TUDO SOBRE A MINHA MÃE 2023

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TUDO SOBRE A MINHA MÃE 11-22 JAN TEXTO SAMUEL ADAMSON A PARTIR DO FILME DE PEDRO ALMODÓVAR ENCENAÇÃO DANIEL GORJÃO
© Frederico Martins | Portuguese Soul

Tudo Sobre a Minha Mãe é o verbo amar conjugado sem condição. Histórias no feminino que se cruzam, se olham nos olhos e, num gesto maior, se auxiliam sem perguntar porquê. É sobre perder coisas fundamentais e ter sempre esperança. É sobre contar esta história com personagens periféricas, mas reconhecendo a intemporalidade e a possibilidade de tantas outras. Tudo Sobre a Minha Mãe é ser inclusivo e aberto, é tornar uma inspiração realidade. É um espetáculo para estas mulheres, é o meu obrigado.

À Maria João Abreu, e a todas as mulheres com quem faço e fiz teatro.

à conversa com

DANIEL GORJÃO

encenador de Tudo Sobre a Minha Mãe

O filme Tudo Sobre a Minha Mãe já é de 1999. Lembra-se quando o viu pela primeira vez?

Lembro-me perfeitamente de o ver e daquela história me tocar logo muito. Aquele rapaz que quer ser criador, aquelas personagens das margens tão diferentes do que estávamos habituados, aquelas atrizes… Vou lembrar-me sempre da Marisa Paredes a fazer as cenas da peça Um Elétrico Chamado Desejo no filme, da Antonia San Juan a fazer de Agrado… É icónico. Eu era um miúdo, foi muito forte ver o filme. Depois, revi-o várias vezes em DVD ao longo dos anos. E o Almodóvar tem-me acompanhado sempre, gostei muito do Má Educação, d’ A Pele que Habito... Vou sempre ao cinema ver os filmes dele. Nem sempre me agradam, sobretudo ultimamente, mas vou sempre. E estou muito curioso para ver o próximo, a partir do fado da Amália. O Almodóvar tem um universo marcante que comunica muito comigo. O Tudo Sobre a Minha Mãe continua a ser o meu filme preferido dele. Pelas personagens e por aquilo de que trata, mas também por ser

uma ode ao teatro e ao cinema, a alguns realizadores e a alguns filmes. E, ainda hoje, apesar de datado nalguns aspetos, continua a ser um grande filme.

E quando descobriu esta adaptação ao teatro do Samuel Adamson?

Descobri-a quando trabalhava no Politeama, com o Filipe La Féria, e ele quis fazer um espetáculo com este texto. Eu queria muito fazer de filho, mas nunca nada chegou a acontecer. Entretanto, em 2009, saí do Politeama, mas a vontade de pegar neste texto e de o levar à cena ficou comigo.

Chegou a ver outras encenações do texto?

Só em vídeo, alguns excertos, da encenação no The Old Vic, em Londres, e de uma versão que estreou em Melbourne. E, ainda, de umas versões escolares. Mas nunca vi o espetáculo na íntegra.

Foi rever o filme antes de começar esta encenação? Não, preferi ficar com a memória que tenho do filme. Li entrevistas do Almodó-

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var, em que fala do Tudo Sobre a Minha Mãe, mas quis trabalhar a partir daquilo que retive do filme, em vez de o ir ver exaustivamente, não me quis colar a ele – até porque cinema é cinema e teatro é teatro. Esta peça é uma adaptação do filme muito bem feita, é um trabalho notável do Samuel Adamson, mas quis distanciar-me de tudo. E como tenho memórias fortes, preferi trabalhar com elas.

Que memórias são essas? O que trouxe delas para o palco? São coisas muito simples. Há uma imagem da mãe à chuva, com um chapéu colorido; há a imagem da Agrado, que é inesquecível; há aquele amor incondicional àquele filho que, mesmo já morto, vai permanecendo com ela. Para mim, esta é uma história sobre o luto, mas sobretudo sobre o amor incondicional. Todas as personagens têm uma figura maternal, todas elas se ligam através desse amor, que vai mudando as suas vidas. Sendo no feminino, há uma lógica de sororidade muito presente, mulheres que se apoiam verdadeiramente umas às outras, que dão colo umas às outras, que se sustentam, e isso é muito forte. Mas a peça tem uma coisa que o filme não tem: aqui há uma maior redenção das personagens no final.

Optou por uma encenação menos óbvia para um texto tão realista: um cenário branco, despido, apenas alguns adereços de teatro em cena, atores fora de cena à vista do público, atrizes com figurinos monocromáticos, vestidos de gala... Optei por uma coisa menos naturalista, mais despida e abstrata, mais minimal. Este trabalho é uma experiência de fazer

um texto para o grande público, muito abrangente, mas não quero descurar do que é a minha estética no teatro, aquilo que tenho vindo a fazer, quero rever-me na encenação. O texto até pediria uma encenação mais convencional, mais naturalista, mas remei contra essa natureza e procurei um lugar em que ele fosse percetível e claro, mas não caísse nesse naturalismo – porque realismo há sempre. E é a minha homenagem ao teatro e ao cinema, aos bastidores, ao que está por detrás do que se vê habitualmente. Tendencialmente trabalho sempre em espaços cénicos mais abstratos, que dão mais margem à leitura do espectador. Tiro habitualmente essa concretude –porque o que é ali concreto são os atores e a emoção com que fazem o texto, com que se colocam em cena. É por aí que puxo. É um trabalho de encenação para mostrar o trabalho de atores.

