CICLO SETE ANOS SETE PEÇAS - CLÁUDIA DIAS 2021

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21 A 29 ABRIL 26 E 29 MAIO 2021 DANÇA/CONVERSAS M/6 e M/12

C ICLO

SETE ANOS

SETE PEÇAS © Alípio Padilha

CLÁUDIA DIAS

teatrosaoluiz.pt


sete peças que Cláudia Dias se propôs fazer, com sete parceiros escolhidos a dedo, é, como serão os outros, feito a quatro mãos. Porém, nesta primeira vez, com Pablo Fidalgo, o sentido é literal: são as próprias mãos deles, mesmo, em carne e osso, que vemos postas em palco. Cláudia e Jaime propõem-se reconstituir um combate de boxe, punhos cerrados, um contra o outro. Boxe, full contact ou vale tudo-menos-tirar-olhos, uma coisa parece certa, a julgar pela amostra: vão dar e levar na boca - não há que ter medo das palavras - literal e metaforicamente.

SEGUNDA-FEIRA: ATENÇÃO À DIREITA! OK, KNOCK ME OUT Quando levamos um soco, pelo menos acontece qualquer coisa. Com alguma sorte, se dermos por ela, temos noção que está a acontecer. É um primeiro passo, quando nos esmurram a cara, saber algo. Mas bom mesmo é saber quem, como, para quê, o que foi. Num mundo de agressão mais ou menos dissimulada, em casa e no trabalho, e mais ou menos simulada, no ócio e no lazer, é de esperar que mais cedo ou mais tarde alguém nos dê esse soco. Nem que seja metafórico. O que surpreende é que tanta gente apanhe sem saber porquê. Antes de deixar, por inadvertência, que alguém nos esmurre a cara, é bom ter presente as consequências do ato. Não saber quais são a motivação e a finalidade desse mesmo ato é, por mais que o murro nos acerte em cheio, passar ao lado dos acontecimentos. Sem entendimento, o facto é-nos alheio. Eis como um conflito pode chegar a não ser, mesmo depois de ter acontecido. Que é o agora? Comparado com o antes e o depois, nada. Antes e depois do impacto, avaliemos o ato. A partir disto, construamos o edifício do próprio tempo, a história, e a nossa memória do futuro. Não ter medo. Não ter medo de tudo. Não deixar o medo ter tudo. Não edificar sobre ele o Portugal futuro.

INSCRIÇÃO Esta peça desafia o anátema lançado sobre todos os portugueses, por José Gil, com a ideia de não-inscrição. Cláudia Dias propôs-se começar um projecto de sete anos de trabalhos pondo em cena um combate de artes marciais onde dá o seu corpo ao manifesto. E cumpriu. Este ato é real. O gesto distingue-se dos demais. A ideia inscreve-se na memória de quantos assistiram à cena. Não se trata apenas de voluntarismo corporal. O texto do espectáculo, ao responder a cada pergunta com uma nova pergunta, instala a discordância e incomoda quem pretendia achar algum conforto não nas respostas, mas no sistema que estivesse por trás dos questionamentos. Nenhuma pergunta é proibida. Sobretudo as perguntas que passam por ingenuidade política e que fica mal serem proferidas nos salões da situação em que se converteram os teatros, nem burgueses, nem aristocratas, mas simplesmente oficiais e de bom gosto.

ARENAS PESSOAIS O primeiro espectáculo do ciclo de 2

As perguntas às perguntas pressupõem respostas, claro está, que estão subentendidas nas elipses entre elas. Mas cada um tem de responder à sua maneira, silenciados que estamos pela convenção teatral, sem ter a certeza da resposta que os autores fariam. Por isso as perguntas não são retóricas e o desarranjo vem precisamente de não ser possível conhecer nem a resposta certa nem o sentimento dominante da voz que lança as perguntas. As dezenas de perguntas tentam reproduzir a totalidade do real, ou pelo menos do real que constitui a experiência dos seus autores. O trabalho é pensado para que as perguntas ecoem o que está lá fora. É nessa reverberação que está a potência desta obra.

