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Dr. Pedro Sabola aborda os desafios na prevenção, diagnóstico e tratamento da hipertensão

Dr. Pedro Sabola

Médico Assistente de Cardiologia e Ecocardiografia da Clínica Girassol. Membro eleito do Colégio de Especialidade de Cardiologia da Ordem dos Médicos de Angola. Membro fundador da Sociedade Angolana de Doenças Cardiovasculares (SADCV).

O DIA MUNDIAL DA HIPERTENSÃO COMEMOROU-SE A 17 DE MAIO. SENDO UMA DOENÇA TÃO PREVALENTE NO MUNDO, E TAMBÉM DAS MAIS SILENCIOSAS, ASSINAMOS A EFEMÉRIDE COM UMA CONVERSA COM O DR. PEDRO SABOLA, MÉDICO CARDIOLOGISTA, SOBRE OS DESAFIOS NA PREVENÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DESTA PATOLOGIA QUE AFECTA MAIS DE 30% DA POPULAÇÃO ADULTA EM TODO O MUNDO.

Ahipertensão afecta mais de 30% da população adulta em todo o mundo, sendo o principal factor de risco para as doenças cardiovasculares. Qual a situação epidemiológica de Angola?

A hipertensão é um sério desafio de saúde pública em todo o mundo, sendo quantitativamente o principal factor de risco para doenças cardiovasculares. O número total estimado de adultos com hipertensão, em 2000, era de 972 milhões, dos quais 333 milhões viviam em países economicamente desenvolvidos e 639 milhões em países economicamente em desenvolvimento. Portanto, em Angola, não fugimos a esta realidade. Trabalhos realizados sobre a hipertensão em Angola mostram uma prevalência entre 23% e 38,5%. É sabido que há uma variação considerável entre países e regiões geográficas para a prevalência relatada e taxas de controlo da hipertensão. Indivíduos de sociedades ocidentais, normalmente, têm maior prevalência de hipertensão e valores mais altos de pressão arterial do que aqueles oriundos de outras regiões do mundo, com essa diferença a diminuir à medida que os não ocidentais se adaptam à cultura e estilo de vida ocidentais. Em particular, os indivíduos mais aculturados têm uma pressão arterial sistólica (PAS) média quatro milímetros de mercúrio (mmHg) maior do que os menos aculturados. É importante lembrar que o número de adultos com hipertensão, em 2025, também foi previsto aumentar em cerca de 60%, para um total de 1,56 mil milhões.

A aferição precisa da pressão arterial é essencial para o diagnóstico e tratamento adequados da hipertensão, sendo esta medição um dos procedimentos mais comumente realizados em medicina clínica. Na sua opinião, profissionais e utentes estão habilitados para fazer estas medições ou os erros praticados ainda são elevados?

A aferição precisa da pressão arterial é essencial para o diagnóstico. É difícil precisar se os profissionais estão a medir bem a pressão arterial ou se estão bem habilitados. Antes da pandemia de Covid-19, no último congresso de Cardiologia realizado pela Sociedade Angolana de Doenças Cardiovasculares (SADCV), um trabalho realizado pela equipa do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Angola mostrou como os profissionais estavam, em algumas circunstâncias, a aferir a pressão arterial sem alguns cuidados. Entre estes cuidados, consta o repouso de 15 minutos, em ambiente calmo e agradável, antes da medição. Se o utente consumiu álcool ou café, após exercícios ou se fumou, deve-se aguardar até 30 minutos para medir. Deve-se esvaziar a bexiga, usar um manguito especial para crianças e obesos, ficar sentado ou deitado e não falar durante o procedimento. O manguito do aparelho de pressão deve estar firme e bem ajustado ao braço e ter a largura de 40% da circunferência do mesmo, posicionado na altura do coração. Por fim, recomenda-se medir a pressão duas vezes no mesmo braço, com intervalo de um a dois minutos entre as medidas, e considerar a média de ambas.

É possível fazermos um controlo desta patologia apenas com bons hábitos alimentares ou devemos sempre recorrer a medicação? Actualmente, qual o tratamento de primeira linha?

A hipertensão é um importante desafio de saúde pública, tanto em países em desenvolvimento, quanto em países desenvolvidos. Um número significativo de hipertensos desconhece sua condição e, entre os diagnosticados, o tratamento é frequentemente inadequado. São necessárias medidas, a nível populacional, para prevenir o desenvolvimento da hipertensão e melhorar a consciencialização, o tratamento e o controlo da hipertensão na

