LINDOS DIAS! (HAPPY DAYS, DE SAMUEL BECKETT)
© ESTELLE VALENTE
TEATRO / ESTREIA E NCE NAÇÃO SAN DRA FALE I RO
DOMINGO, 15 DE ABRIL: SESSÃO COM INTERPRETAÇÃO EM LÍNGUA GESTUAL PORTUGUESA E CONVERSA COM A EQUIPA ARTÍSTICA APÓS O ESPETÁCULO, MODERADA POR DAVID DOS SANTOS, DOUTORANDO EM FILOSOFIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, ARTE E SOCIEDADE
À conversa com Cucha Carvalheiro
deixar a sua marca na encenação de um texto, quer diferenciar-se pela sua maneira de ser e interpretar. Acredito que isso marca sempre uma diferença qualquer, seja ela melhor ou pior. O nosso objetivo aqui foi trabalhar a farsa. Gostaríamos que o público se risse e que esse riso pontuasse a peça. Já vi espetáculos com este texto em que essa componente não estava marcada, eram espetáculos mais crepusculares, e não é isso que queremos. Gosto muito da ironia e a minha maneira de ser e de trabalhar poderá contribuir para que isso se sublinhe. Tanto eu como a Sandra já trabalhámos o clown e gostamos muito desse registo, por isso, também quisemos pegar nisso. Até porque acredito numa coisa muito simples que parece uma verdade de La Palisse: o homem é o único animal que ri e ri porque tem consciência da morte.
Desafiou a Sandra Faleiro a encená-la neste texto. Porquê agora estes Lindos Dias, de Beckett? Cucha Carvalheiro: Vejo este texto como uma reflexão sobre a vida. Por redução ao absurdo, convoca-nos a refletir sobre o que andamos aqui a fazer. Para mim, nesta altura da vida, é um confronto com o envelhecimento, com o que significa viver e envelhecer. Além disso, adoro Beckett e nunca tinha feito nenhum texto dele. Pensei: é agora ou nunca. O que admira mais em Beckett? C.C: Beckett é um génio, foi um dos maiores dramaturgos do século XX ou até mesmo da história do teatro. Todas as peças dele convocam uma reflexão profunda sobre a condição humana. E fá-lo escrevendo de uma maneira extremamente musical. Não é um teatro nada psicológico, confronta o ator com uma série de movimentos precisos indicados na dramaturgia. As didascálias têm tanto valor como o texto. Chegam a dizer quantos segundos tem de durar uma pausa. Uma vez falei sobre isto com o Mário Viegas, quando ele estava a fazer o Final, a partir do Fin de Partie/End Game, e ele disse-me: “Tentámos fazer diferente do que o Beckett indicava e não resulta!”.
Revê-se nesta protagonista? C.C: Sim, a Winnie é um personagem que, apesar das circunstâncias limites em que está – é aí que Beckett gosta sempre de colocar os seus personagens, é uma otimista. Por muito que também se ironize em relação ao otimismo na peça. A Winnie está sempre a querer dar a volta à fatalidade e eu sou um bocadinho assim. Onde é que ela vai buscar essa alegria? Onde é que a Cucha vai buscar essa alegria? C.C: Lá está: vai-se buscar à inevitabilidade da morte. A Winnie vai busca-la aí e eu, na minha vida, todos os dias, também tento dar sempre a volta perante as coisas
Perante um texto destes, já tão trabalhado, o que ainda se pode acrescentar de novo? C.C: Qualquer intérprete quer 2
Uma das indicações dadas por Beckett nesta peça é que o cenário tenha um telão com um céu e uma paisagem vazios, mas não com a imagem de um teatro em ruínas como acontece aqui. C.C: Esta é uma peça que reflete também sobre o teatro, existem muitas referências a isso no texto, embora subtis. Resolvemos levar isso um bocadinho mais longe e pensamos que faz todo o sentido. Tem a paisagem que ele exige, só que quisemos sublinhar o facto de estarmos num teatro. Pareceu-nos que podíamos fazer essa leitura, porque, na verdade, a Winnie está num teatro. A certa altura, quando a sombrinha se incendeia, ela diz: “Amanhã a sombrinha vai estar aqui, outra vez, ao meu lado, intacta, para me ajudar a passar o dia.” Isto é a personagem/atriz a dizer que “não aconteceu nada, amanhã repetimos…” Por outro lado, quisemos falar sobre o que se está a passar atualmente no teatro.