TERÇA-FEIRA: TUDO O QUE É SÓLIDO DISSOLVE-SE NO AR CITAÇÕES Siga atentamente as linhas e os traços destas letras no papel, antes de se transformarem em palavras. Tento fazer o mesmo. Se fizermos isso os dois, teremos tempo para uma troca de ideias, mesmo antes de começar o texto. O subtítulo desta peça é uma citação do Manifesto Comunista, escrito por Marx e Engels, em 1848. A frase original está num parágrafo sobre o modo como o capitalismo destrói o que for preciso para perpetuar os lucros. Na tradução de José Barata Moura: Tudo o que era dos estados e estável se volatiliza, tudo o que era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações recíprocas.

Jorge Louraço Figueira, 2016

CONVERSA DIAS ÚTEIS

A ARTE DA COMPETIÇÃO

Moderadoras: Catarina Pires e Raquel Lima Artista: Cláudia Dias Convidados: Boaventura Sousa Santos (zoom) e Álvaro Pato A primeira peça do ciclo Sete Anos Sete Peças parte do famoso combate de boxe entre Muhammad Ali e George Foreman, realizado em 1974, em Kinshasa, e leva-nos a refletir sobre a luta, a resistência, o colonialismo, a diferença entre inimigo e adversário, os limites da coragem física, as relações entre norte e sul, esquerda e direita, passado e futuro, amor e ódio. A conversa que se seguirá à apresentação da peça procurará aprofundar estes temas com a artista Cláudia Dias e as pessoas convidadas.

A peça de Cláudia Dias alude a essa destruição, que alguns têm por criativa: a destruição de postos de trabalho, a destruição de casas, a destruição de vidas, a destruição do planeta. A vantagem é podermos ver os fios que nos unem. Cláudia e Luca construíram uma narrativa visual, usando uma linha para contar a história de um menino de dez anos, cujos avôs foram expulsos primeiro da Palestina e depois do Líbano, que viaja desde a Síria até Itália. Em paralelo, criaram também uma narrativa sonora, com ruídos e 3


talinistas quanto de fascistas. O alcance realmente democrático daquela forma teatral era mais do que as elites e burocracias podiam tolerar. Hoje, o dito teatro político é consagrado em festivais internacionais e os recursos formais do agit-prop e do teatro épico usados pelos grupos e artistas mais conceituados. Já o carácter popular desse teatro e a sua articulação com movimentos políticos não são tão claros. Talvez a maior dificuldade, hoje, para um artista, como a Cláudia Dias, que queira mudar as condições do discurso seja não o totalitarismo, mas a normalização das formas artísticas que ocorre nas presentes democracias, com os espetáculos funcionando como montra do comentário cultural, sem entrarem em contradição com a moda, a média e a mediana da ideologia vigente. A mesma Iná, citando Walter Benjamin, alerta para o risco de a luta política se tornar mais uma mercadoria, objeto de prazer em vez de vontade de decisão. Nesta montra, talvez a citação do Manifesto se engula melhor se passar como a coca-cola do slogan de Fernando Pessoa (primeiro estranha-se, depois entranha-se), tal qual um bem de consumo. Pensando bem... talvez a frase “tudo o que é sólido dissolve-se no ar”, fora de contexto, possa ser adotado como sigla, tornando num lema o que era uma crítica. Não foi isso o que aconteceu com a expressão “indústria cultural”, cunhada com sentido crítico, mas generalizada como oportunidade empresarial? As palavras contam, embora nem sempre como contamos. Cláudia e Luca usam fios como material de tra-

barulhos deste caminho de fuga. Tudo isto, a que se acrescentam os corpos de ambos, é não-verbal, precisamente para escapar às ideias feitas. E o texto, em vez de ser posto na boca dos atores, para que se identifiquem falsamente com os refugiados, é projetado no cenário, para sublinhar a distância que separa uns dos outros. No centenário da revolução russa, citar Marx e Engels devia ser corriqueiro. No teatro onde estreia esta peça — o Maria Matos, em Lisboa — decorre um ciclo programático sobre a utopia, que abarca a celebração dos 500 anos do livro de Thomas More e a comemoração da revolução de 1917. Parece o lugar mais apropriado. Como vem no manifesto, “já é tempo de os comunistas (...) contraporem à lenda do espectro do comunismo um manifesto do próprio partido.” Então porque soa tão estranho — quase uma provocação — usar uma citação destas num espetáculo de dança? É muito melhor citar Marx e Engels do que citar, digamos, Lúcia, Jacinta e Francisco. Porém, aposto que é mais fácil citar, num espetáculo, com ou sem ironia, os três pastorinhos, que também fazem cem anos, do que Lenine, Trotsky e Estaline. Esta citação do subtítulo é mais de agit-prop do que de dança-teatro. No seu estudo sobre o teatro épico no Brasil durante os anos imediatamente antes e depois do golpe de 1964, Iná Camargo Costa recapitula, sublinhando a respetiva relevância artística, cultural e política, a derrota dos movimentos de agit-prop na Rússia, na Alemanha, na França, no Reino Unido e nos EUA, às mãos tanto de es4

balho para desenhar o que veem e assim tornar visível o liame que nos une, uns aos outros, ainda antes das palavras se formarem. É nesse lugar para cá das palavras que estão as coisas.

QUARTA-FEIRA: O TEMPO DAS CEREJAS Queridos, destruí a casa Um buraco no meio do palco. O que é? O que representa? O cenário é um enorme buraco no meio de uma data de placas de gesso laminado, como se uma bola de ferro gigante tivesse caído da teia e aberto uma cratera num chão de pladur. Ou como se um míssil Tomahawk tivesse rebentado aqui. Os Tomahawks fazem crateras com o diâmetro desta. O número foi adotado para este espetáculo como substituto da proporção áurea. Dentro da cratera, dois sobreviventes. Quarta-feira começa onde Terça-feira acabou: debaixo do chão, aprofundado o tema da “destruição criativa”. Cláudia Dias e Igor Gandra entram neste espaço tendo como ponto de partida os próprios corpos, que em dada ocasião se desdobrarão em marionetas. Começam por explorar os movimentos de construção e de destruição à escala natural, e depois mudam para a escala das suas efígies. Miniaturizam a sua figura, mas aumentam o tamanho do espaço, relativamente aos bonecos. Depois de desenharem um esquema dinâmico, lançam-se na aventura da composição do espetáculo, passo a passo, pedaço a pedaço, gesto após gesto, articulando corpo humano e corpo de marioneta, espaço doméstico, espaço urbano, espaço internacional, território conflagrado. Ao construir o espaço cénico com o mesmo material de construção usado em milhares de casas portuguesas,

Jorge Louraço Figueira, 2017

CONVERSA DIAS ÚTEIS

A ARTE DA INOCÊNCIA

Moderadoras: Catarina Pires Artista: Karas Convidados: Sahad Wadi (e mais um convidado a confirmar) Terça-feira conta a rota de um menino de dez anos, Omar, em direção ao Ocidente, numa narrativa que nos põe dentro da história e ao mesmo tempo nos coloca no nosso lugar, o de espectadores, mais ou menos passivos, mais ou menos cúmplices, mais ou menos solidários, mas sempre espectadores do que há décadas se passa no Médio Oriente. Quem ganha com este conflito? Qual o papel do Ocidente na sua perpetuação ou na sua resolução? Como podemos aceitar os campos de refugiados debaixo dos nossos olhos? Que caminho fazem e que lugar lhes é devido nos territórios onde procuram refúgio? Como dar-lhes uma voz e uma vida e como é que a arte pode fazê-los ouvir? Sobre tudo isto conversaremos com o artista Karas e pessoas convidadas.

