de imagens falsas parece ser cada vez mais atual. Hoje faz ainda mais sentido essa reflexão? Hoje em dia a preocupação com a imagem que os outros têm de nós tornou-se quase o nosso espelho e isso é preocupante. Viver a achar que temos de corresponder à imagem que os outros têm de nós é uma prisão maior do que o narcisismo. Tornou-se uma espécie de doença da alma da qual quase todos padecemos. A necessidade de perfeição estética (as redes socias promovem isso de uma forma agressiva), a necessidade de pertencer a um mundo que não existe (virtual) está a fazer com que a humanidade se desconecte do próximo, de si, e isso está a acontecer sem que ninguém dê por isso. Ninguém dá por isso. Agora que está a trabalhar o texto, a sua visão sobre ele mudou? Sim, sem dúvida. O meu entendimento e a minha perspetiva foram mudando ao longo do tempo, mas isso faz parte do amadurecimento, e ainda bem [risos].
O que a levou a querer trazer este texto para o palco agora? A Katrin Kaasa desafiou-me para encenar e este texto surgiu como a pos2
Seria preocupante para mim pensar o mesmo que há 20 anos. No entanto, mantém-se esta minha necessidade de me apaziguar, de compreender o mundo, o outro. A experiência, o erro e a morte permitem-nos uma maior compaixão em relação ao outro e a nós próprios, e isso acaba por tornar tudo mais relativo.
De que forma é que isso se expressa em cena? Bergman tem uma mestria inigualável a escarafunchar e exacerbar os conflitos internos nas teias da mente. Apenas procurámos dar voz e perceber em que medida é que isso está intrincado no comportamento, nas subtilezas do quotidiano.
O que quis sublinhar nesta encenação? A questão primordial para mim neste trabalho é perceber em que medida é que numa relação é possível salvar o amor.
Esta é uma peça que vive muito do trabalho de atores. Que direção lhes indicou, o que lhes pediu que fizessem com este texto? Gosto muito de atores e tenho por eles um respeito desmedido. Peço sempre que se mostrem como são, que tragam para a cena as suas inquietações, as suas inseguranças e vulnerabilidades. A partir daí posso pedir tudo, porque estes atores com quem trabalho são generosos e plenos na sua entrega, questionam-me e confiam. Pedi-lhes para partirem do seu próprio quotidiano e eles deram-me isso tudo e o resto.
Chegou a alguma conclusão sobre isso? É possível salvar o amor numa relação? Quero acreditar que sim. Quanto mais não seja o amor próprio! [risos] Há muitas formas de amor e de amar. Mas a forma mais pura do amor é a liberdade: a de podermos ser quem somos e aceitar que o outro deve ser quem é, num equilíbrio saudável e harmonioso. Por vezes, se isso não é possível, salvar o amor pode ser apenas aceitar que naqueles moldes não funciona, que será preciso reinventar outro modelo relacional onde ele possa existir.
Tal como disse no início, espelhamo-nos nos textos de Bergman. O público também se vai espelhar neste quotidiano que encenam em palco? Espero sinceramente que sim. Bergman é universal, a meu ver, é muito difícil isso não acontecer. Todos nós lidamos com a Manipulação, a Humilhação, o Sarcasmo, a Fé ou a ausência dela, a Violência, a Mesquinhez , a Cobardia, a Exaustão psicológica, a Morte, o Amor, a Sobrevivência, a Rotina, a Frustração, a ideia de Inferno... Ingmar Bergman disse: “Todos temos os nossos demónios!” e eu acrescento: Eles andam à soltam e, por vezes, não nos deixam dormir.
Como surgiu este diálogo entre teatro e cinema, aqui a cargo de João Canijo? Para mim, sempre foi muito claro que aquilo que nós somos não é necessariamente aquilo que queremos ser, nem o que revelamos ao outro. Somos uma pessoa quando estamos sós, que nem nós sabemos definir, e somos outra na relação com o outro. O trabalho do João, por quem nutro a maior admiração, vem fortalecer essa visão e vem reforçar a saturação da relação com o outro no quotidiano.
Entrevista realizada em junho de 2021 por Gabriela Lourenço / Teatro São Luiz 3
22 junho a 4 julho 2021 teatro / estreia
CENAS DADE INGMAR VIDABERGMAN CONJUGAL ENCENAÇÃO DE RITA CALÇADA BASTOS Sala Mário Viegas Terça a sábado, 19h30; domingo 16h Duração: 2h30 (sem intervalo); m/16; €12 com descontos conversa com o público A importância de Ingmar Bergman na vida de todos nós 26 junho, sábado, 17h30 – Sala Bernardo Sassetti (entrada livre, sujeita à lotação da sala) Helena Pilsas, Embaixadora da Suécia em Portugal · Aida Tavares, Diretora Artística do Teatro São Luiz Maria Quintans, Dramaturga · João Canijo, Realizador · Rita Calçada Bastos, Encenadora e Atriz Ivo Canelas, Ator · Katrin Kaasa, Atriz Encenação: Rita Calçada Bastos; Interpretação: Katrin Kaasa e Ivo Canelas; Desenho de luz: Paulo Santos; Vídeo: João Canijo e Leonor Teles; Cenografia e Figurinos: Fernando Alvarez / Assistente: Ricardo Reis; Música e Espaço sonoro: Hugo Neves Reis; Tradução: Katrin Kaasa; Produção executiva: Raul Ribeiro; Coprodução: Close2paradise e São Luiz Teatro Municipal
© Duarte Amaral Netto
Agradecimentos: Teatro Experimental de Cascais, Companhia Olga Roriz, Kjersti, Ivo, Duarte Amaral Netto, Vicente, Alice, Victória, Eva, Filipa Leão, Maria Quintans, João Canijo, João Bráz, Marta Albuquerque e Oitenta e Oito
Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Marta Azenha, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Cláudio Marto, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão