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Perfil nutricional dos doentes com hipertensão
ENTREVISTA PERSPECTIVA PERFIL NUTRICIONAL DE PACIENTES COM DIAGNÓSTICO DE HIPERTENSÃO ARTERIAL DOS 18 AOS 60 ANOS ATENDIDOS NO HOSPITAL DIVINA PROVIDÊNCIA NO 2.º SEMESTRE DE 2017
AS DOENÇAS CARDIOVASCULARES (DCV) CONSTITUEM A PRINCIPAL CAUSA DE MORTE NOS PAÍSES INDUSTRIALIZADOS E EM DESENVOLVIMENTO. SEGUNDO RAYMOND E COUCH (2012), AS DCV CONSTITUEM UM GRUPO DE DOENÇAS INTER-RELACIONADAS QUE INCLUIU A DOENÇA ARTERIAL CORONÁRIA (DAC), ATEROSCLEROSE, HIPERTENSÃO ARTERIAL, DOENÇA CARDÍACA ISQUÉMICA, DOENÇA VASCULAR PERIFÉRICA E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (IC). A HIPERTENSÃO ARTERIAL CONSTITUI, NOS DIAS DE HOJE, UM IMPORTANTE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA, POR SER A DOENÇA CRÓNICA MAIS PREVALENTE DO MUNDO. ACTUALMENTE, MAIS DE 25% DA POPULAÇÃO MUNDIAL É HIPERTENSA E HÁ ESTIMATIVAS DE QUE ESTE NÚMERO POSSA CHEGAR A 29%, ATÉ 2025.
Dra. Eunice Cambua
Licenciada em Nutrição e Dietética na Universidade de Belas. Nutricionista na Clínica Girassol. Nutricionista na Eucsana
Raymond e Couch (2012) definem hipertensão arterial como a pressão arterial persistentemente elevada, com os valores sistólicos iguais ou superiores a 140 milímetros de mercúrio (mmHg) e diastólicos iguais ou superiores a 90 mmHg. Isso é relatado como pressão arterial de mais de 140/90 mmHg. A sua génese é multifactorial e abrange factores como a hereditariedade, a idade, a raça, o sexo, o aumento de peso corporal, modificações metabólicas, o tabagismo, a alimentação, particularmente, o consumo de sódio, entre outros (Raymond e Couch, 2012; Mitchel e Schoen, 2010; V Directrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, 2006). A redução profiláctica da pressão arterial reduz dramaticamente a incidência e as taxas de óbito por todas as formas de patologias relacionadas com a hipertensão (Mitchel e Schoen, 2010). Para que o controlo da pressão arterial seja efectivo, é necessário que haja adesão ao tratamento, que compreende dois tipos de abordagens: farmacológica (à base de drogas anti-hipertensivas) e não farmacológica (que se baseia, fundamentalmente, em mudanças de estilo de vida, nas quais o manuseio nutricional tem um papel fundamental). A hipertensão arterial sistémica (HAS) é uma doença que apresenta elevado risco de mortalidade, em razão das suas complicações cardiovasculares. O objectivo deste estudo foi identificar o perfil nutricional, avaliando as características sociodemográficas e económicas, estado clínico nutricional e apontando os principais factores de risco dos pacientes hipertensos atendidos no Hospital Divina Providência (HDP), no segundo semestre de 2017.
Metodologia
Trata-se de um estudo de corte transversal e de natureza descritiva, a fim de propor estratégias que visem o controlo e/ ou a prevenção dos factores de risco e, consequentemente, das complicações cardiovasculares. O estudo foi realizado no ambulatório do HDP, localizado da Rua Pedro de Castro Van-Dúnem Loy, próximo ao controlo do Golf 1, no município do Kilamba Kiaxi, província de Luanda. A população estudada foi constituída por todos os adultos hipertensos de ambos os sexos, atendidos no mês de Maio de 2017, na fase da recolha de dados, perfazendo um total de 40 pacientes, conscientes e orientados para o estudo. De acordo com os objectivos traçados, foi seleccionada uma amostra de 20 pacientes, que corresponde a 50% da população estudada. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos,
na faixa etária dos 18 aos 60 anos de idade, com diagnóstico de HAS não complicada, com exames físicos isentos de edemas ou abdómen distendido, e que consentiram em participar deste estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido. Excluídos todos os pacientes com idades maiores de 60 anos (8), com hipertensão secundária, ou seja, com outras patologias associadas (12) e os que não aceitaram assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (2), perfazendo um total de 20. Foram utilizados os métodos indutivo e hipotético-dedutivo. Para a recolha de dados, foi realizada uma entrevista com base num formulário pré-estabelecido, para a obtenção dos dados socioeconómicos, demográficos e o estilo de vida. Para o perfil clínico/nutricional, aferiram-se as medidas antropométricas (peso, altura, circunferência da cintura/ abdominal) e fez-se a observação da ficha de atendimento para verificar o valor da pressão arterial aferida, no mesmo dia, pela enfermeira. Todos os dados foram tabulados utilizando os programas Microsoft Excel e Microsoft Word (2010) e, assim, foram elaboradas as tabelas para melhor compreensão dos resultados obtidos. As variáveis estudadas foram idade, sexo, factores socioeconómicos, sedentarismo, excesso de peso e obesidade, pressão arterial e dietoterapia. O projecto de pesquisa foi aprovado Departamento Científico da Faculdade de Ciências de Saúde da Universidade de Belas e autorizado pelo Director Geral do HDP. Aos pacientes, foi solicitada a autorização através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Resultados e discussão
Distribuição dos hipertensos segundo a faixa etária e o sexo Dos 20 pacientes avaliados, 90% era do sexo feminino e 10% do sexo masculino. Vários estudos corroboram com este resultado e Silva (2010) explica que este predomínio marcante de mulheres com hipertensão é observado em várias pesquisas realizadas em vários países, envolvendo hipertensão arterial e outras doenças crónicas, o que se deve ao maior número de mulheres na população mundial e à maior consciencialização destas nos cuidados da saúde, associada à maior procura pelas unidades de saúde e melhor adesão ao tratamento, em relação aos homens. Quanto à variável idade, 60% encontrava-se na faixa etária dos 50 aos 60 anos e com predomínio total para o sexo feminino. Há uma tendência de aumento da pressão arterial com a idade e isso acontece, em parte, devido às mudanças no estilo de vida, pois muitas pessoas ganham peso e tornam-se menos activas, à medida que envelhecem. O documento V Directrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial corrobora os resultados apresentados neste estudo e explica que esta relação se deve às alterações da musculatura lisa e no tecido conjuntivo dos vasos, consequência do processo de envelhecimento. Porém, quando o idoso possui um estilo de vida saudável, não só na questão da alimentação, mas também em termos de actividade física, as alterações morfológicas e funcionais que ocorrem no processo de envelhecimento podem ser prorrogadas.