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para logo de seguida começar a desconstruir, Cláudia Dias e Igor Gandra fazem alusão direta a tudo o que é varrido para baixo do tapete ocidental. Apesar de os bombardeamentos aéreos por parte de forças militares europeias serem hoje em dia facilmente visionáveis na internet ou na TV, a ligação entre os nossos lares e as crateras abertas por mísseis noutro lado qualquer não é tão visível assim. Este buraco negro no meio do teatro alude a essa ligação causal. Não se trata apenas de mostrar a responsabilidade das sociais-democracias europeias nos massacres que estão a ocorrer agora no resto do mundo. O olho negro no meio do chão é uma imagem de sinal negativo que nos revela o que está por fazer.

QUINTA-FEIRA: ABRACADABRA Lança o teu raio até à morte O subtítulo dos dias da semana que dão nome a cada uma das sete peças deste ciclo costuma dar a chave para descodificar o trabalho de Cláudia Dias. Este espetáculo tem uma palavra mágica no subtítulo, que não é Abre-te, Sésamo, mas até parece: Abracadabra. O que as artistas Cláudia Dias e Idoia Zabaleta fazem é procurar as palavras certas para mover mundos, experimentando, como Ali Baba fez com o nome de todos os cereais, até acertar no nome do grão, para mover a rocha e abrir a caverna do tesouro dos 40 ladrões. As palavras estão gastas, repete o poeta num dos seus poemas mais populares, o mesmo poeta que trabalha como inspector administrativo no Ministério da Saúde durante o dia. Gastámos as palavras, meu amor. Que palavras? A paz, o pão, habitação, saúde, educação? As palavras que o inspetor separa para usar nos poemas e as palavras que o poeta usa no dia-a-dia serão as mesmas? Hoje, num mundo de palavras-tecladas, palavras-gravadas, palavras-copiadas, palavras digitais e electrónicas, quem estabelece a cotação de cada palavra? As palavras podem estar muito gastas, mas continuam a ser usadas à mesma. Quando as palavras estão gastas, isso não quer dizer que já não sirvam, que já tenham dado o que tinham a dar, que estejam inutilizadas, mas precisamente o contrário: quan-

Jorge Louraço Figueira, 2018

CONVERSA DIAS ÚTEIS

A ARTE DO FIM

Moderadoras: Catarina Pires Artista: Igor Gandra Convidados: Ricardo Paes Mamede e Gaia Giuliani Quarta-feira põe passado e futuro em confronto, debaixo da terra/palco, onde os artistas mineiros, operários, escavadores, arqueólogos, sabe-se lá, escavam o passado e projetam o que poderia ser um futuro que muitos têm dificuldade de imaginar. Entre o fim do mundo e o fim do capitalismo, há dúvidas sobre a escolha a fazer? Parecendo que não, há. Porquê? É isso que vamos tentar perceber, ao mesmo tempo que questionamos o papel da arte e dos artistas no imaginar – e desenhar – desse futuro, com o artista Igor Gandra e as pessoas convidadas. 6

e facial do desejo de liberdade e de emancipação — mais propriamente, a peça traça o caminho para a desorganização das coisas como elas estão agora, começando pelas palavras e avançando até chegar a um lugar anterior às palavras, posto em todo o corpo. É urgente dançar, poderia ter dito o poeta. As duas criadoras encarnam uma prática de renovação, de desfazimento, de mudança da ordem das coisas, que está para lá da ordem das palavras. Este mesmo ensaio escrito é uma tentativa obsoleta de desfazer as coisas, quando comparado com o baile convocado por Cláudia Dias e Idoia Zabaleta quase no fim do espectáculo. As duas criadoras vão citando palavras, e dali a pouco citam atitudes, mas organizando-as de modo inesperado, com a finalidade de provocar a identificação do público com os detalhes, por um lado, e o estranhamento do todo, por outro. A função de Quinta-feira: Abracadabra é proporcionar um sentimento de proteção, em harmonia com as leis misteriosas que regem o mundo, e em relação com os poderes superiores, tal como faz a palavra e o amuleto original onde a palavra é inscrita. Mas esses poderes não são aqueles que nos têm regido nas últimas dezenas de anos. Pelo contrário, com as rotações das palavras e dos corpos, Cláudia e Idoia querem a revolução. Este Abracadabra é dito para atacar, não para defender. O propósito geral da enunciação das palavras é desfazer e refazer o mundo, demonstrando a relação verdadeira entre as coisas e as palavras, os nomes ocultos da injusti-

