SOU UMA ÓPERA, UM TUMULTO, UMA AMEAÇA 2021

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22 SET > 10 OUT 2021

SOU UMA ÓPERA, UM TUMULTO, UMA AMEAÇA

TEATRO/ESTREIA M/12

CRISTINA CARVALHAL

COPRODUÇÃO CAUSAS COMUNS E SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL


“Esta parte, a mente…” «Esta parte, a mente…» é uma frase que acrescentámos ao texto do espectáculo, já em ensaios. Sempre que a ouço, um sorriso e uma imensidão de coisas volta a acontecer na minha cabeça. Talvez porque o espectáculo também é sobre isso, sobre tomarmos consciência dos nossos processos mentais.

Cristina Carvalhal

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© Estelle Valente

Sou uma ópera, um tumulto, uma ameaça parte de um livro de Siri Hustvedt denominado O Mundo Ardente (The Blazing World). Uma das coisas fascinantes nesta narrativa, é induzir-nos desde logo a questionar o que é real e o que é ficção. Uma colecção de entrevistas, depoimentos, entradas de diários e outros cadernos, misturando figuras reais e ficcionadas (do imaginário da escritora mas também das personagens), parece convidar o leitor a investigar por conta própria, a reunir diferentes pontos de vista, de forma a reconstituir a história de uma artista plástica contemporânea que reivindica um lugar de fala num mundo estruturalmente patriarcal. Uma das referências desta artista plástica, é Margaret Cavendish, uma autora do século XVII, que desejava ser aceite entre os filósofos-naturais, desprezada pelas suas ideias revolucionárias, ou talvez só pela sede de saber e existir, e que possui, entre as suas múltiplas obras, um romance cujo título é A descrição de um novo mundo chamado O Mundo Ardente (The Description of a New World, Called The Blazing World). Engraçado, este jogo de uma autora “secretamente” citar outra, secretamente entre aspas, claro, porque mais evidente não poderia ser, e no entanto, quantas pessoas poderão ter ouvido falar de Cavendish, se a História não a refere?

Assim se desenhou um mote a desenvolver: uma autora a vestir outra, outro, um jogo de espelhos. Um coro de vozes recriando a procura de uma história, espelho de Siri Hustvedt, que talvez se espelhe na personagem da artista plástica, que por sua vez espelha a vida de Cavendish, todas elas interessadas por áreas tão variadas quanto Literatura, Filosofia, Linguística, História, História de Arte, Psicologia ou Neurociência, mas, acima de tudo, interessadas em discutir as suas ideias e em inscrever os seus corpos livremente em todas as esferas da existência. E nós, actrizes, encenadoras, artistas, mulheres, a espelharmo-nos nelas, e nessa urgência de revelar toda uma outra face do mundo não habitualmente iluminada. Está nas nossas mãos criar mundos imaginários, diz Cavendish, mas se a realidade for uma construção da mente, então, porventura, estará também nas nossas mãos pensarmos na forma como construímos a realidade. «Esta parte, a mente…», uma frase, uma sensação interior, imagens, o ir-e-voltar da cena à escrita, a estranheza, o não-saber, o prazer de procurar um caminho no ainda-tudo-poder-vir-a-ser, o encontrar a forma teatral para esta narrativa-conferência-instalação-corporização de ideias, um processo verdadeiramente colaborativo pelo qual agradeço a toda a equipa. (a autora escreve segundo a antiga ortografia)

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© Estelle Valente

e xce rto de

UM CADERNO DESTE CORO DE VOZES

No prefácio de A descrição de um novo mundo chamado O Mundo Ardente, Cavendish escreve: «as histórias fictícias encontram-se no campo da imaginação do homem, emolduradas pela sua mente, segundo o que mais lhe agrada, sem se preocupar se o que ele imagina existirá realmente fora do pensamento ou não. Sendo que, a Razão busca o profundo da Natureza e investiga as verdadeiras causas dos efeitos naturais, enquanto a imaginação cria de acordo com sua própria vontade o que lhe agrada e se deleita com a sua criação. Afinal, enquanto o fim último da racionalidade é a verdade, o da imaginação é a fantasia, mas não penseis que cometo um engano quando distingo a Imaginação da Razão, pois não pretendo afirmar que a fantasia seja feita de partes não racionais da matéria, por Razão entendo a busca e o questionamento racionais das causas dos efeitos da natureza; e por imaginação, uma criação ou produção da mente, sendo ambas efeitos, ou melhor, acções das partes racionais da matéria, as quais, são laboriosas e extenuantes, e requerem em muitos momentos a ajuda da fantasia para entreter a mente, e afastá-la de suas contemplações mais sérias.» Nota: Ao afirmar a fantasia como qualidade elementar e natural de todas as actividades criativas e intelectuais, Cavendish está também a conferir a si mesma um estatuto e uma autoridade intelectual negada às mulheres. Elas podiam escrever romances mas não ser filósofas.

