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A Hemofilia em Angola, segundo o Dr. Luís Bernardino
Dr. Luís Bernardino Dr. Luís Bernardino
Médico licenciado pela Universidade de Lisboa. Especialista Médico licenciado pela Universidade em Pediatria, em Glasgow, na Escócia. Ex-docente/Chefe de Lisboa; Especialidade em Pediatria, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina Glasgow; Ex-Docente/Chefe do da Universidade Agostinho Neto. Ex-director do Hospital Departamento de Pediatria da Faculdade Pediátrico de Luanda. de Medicina da Universidade Agostinho Neto; Ex-Director do Hospital Pediátrico de Luanda
AS DOENÇAS RARAS SÃO A HEMOFILIA REFERE-SE A UM CONJUNTO DE CARACTERIZADAS POR UMA AMPLA DISTÚRBIOS DE COAGULAÇÃO HEREDITÁRIOS, DIVERSIDADE DE SINAIS E SINTOMAS, NOS QUAIS EXISTE UMA ANOMALIA QUE VARIAM NÃO SÓ DE DOENÇA PARA PERMANENTE NO MECANISMO DE COAGULAÇÃO DOENÇA, COMO TAMBÉM DE PESSOA DO SANGUE. O PROFESSOR LUÍS BERNARDINO PARA PESSOA ACOMETIDA PELA FALA-NOS DESTE DISTÚRBIO E DA SITUAÇÃO MESMA CONDIÇÃO. EXISTEM VÁRIAS EPIDEMIOLÓGICA DE ANGOLA.DOENÇAS RARAS, NOMEADAMENTE,
A HEMOFILIA QUE AFECTA MUITAS
PESSOAS NO NOSSO PAÍS.
Como é que a Hemofilia impacta a nossa sociedade? Estima-se que a Hemofilia A afecte uma em cada cinco mil crianças nascidas do sexo masculino e a Hemofilia B um em cada 25 mil rapazes. Portanto, deverá haver em Angola, aproximadamente, três mil doentes de Hemofilia A e 600 de Hemofilia B. Não são os números que se encontram na outra doença hereditária prevalente em Angola, a Anemia de Células Falciformes, e acresce que, muitos deles, não são diagnosticados, porque implicam estudos de coagulação que não estão disponíveis na maioria dos laboratórios do território nacional. Na prática, só se identifica a doença em Luanda, onde o Hospital Pediátrico faz o seguimento de cerca de 100 crianças e jovens, a maioria de Luanda, mas também de algumas províncias, como o Huambo. Mas se fizermos as histórias familiares, detectamos a referência de casos da mesma e de anteriores gerações que tinham um quadro que deve corresponder a sequelas de Hemofilia. Esta falta de percepção e de diagnóstico torna a doença negligenciada pela sociedade, pelos meios de informação e, até mesmo, pelas autoridades. Ainda não há uma área dedicada à Hemofilia no programa das Doenças Não Infecciosas do MINSA. Convém, ainda, acentuar que, sendo uma doença do sexo masculino, as mulheres portadoras podem ter tendências hemorrágicas e há uma doença com apresentação semelhante à Hemofilia, a Doença de Von Wildebrand, que atinge o sexo feminino.
Actualmente, que opções terapêuticas existentes no nosso país são mais eficazes para os doentes? A opção terapêutica consiste na administração endovenosa dos factores de coagulação (FC) em falta, VIII ou IX, extraídos do plasma de pessoas normais ou produzidos por bactérias em cultura de tecidos (recombinantes). Há outros medicamentos, como um agente fibrinolítico, o Ácido Tranexâmico e a Desmopressina, que podem ser úteis, mas não estão facilmente disponíveis. Os próprios FC VIII e IX, devido aos seus elevados preços, faltam com frequência nos hospitais públicos. Ultimamente, a WFH (Federação Mundial de Hemofilia) tem feito doações que têm sido de grande ajuda. O maior progresso recente, em termos de tratamento, foi o uso de um anticorpo monoclonal - EMICIZUMAB - que imita a acção do factor VIII na cascata da coagulação e permite tratar os doentes que criaram anticorpos contra este factor.