to mais as palavras circulam, menos peso têm, e mais não valem nada. A propaganda política, a publicidade comercial, as notícias televisivas, até a ficção dramática faz das palavras um guarda-roupa tão leve que qualquer um vê e todos podem dizer que o rei vai nu: o rei, o presidente, o primeiro-ministro, os ministros, os deputados, os artistas, e até os que escrevem textos sobre espetáculos continuam a usar as palavras como se elas tivessem peso, comprimento, largura, altura, cor, textura. O que não têm, muitas vezes, é sentido. No princípio era o verbo, ou o logos, depois as palavras de ordem, os slogans, os soundbites, que parecem sobrepor-se como máscaras à substância das coisas e permitir que as coisas sejam o contrário do nome que têm. A palavra não é suficiente e é preciso chamar as coisas pelos nomes verdadeiros, ou até pelos pré-nomes: a coisa que as coisas são autenticamente, não as que as chamámos este tempo todo. Claro, dir-se-á que a coisa só é ela mesma depois de ser nomeada, por alguém, tal como ela é. Mas há ainda muito caminho a fazer para refazer o nexo entre as coisas e os nomes. As duas mulheres criadoras desta peça procuram dar novos usos às palavras gastas, começando do zero, para voltarem a combinar com toda a gente presente os sentidos mínimos de cada palavra, visto que já nos esquecemos dos sentidos originais. Paz, pão, trabalho, educação querem dizer o quê, mais propriamente? Não são só palavras, atenção. O espetáculo traça um caminho para encontrar a expressão física, gestual 7


ça, da desigualdade, da opressão, dos assassinatos que vitimam os nossos companheiros no dia-a-dia e na poesia, e que não podem continuar a ser calados.

SEXTA-FEIRA: O FIM DO MUNDO... OU ENTÃO NÃO Para pensar “Sexta…”, cabe lembrar os “dias” (anos) anteriores que se têm sucedido desde 2015. Destaco, em particular, dois aspectos comuns a todas as peças deste ciclo: história e paisagem. Recordemos que toda a génese do ciclo está numa reacção às violentas e radicais medidas de austeridade desenhadas em 2010 em grande parte das economias ocidentais, e do seu impacto em Portugal, particularmente. Para contrariar a estratégia do “shock-and-awe” tornava-se necessário, justamente, parar e visualizar criticamente os eventos que tinham conduzido ao estouro da manada ultra-liberal. Assim, desde “Segunda-Feira”, Cláudia Dias tem convidado a nossa atenção para a história da desunião europeia, para a história do extermínio do povo palestiniano, para a história do petrodólar, e não esquecendo a história das próprias contadoras de histórias. Seguir estas linhas temporais já nos levou a levar murros e pontapés, a incendiar mapa-mundi, a esgravatar crateras de mísseis, a ler em livros gigantes; e agora, chegada “Sexta-Feira…” escutaremos a história de vários futuros possíveis. Este itinerário pelas histórias da história possui, felizmente, uma componente acidental, fruto das partilhas e conflitos de Cláudia Dias com os seus co-criadores convidados; é uma viagem que se inscreveu, indelével, nas vidas de quem nela partiu. Não é turismo predeterminado. Perspecti-

Jorge Louraço Figueira, 2019

CONVERSA DIAS ÚTEIS

A ARTE DA DIFERENÇA

Moderadoras: Catarina Pires e Raquel Lima Artista: Idoia Zabaleta Convidadas: Sandra Benfica e Teresa Coutinho Quinta-feira é sobre mulheres e palavras e o poder de umas e outras (palavra é feminino, já repararam?). De que mulheres falamos quando falamos de mulheres? Há palavras a mais ou a menos? Em que medida são instrumentos de projetos políticos? E na luta das mulheres pela igualdade: são emancipadoras ou aprisionam? Empoderam ou enfraquecem? Mobilizam para a luta ou condicionam-na? E os silêncios? São de ouro ou nem por isso? Como é que os artistas podem manuseá-las no sentido de encontrar respostas e abrir caminhos? E o público deve ser chamado a tomá-las ou apenas a ouvi-las? Abracadabra. A artista Idoia Zabaleta e pessoas convidadas usarão da palavra para debater o lugar das mulheres e das palavras, hoje, em toda a sua diversidade.

