L A J E R O CE 13 A 31 O IR NE JA 2021 TEATRO/ESTREIA A CLASSIFICAR PELA CCE
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É verdade que há muito tempo que tem este espetáculo na cabeça? Sim, esta peça já me acompanha há cerca de 20 anos. É estranho porque a visão que tinha da peça era uma coisa muito abstrata, sabia que gostava, identificava-me com a peça, mas não tão profundamente como agora. Com a minha experiência de vida, cada vez mais vai fazendo parte de mim, do que sou. É uma espécie de sonho realizado poder encenar esta peça. O que tem esta peça que faz com que se tenha vindo a identificar cada vez mais? O Cerejal podia perfeitamente ser o teatro. Todas aquelas personagens podiam ser figuras do teatro, desde as grandes divas, aos atores mais antigos e clássicos, aos principiantes e ao ponto, ao contra-regra, ao produtor… Eles vão perder o Cerejal porque não têm capacidade para o manter… esta capacidade de lidar com problemas reais também é uma coisa de que me interessa falar. Há problemas ecológicos graves, que vamos vivendo e assobiando para o lado, e se não se fizer nada rapidamente, as catástrofes naturais vão ser cada vez mais frequentes. Esta inação humana está sempre presente na peça e isso cria uma sensação de angústia… permanente. “Estou sempre à espera que aconteça alguma coisa, como se tudo isto se fosse demoronar em
À CONVERSA COM SANDRA FALEIRO a propósito da encenação de O Cerejal
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cima das nossas cabeças”, diz-se, a certa altura. Há uma quantidade de ligações que posso fazer entre esta peça e o teatro e a vida. Parti do princípio de que este Cerejal era o teatro e durante os ensaios foi tudo surgindo naturalmente, sem ter de forçar nada: apareceram pancadinhas de Molière, Shakespeare, um teatro mais contemporâneo auto-testemunhal… Mas esta é apenas uma das camadas, porque a peça tem várias camadas, sempre centradas na história desta família que está ali numa bolha com tudo a mudar à volta. Como agora. O nosso modo de vida está a mudar radicalmente. Estamos numa época de transformação. Tem também esse lado de lidar com a mudança e com o medo.
tórias. Claro que os atores também têm isso – se não, não têm muito interesse – mas escolhi estas pessoas que me podem trazer ainda mais coisas. Tem sido muito interessante. Adoro que me tirem o tapete, que discutam, adoro entrar em dialética, porque não tenho a certeza de nada e quero é crescer. É esse processo de escuta que me atrai. Obviamente que depois sou eu que faço opções e luto por elas, mas há aqui um exercício de questionamento constante que me agrada. Sinto que é o certo e quero tentar, o máximo possível, ir por este caminho. Nesse processo a sua ideia inicial de ver o Cerejal como o teatro não se dissipou, antes pelo contrário. Completamente. As coisas têm estado sempre a fluir, mesmo indo todos fazendo perguntas constantemente. O Cerejal é o teatro e o Cerejal é o Cerejal, essa lógica nunca desapareceu. Ainda por cima fazer isto no Teatro São Luiz, que está carregado de memórias, tem sido muito bonito e dá ainda mais sentido à ideia de pôr o público a olhar para o teatro. Acredito que pode ser uma experiência muito interessante.
Esse paralelismo com o teatro e a situação do teatro foi crescendo ao longo dos ensaios, então? Como encenadora, cada vez mais, chego à conclusão de que o meu processo é de escuta. Normalmente, tenho uma ideia fixa e, a partir dessa ideia, começo a trabalhar com os atores e com as personalidades dos atores que escolho. Quando formei o elenco, reparei que tinha escolhido vários encenadores e isso é muito engraçado, porque escolhi pessoas que têm um lado muito criativo na forma como olham de fora também, têm um pensamento crítico e uma visão sobre a forma de contar his-
A ideia de inverter a plateia tem a ver com esse exercício de pôr o público a olhar para o teatro? Sim, é mesmo essa. E acho que isso pode ser mágico. 3
É também passar esta reflexão sobre o teatro para os espectadores? Sim, sobre o teatro, sobre as coisas se estarem a transformar, sobre o perigo de tudo estar a acabar ou não… Estamos todos a pensar nisso no teatro e na vida. Acho que, neste momento, toda a gente está nessa fase. É inevitável e não tem nada a ver com ser pessimista. Tem a ver com esta realidade que vivemos e que nos faz questionar o nosso futuro. Há aqui o lado do desconhecido que é possante. Esta pandemia… entristece-me pensar que vou ter muito menos público a ver a peça por causa do Covid. Adorava poder mostrar esta peça a mais gente. Mas agora estamos em modo sobrevivência, não sabemos o que se segue e até quando vamos aguentar, até quando os teatros se vão manter abertos. Toda a gente está nesse sítio: até quando nos vamos manter?
para irem de casa para o trabalho, coisas básicas. E está a ser cada vez mais difícil. Claro que há sempre uma esperança de que, quando esta crise passar, as pessoas estejam sedentas de teatro e ele volte com toda a força. Porque as pessoas precisam de pessoas e as pessoas precisam de arte na vida. Mas até isso acontecer, quantas pessoas vão ficar pelo caminho, quantos teatros vão fechar…? Mesmo quem consegue trabalhar, fá-lo com grande sacrifício e sem grande proteção. Esta peça que Tchekov escreveu como uma comédia mas que descobriu ser uma tragédia ganhou contornos ainda mais trágicos assim? Não, nunca ponho as personagens com pena delas próprias. Esta peça é mais uma declaração de amor. O Cerejal tem uma coisa muito bonita que têm todas as peças de Tchekov: são carregadas de amor. As personagens têm todas um profundo amor umas pelas outras e não têm pena delas próprias, o que acho grandioso. Continuo sem saber se é uma tragédia, se é uma comédia… há momentos em que as pessoas se vão rir, há momentos que são aparentemente leves e, quando damos por isso, vem uma tristeza. Como acontece na vida.