Quando falamos em Hemofilia, a que tipo de patologia nos referimos? A Hemofilia pertence ao grupo das doenças de deficit da hemóstase, caracterizadas por hemorragias frequentes a nível da pele, das mucosas e dos orgãos profundos, que podem ser importantes e, mesmo, mortais. A hemóstase é o conjunto de acções desencadeadas no organismo por um traumatismo com ruptura dos vasos sanguíneos, as quais visam a estancar a perda de sangue. As etapas da hemóstase são, sucessivamente, vasoconstrição (mecanismo vascular), constituição de rolhões de plaquetas (fase plaquetária) e gelificação do sangue, convertendo-o num coágulo (coagulação), de forma a estancar o fluxo sanguíneo e colmatar as brechas dos vasos. Estes três mecanismos actuam sinergicamente para atingir a hemóstase. As suas perturbações podem associar-se em várias doenças, contudo, cada uma tem uma expressão clínica própria: Purpuras Vasculares (por deficit da parede vascular), Purpuras Trombocitopénicas (por baixa das plaquetas) e Coagulopatias (por deficit de Factores de Coagulação - FC). As hemofilias pertencem ao grupo das coagulopatias, em que há deficit de um dos cerca de duas dezenas de FC existentes no sangue e que são activados face a um traumatismo. Do ponto de vista de prevalência e importância, as hemofilias que nos interessam são a Hemofilia A (deficit do Factor VIII) e a Hemofilia B (deficit do Factor IX).
Em Angola, qual a situação epidemiológica? Não há conhecimento seguro da prevalência da doença, em território nacional, porque a sua confirmação laboratorial só pode fazer-se em laboratórios com tecnologias para coagulação. Além disso, sendo uma doença pouco frequente, passa, por vezes, desapercebida aos clínicos que lidam com doentes que sangram. Por essa razão, os casos identificados em Angola são pouco mais de uma centena, todos em Luanda, no Hospital Pediátrico David Bernardino (três quartos referem-se a Hemofilia A e um quarto a Hemofilia B). Estes doentes são oriundos de Luanda e de outras províncias, como Huambo, Malange e Benguela. Contudo, as estimativas feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na população mundial, que apontam para o nascimento de um doente com Hemofilia A por cada 10 mil nados vivos e um com Hemofilia B por cada 25 mil, permitem projectar, para uma população de 30 milhões, que é a de Angola, que possam existir três mil doentes com Hemofilia A e 600 com Hemofilia B.
O nosso sangue é composto por diferentes elementos. Qual é a importância dos factores 15de coagulação nesta patologia e como é que actuam? SAÚDEOs FC, nomeadamente VIII e IX, são produzidos pelo fígado e circulam no plasma sob forma inactivada, até que um traumatismo os torne activos através da cascata da coagulação. A concentração normal do FVIII é de 100U/dl ou 100%. Nos doentes, a programação genética determina níveis mais baixos, variáveis, de FVIII, dando lugar a diferentes graus de gravidade da doença: uma baixa até 40% não tem grandes consequências clínicas; se o FVIII baixar até 5%, trata-se de uma hemofilia leve, onde pode haver hemorragias anormais em cirurgias
ou grandes traumatismo; entre 5 e 1UI/dl, estamos na presença de uma hemofilia moderada, em que há hemorragias espontâneas e sangramentos prolongados com traumatismos menores; e com valores de FVIII<1 U/ dl, trata-se de uma hemofilia grave, com hemorragias espontâneas nos músculos e articulações, com perigo de vida e sequelas osteoarticulares graves.
Ser doente portador de Hemofilia é complicado no nosso país? Permita-me precisar a terminologia: em linguagem corrente, “o portador de doença é doente”, mas em medicina e genética, reserva-se a designação de “portador” para alguém não doente, mas que pode transmitir a doença, seja porque (em infecciologia) alberga o germe transmissor da doença, sendo assintomático, seja porque (em genética) tem um gene transmissor da doença que é recessivo e, portanto, impedido de se manifestar nele pelo outro gene, que é normal e dominante, mas que, transmitido a um descendente, que recebe do outro progenitor também o gene recessivo, reúne os dois genes da doença e cria um doente. Direi, portanto, que o doente hemofílico (não o portador, que é assintomático, até certo ponto) tem, em Angola, uma vida difícil, porque não existe um serviço abrangente de diagnóstico, tratamento atempado e, de preferência, profilático, seguimento clínico, cuidados domiciliares, fisioterapia e reabilitação ortopédica. Presentemente, há apenas um serviço de administração dos FC centralizado, a título de urgência, num hospital da capital, que é feita a pedido do doente. Não há consultas dedicadas à doença, não há fisioterapeutas treinados e não há apoio ortopédico. A maioria dos doentes é tratada tardiamente e apresenta sequelas articulares e atrofias musculares, mais ou menos, incapacitantes.