Distribuição dos hipertensos segundo os antecedentes patológicos familiares
A respeito dos antecedentes patológicos familiares, verificou-se que a maioria dos pacientes (70%) possuía algum familiar com a patologia. Os antecedentes familiares são um factor de risco não modificável e independente, principalmente, no parentesco de primeiro grau com patologias coronárias.
Distribuição dos hipertensos segundo descrição da circunferência da cintura
Utilizando-se a circunferência da cintura, relacionando a distribuição da gordura corporal, a proporção de pacientes com obesidade abdominal foi de 45% (9), com maior frequência em mulheres (100%). Ou seja, 45% apresentou resultados normais, 10% (2) resultados elevados e 45% (9) resultados muito elevados. Recentemente, tem sido demonstrada a importância da obesidade abdominal como factor de risco cardiovascular, especialmente quando associada a dislipidémias, a intolerância à glicose e a hipertensão arterial, compondo a síndrome metabólica. Essa maior prevalência entre mulheres também foi identificada num estudo realizado no Brasil com hipertensos adultos cadastrados na unidade de saúde da família no município de Londrina, no Paraná, no qual, o resultado da circunferência da cintura elevada foi de 66,8%, sendo verificado em 87,9% em mulheres e 1% em homens. Segundo Silva (2010), a redução da sensibilidade à insulina nos tecidos periféricos gera uma resposta compensatória no pâncreas, que passa a aumentar a produção de insulina, não sendo raro que seja acompanhada de hiperinsulinémia compensatória. Essa alteração hormonal favorece o aparecimento de uma cascata de anormalidades, entre elas o favorecimento do aumento crónico da pressão arterial e o desenvolvimento da dislipidémia diabética, caracterizada pelo aumento dos triacilgliceróis e redução da lipoproteína de alta densidade-colesterol (HDL-c, high-density lipoprotein-cholesterol). Mudanças no estilo de vida, como o aumento de actividade física, levando à adopção de um estilo de vida mais saudável, devem ser estimuladas por todos os profissionais de saúde, tanto para a prevenção da hipertensão arterial, como para o controlo da obesidade.
Distribuição dos hipertensos segundo o estado nutricional e prática de actividade física
Com relação ao IMC, a prevalência de excesso de peso (sobrepeso e obesidade) entre os participantes foi de 65%, sendo 40% obesos e 25% com sobrepeso. Destes, apenas 20% praticava actividade física (caminhadas e corridas lentas). No Brasil, dados do Vigitel (2014) revelaram, entre 2006 e 2014, o aumento da prevalência de excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2) de 43% para 52,5%. No mesmo período, a obesidade (IMC ≥ 30 kg/ m2) aumentou de 11,9% para 17,9%, com predomínio em indivíduos de 35 a 64 anos e em mulheres (18,2% e 17,9%), mas estável entre 2012 e 2014. O excesso de peso ocorre como resultado de um desequilíbrio entre o consumo alimentar e a actividade física, ou seja, é um estado no qual o peso excede um padrão baseado de acordo com a estatura. Já a obesidade é uma questão complexa relacionada ao estilo de vida, ao meio ambiente e aos genes, pois é uma condição de gordura excessiva, seja generalizada ou localizada (Mahan, 2012). Um importante mecanismo pelo qual o excesso de gordura corporal favorece o desenvolvimento de anormalidades metabólicas e de doenças cardiovasculares é a presença de resistência à insulina (RI), que é tipicamente definida pela diminuição da captação de glicose pelos tecidos periféricos, como o músculo, o tecido adiposo e o fígado. O tratamento da obesidade tem evoluído ao longo dos anos. Inicialmente, os médicos focavam somente na perda de peso e pouco se sabia sobre a manutenção do mesmo. Logo ficou claro que focar na perda de peso, sem atenção para a manutenção do mesmo, era inadequado, injusto e, possivelmente, prejudicial a qualquer um que tenta lidar com o seu peso. Hoje, um modelo de prevenção de
doenças crónicas incorpora tanto intervenções no estilo de vida quanto tratamentos interdisciplinares com médicos, nutricionistas, especialistas em exercício e terapeutas comportamentais (Mahan, 2012).
Distribuição dos hipertensos segundo o cumprimento do tratamento farmacológico e classificação da pressão arterial no momento da consulta de seguimento
Quanto ao tratamento farmacológico regular, podemos constatar que, dos 20 pacientes atendidos, apenas quatro (20%) apresentaram valores dentro dos parâmetros normais de pressão arterial (sistólica <130 mmHg e diastólica <85 mmHg), de acordo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), descritos nas VII Directrizes
Brasileiras de Hipertensão (2010). 11 (55%) apresentaram pressão arterial elevada e cinco (25%) muito elevada. 15 (75%) dos pacientes faziam o uso regular de anti-hipertensivos e, destes, 11 (55%) apresentaram valores elevados na aferição da pressão arterial. Isto deve-se ao estilo de vida não adequado à patologia apresentado pelos pacientes atendidos, pois, apesar de ser uma doença crónica, a hipertensão pode ser facilmente controlada através de uma alimentação saudável, acompanhada com a prática de exercício físico e o uso regular do antihipertensivo prescrito pelo médico. Cinco (25%) relataram não utilizar regularmente os anti-hipertensivos, por falta de meios financeiros, tomando-os somente na presença de alguns sintomas.
O CONTROLO DA HIPERTENSÃO POR MEIO DE MEDIDAS DIETÉTICAS ESPECÍFICAS VISA NÃO APENAS A REDUÇÃO DOS NÍVEIS TENSIONAIS, MAS TAMBÉM A INCORPORAÇÃO DE HÁBITOS ALIMENTARES PERMANENTES. A DIETOTERAPIA FAZ PARTE DE UM CONJUNTO DE MEDIDAS TERAPÊUTICAS, NÃO FARMACOLÓGICAS QUE TEM COMO PRINCIPAL OBJECTIVO DIMINUIR A MORBIMORTALIDADE POR MEIO DE MODIFICAÇÕES DO ESTILO DE VIDA.
Distribuição dos hipertensos segundo o acompanhamento dietético e número de refeições feitas diariamente
Referindo-se ao número de refeições, a maioria (55%) fazia apenas uma a duas refeições por dia e, destes, 25% relatou ter acompanhamento dietético com os seus cardiologistas. 45% fazia três a quatro refeições diárias e nenhum chegou a fazer cinco a seis refeições. Todos afirmaram que nunca lhes foi solicitada uma consulta de nutrição e que a dieta passava apenas pela restrição de certos alimentos, como kizaca e seus derivados, sal, Coca-Cola e outros. Fazendo a ligação do ponto 5 com este, podemos perceber o motivo pelo qual dos 75% de pacientes que faziam o uso de antihipertensivos de forma regular, apenas 20% apresentou valores da pressão arterial dentro dos parâmetros normais e a maioria (55%) valores elevados. Isto deve-se ao estilo de vida não adequado à patologia, pois, apesar de estarem a fazer o tratamento medicamentoso, sem uma dieta específica, para o melhor controlo e prevenção da doença, o risco de desenvolver DCV é maior. O controlo da hipertensão por meio de medidas dietéticas específicas visa não apenas a redução dos níveis tensionais, mas também a incorporação de hábitos alimentares permanentes. A dietoterapia faz parte de um conjunto de medidas terapêuticas, não farmacológicas, que tem como principal objectivo diminuir a morbimortalidade por meio de modificações do estilo de vida (Raymond e Couch, 2012).
Distribuição da amostra segundo o número de refeições diárias e trabalhadores remunerados
Na amostra, a maior parte dos entrevistados não trabalhava (65%) e a maioria informou que dependia da ajuda de filhos, netos e esposos. Do total, apenas sete (35%) eram trabalhadores remunerados, mas de baixa renda, porque auferiam até, no máximo, três salários mínimos e, destes, seis (30%) faziam uma a duas refeições diárias e um (5%) três a quatro refeições. De acordo com a literatura, o nível socioeconómico mais baixo está associado à maior prevalência de HAS (V Directrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, 2006). Portanto, quanto menor o grau de instrução e a condição económica, maior a incidência de hipertensão arterial, devido ao menor nível de cuidados com a saúde (Pierin, 2004).
Distribuição da amostra segundo controlo da ingestão de sal e óleo nas comidas
Grande parte dos entrevistados (90%) informou que, desde o momento que teve conhecimento da existência da patologia, passou a ter mais cuidados, restringindo moderadamente o sal, por orientações médicas. Todos afirmaram acreditar que o sal influencia directamente na pressão arterial. O consumo variou de um a 10 gramas por dia (g/dia) de sal. Do total, apenas dois (10%) ainda faziam o consumo elevado de sal (>
8 g de sal, que corresponde a uma colher de chá cheia), alegando “não sentirem gosto em alimentos preparados com pouco sal”. 16 (80%) permaneciam com a ingestão normal/ moderada de sal (5 g de sal que corresponde a uma colher de chá rasa) e dois (10%) consumiam de forma reduzida “uma pitada de sal entre os dedos” (aproximadamente a 1 g de sal, inferior a uma colher rasa de café). Quanto ao consumo de óleo adicional nas preparações, 13 (65%) dos entrevistados apresentaram um consumo elevado, quatro (20%) consumiam moderadamente e apenas três (15%) obedeciam uma restrição considerável. Quando há um consumo elevado de sódio, a ponto de chegar ao limite de eliminação pelos rins, a percentagem de sódio não eliminada fica na corrente sanguínea, concentrando-se nos vasos sanguíneos. Esta concentração faz com que haja retenção de líquido, aumentando o volume dentro dos vasos e, consequentemente, o aumento da pressão, fazendo o coração bombear mais rapidamente o sangue. Vários estudos randomizados confirmam os efeitos positivos da redução do sódio sobre a pressão arterial e desfechos cardiovasculares em indivíduos normotensos e hipertensos. As actuais directrizes dietéticas limitam a ingestão de sódio a 1.500 mg/dia para indivíduos com pressão arterial maior que o ideal. Para os indivíduos com pressão arterial normal, recomenda-se uma ingestão de menos de 2.300 mg de sódio, o equivalente a seis gramas de sal por dia (Mahan; Escott-Stump e Raymond, 2012).
Distribuição da amostra segundo alimentos consumidos semanalmente
Quanto ao questionário da frequência alimentar, 85% afirmou que não consome muita variedade de alimentos, por falta de meios financeiros. Dos cereais e tubérculos consumidos com maior frequência (> 3 vezes/semana), predominou o pão (100%), o arroz (55%), o funge (40%) e a batata rena (5%). Como podemos constatar, são cereais de fácil aquisição e de baixo custo, mas todos de alto índice glicémico e com baixo teor de fibras. Quanto às leguminosas, este grupo não foi considerado como hábito alimentar desta população, pois apenas 35% dos entrevistados consumia feijão e as demais leguminosas não eram consumidas com frequência, por serem de alto custo para esta população. Grande parte dos entrevistados (60%) consumia peixe e 40% consumia frango. Esse resultado está relacionado à renda dos hipertensos entrevistados. Em relação aos lacticínios, nenhum deles foi considerado hábito alimentar. Nas preparações culinárias, o óleo ou gordura mais utilizada foi o óleo vegetal - 95% e 90% consumiam a margarina para barrar o pão. Em relação ao consumo de bebidas como refrigerantes, sumos naturais e industrializados, verificou-se uma frequência elevada no consumo de refrigerantes, pois 45% consumia esta bebida, 30%
consumia sumos industrializados e apenas 10% fazia o uso de sumos naturais. É de ressaltar que, de entre os entrevistados, havia dois (10%) que consumiam apenas água. No grupo das verduras, legumes e frutas, apenas o tomate, a gimboa e a rama de batata foram considerados hábitos alimentares, sendo consumidos por mais de 70% dos entrevistados. É de ressaltar que nenhum dos entrevistados consumia, pelo menos, uma fruta mais de três vezes por semana. Uma série de resultados de estudos sobre dieta e pressão arterial demonstrou que a intervenção dietética, além da redução de peso, redução da ingestão de sódio e consumo moderado de bebidas alcoólicas, reduz a pressão arterial. A dieta DASH é composta de produtos com baixa quantidade de gordura, como peixe, frango, carnes vermelhas magras e lacticínios magros, visando a diminuição do consumo de gordura saturada e colesterol e o aumento do aporte de proteína e de cálcio. Dessa forma, existe um perfil favorável de macronutrientes, que é a diminuição de gordura total e saturada e o aumento da relação polinsaturado/ saturado. É também composta de quantidade abundante de frutas, vegetais, grãos, oleaginosas, todas fontes ricas de potássio, magnésio e fibras. Uma das características de grande relevância no plano alimentar DASH está relacionada com a quantidade de sódio. Ao contrário da maioria das dietas para controlo da hipertensão, nas quais o objectivo principal é a restrição do sódio, no plano alimentar DASH, a quantidade de sódio é a mesma da dieta comum, que corresponde a uma dieta normossódica. Sendo assim, a eficácia do plano alimentar DASH na redução da pressão arterial está associada ao conjunto de nutrientes e não exclusivamente ao sódio. No entanto, o sódio exerce, notoriamente, um papel importante na redução da pressão arterial e benefícios ainda maiores são alcançados quando se associa o plano alimentar DASH a uma restrição de sódio de 2.400 mg (Silva, 2010; Mahan et al., 2012).
Distribuição da amostra segundo a quantidade de água consumida diariamente
Quanto ao consumo de água, a maioria (75%) consumia uma quantidade aceitável de água de 1,5 a dois litros, sendo 45% para 1,5 litros e 30% para dois litros. Apenas 5% consumia uma quantidade muito reduzida de água, 500 mililitros, que corresponde a aproximadamente dois copos descartáveis grandes, alegando não sentir muita vontade de beber água. A água é o maior componente do corpo, correspondendo 60% a 70% do peso corporal total em adultos magros e apenas 45% a 55% em adultos obesos. Segundo Charney (2012), a água corporal diminui com a idade, em decorrência da diminuição da massa muscular, pois as células metabolicamente activas do músculo e vísceras têm as maiores concentrações de água. A água é essencial para os processos de digestão, absorção e excreção e actua como meio de transporte para nutrientes e todas as substâncias do corpo. Tem um papel fundamental na estrutura e função do sistema circulatório e na manutenção da temperatura corporal.
Conclusão
A amostra foi constituída maioritariamente pelo sexo feminino e com maior predominância na faixa etária dos 50 aos 60 anos. A maioria da população estudada apresentou-se acima do peso e com excesso de gordura abdominal, representando um elevado risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, e grande parte da amostra apresentou um estilo de vida sedentário. Verificou-se, ainda, que a grande maioria não fazia o controlo alimentar adequado, pois associavam a HAS com a restrição apenas de sal, bebidas alcoólicas, café e cigarro e não
tinham conhecimento de outros alimentos que contribuem para a elevação da pressão arterial. Por este motivo, os hábitos tóxicos não foram marcantes nesta população, pois nenhum deles consumia café, bebidas alcoólicas nem cigarro. Mais preocupante foram as condições económicas relatadas pelos entrevistados e o facto da maior parte dos médicos continuar a fazer o papel que cabe aos nutricionistas, mesmo tendo estes na unidade hospitalar. Os factores de riscos mais alarmantes encontrados nesta população foram a alimentação inadequada à patologia (por falta de orientações nutricionais adaptadas e pelas condições económicas muito baixas), o excesso de peso e a inactividade física (sedentarismo). Diante disso, tornase necessário um acompanhamento nutricional mais intenso, realizado por um profissional nutricionista, visando o controlo do peso, a prevenção e/ou o tratamento das complicações cardiovasculares e, consequentemente, para garantir melhor qualidade de vida a essa população de baixa renda, por meio da adopção de hábitos de vida saudáveis, incluindo os hábitos alimentares, com o consumo diário de frutas, verduras, legumes e alimentos ricos em fibras (cereais integrais) e redução do consumo de alimentos ricos em gorduras, sal e açúcar, associada à prática de actividade física regular e à realização do tratamento medicamentoso adequado.
Recomendações
Para prevenção do desenvolvimento da hipertensão arterial englobam-se políticas públicas de saúde combinadas com acções das sociedades médicas e dos meios de comunicação. A comissão multissectorial, coordenada por sua Excelência a Ministra da Saúde, elaborou o Plano Nacional de Saúde Pública (PNDS), para o período 2012-2025. A sua concretização passa pela implementação de nove programas, que estão subdivididos em 20 subprogramas e 47 projectos. O primeiro programa visa a prevenção e luta contra as doenças, com o subprograma 3 - Doenças crónicas não transmissíveis -, constando no seu projecto 9 a prevenção e tratamento das doenças cardiovasculares. Portanto, as políticas públicas de saúde já estão elaboradas, sendo necessário o cumprimento das mesmas pelo Ministério da Saúde. O objectivo deve ser o de estimular o diagnóstico precoce, o tratamento contínuo, o controlo da pressão arterial e de factores de risco associados, por meio da modificação do estilo de vida e/ou uso regular de medicamentos. A maior parte das modificações de estilo de vida está relacionada ao controlo alimentar, tanto quantitativo como qualitativo. O controlo da hipertensão por meio de medidas dietéticas específicas visa não apenas a redução dos níveis tensionais, mas também a incorporação de hábitos alimentares permanentes. A dietoterapia faz parte de um conjunto de medidas terapêuticas, não farmacológicas, que tem como principal objectivo diminuir a morbimortalidade por meio de modificações do estilo de vida. Para os indivíduos hipertensos que estão acima do peso, faz-se necessária a elaboração de um plano dietético, com restrição calórica e balanceamento adequado de macro e micronutrientes, de modo que a perda ponderal seja acompanhada da incorporação de novos hábitos alimentares que permitam a manutenção do peso, a médio e longo prazo. No caso do HDP, local da recolha dos dados apresentados, é necessária, e com extrema urgência, a incorporação de nutricionistas na sua equipa multidisciplinar e a participação dos mesmos na elaboração dos manuais de orientação nutricional utilizados para as palestras antes da realização das consultas. E que as palestras de fórum nutricional sejam realizadas por um nutricionista ou por profissionais devidamente treinados, pois a dietoterapia é um conjunto de medidas dietéticas específicas para cada patologia.
Referências bibliográficas: CHARNEY, Pamela. Clínico: água, eletrólitos e equilíbrio ácido-base. In: MAHAN, L. K; ESCOTT-STUMP, S; RAYMOND, J. L. Krause: Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13ª Edição. Rio de Janeiro. 2012. MAHAN, L. K; ESCOTT-STUMP, S; RAYMOND, J. L. Krause: Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13ª Edição. Rio de Janeiro. 2012. MITCHELL, N. Richard; SCHOEN, J. Frederick. Vasos sanguíneos. In ROBBINS E COTRAN. Patologia: Bases Patológicas das Doenças. Distúrbios heritrocitários e hemorrágicos. 8ª Edição. Rio de Janeiro. 2010. PIERIN, A.M.G. Hipertensão Arterial: uma proposta para cuidar. 1ª Edição. Manole Ltda. 2004. RAYMOND, L. Janice; COUCH, C. Sarah. Tratamento Nutricional Clínico da doença cardiovascular. In: MAHAN, L. K; ESCOTT-STUMP, S; RAYMOND, J. L. Krause: Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13ª Edição. Rio de Janeiro. Elsevier. 2012. SILVA, Maria Anoia Dantas Costa e. Representações sociais da hipertensão arterial elaboradas por portadoras e profissionais de saúde: uma contribuição para a enfermagem. UFP. Teresina. 2010. SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Departamento de Hipertensão Arterial. VII Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Revist Brasileira de Hipertensão.2010. Disponível em:<http://publicacoes.cardiol.br>pdf>. Acedido em: 03.02.2017, 17h:15min. V Diretrizes Brasileiras da Hipertensão Arterial. Arquivos brasileiros de cardiologia. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br>pdf>. Acedido em: 16.09.2016, 17h:13min. VIGITEL, Brasil. Vigilância de factores de riscos e proteção para doenças crônicas por inquérito telefónico. 2014. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/pdf> Acedido: 19.05.2017, 18h:10min.
ENTREVISTA PERSPECTIVA A HIPERTENSÃO OCULAR
NESTA EDIÇÃO DEDICADA À HIPERTENSÃO ARTERIAL, VAMOS ABORDAR, A NÍVEL OCULAR, A PATOLOGIA DA HIPERTENSÃO OCULAR. APESAR DA MESMA NÃO SER INTRÍNSECA À CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA, A HIPERTENSÃO ARTERIAL É UM DOS FACTORES DE RISCO ELEVADOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA MESMA. Dr. Djalme Fonseca
Licenciado em Optometria e Ciências da Visão pela Universidade do Minho, Portugal. Pósgraduado em Avaliação Optométrica Pré e PósCirúrgica pela Universidade de Valência, Espanha. Founder & CEO da Óptica Optioptika
Em primeiro lugar, vamos esclarecer em que consiste a hipertensão ocular. Esta condição acontece quando a pressão no interior do olho (a pressão intraocular ou PIO) é maior do que o normal. Para se entender, é necessário explicar o que é pressão ocular normal? A pressão ocular é medida em milímetros de mercúrio, como a forma como um termómetro mede a temperatura usando mercúrio. A pressão ocular normal é, geralmente, considerada entre 10 e 20 milímetros de mercúrio (mmHg). Ter pressão ocular muito baixa ou muito alta pode danificar a visão. Pressão ocular elevada, sem outros sintomas, é hipertensão ocular. Algumas pessoas podem ter maior pressão ocular sem danos. Outras pessoas podem perder a visão, mesmo que a pressão esteja no intervalo normal. Quando alguém tem glaucoma, a pressão ocular danifica o nervo óptico. Este dano reduz permanentemente a visão. Se o glaucoma não for tratado, pode levar à cegueira total. Contudo, é importante salientar que, embora a sua definição tenha evoluído, ao longo dos anos, a hipertensão ocular é comumente definida como uma condição com os seguintes critérios: • Uma pressão intraocular superior a 21 mm
Hg é medida em um ou em ambos os olhos, em duas ou mais visitas ao consultório. A pressão dentro do olho é medida usando um instrumento chamado tonómetro • O nervo óptico parece normal • Nenhum sinal de glaucoma é evidente no teste de campo visual, que avalia a visão periférica (ou lateral) • Para determinar outras possíveis causas para a alta pressão ocular, um oftalmologista (médico especializado em cuidados oculares e cirurgia) avalia se o sistema de drenagem (chamado de “ângulo”) está aberto ou
fechado. O ângulo é visto usando uma técnica chamada gonioscopia. Esta técnica envolve o uso de uma lente especial para examinar os ângulos de drenagem (ou canais) nos olhos, de modo a ver se estão abertos, estreitos ou fechados • Não há sinais de doença ocular. Algumas doenças oculares podem aumentar a pressão dentro do olho. Com hipertensão ocular, a frente do olho não drena o fluido de forma correcta. Isso faz com que a pressão ocular vá aumentando. Pressão ocular maior do que o normal pode causar uma doença denominada de glaucoma. O glaucoma é uma doença onde a pressão ocular danifica o nervo óptico, podendo causar, na sua fase final, a perda definitiva de visão. É extremamente importante salientar que a hipertensão ocular não é o mesmo que o glaucoma. Com a hipertensão ocular, o nervo óptico pode parecer normal e não haver sinais de perda de visão. No entanto, pessoas com hipertensão ocular estão em risco de desenvolver glaucoma e são consideradas “suspeitas de glaucoma”. A hipertensão ocular, geralmente, não tem sinais ou sintomas. Qualquer pessoa pode ter a pressão ocular alta e não o saber, sendo, então, muito importante efectuar exames regulares de saúde ocular, para despistar a referida doença.
O que causa hipertensão ocular?
Um fluido claro, chamado de humor aquoso, flui dentro da parte da frente do olho. O olho produz continuamente este humor aquoso, enquanto uma quantidade igual flui para fora do olho. Isso
mantém a pressão constante e saudável no interior dos olhos. Se o humor aquoso não fluir do olho correctamente, a pressão aumenta e causa hipertensão ocular. E, normalmente, a partir desse ponto, entramos num possível ciclo de perda de visão. Se a pressão está alta causa danos no nervo óptico, o que origina o glaucoma, que, por sua vez, quando não diagnosticado e tratado a tempo, leva à respectiva perda de visão.
Quem está em risco de hipertensão ocular? Qualquer um pode desenvolver hipertensão
ocular, mas algumas pessoas têm maior risco para essa condição. Entre os factores de risco mais significativos, encontramos os seguintes (não necessariamente pela importância da ordem pelos quais são descritos): • pessoas com histórico familiar de hipertensão ocular ou glaucoma • pessoas que têm diabetes ou hipertensão arterial • pessoas com mais de 40 anos • pessoas de raça negra e hispânicos • pessoas com miopia elevada • pessoas que tomam medicamentos esteroides de longo prazo • pessoas que tiveram lesões oculares ou cirurgia • pessoas com síndrome de dispersão de pigmentos ou síndrome de pseudoexfoliação.
Como se diagnostica a hipertensão ocular?
Um oftalmologista realiza testes para medir a pressão intraocular, bem como para descartar as causas primárias de glaucoma ou o glaucoma. Estes testes são explicados abaixo: • A acuidade visual, que se refere ao quão bem podemos ver um objecto, é inicialmente avaliada • A frente dos olhos, incluindo a córnea, câmara anterior, íris e lente, são examinadas usando um microscópio especial, chamado lâmpada de fenda. • A tonometria é um método usado para medir a pressão dentro do olho. Medidas são tomadas para ambos os olhos em, pelo menos, duas a três ocasiões. Como a
pressão intraocular varia de hora para hora em qualquer indivíduo, as medidas podem ser tomadas em diferentes horas do dia (por exemplo, de manhã e à noite). Uma diferença de pressão entre os dois olhos de 3 mm Hg ou mais pode sugerir glaucoma. O glaucoma de ângulo aberto primário é muito provável se a pressão intraocular estiver a aumentar constantemente. • Cada nervo óptico é examinado para qualquer dano ou anormalidade; isso pode exigir a dilatação das pupilas, para garantir um exame adequado dos nervos ópticos.
As retinografias, que são imagens do disco óptico (a superfície frontal do nervo óptico), são tiradas para referência e comparação futuras. • A gonioscopia é realizada para verificar o ângulo de drenagem do olho; para isso, uma lente especial é colocada no olho. Este teste é importante para determinar se os ângulos estão abertos, estreitos ou fechados e para
descartar quaisquer outras condições que possam causar pressão intraocular elevada. • O teste de campo visual verifica a visão periférica (ou lateral), normalmente, usando uma máquina de campo visual automatizada. Este teste é feito para excluir quaisquer defeitos visuais de campo devido ao glaucoma. Os testes de campo visuais podem precisar de ser repetidos. Se houver baixo risco de dano glaucomatoso, então, o teste pode ser realizado apenas uma vez por ano. Se houver um alto risco de dano glaucomatoso, então, o teste pode ser realizado com tanta frequência quanto a
cada dois meses. • A paquimetria (ou espessura da córnea) é verificada por uma sonda de ultra-som, para determinar a precisão das leituras de pressão intraocular. Uma córnea mais fina pode dar leituras falsamente baixas de pressão, enquanto uma córnea espessa pode dar leituras falsamente altas de pressão.
Como é que a hipertensão ocular é tratada?
O objectivo do tratamento médico é reduzir a pressão antes que cause perda glaucomatosa da visão. O tratamento médico é sempre iniciado para aquelas pessoas que se acredita estarem em maior risco de desenvolver glaucoma e para aquelas com sinais de danos no nervo óptico. Como o oftalmologista escolhe tratar é altamente individualizado. Dependendo da situação particular, o paciente pode ser tratado com medicamentos ou apenas observado. O médico deve discutir com o paciente os prós e contras do tratamento médico versus a observação. Alguns oftalmologistas tratam todas as pressões intraoculares elevadas de mais de 21 mm Hg com medicamentos tópicos. Outros não prescrevem medicamentos a menos que haja evidências de danos nos nervos ópticos. A maioria dos oftalmologistas trata com medicamentos se as pressões forem consistentemente maiores do que 28 a 30 mm Hg, devido ao alto risco de danos nos nervos ópticos. Se o paciente experimentar sintomas como halos, visão turva ou dor, ou se a pressão intraocular aumentou recentemente e continuar a aumentar em visitas subsequentes, o oftalmologista, provavelmente, começará o tratamento médico. Relativamente à questão do laser e da terapia cirúrgica, estes não são, geralmente, utilizados para tratar a hipertensão ocular, pois os riscos associados a essas terapias são maiores do que o risco real de desenvolver danos glaucomatosos causados pela hipertensão ocular. No entanto, se o paciente não tolerar os medicamentos oculares, a cirurgia a laser pode ser uma opção e deve ser discutida.
Prevenção
A hipertensão ocular não pode ser prevenida, mas, através de exames oculares regulares com um oftalmologista, a sua progressão para glaucoma pode sê-lo. O prognóstico é muito bom para pessoas com hipertensão ocular. Com cuidados de acompanhamento e conformidade com o tratamento médico, a maioria das pessoas com hipertensão ocular não progride para glaucoma de ângulo aberto primário e mantém uma boa visão ao longo da vida. Se a pressão intraocular elevada não for controlada, podem ocorrer mudanças contínuas no nervo óptico e no campo visual, que poderão levar ao glaucoma. Como resumo do mais importante a reter fica a prevenção e essa só pode ser feita através de exames regulares à visão e saúde ocular.
Dra. Fátima Caetano
Presidente do Colégio de Pneumologia da Ordem dos Médicos de Angola O DIA MUNDIAL SEM TABACO É COMEMORADO, ANUALMENTE, A 31 DE MAIO PARA RECORDAR QUE ESTE É RESPONSÁVEL PELA MORTE DE METADE DOS SEUS CONSUMIDORES. A DRA. FÁTIMA CAETANO FALA-NOS DOS RISCOS DESTE INIMIGO PARA A SAÚDE DOS NOSSOS PULMÕES.
Dos 1,3 mil milhões de fumadores a nível mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 60% expressou desejo de deixar de fumar e apenas 30% tem acesso às ferramentas que permitem fazê-lo com sucesso. Vários estudos apontam que as doenças provocadas pelo consumo do tabaco estão a aumentar. Fale-nos desta situação...