Daí também ir buscar o vídeo para ampliar essa exposição dos atores e das suas personagens? Usamos vídeo para escrutinar a intimidade das personagens. No texto, escolhi momentos em que sinto que as perso-

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Fotografias © Estelle Valente

nagens se revelam mais, se despem e se mostram com todas as suas questões, escolhi um desses momentos para cada uma das personagens. Em contraste com o cenário despido, fica tudo muito grande, muito visível, muito real, muito em cima do ator. O espetáculo é feito dessas disparidades. Aquelas mulheres podiam ter saído de uma passadeira vermelha e estão ali naquele cenário que podia ser os bastidores de um teatro. Os figurinos muito coloridos estão num espaço branco. O vídeo leva-nos, por outro lado, para um naturalismo, que não existe nos outros elementos. Penso que é esse equilíbrio que desenha esta encenação.

E há o teatro dentro do teatro...

Isso já estava no filme, o teatro já estava dentro do cinema. E aqui temos o teatro dentro do teatro e o cinema dentro do teatro dentro do teatro. É uma ode que tento fazer ao cinema e ao cinema do Almodóvar, tentei ir buscar um lado cinematográfico também. Tudo está à mostra, os atores estão sempre em cena

e são eles que mudam os adereços em cena. Aqui vê-se o fazer acontecer.

Como reuniu este elenco? É um elenco notável. Quase só mulheres, que admiro profundamente e com quem queria muito trabalhar e tive agora esse privilégio. Para começar, sempre quis fazer este texto com a Maria João Luís, sempre imaginei a Huma Rojo como a Maria João Luís. Não é que os atores que escolho sejam as personagens, mas, do meu ponto de vista, há qualquer cosia neles, na sua energia, na sua forma de ser, que se aproxima daquilo que lhes quero pedir com determinado texto. Tê-la neste espetáculo era ponto assente para mim. Depois, a Teresa Tavares, que faz parte do Teatro do Vão, sempre teve destinada a ser a Irmão Rosa. E tinha convidado, para o papel de Manuela, a Maria João Abreu, que faleceu entretanto... e acabei por convidar a Sílvia Filipe, com quem já tinha feito um projeto em televisão, e que se revelou perfeita para o papel desde o primeiro ensaio. Com a Maria

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João Vicente tinha trabalhado recentemente e fez-me sentido continuar, com a Catarina Wallenstein, apesar de nos conhecermos há muitos anos, nunca tínhamos trabalhado juntos. E fiz casting para duas personagens: o filho, que é interpretado pelo João Sá Nogueira, e a Agrado, interpretada pela Gaya de Medeiros. Neste último caso, queríamos mesmo uma mulher trans para o papel e tem sido muito incrível o trabalho da Gaya, uma mulher que vem da dança e que está a fazer aqui um trabalho notável como atriz. Gosto sempre de abrir audições, para conhecer outros atores e atrizes, gosto sempre de dar espaço para trazer pessoas que não conhecia antes.

No filme de Almodóvar, a personagem da Agrado era interpretada por uma mulher e aqui é uma atriz trans. Muita coisa mudou nestes 24 anos. E em Londres, na peça do Old Vic, era um homem. Mas, para mim, neste momento, em que se discute publicamente o acesso das minorias ao direito de

trabalho e à representatividade, era importante ter uma mulher trans. Este não é um espetáculo perfeito também nesse aspeto, porque a Lola é interpretada por um homem e não por uma mulher trans – infelizmente, as lógicas de produção, às vezes, impõem-se às lógicas artísticas e, aqui, não tivemos orçamento para contratar mais uma atriz para fazer apenas uma cena. O André Patrício desdobra-se em mais do que um papel. Mas a Agrado tinha de ser uma mulher trans, é o que faz sentido hoje. E, ao pôr esta peça em cena agora, isso importa. Já não estamos no mesmo ponto de discussão de quando o filme se estreou ou de há 10 anos de quando a peça se estreou. Não acredito que as pessoas trans tenham de fazer só papéis de pessoas trans, nada disso, mas estamos a dar um passo. E desejo que a Gaya seja chamada para fazer um papel que não seja de mulher trans, mas um qualquer papel feminino... uma Ofélia, por exemplo. Isso seria o ideal, penso que caminhamos para lá, mas neste momento ainda é um statement. O texto

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do Tudo Sobre a Minha Mãe tem coisas muito datadas, mas tem outras que ainda estamos a discutir, todos estes anos depois. Acredito que estamos hoje num ponto de transição sobre a representatividade. Até o Almodóvar que sempre foi muito inclusivo e que criou sempre personagens de margens foi buscar uma mulher cis para fazer o papel de Agrado na altura. Por outro lado, esta é uma história que podia ser contada de qualquer outra forma, mas é contada com estas personagens de margem – e que ainda hoje continuam periféricas. Essa representatividade que ele criou é

incrível e a inclusão é isso. Nesta história, ele propõe outro lugar e outra composição para a família, um lugar de afeto composto pela não-normatividade.

