Folha de sala O MISANTROPO

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© joão tuna

são lu i z teatro m u n i c i pal

11 A 15 MAI TEATRO

Ao Cabo Teatro

O Misantropo De Molière Encenação

Nuno Cardoso

Quarta a Sábado às 21h Domingo às 17h30 Sala Principal; M/12 €12 A €15 (com descontos €5 a €10,50) DURAÇÃO (aprox.): 2H10 maio 2016


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©joão tuna

Desertos Alexandra Moreira da Silva*

“Não, é geral esta aversão, odeio os homens todos,/ Uns porque são maus e malvados,/ E outros porque aceitam a malvadez,/ E não sentem pelos primeiros esta raiva vigorosa/ Que o vício deve atiçar em toda a alma virtuosa.” Texto satírico de enorme subtileza e inegável apuro formal, O Misantropo é uma análise impiedosa da sociedade e das suas regras que se mantém surpreendentemente actual, expondo diferentes relações de poder e jogos de enganos, numa oscilação constante entre a sinceridade e a hipocrisia, entre a atracção e a repulsa pelas convenções. A encenação de Nuno Cardoso, que aqui reincide na abordagem ao teatro clássico francês, um ano depois de Britânico de Racine, conta com uma nova tradução de Alexandra Moreira da Silva, capaz de um discurso concreto, material, tangível, no seu pleno respeito formal pelo texto original.

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Na célebre “Carta escrita sobre a comédia de O Misantropo” (1666), da autoria de Donneau de Visé, que introduziu a publicação da primeira edição da peça, e que terá tido a anuência e talvez mesmo a colaboração de Molière, Visé salienta o facto de ouvirmos o herói falar de “uma parte dos Costumes do Tempo” e acrescenta: “O que é admirável é que, ainda que de alguma forma pareça ridículo, ele diz coisas justíssimas.” Na verdade, Alceste não é um herói como os outros. Alceste é um indivíduo em equilíbrio precário, um animal social em vias de extinção, um ser em suspenso – em espera. Aristocrata elegante, apreciado por muitos dos que frequentam o mundo – entenda-se, pela alta sociedade parisiense que frequenta os salões e, de forma mais ou menos assídua, a corte –, amado e desejado pelas mulheres, Alceste assume completamente os seus “negros humores”, as suas obsessões, a desmesura da sua exigência e até uma certa nostalgia do passado. O seu olhar incisivo e crítico relativamente a uma nobreza que, pouco a pouco, abandona a arte de praticar os ideais do “homem de bem” – um savoir vivre que tem como principal objectivo atingir a plenitude individual e colectiva, através de uma sociabilidade cuidadosamente cinzelada – para se dedicar à arte de agradar ao rei e de obter os seus favores, afasta-o de todos aqueles que, doravante, subordinam as relações íntimas e sociais aos mais variados jogos e duplicidades, optando pela prudência do cinismo. Adivinha-se uma rectidão com laivos cartesianos. Mas, como ele próprio reconhece, “não é a razão quem nos dita as coisas do coração” (Acto I, cena 2). Há algo de excessivo nesta personagem que contraria o equilíbrio, a moderação e a tolerância próprias ao modelo intelectual e moral do “homem de


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bem”. Alceste é um homem zangado com o mundo, cansado, mal-humorado e, ao mesmo tempo, um homem profundamente apaixonado por uma coquete, Celimena, descontrolado no seu ciúme, a quem La Rochefoucauld poderia muito bem ter dedicado uma das suas conhecidas reflexões: “Um homem pode estar apaixonado como um louco, mas não como um tolo.” Esta paixão será certamente um dos principais motivos da sua permanência no salão da jovem viúva, levando-o a adiar algumas das ameaças que vai enunciando no seu discurso. Parece ser evidente que este “inimigo do género humano” revela alguma dificuldade em afastar-se do mundo e, quando decide fazê-lo, tenta levar companhia, propondo à encantadora viúva um exílio à deux, que poderíamos situar algures entre a ingenuidade romântica e uma certa prepotência masculina. Na verdade, a misantropia do herói é exposta essencialmente em dois momentos da peça, ou seja, nos dois diálogos com Filinto (Acto I, cena 1 e Acto V, cena 1). Não será, pois, a misantropia nem mesmo a melancolia a dominar o seu comportamento ao longo do texto, mas muito mais a exigência excessiva de sinceridade e de justiça e o ciúme que o situa, no que ao amor diz respeito, num regime de exclusividade: “Um coração sitiado pede que só a si pertença o ser amado” (Acto I, cena 1). Estamos, assim, perante Alceste e o seu duplo: o homem sensível, emotivo, combativo e intolerante, que facilmente se pode tornar ridículo aos olhos do espectador, e o indivíduo cujo discurso crítico assume contornos de opção filosófica, que pensa o presente e transforma a sua visão profundamente céptica do futuro numa metáfora: a misantropia ou, se preferirmos, o deserto. É precisamente em reacção a este Alceste complexo e paradoxal que se vão desvelar, por um lado, o mundo da corte e do poder e, por outro, o mundo do poder feminino, ambos em

