NED KELLY 2021

Page 1

TEATROMOSCA E STONE/CASTRO

PEDRO ALVES PAULO CASTRO PAULO FURTADO/THE LEGENDARY TIGERMAN ONLINE EM DIRETO 8 A 11 ABRIL 21 20 TEATRO M/16

teatrosaoluiz.pt

© Alex Gozblau

CRIAÇÃO


À CONVERSA COM PEDRO ALVES Porquê pegar na personagem de Ned Kelly? Cruzei-me com a história fantástica de Ned Kelly há uns anos e, por alguma razão, marcou-me. Quando decidi, finalmente, que iria avançar para este espetáculo, já não me lembrava bem como é que tinha tido contacto com a sua história pela primeira vez. Não sabia se tinha lido primeiro o extraordinário romance de Peter Carey (True History of the Kelly Gang, de 2000) ou um artigo sobre esse mesmo livro ou se, em primeiro lugar, tinha visto o filme de 2003 protagonizado pelo Heath Ledger. Depois lembrei-me que, durante a pesquisa para a minha dissertação de mestrado, tinha lido um texto sobre o romance de Peter Carey, em que se falava do modo como este autor tinha construído uma elaborada narrativa ficcional a partir de uma extensa pesquisa com base em documentos autênticos, mas que se deixava contaminar também por todo um vastíssimo conjunto 2

de obras e de outros materiais que, ao longo de mais de um século, se tinham inspirado na vida e nos feitos daquela que é, sem dúvida, a mais influente e polémica personagem da Austrália. Interessava-me perceber como é que este Edward “Ned” Kelly tinha sido visto no seu tempo, como é que a História o tinha construído e preservado, até a imagem que ele próprio tinha procurado construir para si e o modo como ele pretendia que os outros o vissem. O facto de não ser uma personagem consensual - o que não é novidade nenhuma na sociedade australiana e, para tal, bastará que nos lembremos do mais recente Mark “Chopper” Read - e de, inclusivamente, a sua vida ter estado na origem daquela que é assumida como a primeira longa-metragem ficcional da História do Cinema, do qual já só nos restam alguns fragmentos, ainda me atraía mais. Sentia que era o alvo certo para nos fazer olhar atentamente para o processo da escrita da História. 3


O espetáculo constrói-se num mise en abyme, com imagens de cena e imagens já existentes. Que leituras nos dá este dispositivo? Logo no início do trabalho de pesquisa, fui-me deparando com referências cruzadas, mais ou menos assumidas, documentos que parecia que se influenciavam uns aos outros, que pediam emprestados (ou que roubavam) elementos uns dos outros. Em boa parte dos casos, já não era possível distinguir onde é que se encontrava o ponto original, o que era autêntico e podíamos entender como sendo “real” ou o que eram apenas réplicas ou simulacros desses acontecimentos originais. Ao mesmo tempo que olhávamos claramente para a figura de Ned Kelly e conseguíamos identificá-la e reconhecê-la nos seus traços principais, também a sentíamos escapar-se, constantemente, estilhaçando-se em muitas outras formas, replicando-se ou sendo replicada, inesgotavelmente, mostrando-nos que já não é possível regressar àquela fonte que nós sonhamos existir algures no passado. Não havia um “Ned Kelly”, definitivo, fechado, completo, tal como não há ou não deverá haver uma visão única da História.

certa para a criação deste espetáculo, não apenas pelas atmosferas sonoras certeiras que eu sabia que ele criaria, mas também porque encontrava pontos de contacto entre a sua figura e a desta outra lendária personagem. Nem me lembrei que ele e o Paulo Castro - que dirige o espetáculo comigo - se conheciam há muito. Foi uma feliz coincidência eles reencontrarem-se neste projeto. O que encontram nesta diluição de fronteiras entre teatro, cinema e música? O mesmo que encontramos, atualmente, na diluição de outras fronteiras. O Teatro e o Cinema têm estado intimamente interligados em muitos

aspetos. As estéticas teatrais exerceram uma influência determinante nos primeiros anos da arte cinematográfica. Bastará olhar, precisamente, para o exemplo do filme The Story of the Kelly Gang, realizado por Charles Tait em 1906. Mas também podemos perceber que, ao longo de um século de diálogo, as técnicas da chamada sétima arte tiveram um impacto profundo no Teatro do nosso tempo. Hoje em dia, num

Como surgiu a colaboração com Paulo Furtado / The Legendary Tigerman? Imediatamente, pensei no Paulo Furtado para o projeto. Nem pensei que ele aceitasse o convite. Nos últimos anos, o teatromosca tem vindo a colaborar com músicos portugueses como o Noiserv ou o Allen Halloween e pareceu-me que o Paulo era a pessoa 4


australiano tenta contar a sua versão dos acontecimentos que, muito provavelmente, precipitaram a criação do gangue e a longa perseguição policial que se seguiu. É um relato muito detalhado e muito peculiar. Mas até que ponto é que podemos confiar na visão de Ned? E na visão das autoridades australianas? Provavelmente, talvez encontremos mais verdade na ficção do romance de Peter Carey ou nos textos dramáticos produzidos quando Ned ainda estava vivo ou numa das dezenas de produções cinematográficas inspiradas na vida dos Kelly, do que em qualquer outro documento.

