9 minute read
Felicidade no trabalho na perspectiva do Dr. Sérgio Luciano
ESTE É UM TEMA TÃO FASCINANTE QUANTO COMPLEXO, PORQUE ENVOLVE PESSOAS E EMPRESAS. UMAS E OUTRAS SÃO SERES COMPLEXOS, ÚNICOS, DIVERSOS E, SEGURAMENTE, COM CONCEITOS DE FELICIDADE MUITO PRÓPRIOS. COMO DEFINIR, ENTÃO, A TÃO DESEJADA FÓRMULA DA FELICIDADE NO TRABALHO?
FELICIDADE NO TRABALHO
Dr. Sérgio Luciano
CEO da Quilaban Vamos por partes. A teoria do lucro, enquanto objectivo da existência das empresas, há já muito que foi ultrapassada, mas subsiste ainda de forma vincada no pensamento corrente. Não será estranha a esta visão a dinâmica corrente de apresentação dos resultados (e, logo aqui, começamos a pensar em lucro), assentes em dimensões de natureza económica e financeira. Esta visão inverte-se, no entanto, se pensarmos no lucro não como um fim em si, mas como uma consequência. Sim, de facto, as empresas existem para responder a necessidades fundamentais de várias entidades interessadas na sua acção, designadas, frequentemente, como “stakeholders”. Há um interesse social na acção das empresas, porque geram emprego e remuneram e tratam justamente os seus trabalhadores, porque desenvolvem e comercializam produtos e serviços úteis e com valor para os seus clientes, porque permitem aos seus fornecedores encaminhar os seus produtos e aceder aos consumidores, porque pagam os seus impostos e taxas, porque remuneram os seus accionistas, designados também como “shareholders”, gerando lucros e pagando dividendos, ou porque criam dinâmicas de desenvolvimento nas comunidades onde estão integradas. Enfim, muito para além do lucro, as empresas têm um desígnio de geração de um impacto positivo sobre um conjunto alargado de “stakeholders”. Esse é o fim a que se destinam. Da sua capacidade de articular e respeitar o interesse das diversas partes interessadas, numa dinâmica positiva e harmoniosa, dependerá a sua sustentabilidade. Para o efeito, as empresas deverão ter um propósito maior que oriente a sua acção e que se ilustra numa missão e visão claras e inspiradoras e num conjunto de valores sólidos, sempre muito presentes na sua actuação. A sustentabilidade constitui um compromisso maior, ao qual as empresas são chamadas, para com o ambiente, os colaboradores, os clientes, os fornecedores e as comunidades em que se integram e com as melhores práticas éticas e de gestão. O papel das empresas na sociedade é o de geradoras de impactos positivos e sustentáveis, capazes de promover um presente e um futuro melhores. Criar valor é isso mesmo. O lucro será uma
consequência natural dessa dinâmica, mas constitui apenas uma parte de algo maior.
O papel das pessoas nas empresas
As empresas, para desempenharem o seu papel económico e social, necessitam de dois recursos fundamentais: capital e talento. É justamente ao nível do talento que as pessoas têm um papel determinante. São as pessoas que, com inteligência, conhecimento, competências diversas e múltiplas capacidades, adquiridos quer por via da formação, quer da experiência acumulada, possuem o talento necessário para dar vida às dinâmicas que as empresas se propõem a desenvolver. Mas há muito mais para além do saber acumulado. As empresas vivem em ambientes complexos, sujeitos a mudanças constantes, a imprevistos, à alteração dos gostos e a novas formas de abordar os mercados, muito condicionadas pela forte dinâmica de mudanças tecnológicas, por factores ambientais ou por conjunturas que se alteram repentinamente, com efeitos imprevisíveis e inesperados. As pessoas são também intérpretes extraordinárias destas tendências e têm uma capacidade única de adaptação, de criatividade, de empatia, de se mobilizarem para responder a novos desafios com entusiasmo e determinação, combinando o seu talento para criar novas soluções e respostas. As pessoas são o motor da empresa. O seu desempenho, porém, depende da sua identidade com o propósito da empresa, com os seus valores e com as suas práticas. Cada pessoa tem para si um propósito de vida, mesmo que não o tenha identificado ou o verbalize objectivamente. A este propósito, é muito interessante a história do senhor que visitava a sua propriedade, onde estava a construir um palácio. Procurando passar incógnito entre os trabalhadores que por aí andavam, foi passeando e interagindo com eles. A um, que via com ar sofrido e gestos pesados e vagarosos, perguntou: “o que está a fazer?”