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necessária ao trabalho da pitonisa, figura sacerdotal da Grécia Antiga, que Cláudia escolheu emular - não sem uma pitada da subtil ironia que alguns lhe reconhecerão. A esta figura, remanescente de um culto matriarcal anterior ao panteão de Zeus, cabia a tarefa de interpretar sinais e augúrios, dando respostas - ainda que obscuras sobre o futuro dos que a consultavam. Pontes entre humanos e deuses, entre presente e futuro, as pitonisas eram eleitas, numa sociedade extremamente cruel e desigual, para desempenhar um trabalho excepcional: ver e anunciar o que aí vem. Isto, claro, com o auxílio de vapores de etileno, indutores de um transe místico, que brotavam do solo vulcânico. Os mesmos que muitos de nós inalam num quotidiano de poluição, curto de futuro para o comum cidadão, mas onde se giza, a passadas largas, um futuro muito pouco respirável. Assim, na sua solidão de pitonisa, Cláudia Dias elencou cinco visões de um futuro plausível mas não pacífico, a saber: 1) a ameaça nuclear; 2) o colapso da biosfera; 3) o renascimento do fascismo; 4) a digitalização da mão-de-obra; 5) a mercantilização da cultura; cinco visões que se tornaram especialmente próximas nos últimos cinco anos. Delimitam-nas ainda duas visões mais pessoais, uma sobre a sua condição presente, e outra sobre o seu próprio futuro. Visões coligidas com o contributo de Jorge Louraço Figueira, com base numa miríade de citações que vão de Shakespeare a Donald Trump, passando por Angela Davis e Jerónimo de Sousa. A apropriação de material externo foi também uma

var assim a história requer uma certa distância, que as peças deste ciclo traduziram em espaços onde diversas linguagens se entrecruzaram, desenhando paisagens individuais. Remate certeiro da globalização, a pandemia de Covid-19 a todos ditou isolamento, que se diz higiénico. Afastemo-nos de todos os materiais perigosos, como são os rostos, os toques, as ruas e as escolas. Barricados nas nossas próprias divisões, restam-nos os mundos virtuais como única possibilidade limpa de continuar as nossas vidas. Felizmente, empresas de telecomunicações e curadores de conteúdos estavam já bem preparados para nos socorrer neste momento difícil. Em tempo de pandemia, tempo em que deixámos o terror sentar-se confortavelmente nas casas e nos espíritos, convocar cidadãos ao teatro tem um bizarro e fascinante sabor a roleta-russa. O lugar que os atenienses “inventaram” para partilharem os episódios fundadores da sua sociedade, para testemunharem o que era a sua própria sociedade, sendo muito selecto, era, pelo menos, ao ar livre. Hoje, partilhar presenças e ideias comporta um risco considerável. Habituámo-nos a ver nas anteriores peças do ciclo Cláudia acompanhada de um outro artista, sobre o palco. Em 2020, isolada também se apresenta Cláudia Dias em “Sexta-Feira…”, higienicamente separada dos públicos por uma tela translúcida, através da qual a apercebemos graças ao desenho de luz de Nuno Borda d’Água. Não se trata, contudo, de uma estrita observação da etiqueta pandémica; a solidão é uma condição 9