A OMS afirma que o tabagismo deve ser considerado uma pandemia, uma vez que, actualmente, morrem no mundo cinco milhões de pessoas por ano em consequência das doenças provocadas pelo tabaco, o que corresponde a, aproximadamente, seis mortes a cada segundo. Do total de mortes, quatro milhões ocorrem no sexo masculino e um milhão no sexo feminino. No ano de 2025, ocorrerão 10 milhões de mortes decorrentes do uso do tabaco, se não houver mudanças nesta indústria. Na Região Africana, os produtos do tabaco são consumidos por 94 milhões de homens e 13 milhões de mulheres e um em cada cinco adolescentes. O tabagismo está a aumentar entre as raparigas, com idade compreendida entre os 13 e os 15 anos, e o uso de outros produtos do tabaco, que não os cigarros,
está a ganhar terreno. Todos os anos, 146 mil africanos morrem de doenças relacionadas com o tabagismo. O tratamento destas doenças representa 3,5% do total anual das despesas de saúde na região. A OMS refere que o cigarro é responsável por 85% das mortes por doença pulmonar crónica (bronquite e enfisema), por 30% de diversos tipos de cancro (pulmão, boca, laringe, faringe, esófago, pâncreas, rim, bexiga, colo do útero, estômago e fígado), por 25% da doença coronária (angina e enfarte do miocárdio) e por 25% das doenças cérebrovasculares (acidente vascular cerebral – AVC).
Como é que o tabaco age na hipertensão arterial, uma das doenças que mais afecta a população?
O cigarro é composto por muitos produtos químicos, como a nicotina, o monóxido de carbono, o alcatrão, o polónio 210, o chumbo, o níquel, entre outros. Alguns destes compostos são provenientes do próprio tabaco e outros são adicionados ao cigarro durante a produção. A nicotina, componente do tabaco, quando inalada no acto de fumar, provoca endurecimento e constrição
dos vasos sanguíneos, que produzem uma redução do fluxo do sangue e o aumento da pressão arterial, causando, assim, a hipertensão arterial sistémica.
75 mil pessoas na Região Africana consomem alguma forma de tabaco. Como é que se enquadra Angola neste contexto? Como tem sido a luta anti-tabágica no país?
Os números de fumadores em Angola não são alarmantes, mas preocupam as autoridades governamentais e indicam que mais de 10% da população angolana é fumadora. Angola ratificou a Convenção-Quadro para o Controlo do Tabaco, em 2007, mas as políticas definidas que visam a prevenção e controlo eficaz do tabaco não foram totalmente implementadas. Não se verificou, até hoje, o maior rigor com a tributação, avisos de saúde nas embalagens de produtos de tabaco e campanha anti-tabágica realçando os malefícios do hábito de fumar para a saúde. Para além disso, os preços baixos e o fácil acesso aos cigarros impulsionam o aumento de fumadores em Angola.
Na sua opinião, o que é que os profissionais de saúde precisam de fazer para ajudar a população a travar este vício?
Embora o consumo do tabaco tenha tendência a diminuir nos países desenvolvidos, em África, segundo a OMS, o hábito tabágico tende a aumentar, devido à propaganda, marketing e patrocínio de empresas tabaqueiras. Não vejo como é que os países africanos, e Angola em particular, poderão combater o tabagismo, uma vez que estão sobrecarregados com as doenças infecciosas, como a malária, o HIV Sida e a tuberculose. Contudo, deve-se investir no apelo aos pais, cuidadores e professores, no sentido de educarem as crianças sobre os perigos dos produtos de tabaco, na proibição total de fumar em locais públicos e de todas as formas de publicidade a favor do tabaco, no incentivo aos grupos de jovens para a criação de um movimento para uma geração sem tabaco, na exortação aos empresários e influenciadores à rejeição todas as formas de patrocínio da indústria do tabaco, na implementação de políticas gerais de luta anti-tabágica, conforme estipulado na ConvençãoQuadro da OMS para a Luta Anti-Tabágica, de forma a salvar vidas e reduzir os custos dos cuidados de saúde.
A pandemia de Covid- 19 influenciou, de alguma forma, o consumo de tabaco? Na sua opinião, os fumadores que tiveram Covid-19 podem ficar com sequelas pulmonares?
Não tenho dados estatísticos sobre o aumento do consumo de tabaco durante a pandemia, mas penso que vários factores inerentes às pandemias podem aumentar a necessidade de fumar, nomeadamente, o confinamento, a própria doença e a morte de amigos e familiares. A partir dos 40 anos de idade, o consumo do tabaco provoca, progressivamente, lesões brônquicas (bronquite) e alveolares (enfisema), que diminuem a capacidade da função pulmonar e que se manifestam por dispneia, tosse produtiva e cansaço. O hábito tabágico causa a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) e o cancro do pulmão em 90% dos fumadores. A asma e a DPOC são doenças que cursam com a inflamação pulmonar crónica e, por isso, consideradas como grupo de risco da Covid-19. Sendo os pulmões o órgão alvo da infecção por SARS-CoV-2, a concomitância destas doenças exacerbará a DPOC e deixará, naturalmente, sequelas no parênquima pulmonar, aumentando a insuficiência respiratória e tornando-a crónica, na maior parte dos casos.
DURANTE A ÚLTIMA DÉCADA, A DISPONIBILIDADE DE ABORDAGENS BASEADAS EM SEQUENCIAMENTO DE PRÓXIMA GERAÇÃO REVELOU A PRESENÇA DE COMUNIDADES MICROBIANAS EM QUASE TODO O CORPO HUMANO, INCLUINDO O TRACTO REPRODUTIVO. QUANTO A OUTROS LOCAIS DO CORPO, ESTA MICROBIOTA RESIDENTE TEM ESTADO ENVOLVIDA NA MANUTENÇÃO DE UM ESTADO SAUDÁVEL. COMO CONSEQUÊNCIA, ALTERAÇÕES DECORRENTES DE FACTORES INTERNOS OU EXTERNOS PODEM LEVAR À DISBIOSE MICROBIANA E AO DESENVOLVIMENTO DE PATOLOGIAS. COMO A MICROBIOTA REPRODUTIVA FEMININA AFECTA A INFERTILIDADE, TRATÁ-LA TORNA-SE UM FACTOR IMPORTANTE PARA O SEU SUCESSO E NO DAS TECNOLOGIAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, COMO A IMPLANTAÇÃO DE EMBRIÕES E OS CUIDADOS COM A GRAVIDEZ.