. Respondeu-lhe: “não vê?! Estou a trabalhar, de sol a sol, a construir muros. Não faço outra coisa…”. A outro, que se apresentava empenhado na construção do mesmo muro e compenetrado, perguntou: “o que está a fazer?”. Respondeu-lhe: “estou a dar o meu melhor para fazer um bom trabalho. Com o meu salário vou alimentar a minha família e pagar os estudos dos meus filhos para que tenham um futuro melhor…”. A um terceiro, que, enquanto construía o muro, assobiava e cantava, perguntou: “o que está a fazer?”. Respondeulhe, com brilho no olhar: “estou a construir um palácio. O mais belo palácio da região!”. Não é indiferente o sentido que se dá ao que se faz. Cabe às empresas partilharem com os seus trabalhadores um propósito para aquilo que se propõem a fazer. Cabe às pessoas encontrarem sentido para o que fazem e descobrir motivação e encanto para além das tarefas, encontrando no que fazem também o sentido para sua vida. As empresas são (devem ser) locais onde cada um pode contribuir para a construção de um presente e um futuro melhores, através da sua acção pessoal, em equipa e dando o melhor de si, para que a comunidade empresarial e ele próprio possam prosperar.
Felicidade no trabalho
Muito se fala de felicidade e a descoberta da fonte da felicidade continua a ser um desígnio que muitos perseguem. Gosto, particularmente, da visão de dois pensadores. Um vê a felicidade na descoberta de sentido para a vida. Outro encontra-a na gratidão.
Acredito que ambas as visões se relacionam com a felicidade no trabalho e podem ser dois excelentes guias para que se alcance esse desígnio. O sentido para a vida está muito ligado com o sentido que a empresa tem para a sua própria existência e com a forma como o comunica e partilha com os seus trabalhadores, sendo consistente nas suas práticas e deixando que, eles próprios, assumam esse desígnio como seu, porque acreditam nele e nele revêem também o seu próprio propósito. A gratidão funciona nos dois sentidos, dos colaboradores para com as empresas e das empresas para com os colaboradores. Ambos
descobrem e valorizam o contributo de cada um para a construção de projectos de vida mais auspiciosos e de uma sociedade mais justa, equilibrada e sustentável, reconhecendo o valor e a importância mútua. Mas a felicidade no trabalho, tal como na vida, é uma construção exigente. Importa ser prático e ter disciplina na execução. Leva tempo a alcançar e é um trabalho de todos, empresas e trabalhadores. Importa refletir: Como estão as empresas a comunicar com os seus trabalhadores? Como contribuem para a sua formação? Quão justos são os seus salários e compensações? Como são as suas condições de trabalho? Como são valorizados e respeitados os pensamentos diversos e as opiniões distintas? Como se divulgam os resultados e as dinâmicas da empresa? Como é visto o erro? Como se consideram as circunstâncias familiares? Como se tratam, sem discriminar, homens e mulheres? E como estão os trabalhadores a contribuir
para a dinâmica da empresa? Como se envolvem nas iniciativas da empresa? Como se dispõem a aprender e a melhorar continuamente? Como colocam as suas competências e capacidades ao serviço da empresa? Como participam nos grupos de trabalho? Como interagem com os seus colegas, sendo construtivos, verdadeiros e transparentes? Como seguem as instruções de trabalho? Como apoiam os colegas com maiores dificuldades? A felicidade no trabalho é, sobretudo, o fruto de uma construção conjunta, onde empresas e trabalhadores são os actores principais, orientada para a construção de um presente e de um futuro melhores. Precisamos de pessoas felizes em empresas felizes, para que o mundo se torne melhor e o entreguemos aos nossos descendentes melhor do que o recebemos.