CONVERSA DIAS ÚTEIS

constante nas obras de Cláudia Dias, que, ao convocar as vozes de outros, tenta inscrever o pensamento de muitos. Não está assim tão só, portanto. Além dos materiais literários, “Sexta-Feira” convoca mais outras duas linguagens: a animação de António Jorge Gonçalves e a música de Vasco Vaz / Miguel Pedro. Este duplo diálogo, lançou, uma vez mais no contexto “Sete Anos Sete Peças”, o desafio de estabelecer uma paisagem específica, onde todos os discursos pudessem coexistir com a sua autonomia e natureza próprias, e ainda assim, criar um nexo comum. Nos laboratórios de “Sete Anos Sete Peças”, muita da investigação foi dedicada a cirúrgica alternância de linguagens diferentes. Desta feita, António Jorge Gonçalvs, que tem acompanhado todas as peças do ciclo, ilustrando as respectivas edições em livro, traz agora o seu traço, sob a forma de luz branca animada, para inscrever na tela formas com que Cláudia Dias interage (dança?!). E Vasco Vaz e Miguel Pedro tomam para si a maior parte do espaço, preenchendo-o com canções, a seu tempo ásperas, grandiosas, divertidas ou soturnas que Cláudia tem de... cantar. Este desafio suplementar casa também com a estrutura que “Sexta-Feira…” importou da tragédia grega, onde os episódios narrativos eram intervalados por comentários cantados pelo coro (estásimos). Neste seu espectáculo, Cláudia Dias propôs-se fazer algo que nunca tinha feito: transportar as suas palavras pelo canto - o canto não de quem seduz e rebrilha, mas o canto do artesão no seu labor.

A ARTE DA FUGA

Moderadoras: Raquel Lima e Catarina Pires Artista: António Jorge Gonçalves Convidados: Paulo Pena e Sandra Faustino Em Sexta-feira, a artista Cláudia Dias assume a voz do oráculo que anuncia o fim do mundo… ou então não. A nossa casa está a arder. O planeta azul está ameaçado. O perigo nuclear, as alterações climáticas, a digitalização da vida, do trabalho, das relações, as fake news, a arte e a criatividade cativas de processos egotrendy (ou então não), o avanço do neofascismo e do ódio e do neoliberalismo, velhos recauchutados que afinal talvez nunca tenham saído do comando. Mais uma vez o passado e o futuro em confronto e nós, espectadores, confrontados com a possibilidade de resistir e lutar. Como? É isso que vamos discutir com o artista António Jorge Gonçalves e pessoas convidadas.

FIM DE SEMANA – A ARTE DE APRENDER

Conceito e direção artística: Cláudia Dias; Artistas convidados: Pablo Fidalgo Lareo, Luca Bellezze, Igor Gandra, Idoia Zabaleta, António Jorge Gonçalves, Vasco Vaz e Miguel Pedro; Texto: Cláudia Dias, Pablo Fidalgo Lareo, Igor Gandra, Idoia Zabaleta; Intérpretes: Cláudia Dias, Jaime Neves, Karas, Luca Bellezze, Igor Gandra e Idoia Zabaleta; Assistência artística e técnica: Karas; Cenografia: Thomas Walgrave, Cláudia Dias, Karas, Igor Gandra, Nuno Borda D’Água e Idoia Zabaleta; Marionetas: Igor Gandra; Realização plástica: Eduardo Mendes; Oficina de Construção: Igor Gandra, Cláudia Dias, Karas, Eduardo Mendes, Daniela Gomes e Nádia Soares; Desenho de luz: Thomas Walgrave, Nuno Borda D’Água; Música original: Vasco Vaz e Miguel Pedro; Desenhos digitais: António Jorge Gonçalves; Música gravada: Sur de Ana Tijou, Fuego de Bomba Estéreo, Banho de Elza Soares, De dentro do Ap de Bia Ferreira, Canción Total de Hector Arnau Arnau; Direção técnica: Nuno Borda de Água; Treinador de Boxe Tailandês: Jaime Neves; Acompanhamento crítico Sete Anos Sete Peças: Jorge Louraço Figueira; Vídeo: Bruno Canas; Fotografia: Alípio Padilha; Tradução: Marta Prino Peres; Produção: Alkantara

Moderadora: Luísa Veloso Artista: Cláudia Dias Convidados: Magda Henriques, Teresa Seabra e Américo Jones Cláudia Dias e a equipa de sociólogas da A3S propõem uma mesa-redonda sobre educação. Nesta, professores e artistas juntam-se para comentar o trabalho desenvolvido no âmbito do projeto Sete Anos Sete Escolas e apresentam a sua visão do ensino na atualidade em Portugal. © António Jorge Gonçalves