A última vez que esteve no São Luiz, o Teatro do Vão apresentou o ciclo Um Coração Normal, dedicado aos temas da identidade de género e orientação sexual. Estas continuam a ser as questões que quer trazer para cena?

Penso que é sempre preciso falar disto e abrir a discussão, pôr o público a refletir sobre isso. O teatro serve também para essa reflexão, para levantar questões e possibilitar outras vias de pensamento. Não digo que eu, enquanto criador, tenha de falar só destes temas, mas são temas que marcam o meu trabalho e que ainda quero explorar. Acredito que as obras artísticas são sempre, de alguma forma, autobiográficas e estas são as minhas questões, aquilo em que estou a pensar e aquilo que quero comunicar, por isso, enquanto fizerem sentido serem levantadas poderei continuar a fazer espetáculos a partir delas. Pensar o que é o amor, pensar a sexualidade, a identidade de género e a orientação sexual – tudo isso continua em cima da mesa, para mim. •

Entrevista realizada em janeiro 2023, por Gabriela Lourenço / Teatro São Luiz

Originalmente produzido no The Old Vic, London por Daniel Sparrow Productions, Neal Street Productions, The Old Vic Theatre Company, Dede Harris & DRB Productions

Licenciado por acordo com a AAMM Licensing Ltd, c/-Daniel Sparrow Produções

Contacto: daniel@danielsparrowproductions.com

Para mais informações, visite www.danielsparrowproductions.com

Uma adaptação teatral baseada no filme “All About My Mother” / “Todo Sobre Mi Madre” escrito e realizado por Pedro Almodóvar e produzido por El Deseo S.A, Renn Productions e France 2 Cinéma em acordo com El Deseo D.A., S.L.U., de Francisco Navacerrada 24, 28028 Madrid, Espanha. (www.eldeseo.es). Texto/Guião publicado em inglês no Reino Unido pela Faber & Faber

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11 a 22 janeiro 2023 teatro / estreia

TUDO SOBRE A MINHA MÃE

TEXTO SAMUEL ADAMSON

A PARTIR DO FILME DE PEDRO ALMODÓVAR ENCENAÇÃO DANIEL GORJÃO

Sala Luis Miguel Cintra Quarta a sábado, 20h; domingo, 17h30

Duração: 2h; M/16; €12 a €15 com descontos dia 22, domingo, 17h30 dia 20 sexta, 20h; dia 22, domingo, 17h30

Texto: Samuel Adamson, a partir do filme de Pedro Almodóvar; Direção artística Daniel Gorjão; Assistente de encenação: João Candeias Luís e Filipa Leão; Tradução: Hugo van der Ding; Interpretação: André Patrício, Catarina Wallenstein, Filipa Leão, Filipa Matta, Gaya de Medeiros, João Candeias Luís, João Sá Nogueira, Maria João Luís, Maria João Vicente, Sílvia Filipe e Teresa Tavares; Música: Alberto Iglesias; Sonoplastia e Desenho de som: Miguel Lucas Mendes; Captação de video: João Garrinhas | Outros Ângulos; Projeto de cenografia (Letras): Bruno Terra da Motta; Execução de cenografia (Letras): FP Solutions Lda; Execução de Figurinos: Jaqueline Roxo Atelier; Styling: Federico Rudari; Cabelos: David Xavier; Assessoria de imprensa: ShowBuzz; Imagem de divulgação: Frederico Martins | Portuguese Soul; Desenho de Luz e Produção: Teatro do Vão; Estagiário de luz: César Joaquim; Apoios: The Editory Hotels, Bellissimo Cafés, Riopele, Pinguim Púrpura, Apiccaps, Perfumes & Companhia, Luís Onofre, Salt&Sugar, Campobello, Felmini, Reve de Flo, Rufel, WOCK, Fiuza Wines, HairPlus, Polo Cultural das Gaivotas | Boavista, CML - Biblioteca de Marvila; Agradecimentos: João van Zelst, Teresa Lima, João Matos, Frederico Batista, ink.debris, Maria Carvalho, João Figueiredo Dias, João Cristóvão Leitão, João Ramos, CPBC - Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, Marta Sousa Ribeiro e Caramelo Produções

Coprodução: Teatro do Vão, Teatro Municipal do Porto e São Luiz Teatro Municipal

Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Catarina Ferreira, João Romãozinho, Marta Azenha Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Cláudio Marto, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Rui Lopes Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Diana Bento, João Reis, Pedro Xavier

teatrosaoluiz.pt

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