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excerto de

A DESCRIÇÃO DE UM NOVO MUNDO CHAMADO O MUNDO ARDENTE de Margaret Cavendish

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© Estelle Valente

que parte dos seus corpos esse pouco sangue residia. Responderam que se situava numa veia pequena, a qual, nas lagostas, se situava no meio de suas caudas, mas nos lagostins era encontrada nas suas costas, no que diz respeito a outros tipos de peixes, afirmaram que, alguns possuíam sangue apenas nas guelras, e outros, em partes diferentes dos seus corpos. Todavia, ainda não tinham analisado nenhum cujas veias se estendessem por todo o corpo. A Imperatriz, imaginando que não poderia haver animais vivos sem sangue, para ficar melhor satisfeita, expressou o desejo de ser informada pelos homens-verme se tinham observado sangue noutras formas de vermes. Eles responderam que, pelo que lhes tinha sido possível perceber, alguns tinham sangue e outros não. Uma traça, disseram, não possuía sangue algum, mas o piolho, assim como a lagosta, possuíam uma pequena veia ao longo das suas costas, esclareceram. Também as lêndeas, os caracóis e as larvas, tal como todos os gerados no queijo e em frutas, assim como os que surgiam da carne, não tinham sangue. Porém, retorquiu a Imperatriz, se tais criaturas não têm sangue, como é possível que vivam? Afinal, é comumente sabido que a vida de um animal está no sangue, é no sangue que reside o espírito animal. Eles responderam que o sangue não era uma propriedade necessária à vida animal, e que o comumente chamado «espírito animal» nada mais era do que movimentos corpóreos próprios da natureza e do aspecto de um animal.

Tendo dispensado os homens-pássaro e os homens-urso, a Imperatriz chamou os homens-peixe ou sereia, assim como, os homens-verme, para que lhe comunicassem as suas observações sobre os mares e sobre a terra, o que eles prontamente fizeram. Primeiramente, perguntou aos homens-peixe de onde provinha a salinidade do mar. Ao que eles responderam que havia um sal volátil nessas partes da terra que, tal como um seio, continha a água do mar e que sendo absorvido pelas águas aí se fixava; este movimento de absorção era o que eles chamavam de fluxo e refluxo do mar, sendo que, diziam eles, o aumento e dilatação da água é causado por essas partes voláteis de sal, as quais, por não serem facilmente embebidas, ao esforçarem-se por ascender na água, a impelem a um movimento semelhante ao do Homem, ou qualquer outra criatura animal, ao respirar. Isto, afirmaram eles, ser a verdadeira causa tanto da salinidade quanto dos movimentos de fluxo e refluxo do mar e não o movimento da Terra ou uma influência secreta da Lua, como alguns fizeram o mundo acreditar. Após isso, a Imperatriz perguntou se teriam observado que todas as criaturas do mar e de outras águas possuíam sangue. Responderam que algumas tinham sangue, porém umas mais, outras menos e algumas nenhum. Nos lagostins e nas lagostas, disseram eles, percebemos um pouco de sangue, mas em caranguejos, ostras, berbigões, etc., nada. Então a Imperatriz quis saber em 7


22 setembro a 10 outubro 2021 teatro / estreia

SOU UMA ÓPERA, UM TUMULTO, UMA AMEAÇA CRISTINA CARVALHAL

Sala Mário Viegas Quarta a sábado, 19h30; domingo, 16h Duração: 1h15; M/12 €12 (com descontos) 10 outubro, domingo 16h Criação: Cristina Carvalhal; Cenário e Figurinos: Nuno Carinhas; Interpretação: Inês Rosado, Manuela Couto, Rosinda Costa, Sílvia Filipe; Luz: Rui Monteiro; Som: Sérgio Delgado; Assistência de encenação: Alice Azevedo; Adereços: João Rapaz; Produção executiva: Sofia Bernardo Agradecimentos: Ana Luísa Amaral; Pedro Filipe Marques; teatro meia volta e depois à esquerda quando eu disser. Coprodução: Causas Comuns e São Luiz Teatro Municipal A Causas Comuns é uma estrutura financiada pelo Governo de Portugal – Ministério da Cultura / Direção Geral das Artes

O Teatro São Luiz/EGEAC é parceiro no Projeto Europeu Inclusive Theater(s) Rede de desenvolvimento de novos públicos através de ações inclusivas para pessoas com necessidades específicas Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Marta Azenha, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Cláudio Marto, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão

teatrosaoluiz.pt


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