comunidade. Controlar a patologia apenas com hábitos alimentares seria uma utopia. Em indivíduos já diagnosticados, seria talvez possível naqueles indivíduos pré-hipertensos e sem outros factores de risco cardiovasculares. Quanto ao tratamento de primeira linha, constitui, hoje, um desafio de complexidade crescente e depende de vários factores, que vão desde a idade (doentes idosos), comorbidades, raça (afrodescendentes), o preço/custo efectivo dos fármacos e a disponibilidade local. Porém, todas as “guidelines” recentes para níveis de pressão arterial (> 140/90 (AHA/ACC 2017 PA > ou = 130/80) já recomendam tratamento inicial com fármacos. Portanto, é responsabilidade do médico individualizar o tratamento, levando em consideração aspectos importantes, como o efeito da curva em J, a idade, comorbidades e comedicação, embora seja importante um limiar de pressão arterial sistólica de 140 mmHg para pacientes de baixo risco. Em pacientes de alto risco, há evidências de limiares mais baixos e que a monoterapia é inadequada para a maioria. Em resumo, quase todas as “guidelines” recomendam para tratamento inicial um inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou bloqueador dos receptores de angiotensina (BRA), mais um bloqueador dos canais de cálcio ou diurético e, para tratamento sequencial, duas a três drogas dos grupos citados mais espironolactona como quarta droga (ESC/ESH 2018, AHA/ACC 2017, NICE 2019, ISH 2020), sempre tendo em conta a meta de controlo da pressão arterial.

Podemos afirmar que a hipertensão é como uma epidemia com contágio cultural, pelo que os hábitos de vida são fundamentais para o controlo desta patologia? O povo angolano está consciente desta doença silenciosa?

A expressão contágio cultural é muito forte e penso que não se aplica à letra. A modificação do estilo de vida é recomendada para todos os indivíduos e é extremamente importante a divulgação deste aspecto de doença silenciosa. Aproximadamente 50% dos doentes hipertensos não é controlado e, destes, 44,8% faz o tratamento. Em Angola, a realidade não é diferente.

O acompanhamento farmacoterapêutico do doente hipertenso é muito importante. Existe muito abandono terapêutico?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que mais de 700 milhões de hipertensos estão sem tratamento. O número de adultos, entre 30 e 79 anos, com hipertensão duplicou de 650 milhões, em 1990, para 1,28 mil milhões, em 2019. Entre estes pacientes, 720 milhões não estão a receber tratamento. O estudo foi produzido pela OMS e pelo Imperial College de Londres e foi publicado pela revista especializada The Lancet. Segundo a OMS, 580 milhões de pessoas que participaram do estudo não sabiam que eram hipertensas, pois nunca haviam sido diagnosticadas. É importante transmitir aos pacientes e consciencializá-los que, uma vez diagnosticada a hipertensão, deverão fazer tratamento, ao longo da vida, muitas vezes pelo resto da vida, e dos benefícios do melhor controlo da pressão arterial. “A OMS REVELA QUE MAIS DE 700 MILHÕES DE HIPERTENSOS ESTÃO SE TRATAMENTO. O NÚMERO DE ADULTOS, ENTRE 30 E 79 ANOS, COM HIPERTENSÃO DUPLICOU DE 650 MILHÕES, EM 1990, PARA 1,18 MIL MILHÕES, EM 2019. ENTRE ESTES PACIENTES, 720 MILHÕES NÃO ESTÃO A RECEBER TRATAMENTO”

A pandemia de Covid-19 veio também afectar o controlo dos doentes hipertensos. No seu ponto de vista, de que forma?

Claro que sim, com a pandemia, muitos doentes deixaram de ter o seu seguimento regular ambulatorial, pois estes serviços encontravam-se indisponíveis.

O mercado de anti-hipertensivos é muito vasto. Como se decide qual o medicamento certo para o paciente certo?

Há evidências de que agentes específicos têm benefícios para pacientes com determinadas indicações. Por exemplo, para pacientes sem uma indicação convincente para uma determinada classe de medicamentos, com base em dados comparativos de estudos, disponibilidade e custo, uma dose baixa de diurético deve ser considerada para o início da terapia. Na maioria dos casos, um diurético tiazídico é a opção mais barata e, portanto, mais económica. Mas, para indicações convincentes de que outras classes oferecem benefícios adicionais, mesmo que mais caras, podem ser mais económicas. Em pacientes de alto risco que obtêm grandes benefícios do tratamento, medicamentos caros podem ser custo-efectivos, mas em pacientes de baixo risco, o tratamento pode não ser custo-efectivo, a menos que os medicamentos sejam baratos. São necessárias abordagens individualizadas. O médico não deve apenas prescrever/indicar o tratamento farmacológico, deve também monitorizar a adesão e controlo da pressão arterial. Naqueles doentes em que existe um óptimo controlo da pressão arterial e uma boa adesão, não precisamos fazer mudanças. Quando existe um pobre controlo da pressão arterial e uma boa adesão, o que se recomenda é intensificar o tratamento. O problema maior é em grupos em que existe má adesão e, consequentemente, pobre controlo da pressão arterial. Aí, precisamos abordar a adesão inicialmente.

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