A Hemofilia é uma doença hereditária. Qual é o padrão genético, isto é, como se transmite esta doença? Podemos sintetizar assim: o gene da doença localiza-se no cromossoma X, que, na mãe, é controlado pelo gene normal do outro cromossoma X e, portanto, a doença não se manifesta. Contudo, no homem, o par do cromossoma X é o cromossoma Y, que é mais pequeno e não tem um gene “O DOENTE HEMOFÍLICO (NÃO O PORTADOR, QUE É ASSINTOMÁTICO, ATÉ CERTO PONTO) TEM, EM ANGOLA, UMA VIDA DIFÍCIL, PORQUE NÃO EXISTE UM SERVIÇO ABRANGENTE DE DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO ATEMPADO E, DE PREFERÊNCIA, PROFILÁTICO, SEGUIMENTO CLÍNICO, CUIDADOS DOMICILIARES, FISIOTERAPIA E REABILITAÇÃO ORTOPÉDICA”
normal para dominar o da doença no cromossoma X. Portanto, neste caso, um gene no cromossoma X herdado pela mãe é suficiente para que a doença se manifeste. Na grande maioria das situações, a mãe portadora tem 50% de filhas portadoras e 50% de filhos doentes. A mãe portadora é, em geral, assintomática, mas pode ter uma taxa de FC abaixo de 40% e alguma tendência hemorrágica, por exemplo, nas grandes cirurgias. Um pai doente terá todos os seus filhos saudáveis e todas as sua filhas doentes. Em situações deste tipo, o aconselhamento genético tem um papel limitado, mas o diagnóstico pré-natal pode evitar, nos casais de risco, o nascimento de filhos doentes. Estão a ser desenvolvidas tecnologias genéticas que permitem inserir o gene normal nos doentes e corrigir a doença.
A Liga dos Amigos dos Doentes Hematológicos de Angola (LADHA) tem um papel fundamental para os doentes. Quais são os seus principais objectivos? A LADHA abarca duas doenças muito importantes, em Angola, a Hemofilia e a Anemia de Células Falciforme, e procura reunir os esforços e contribuições das famílias dos doentes, dos profissionais de saúde, do Ministério da Saúde e da sociedade civil e das organizações internacionais, no sentido de tornar a doença mais visível junto do público, em geral, e junto dos profissionais e promover o apoio técnico e institucional, no sentido de assegurar uma assistência moderna, integral e reabilitadora a todos os doentes e suas famílias. A LADHA já foi reconhecida pela Federação Mundial de Hemofilia (WFH, pela sua sigla em inglês), da qual tem recebido auxílio logístico e formativo. Presentemente, a associação tem como único suporte financeiro o pagamento de quotas dos seus associados e tem sido, sobretudo, por iniciativas da sociedade civil, e de fundações como a Novo Nordisk, que tem podido executar certas acções.
NOVA TERAPIA PARA A HEMOFILIA
MAIS PROTECÇÃO, MAIS LIBERDADE.
O Hemlibra é uma inovadora solução terapêutica para a hemofilia. Com uma toma semanal ou a cada duas semanas, Hemlibra demonstrou permanecer no corpo durante muito mais tempo e alcançou um significativo aumento de eficácia em relação a outras terapias, tanto na profilaxia de hemorragias, como na diminuição do número de hemorragias que carecem de tratamento. Está nas suas mãos dar uma melhor protecção e mais liberdade a todos Angolanos que sofrem de hemofilia.
