PULMÕ S
O
DE DUNCAN MACMILL AN
TEATRO MUNICIPAL
28—30 SETEMBRO 2018
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Fotografia Sara Pazos
EN CE NA ÇÃ O LUÍS AR AÚJO
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Soluções para o seu lar
criticado, onde tudo é auto-depreciativo e nada é levado a sério, onde a preocupação maior é o numero de ligações que fazemos entre as coisas e não desafiar os seus princípios. A ironia é uma arma útil mas não contém em si nenhuma qualidade redentora. E a forma como a usamos serve só para reafirmarmos o nosso conhecimento do discurso cultural vigente. E ficamos satisfeitos com isso. Tudo isto cansa. Tudo isto faz muito barulho. E é no meio deste ruído que este casal se encontra, incapaz de dar um passo que seja sem sobre-analisar tudo, desmontar a vida como um móvel do Ikea até só sobrarem peças soltas, desconstruirem-se até à destruição. A deles e a do mundo. A busca de consensos não é uma procura ideológica. Como não o é permitirmo-nos sentir e fazer as pazes com a conclusão de que somos inescapavelmente patéticos.
“Existe uma ecologia das ideias danosas, assim como existe uma ecologia das ervas daninhas.” Gregory Bateson Sou, como todos somos, um produto da minha geração. Uma geração que cresceu envolta no ruído do pós-modernismo. Que cresceu entre aquilo que os nossos pais nos disseram que era a vida e o que ela se revelou de facto. Ao mesmo tempo que rejeitávamos as grandes narrativas, a ironia, a auto-consciência, as meta-referências, a cultura pop, o meta-humor foi corroendo-nos até se tornar quase exclusivamente na nossa forma de entender o mundo. Essa transcendência cínica dos sentimentos transformou-nos, fez-nos ter medo de ser humanos. As portas que o relativismo moral abriu deixaram entrar mais do que grandes pensadores, artistas e escritores. Também deixaram entrar este ênfase na interpretação individual do mundo, na crença de que tudo é uma construção social, de que não há verdades absolutas em relação a absolutamente nada, de que só a nossa perspetiva importa. E isso tornou-nos narcísicos, cínicos. Este relativismo criou um ambiente onde as emoções são sinónimo de fraqueza intelectual, onde tudo tem de ser dissecado, ironizado, analisado, referenciado,
Luís Araújo
À conversa com Luís Araújo
estar cá para os nossos filhos ou os nossos netos. Além de ter sido educado com essa responsabilidade ecológica e social, é um tema que me interessa. Não tem a ver com o teatro como responsabilidade social, não acredito nisso. Mas gosto de imaginar um espetáculo pós-apocalíptico cheio de silêncios.
Este texto de Duncan Macmillan não foi um amor à primeira vista. Porquê? Todos os verões, compro três ou quatro peças de teatro para ler nas férias. Esta não me chamou muito a atenção e não voltei a pensar nela. Mas depois de fazer pesquisas para o meu espetáculo do próximo ano, sobre o fim do mundo, lembrei-me de algumas coisas que se discutiam aqui. Voltei atrás e percebi que era uma espécie de sitcom mas que se olhássemos pela janela víamos o mundo a acabar lá fora. É como se as personagens discutissem de forma doméstica os seus dramas pessoais, mas influenciadas pela brutalidade do que está a acontecer lá fora. Como se o mundo exterior vertesse para dentro de casa. Isso começou a interessar-me, queria fazer um díptico com uma peça pequena e uma peça gigante, duas formas de trabalhar distintas: uma, pegar num texto, adaptá-lo e encená-lo, e outra, escrita de raiz, a partir de uma ideia minha e com 40 atores; uma, pré apocalítica, outra, pós apocalíptica.
E em Pulmões estamos no pré apocalipse? Aqui são duas pessoas que vão tendo cada vez menos para dizer uma à outra. Assistimos ao fim de uma relação ao mesmo tempo que assistimos ao fim do mundo. Uma das coisas que me levou a fazer esta peça também como ator foi achar que ver de fora uma discussão de um casal é muito constrangedor. Estava com medo de criar uma distância pouco saudável com o texto. Estar dentro ajuda a reconhecermo-nos. E é impossível ver esta peça e não nos reconhecermos num ou mais defeitos de qualquer uma das personagens. O texto começa por dizer que eles estão no IKEA mas em palco estão noutro lugar… Não quis dar-nos pontos de fuga, quis que tivéssemos de estar a olhar um para o outro e a lidar um com o outro. Foi surgindo a ideia de uma estrutura quase esheriana com plataformas e escadas que vão sempre dar ao mesmo sítio. Ali não há escapatória possível… foi uma crueldade para nós,
Porquê trabalhar sobre o fim do mundo? É uma espécie de espada de Dâmocles sobre mim. A minha geração foi a primeira a crescer com a ideia de que se não fizermos alguma coisa o mundo não vai 2
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© Sara Pazos
atores… Não temos nada a que nos agarrar... … só um bebedouro e copos de plástico vazios. No texto, eles estão sempre com sede, porque está cada vez mais calor por causa do aquecimento global. Também foi uma necessidade física nossa durante os ensaios e incluí isso no cenário. Fomos poluindo o espaço. Colecionamos os copos que usamos e o lixo que produzimos também entra na cenografia. No final, sobram peças no espetáculo como sobram sempre que montamos um móvel do IKEA? Espero que sim, para quem o vir. A mim sobraram-me, porque não o vejo como um espetáculo acabado. Tenho mudado sempre alguma coisa nas apresentações. Ainda não estou em paz com o texto… mas acho que pode ser perigoso gostarmos incondicionalmente de um texto – ou do que quer que seja. Há sempre peças soltas.
28 a 30 setembro teatro
PULMÕES
DE DUNCAN MACMILLAN ENCENAÇÃO DE LUÍS ARAÚJO Sexta e sábado, 21h; domingo, 17h30 Sala Mário Viegas; m/16 Duração: 1h45 €12 com descontos Encenação: Luís Araújo; Interpretação: Luís Araújo e Maria Leite; Tradução: Fernando Villas-Boas; Espaço cénico, Vídeo e Figurinos: António MV; Construção de cenografia: António Seabra; Desenho de iluminação: Nuno Meira; Sonoplastia: Pedro Augusto; Operação áudio: João André Lourenço; Assistência e Operação de iluminação: Cláudia Valente; Fotografia e Design gráfico: Sara Pazos; Produção: Marca-d’água/Ana Carvalho, Inês Carvalho e Lemos, Sandra Carneiro
Entrevista realizada em setembro de 2018, por Gabriela Lourenço / Teatro São Luiz
Coprodução: Ao Cabo Teatro e Centro Cultural Vila Flor
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL
Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Joaquim René Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Programação Mais Novos Susana Duarte Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Produção Mafalda Santos (Diretora), Andreia Luís, Margarida Sousa Dias, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde (Diretor), João Nunes (Adjunto) Iluminação Carlos Tiago, Nuno Samora, Ricardo Campos, Sara Garrinhas, Sérgio Joaquim Maquinistas António Palma, Cláudio Ramos, Paulo Lopes, Paulo Mira, Vasco Ferreira Som João Caldeira Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Direção de Cena Marta Pedroso (Coordenadora), José Calixto, Maria Tavora, Ana Cristina Lucas (Assistente), Rita Talina (Camareira) Direção de Comunicação Elsa Barão (Diretora), Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão
TEATROSAOLUIZ.PT
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