EU SOU CLARICE
18 A 24 OUT 2TE0ATRO21/ESTREIA A CLASSIFICAR PELA CCE
© Estelle Valente
DE RITA CALÇADA BASTOS COM CARLA MACIEL
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RITA CALÇADA BASTOS O que foi que sempre a intrigou em Clarice Lispector, que levou agora a que criasse este espetáculo a partir da vida e obra da escritora? A Clarice Lispector é uma escritora intrigante. A raiz da sua escrita é de uma profundidade atordoante. É arrebatadora na forma como constrói sensações em quem a lê. Nos seus livros, quer nos seus romances, crónicas, ou contos, ela não é factual, é fragmentária e sempre me interessou o não julgamento que faz das suas personagens, da forma curiosa com que lida com a maldade e a crueldade. De dizer o que normalmente não de diz, ou deve sentir. A maneira única como provoca essas mesmas sensações é desarmante e apenas se pode experienciar entrando em contacto com a sua obra. Não é possível nomear as razões pelas quais ela é intrigante, só se percebe realmente quando se atravessa a sua escrita. Como se pode definir uma coisa que apenas é? Como definir a essência da coisa em si? A coisa apenas é, não se pode nomear ou definir, simplesmente é.
da sua escrita. Talvez à semelhança de Kafka, tenha um fascínio por anti-heróis. Foi um desafio dilacerante, por vezes, lidar com a sua escrita. A sua obra é fragmentada, não obedece muitas vezes a uma ordem narrativa lógica e, por isso, é inesperada, como a vida. A incerteza de arranjar esse fio condutor que liga a história e a faz obedecer à nossa necessidade de realidade foi fascinante e muito difícil. Como criar um objeto teatral a partir da sua obra e da sua vida? Pensar e trabalhar a fundo em qualquer questão aprofunda-nos. Clarice deu-me essa oportunidade: a de me aprofundar. Imagina sempre o escritor por detrás do livro? Como imaginou Clarice Lispector quando pela primeira vez a leu em A Hora da Estrela? Imagino, muitas vezes, a motivação do escritor para escrever o que escreve. Qual é a parte da vida que ele precisa de curar... qual é o seu assunto, o seu tema, o que o move? E o que senti, mais do que imaginar, quando li A Hora da Estrela, há 20 anos, foi: que forma é esta tão tremenda que esta autora tem de ver a vida? E isso fez-me querer conhecê-la melhor, claro.
Este espetáculo resulta do eco que Clarice Lispector tem na sua visão de vida – de que forma é que isso acontece? Clarice é universal. Parece literatura para a alma. Tem frases em que se pode ficar a refletir uma vida: é poesia viva, vida vivendo, retrata um instante, um sopro, como a vida também é. Penso que ela terá eco na maioria das pessoas. Vejo muitas vezes as suas frases nas redes sociais, por isso acredito que as pessoas de um modo geral se ligam à profundidade
O que descobriu depois sobre Clarice Lispector, que prolongou esse encanto? Fui sendo levada e fiquei muito impressionada quando li a sua biografia. Primeiro pelas mãos de Benjamim Moser, que curiosamente também ficou encantado pela sua escrita com o livro A Hora Da Estrela e foi esse livro que des2
pertou a sua febre por Clarice. E, mais tarde, uma outra biografia mais antiga e extraordinária da Nádia Gotlib. Os seus primeiros anos de vida foram bastante conturbados. Clarice e a sua família foram obrigados a fugir da guerra na Ucrânia, perseguidos pelos Pogroms, a sua mãe foi estuprada e contraiu sífilis, acabando por morrer quando Clarice tinha 9 anos... uma tragédia. Toda a sua infância está espelhada na sua obra, não de uma forma autobiográfica direta, mas identifica-se muito bem quando conhecemos um bocadinho da sua história. Hoje tenho a profunda convicção que é a infância – os primeiros seis, sete anos de vida – que determina a forma como estamos na vida, quem somos e como nos relacionamos.
teatro e representa todas as noites para uma plateia vazia. Em Eu Sou Clarice, podemos dizer que é um diálogo entre a atriz e a sua Criadora, é um objeto teatral a partir da vida e da obra de Clarice Lispector – em que se tomam resoluções. E À Procura de Chaplin, que contará também com a presença de Miguel Loureiro e de Romeu Costa, vem expressar a necessidade de um novo caminho, a procura de um lado mais solar da existência. Uma espécie de travessia trágico-cómica a partir do universo de Charlie Chaplin. O que liga esta trilogia é a noção de evolução: Uma mulher que morre, uma mulher que é e outra que vai à procura. A atriz Carla Maciel dá corpo aos três espetáculos. Como é este trabalho de criação a duas, que atravessa esta trilogia? A Carla Maciel dá corpo e vida aos três projetos, sim. A Carla não é uma mera executante. Além de ser uma atriz extraordinária, criativa, que não tem medo do ridículo, e de ter uma técnica que lhe permite fazer qualquer papel e a quem se pode pedir qualquer coisa, é também uma mulher muito generosa, intuitiva e inteligente. É sensível e perspicaz e com quem é muito fácil trabalhar. Lê nas entrelinhas, propõe e é livre. Ajuda-me perceber a minha cabeça e confia. Tenho trazido o material de trabalho, o texto, e ele é discutido, acrescentado e mudado, até chegarmos a um objeto final que nos agrade. Continua a ser mudado durante o processo de ensaios. A Carla aparece para o processo de ensaios no espaço com o texto decorado e isso facilita muito as coisas. A sua entrega é total e temos tido uns processos criativos saudáveis e felizes. É um prazer e uma sorte tê-la comigo nisto.
Este espetáculo ajuda a conhecer melhor Clarice Lispector e a sua obra? Gostava muito que este espetáculo a desse a conhecer melhor, sim. Que criasse interesse pela sua obra e que provocasse uma febre que rodasse o mundo, pois creio que ninguém fica igual depois de a atravessar. Identifica-se com a inquietação de Clarice? “Eu sou Clarice” podia ser a Rita Calçada Bastos a dizer? Eu Sou Clarice é a Clarice que há na Rita, sim, sem a menor sombra de dúvida. Este é o segundo espetáculo de uma trilogia, depois de Seu Eu Fosse Nina e antes de À Procura de Chaplin. O que os une? Se Eu Fosse Nina é um trabalho autobiográfico que resulta do cruzamento da personagem Nina de Tchekov com a minha própria biografia. Reflete sobre a condição do ator, as várias camadas de representação. É uma história de uma acriz que se recusa a aceitar o fim do
Entrevista realizada em outubro de 2021, por Gabriela Lourenço / Teatro São Luiz 3
18 a 24 outubro 2021 teatro / estreia
EURITASOUCALÇADACLARICE BASTOS Sala Mário Viegas Segunda a sábado, 19h30; domingo, 16h Duração: 1h10 (aprox.) Público-alvo: M/12 A classificar pela CCE €12 (com descontos) Texto e Encenação: Rita Calçada Bastos; Interpretação: Carla Maciel; Assistência de dramaturgia: Maria Quintans; Figurinos: Rute Osório de Castro; Cenografia: Close2Paradise; Luz: Paulo Santos; Som: Hugo Neves Reis; Produção executiva: Raul Ribeiro; Produção, Digressão e Venda de espetáculos: Ana Rebelo; Make-up: Cris Severo Coprodução: Close2Paradise, RTP – Rádio e Televisão de Portugal e São Luiz Teatro Municipal
Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Marta Azenha, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Cláudio Marto, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Cláudio de Castro, Cristina Santos, Diana Bento
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