Faz ainda mais sentido agora este fim do Cerejal ser uma metáfora para o fim do teatro? Mesmo. Eles perdem o Cerejal, não é? Vai ser vendido, acabou-se o Cerejal no fim da peça. E corremos o risco de se acabar o teatro? Acho que corremos o risco, sim. É um risco palpável, porque as pessoas têm de pôr comida na mesa, têm de criar os filhos, têm de ter dinheiro
Nesta dramaturgia, juntou às palavras d’ O Cerejal outros 4
textos de Tchekov sobre teatro. Há um livro incrível com a correspondência de Tchekov com várias pessoas, ando sempre com ele atrás agora, é uma espécie de Bíblia para mim neste momento. Penso que não se vai perceber na peça, mas há lá umas cartas no meio, que falam do teatro. Fiz essa adaptação. As cartas são lindas. O livro transporta-nos para aquela época e para a família dele, conseguimos fazer imensas ligações das personagens dele com os amigos e a família. Ele tinha uma paixão pelo teatro, pelos atores e pelos encenadores, pela forma como as coisas se criavam. Era um apaixonado, sofria imenso. E eu gostava que se sentisse isso nesta peça. Esse lado sôfrego pela vida que ele tinha – e é assim que sinto que estamos todos agora. Sedentos de vida.
É uma despedida, não sei se é festa… Não é uma despedida magoada, mas com toda a melancolia que existe, com a memória, com o amor, com os sorrisos tristes. Não existe uma ponta de rancor, é uma coisa mais alegórica e muito mais luminosa. … mas é uma despedida, em forma de “até já”, tem de ser… Concerteza. Espero eu! [risos] Mas se não nos voltarmos a encontrar, não há drama nenhum aqui, é a vida. Neste momento, lidar com o presente é demasiado, não consigo projetar nada. E nada disto é dramático.
Diz que descobriu que é uma clássica. Encontramos sempre a atualidade nos clássicos? Agrada-me muito esta coisa de estar a trabalhar um texto clássico e perceber que é super contemporâneo. Mais atual que este O Cerejal é difícil. E há tanto tempo que estou para encenar esta peça e calhou mesmo fazê-lo este ano, com tudo o que se está a passar. Não podia fazer mais sentido.
Entrevista realizada em janeiro 2021, por Gabriela Lourenço / Teatro São Luiz
No início deste projeto, chamou ao espetáculo “uma festa de despedida”. Continua a ser isso? 5
Sobre estes ensaios d’O Cerejal Foi por coincidência que os ensaios deste espectáculo começaram quando passámos a nunca saber se verdadeiramente estrearemos. À data, continuamos sem saber. É um estranho apego, certamente em forma de amor, este com que nos movemos nos lugares que podemos ter de abandonar a qualquer momento. A sala do Teatro, que abrimos à frente do público sentado no palco, é o cerejal na iminência da partida dos senhores da casa. Um edifício grande e imutável, onde se desenha, à escala humana, o plano da narrativa, materializada no corpo dos actores, fértil em vida. No sobressalto da despedida, mesmo que só intuída, celebramos com a alegria esforçada de uma festa caduca. “Querem que eu dance, mas tenho vertigens e o coração bate-me” (Duniacha, em O Cerejal) Alice Medeiros
© Estelle Valente
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3 a 31 janeiro 2021 teatro estreia
O ANTON CEREJAL TCHÉKHOV
DE ENCENAÇÃO SANDRA FALEIRO Sala Luis Miguel Cintra Terça a sábado 20h, domingo 17h30 Duração: 1h55 A classificar pela CCE 31 janeiro, domingo, 17h30 De Anton Tchékhov; Encenação e conceção plástica: Sandra Faleiro; Assistência de encenação: Alice Medeiros; Interpretação: Ana Valentim, Cristina Carvalhal, Cucha Carvalheiro, Inês Castro Dias, Joana Campelo, José Leite, Nuno Nunes, Paulo Pinto, Pedro Lacerda, Vítor d’Andrade, Sandra Faleiro; Desenho de luz: Rui Monteiro; Sonoplastia: Sérgio Delgado; Produção executiva: Sofia Bernardo Agradecimentos: Aida Carvalhal, Ana Lúcia Fonseca Costa, João Arrais, Maria dos Prazeres Valentim, Maria Gonzaga, Pedro Corrêa Pereira Vasco de Lacerda, Pedro Trancoso Apoios: Culturgest, KOOA Hair, LU.CA, Primeiros Sintomas, Teatro Nacional D. Maria II Coprodução: Causas Comuns e São Luiz Teatro Municipal A Causas Comuns é uma estrutura financiada pelo Governo de Portugal – Ministério da Cultura / Direção Geral das Artes O Teatro São Luiz/EGEAC é parceiro no Projeto Europeu Inclusive Theater(s) Datas e horários podem sofrer alterações, conforme medidas de controlo da pandemia.
Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Ricardo Campos, Tiago Pedro, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rute Valadares Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão
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