DÉCADAS DE EVOLUÇÃO DA PRESENÇA DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO FORAM POSTAS EM CAUSA PELA PANDEMIA, AVANÇA A ADECCO. NA LINHA DA FRENTE EM PROFISSÕES DE RISCO, MAS TAMBÉM EM CASA E NOS CUIDADOS AOS SEUS, MUITAS ACABARAM POR DESISTIR E AINDA NÃO REGRESSARAM.
Na primeira vaga da pandemia, em 2020, houve um colapso no emprego feminino. A primeira e mais óbvia justificação é que as mulheres trabalham de forma desproporcional em sectores especialmente atingidos pela Covid-19. O relatório “Resetting Normal: Defining the new era of work”, realizado em 2021, concluiu que homens e mulheres experienciaram a pandemia de forma distinta e foram as mulheres que mais sentiram na pele as consequências: mais mulheres a sentirem-se em “burnout” (39% vs 36%), que o seu bem-estar mental declinou (34% vs 29%) e que ansiavam regressar ao escritório (46% vs 38%).
Peso do trabalho doméstico
Outra parte importante da causa desta saída das mulheres do mercado de trabalho é que, em muitas sociedades, ainda são as mulheres a suportar o peso do trabalho doméstico e dos cuidados familiares, que continuam a afastá-las do regresso ao trabalho. O inquérito, também de 2021, “Mulheres na Liderança. A análise das diferenças de género no topo das empresas” confirma o fardo que recai sobre as mulheres: cerca de 28% das quase 580 mulheres inquiridas dizem ser cuidadoras, ou seja, são responsáveis por cuidar de outras pessoas que não os seus próprios filhos. A distribuição do tempo dedicado aos cuidados de outros é a variável que melhor explica o facto desta responsabilidade ser um dos obstáculos à progressão da carreira: ultrapassa as 21 horas semanais para 42% das inquiridas com filhos menores e para 34% das cuidadoras. Isto significa que é como se as mulheres trabalhadoras, para além do seu contrato a tempo inteiro, tivessem também um contrato a tempo parcial adicional não remunerado. O inquérito referido diz que um em cada quatro homens tem dificuldade em aceitar uma liderança feminina: 46% referem ser ainda menos ouvidas do que os seus pares masculinos e 38% das mulheres entrevistadas identificam o principal obstáculo no facto dos homens, com as mesmas características (competências, qualificações, experiência, etc.), continuarem a ter o privilégio de chegar à gestão de topo. Por outro lado, para 36%, o principal obstáculo é representado pelo fardo dos cuidados com a família e pela falta de instrumentos de conciliação eficazes. Finalmente, 21% consideram o estereótipo das características masculinas impostas às mulheres que se querem afirmar como um obstáculo.
Regresso a um mundo de trabalho mais digital
O regresso lento das mulheres acentua um problema crescente que a Covid-19 veio acelerar: a digitalização da economia tem vindo a excluir as mulheres, devido ao défice sistémico do sexo feminino nas formações STEM (science, technology, engineering and mathematics). “Quanto mais importante é o digital na economia, menor é a probabilidade dos cargos mais importantes serem ocupados por mulheres”, sublinha a Adecco. Para evitar que as mulheres se sintam excluídas desta rápida mudança para o digital, a consultora propõe quatro formas. Primeiro, há que definir modelos a seguir, de forma a mobilizar as jovens para estudar tecnologia. Segundo, os governos têm de acelerar a acção regulatória relativamente à discriminação salarial, solicitando, por exemplo, às empresas que provem estar a pagar a homens e mulheres de forma igual por trabalho de igual valor. “A discriminação positiva é necessária. Se continuarmos à mesma velocidade, a igualdade de géneros vai chegar dentro de 267 anos”, refere a Adecco. Terceiro, tem de se pensar em formas mais adequadas de proporcionar formação digital adequada às mulheres. Quarto, os homens têm de se questionar sobre como podem contribuir para trazer mais mulheres ao mercado de trabalho. “Ser um patrocinador é mais do que ser um aliado. Um patrocinador é alguém que fala (bem) de si quando não está presente na sala”.