mundo animado pela inovação tecnológica, as linguagens cinematográficas contaminam as artes performativas, e, rapidamente, acabam por ruir os impérios dicotómicos que poderiam obstruir a ideia de troca recíproca e trânsito constante entre estes dois meios, deixando campo aberto e o palco vazio para a instalação de conceitos como “interdisciplinaridade”, “intermedialidade”, e o questionamento de outros como “performatividade”, “teatralidade” ou “cinematografia”. É neste contexto marcado por uma certa liquidificação das fronteiras entre disciplinas artísticas que procurámos ainda apagar distâncias entre dois países, criando um espetáculo que se ocupa tanto em reencenar as imagens sobreviventes dessa longa-metragem de 1906 inspirada nas histórias de Ned e do seu gangue, como em (re)construir as cenas perdidas, assumindo os interstícios que vão sendo produzidos no decorrer desse processo de rememoração e (re)invenção operado pelo que pode ser entendido como Teatro Documental.

O que nos traz esta reflexão num momento como o atual em que se discutem fake news e onde se manipula constantemente a verdade? Tomando como ponto de partida a(s) história(s) produzida(s) em torno deste fora-de-lei/herói australiano e uma série de documentos (cinematográficos, literários, musicais e outros) criados com base na sua vida, partimos de uma análise crítica (dos processos e dos resultados) do Teatro Documental, num tempo em que as notícias falsas têm vindo a ganhar cada vez maior destaque, para lançar um olhar sobre a “transitoriedade” da História e a “frágil autenticidade” do arquivo, procurando demonstrar que legislar a memória histórica não será nunca uma atividade livre de perigos e não sujeita a erros e enganos.

No espetáculo, faz-se um exercício sobre memória e História. Onde fica a verdade e a ficção? Ficam perdidas uma na outra. Porque, de facto, as fronteiras diluiram-se e vivemos tempos perigosos. Olhando para o nosso Ned Kelly, podemos tentar perceber o que é verdade em tudo aquilo que contamos, em tudo aquilo que revelamos. Há uma famosa carta que, supostamente, terá sido ditada por Ned Kelly a um dos membros do seu gangue e que é conhecida como a Carta de Jerilderie. Nela, o bandido

Entrevista realizada por Gabriela Lourenço / Teatro São Luiz, em março 2021 6

7


8 a 11 abril 2021 teatro online - em direto

NED KELLY TEATROMOSCA E STONE/CASTRO

CRIAÇÃO: PAULO CASTRO, PAULO FURTADO/THE LEGENDARY TIGERMAN E PEDRO ALVES saoluiz.bol.pt Quinta a sábado, 20h; domingo, 17h30 Duração: 2h30; m/16; €3 Criação: Pedro Alves, Paulo Castro e Paulo Furtado/The Legendary Tigerman; Encenação: Pedro Alves e Paulo Castro; Interpretação: Mariana Fonseca, Nádia Yracema, Pedro Alves e Paulo Castro (em vídeo); Banda sonora original: Paulo Furtado/The Legendary Tigerman; Cenografia: Pedro Silva; Conceção de vídeo: Ricardo Reis e Tim Carlier; Figurinos: Helena Guerreiro; Fotografia: Catarina Lobo e Ricardo Reis; Ilustração: Alex Gozblau; Assistência de direção: Carolina Figueiredo; Direção técnica e desenho de luz: Carlos Arroja; Operação técnica de luz e som: Marco Lopes/Show Ventura; Apoio Técnico: Diogo Graça; Equipa de filmagem e streaming: Ricardo Reis, Pedro Oliveira, Diogo Pires e Dânia Viana; Produção executiva: Inês Oliveira; Apoio à comunicação: Milene Fialho Coprodução: teatromosca, STONE/CASTRO e S. Luiz Teatro Municipal

© RicardoReis.pt

Apoios: Junta de Freguesia de Agualva e Mira Sintra, União de Freguesias do Cacém e São Marcos e 5asec Rio de Mouro; Agradecimentos: Associação Humanitária de Bombeiros de Agualva-Cacém, Joaquim Guerreiro, Pedro Palma e Carlos Afonso Pereira. | O teatromosca é uma estrutura financiada pela República Portuguesa – Ministério da Cultura/ Direção Geral das Artes, pela Câmara Municipal de Sintra e pela Fundação Cultursintra

O Teatro São Luiz/EGEAC é parceiro no Projeto Europeu Inclusive Theater(s) Rede de desenvolvimento de novos públicos através de ações inclusivas para pessoas com necessidades específicas Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão

www.teatrosaoluiz.pt


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.