perfeita ebulição. Alceste assiste. Como herói moderno que é, ainda não encontrou o seu lugar, afasta-se ou, pelo contrário, impõe-se. Recusa, mas também consente. E talvez, como refere Maurice Blanchot, “no lugar da recusa – que é sem lugar – […] devêssemos, fora de qualquer misticismo, ouvir aquilo que não ouvimos: a exigência não exigente, desastrosa, do neutro, o devassamento do infinitamente passivo onde se encontram, separando-se, o desejo indesejável, o impulso do morrer imortal”. A grande dificuldade que este texto maior de Molière apresenta parece consistir precisamente no difícil e estranho equilíbrio entre aquilo a que poderíamos chamar o espectáculo do ridículo e a justeza do discurso como crítica do poder. Alceste é um herói antiquado e simultaneamente um homem moderno; Celimena, uma das “preciosas ridículas” e a mulher independente que antecipa a importância da sua liberdade; o salão, um simples espaço propício a discursos fúteis e maldizentes e o espelho da corte, onde reina Celimena, a quem todos vêm fazer a corte; O Misantropo, uma comédia sobre a misantropia e os “costumes do tempo” e uma visão contemporânea e simultaneamente prospectiva do poder, da moral, dos seus (novos) caminhos – dos seus desertos. (Excerto do texto originalmente escrito para o programa do espectáculo do Teatro Nacional São João.) * Professora no Instituto de Estudos de Teatro da Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris III e investigadora do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (FLUP).

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AO CABO TEATRO, com direcção artística de Nuno Cardoso, busca sistematicamente nos repertórios clássico e contemporâneo a matéria poética que alimenta uma ideia de teatro como máquina de interpretação e reescrita do presente. A cada novo projecto mobiliza uma equipa coerente no exercício de um modelo de criação que constrói universos significantes através do enfrentamento contínuo de saberes e linguagens teatrais. Nos últimos anos visitou recorrentemente a obra de Tchékhov (Platónov, 2008; A Gaivota; 2010; As Três Irmãs, 2011) e a de Shakespeare (Ricardo II, 2007; Medida por Medida, 2012; Coriolano, 2014) e viajou por Tennessee Williams (Jardim Zoológico de Cristal, 2009), Eugene O’Neill (Desejo sob os Ulmeiros, 2011), Friedrich Dürrenmatt (A Visita da Velha Senhora, 2013), Sófocles (Ájax, 2014), Lars Norén (Demónios, 2014) e Jean Racine (Britânico, 2015). Trabalha igualmente outras formas de relação entre gesto teatral e os seus públicos, entre profissionais e não profissionais, de que são exemplo Porto São Bento (TeCA, 2013) e Arquipélago (Ilha da Bela Vista, 2014 e Matadouro Municipal do Porto, 2015).

Encenação Nuno Cardoso Tradução Alexandra Moreira da Silva

Co-produção Teatro Nacional São João Centro Cultural Vila Flor Teatro Viriato São Luiz Teatro Municipal

Interpretação Afonso Santos (Acasto) António Parra (Clitandro) Carolina Amaral (Eliante) Joana Carvalho (Celimena) Luís Araújo (Alceste) Mário Santos (Bouças) Micaela Cardoso (Arsínoe) Pedro Frias (Filinto) Rodrigo Santos (Oronte)

Apoios El Corte Inglés Anjos Urbanos

Assistência de encenação Ana Luena

Ao Cabo Teatro é uma estrutura financiada pela República Portuguesa – Ministério da Cultura/ Dgartes

Agradecimentos CACE Cultural do Porto Circolando Teatro Experimental do Porto TEatro Ensaio José Castro

Cenografia F Ribeiro Desenho de luz José Álvaro Correia Direcção de produção Pedro Jordão Produção executiva Alexandra Novo Direcção administrativa e financeira José Luís Ferreira Design gráfico Drop.pt

bilhete suspenso

Convidamos o público do São Luiz a adquirir um bilhete pelo valor de 7 euros, que fica suspenso na nossa bilheteira e que reverte para pessoas apoiadas pelas entidades associadas. O restante valor do bilhete é suportado pelo Teatro. O Bilhete Suspenso é um projecto que se insere na política de responsabilidade social do São Luiz Teatro Municipal. Conheça, junto da bilheteira do Teatro, as entidades associadas. bilheteira@teatrosaoluiz.pt tel: 213 257 650

São luiz teatro municipal Direcção Artística Aida Tavares Direcção Executiva Joaquim René Programação Mais Novos Susana Duarte CONSULTORIA para a Internacionalização Tiago Bartolomeu Costa Adjunta Direcção Executiva Margarida Pacheco Secretariado de Direcção Olga Santos Direcção de Produção Tiza Gonçalves (Directora), Susana Duarte (Adjunta), Andreia Luís, Margarida Sousa Dias Direcção Técnica Hernâni Saúde (Director), João Nunes (Adjunto), Iluminação Carlos Tiago, Ricardo Campos,

Ricardo Joaquim, Sérgio Joaquim Maquinistas António Palma, Cláudio Ramos, Paulo Mira, Vasco Ferreira Som João Caldeira, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Secretariado Técnico Sónia Rosa Direcção de Cena José Calixto, Maria Távora, Marta Pedroso, Ana Cristina Lucas (Assistente) Direcção de Comunicação Ana Pereira (Directora), Elsa Barão, Nuno Santos Design Gráfico silvadesigners vídeo Tiago Fernandes Bilheteira Cristina Santos, Hugo Henriques, Soraia Amarelinho Frente de Casa Letras e Partituras Coordenação Ana Luísa Andrade, Cristiano Varela, Teresa Magalhães Assistentes de Sala Ana Catarina Bento, Ana Sofia Martins, Catarina Ribeiro, Daniela Magalhães, Domingos Teixeira, Helena Malaquias, Helena Nascimento, Hernâni Baptista, João Cunha, João Pedro, Manuela Andrade, Paulo Daniel Pereira, Raquel Pratas, Sara Fernandes Segurança Securitas LIMPEZA Astrolimpa


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