91%
dos doentes com zero hemorragias
>50%
dos doentes com melhoria de saúde física
68%
menos de hemorragias vs FVIII em profilaxia
97%
dos doentes pediátricos com zero hemorragias espontâneas
M-AO-00000073, JAN2022 Este medicamento está sujeito a monitorização adicional. Isto irá permitir a rápida identificação de nova informação de segurança. Pede-se aos profissionais de saúde que notifiquem quaisquer suspeitas de reações adversas. As suspeitas de reações adversas poderão ser notificadas à Roche (telefone: 214257000; email: amadora.farmacovigilancia@roche.com). Medicamento de receita médica restrita.
DIÁRIO DE UM HEMOFÍLICO
Kaúnda Daniel Maneco da Gama
Estudante do curso de Engenharia Informática pela Universidade de Luanda. Vice-presidente da Liga dos Amigos dos Doentes Hematológicos de Angola
DE ACORDO COM A MINHA MÃE, OS SINTOMAS DE HEMOFILIA SURGIRAM QUANDO TINHA, APROXIMADAMENTE, UM ANO E SEIS MESES. DE LÁ PARA CÁ, FORAM MAIS AS IDAS AOS HOSPITAIS DO QUE QUALQUER OUTRA COISA. MESMO SENDO JÁ UMA DOENÇA DE QUE A MAIOR PARTE DOS MEUS IRMÃOS MAIS VELHOS SÃO PORTADORES, AINDA REPRESENTA UM TORMENTO PARA MINHA FAMÍLIA, EM ESPECIAL, PARA A MINHA MÃE E PARA A SUA IRMÃ. VÁRIAS FORAM AS VEZES EM QUE TIVE QUE FAZER TRANSFUSÕES, PORQUE O SANGUE NÃO PARAVA DE JORRAR.
Agengiva é, normalmente, o local que não pára de jorrar quando se trata de uma hemorragia externa. Para as hemorragias internas, os joelhos e os tornozelos são o local “preferido”. Sem nenhum motivo visível, o sangue sai sem parar. Às vezes, deitava-me bem e, durante a noite, quando despertava, os lençóis estavam cheios de sangue. Parecia que tinha sido baleado ou esfaqueado. Sempre fiz várias transfusões de sangue e, mesmo assim, este não parava de jorrar. O desconhecimento da hemofilia levou-me aos quimbandas e às igrejas, numa tentativa de solucionar a doença. Houve uma época em que cheguei mesmo a “fixar residência” no hospital e fui apelidado por Maria Pia, porque estava constantemente lá. A Hemofilia danificou totalmente o meu joelho direito, que está tão deformado que quase não olho para ele, por vergonha. Tenho várias sequelas articulares, tal como o caminhar deformado, que gera em mim um conflito interno. Mas mais doloroso ainda é caminhar, porque, a cada passo que dou, sinto dor na articulação. Durante quase toda minha vida, não aceitei a doença e, fruto disso, desde a infância à fase adulta, senti vergonha de ir ao hospital e de dizer aos mais próximos o que realmente tinha. Como consequência, fiz coisas que sabia que trariam consequências, mais tarde. Houve vezes em que preferi morrer e já fui, até, mais longe, ao ponto de pensar em tirar a própria vida. Privei-me de relacionamentos com o sexo oposto, por causa da doença, não suportava a ideia de outra pessoa ver-me doente. Mas há sensivelmente quatro anos, passei a olhar para a Hemofilia de outra perspectiva, tudo graças ao meu irmão, que me incentivou a fazer parte da Liga dos Amigos dos Doentes Hematológicos de Angola, órgão que luta por uma melhor assistência médica aos hemofílicos. Confesso que está a ser uma experiência muito boa, procuro ajudar os novos pacientes a entenderem a Hemofilia e como lidar com a doença, o que devem e não devem fazer e que é possível viver com a Hemofilia, que não é uma doença do fim do mundo. Por sermos africanos, temos a tendência de ir aos quimbandas para procurar uma solução milagrosa, mas na Liga oferece-se ajuda. No passado, não tinha ninguém que me fizesse entender a doença e isso foi frustrante para mim. Por isso, procuro que se advogue a doença, a nível das entidades governamentais, para que haja medicação eficaz. É possível viver uma vida saudável e, com a medicação correcta, as crises diminuem significativamente.