Coprodução: Alkantara Festival e Noorderzon Performing Arts Festival Groningen no âmbito do NXTSTP / Programa Cultura da União Europeia, Goethe Institut e Maria Matos Teatro Municipal no quadro do projeto Europoly, Teatro Municipal do Porto, Centro Cultural de Vila Flor, Moare Danza, Teatro Nacional D. Maria II e São Luiz Teatro Municipal Residências artísticas e apoio: Espaço Alkantara, Göteborg Dance and Theatre Festival e Vitlycke Centre for Performing Arts com o apoio de KID Gothenburg, Teatro Extremo e Teatro Estúdio António Assunção, Companhia de Dança de Almada, Teatro Municipal do Porto, O Espaço do Tempo, Centro Cultural Juvenil de Santo Amaro – Casa Amarela, Teatro de Ferro, Centro de Experimentação Artística do Vale da Amoreira, Azala; L´animal a l´esquena, Companhia Olga Roriz, Pro.Dança e Câmara Municipal de Almada

Os autores escrevem segundo a antiga grafia.

IMAGENS DESOBEDIENTES António Jorge Gonçalves propõe um espaço de reflexão sobre imagens que desmascaram a tensão entre indivíduo e coletivo. Nesta Masterclass abordam-se assuntos como Artivismo, Cartoon e Imprensa, Arte urbana como ferramenta de representação social, e o Humor como arma política.

Karas, 2020

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Agradecimentos: Ângelo Alves, Anselmo Dias, Ilda Figueiredo, José Goulão, Jorge Cadima, Paulo Costa, Mursego, María Arnal, Marcel Bagés, Idoia Zabaleta, Karas, Anabela Ferreira e Helder Azinheirinha - Centro Juvenil de Montemor-o-Novo/Câmara Municipal de Montemor-o-Novo. Alkantara é uma estrutura financiada pela República Portuguesa/ Dgartes Cláudia Dias é artista associada do Espaço do Tempo

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21 abril a 29 maio 2021

SETE ANOS SETE PEÇAS CLÁUDIA DIAS 21 abril

dança

QUINTA-FEIRA: ABRACADABRA A ARTE DA DIFERENÇA conversa

SALA MÁRIO VIEGAS, QUARTA, 20H. DURAÇÃO: 2H. M/6, €7

24 abril

dança

SEXTA-FEIRA: O FIM DOA ARTE MUNDO… OU ENTÃO NÃO DA FUGA conversa

SALA MÁRIO VIEGAS, SÁBADO, 11H. DURAÇÃO: 2H. M/12, €7

27 abril

dança

SEGUNDA-FEIRA: ATENÇÃO À DIREITA! A ARTE DA COMPETIÇÃO conversa

SALA BERNARDO SASSETTI, TERÇA, 19H. DURAÇÃO: 2H. M/6, €7

28 abril

conversas

FIM DE SEMANA – A ARTE DE APRENDER

SALA MÁRIO VIEGAS, QUARTA, 20H. ENTRADA GRATUITA, LIMITADA À LOTAÇÃO DA SALA

29 abril

masterclass

IMAGENS DESOBEDIENTES ANTÓNIO JORGE GONÇALVES

SALA MÁRIO VIEGAS, QUINTA, 20H. ENTRADA GRATUITA, LIMITADA À LOTAÇÃO DA SALA

26 maio

dança

QUARTA-FEIRA: O ATEMPO DAS CEREJAS ARTE DO FIM conversa

SALA LUIS MIGUEL CINTRA, QUARTA, 19H. DURAÇÃO: 2H15, M/12, €7

29 maio

dança

TERÇA-FEIRA: TUDO O QUE É SÓLIDO DISSOLVE-SE NO AR A ARTE DA INOCÊNCIA conversa

SALA LUIS MIGUEL CINTRA, SÁBADO, 19H. DURAÇÃO: 2H. M/12, €7

Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão

www.teatrosaoluiz.pt


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