mais difíceis que acontecem e encontrar um lado positivo. Este texto faz-nos pensar em todas as coisas que nos puxam para baixo e às quais temos de dar a volta se não queremos morrer mais cedo. A Winnie tem muito de criança, uma certa candura em relação às coisas, a descobrir tudo aqui e agora. Está sempre a dizer: “É isso que acho maravilhoso…”. Esse deslumbramento com as pequenas coisas que temos ao nosso alcance é maravilhoso. Embora o Beckett ironize… E isto, na minha cabeça, faz uma ligação a outro texto que já trabalhei, Cândido, ou o Otimismo, de Voltaire. É óbvio que também se ironiza sobre o otimismo aí, acredito que Beckett, homem culto, também lá tenha ido beber. Tem feito boas descobertas no texto agora que começou a interpretá-lo? C.C: Beckett é de uma cultura incrível, embora não seja uma cultura exibicionista. Nas suas peças vamos descobrindo que existem referências múltiplas a Dante, a Shakespeare, a Victor Hugo… Há vários estudiosos da sua obra e através deles descobri uma série de coisas menos evidentes. No outro dia, por acaso, descobri mais uma: estava a repetir o texto em voz alta e a Cristina Carvalhal [produtora deste espetáculo, atriz e encenadora] estava a ouvir e reparou: “Eu já disse isso!”. E descobrimos que era uma referência às Ondas, de Virginia Woolf. Quando um texto é muito bom, todos os dias há uma ou várias descobertas, e isso é maravilhoso.
Está em ruínas? C.C: Claro que o teatro nunca vai acabar… acho… porque já se fala em crise do teatro desde que o teatro começou... mas gostávamos de falar um bocadinho do estado em que estamos todos aqui e agora em Portugal e também no resto da Europa. Daí o cenário ter essa brincadeira… O teatro, tal como o conheci, está muito diferente. As carreiras das peças duram muito pouco, as companhias estão a desaparecer, já existem poucas que funcionem como uma família com um projeto próprio e peças em repertório que vai gerindo. 3
Esta voragem dos mercados e da preocupação com as audiências e com o dinheiro mais do que com a cultura preocupam-nos. E o que fazer? Espicaçar o espectador para sair do seu monte de areia e se mexer? C.C: Nunca gosto de passar mensagens, porque nem sequer sei se essa é a mensagem do espetáculo, acho que cada um vai interpretar esta metáfora como lhe aprouver. Em Beckett é tudo muito concreto, quem quiser filosofar que filosofe. A Winnie diz: “Estamos sempre a adiar abrir a sombrinha. E a campainha toca para dormir e não se abriu um bocadinho que seja” ou “Não sei se já são horas de cantar a minha canção. Cantar cedo demais é perigoso, mas, atenção, não se pode deixar passar a hora, porque se não a campainha toca e ainda não se cantou”. Essa noção de que a campainha vai tocar um dia e o que se fez? O que se deixa aqui? E será isso importante? Não sei… E assim voltamos ao início da nossa conversa.
LINDOS DIAS! (HAPPY DAYS, DE SAMUEL BECKETT) ENCENAÇÃO
SANDRA FALEIRO Quarta a sábado às 21h Domingo às 17h30 Sala Mário Viegas; m/12 Duração: 1h30 com intervalo 15 abril, 17h30 Conversa com a equipa artística após o espetáculo: 15 abril, 17h30 (moderada por David dos Santos, doutorando em Filosofia da Ciência, Tecnologia, Arte e Sociedade) Tradução: João Paulo Esteves da Silva; Interpretação: Cucha Carvalheiro e Luís Madureira; Cenário e figurinos: Maria João Castelo; Luz: Cristina Piedade; Música: Sérgio Delgado; Assistência de cena: Hélder Bugios; Assistência de produção: Diogo Costa; Agradecimentos: David dos Santos, Humberto Pintado, Maria Gonzaga, Marta Almeida Santos, Quick Casting Apoio: Centro Cultural de Belém
Entrevista realizada em março de 2018, durante os ensaios de Lindos Dias! (Happy Days, de Samuel Beckett), por Gabriela Lourenço/Teatro São Luiz
Coprodução: Causas Comuns e São Luiz Teatro Municipal
O Bilhete Suspenso nunca esgota. Saiba mais em bilheteira@teatrosaoluiz.pt/ 213 257 650 São Luiz Teatro Municipal Direção artística Aida Tavares; Direção executiva Joaquim René; Programação Mais Novos Susana Duarte; Adjunta direção executiva Margarida Pacheco; Secretária de direção: Soraia Amarelinho; Direção de produção Tiza Gonçalves (Diretora), Andreia Luís, Bruno Reis, Margarida Sousa Dias; Direção técnica Hernâni Saúde (Diretor), João Nunes (Adjunto); Iluminação Carlos Tiago, Ricardo Campos, Sara Garrinhas, Sérgio Joaquim; Maquinistas António Palma, Cláudio Ramos, Paulo Mira, Vasco Ferreira; Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Rui Lopes; Responsável de manutenção e segurança Ricardo Joaquim; Direção de cena Marta Pedroso (coordenadora), José Calixto, Maria Távora, Ana Cristina Lucas (Assistente); Direção de comunicação Elsa Barão (Diretora), Gabriela Lourenço, Nuno Santos; Relação com públicos Mais Novos Inês Almeida; Bilheteira Ana Ferreira, Cristina Santos, Renato Botão
TEATROSAOLUIZ.PT