Oprojecto do microbioma humano estimou que a microbiota vaginal representa, aproximadamente, 9% de toda a microbiota humana. Em particular, os lactobacilos foram relatados como as bactérias mais representadas neste local do corpo, sendo outros géneros representados Prevotella, Bifidobacterium, Gardnerella, Atopobium, Megasphaera, Sneathia e Anaerococcus. Essas bactérias têm sido implicadas em diferentes fases da reprodução, desde a formação de gametas, fertilização, estabelecimento e manutenção da gravidez e na colonização microbiana do feto e/ou recém-nascido. Nos últimos anos, evidências crescentes têm mostrado a presença de microrganismos não só na vagina, mas também no sistema reprodutor feminino superior (incluindo os ovários, as trompas de Falópio e o útero), por muito tempo considerado como um nicho estéril O Lactobacillus foi identificado como a espécie mais abundante em todo o sistema reprodutor feminino. Esses micróbios residentes contribuem para a manutenção do estado de saúde e as suas alterações têm sido associadas a diversas doenças ginecológicas. De facto, os lactobacilos exercem efeitos protectores contra patógenos invasores, pois a disbiose está associada a várias doenças, incluindo endometrite crónica, endometriose, doença inflamatória pélvica e cancro ginecológico. Nesse contexto, vários estudos relataram uma correlação positiva entre a presença de bactérias específicas no útero e o aparecimento de doença inflamatória pélvica, uma inflamação do tracto genital superior, que pode levar à infertilidade [19,20]. Além disso, o aumento de Actinomyces, Corynebacterium, Enterococcus, E. coli, Fusobacterium, Gardnerella, Prevotella, Propionibacterium, Staphylococcus e Streptococcus foram associados à endometriose Em mulheres saudáveis em idade fértil, o microbioma vaginal é composto por aproximadamente mil milhões de bactérias/grama de secreções vaginais e é caracterizado por baixa biodiversidade, com as espécies de Lactobacillus representando até 95% do total de bactérias [52,53]. Apesar dessa composição bem definida, há um certo consenso de que a microbiota vaginal sofre flutuações significativas na sua composição durante a vida da mulher, a colonização por Lactobacillus começa na puberdade e, finalmente, a sua abundância diminui após a menopausa. A incidência da infertilidade aumentou tanto nos últimos anos que, actualmente, é reconhecida como um problema de saúde mundial. Um em cada sete casais é afectado pela infertilidade. Os factores femininos, responsáveis por 35% a 40% da infertilidade dos casais, podem depender de várias causas, incluindo alterações hormonais, alterações tubárias, patologias uterinas, idade materna e doenças sistémicas ou genéticas. No entanto, os mecanismos moleculares subjacentes à
infertilidade são, muitas vezes, desconhecidos. Assim, vários estudos mostram uma correlação entre a infertilidade e a microbiota: as mulheres inférteis possuem uma microbiota diferente com uma composição bacteriana específica, seja no sistema reprodutor inferior ou superior, e essa microbiota pode afectar também os procedimentos de FIV. Por outro lado, a Vaginose Bacteriana (VB) pode causar infertilidade: as próprias bactérias não previnem a gravidez, mas os danos de uma infecção não tratada podem. A maior preocupação com a VB é que, em alguns casos, a infecção pode viajar da vagina para o colo do útero, útero e trompas de Falópio e causar uma condição dolorosa, chamada doença inflamatória pélvica, que pode bloquear as trompas de Falópio, causando infertilidade ou gravidez ectópica. Aqui, concluímos que existe uma linha ténue entre tratar a vaginose bacteriana e manter o equilíbrio no microbioma, sem prejudicá-lo ou desestabilizá-lo. O equilíbrio do ecossistema vaginal depende de lactobacilos cujo biofilme protege contra microrganismos que, normalmente, não estão presentes ou são subdominantes na flora vaginal. Os tratamentos para infecções vaginais devem eliminar patógenos, preservando a flora de Lactobacillus para prevenir recaídas ou recorrências. Para isso, durante uma infecção, é preferível iniciar precocemente o tratamento antibiótico por aplicação tópica, o que pode evitar o uso, às vezes necessário, dos antibióticos sistemáticos. A primeira escolha de medicamentos tópicos são os óvulos vaginais, com diferentes combinações (antibiótico/antifúngico com ou sem antiparasitário). Em relação a essas combinações, apenas dois dos oito produtos farmacêuticos testados não interferiram no crescimento in vitro das três cepas de Lactobacillus. Para estas duas formulações (NNP e MMPN), mas as outras seis combinações inibem o crescimento de uma estirpe com (MNN e TNN) ou de duas estirpes com acidente vascular cerebral (CK, MM e ONN) ou das três estirpes (NN) de Lactobacillus. Pode-se, portanto, supor que o uso de uma dessas combinações poderia perturbar o equilíbrio da flora vaginal, ao contrário das especialidades NistatinaNeomicina-Polimixina B NNP e MetronidazolMiconazol-Polimixina B-Neomicina-Centella asiática MMPN, às quais os três Lactobacillus cepas não são afectados na concentração tópica assumida. A neomicina é um antibiótico com forte actividade Gram-positiva, mas a actividade Gram-negativa reduzida pode ser eficaz contra o Staphylococcus aureus resistente à meticilina. A polimixina B é um antibiótico para o tratamento de infecções por patógenos multi-resistentes causadas por bactérias Gram-negativas multi-resistentes (MDR). A polimixina B e a colistina (polimixina E) têm sido consideradas o último recurso para o tratamento dessas infecções. A polimixina B tem uma rápida actividade bactericida in vitro contra as principais bactérias Gramnegativas, como Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Klebsiella pneumonia. A nistatina é um antifónico que funciona impedindo que o fungo cresça e que desempenha um papel protector na defesa contra C. albicans, melhorando a resposta celular relacionada ao IFN-γ, a via de sinalização de IL-17 e, possivelmente, através do aumento da imunidade mediada por IgG derivada de VEC. Além disso, a nistatina melhora notavelmente a ultramorfologia da mucosa vaginal, através da protecção da ultraestrutura mitocondrial em VECs e inibição da adesão e invasão por C. albicans. Juntos, esses efeitos aumentam a resposta imune da mucosa vaginal contra C. albicans e protegem a ultra-estrutura do epitélio vaginal. A taxa de sucesso clínico foi maior para NNP do que para miconazol. O risco de falha do tratamento do NNP foi 36% menor do que miconazol. Queimação vaginal no dia 2 e corrimento vaginal no dia 4 foram significativamente menos intensos com NNP do que com miconazol. As reações adversas a medicamentos foram menores no NNP do que no miconazol. O uso generalizado de NNP, por várias décadas, e o seu bom perfil de eficácia e segurança, bem como as frequentes incertezas diagnósticas, devido aos diferentes patógenos, suportam o início deste tratamento empírico de amplo espectro na vaginite infecciosa.