Introdução à ÉTICA Cristã (TEONOMIA)
Prof.º LUCAS ROBERTO
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Sumário Unidade 1 – Introdução à Teonomia .......................................... 01 - Introdução - Definição de termos
Unidade 2 – A origem e revelação da Lei de Deus ...................... 04 Unidade 3 – Teonomia vs. Autonomia ........................................ 07 Unidade 4 – Teonomia vs. Lei Natural ....................................... 10 Unidade 5 – Antinomianismo e Legalismo ................................. 13 - Teonomia vs. Antinomianismo - Teonomia vs. Legalismo
Unidade 6 – A correta interpretação da lei de Deus ................... 20 - O uso apropriado da Lei - Teonomia e a hermenêutica
Unidade 7 – Teonomia e a lei civil .............................................. 28 Unidade 8 – 7 razões a favor da Teonomia ................................. 37 Conclusão ............................................................................... 44
Unidade 1 – Introdução à Teonomia Introdução Se existe uma palavra que melhor descreva o estado do mundo e da igreja com respeito à ética, teria que ser a palavra confusão. Ora, não é difícil entender porque o mundo não pode encontrar nenhuma concordância sobre o padrão ético para lidar com o caos moral da era presente, mas é mais difícil explicar a divisão na igreja sobre a questão da ética. Como pode a igreja de Jesus Cristo não ter nenhuma resposta bíblica unificada à crise moral do momento? Esse fracasso deveria ser profundamente perturbador para todo verdadeiro filho de Deus. Essa incapacidade de dar uma solução bíblica bem articulada à confusão moral que nos confronta desonra a Deus, leva a um estilo de vida perverso entre os cristãos, prejudica nosso próximo, e atrapalha o nosso testemunho ao mundo por contribuir à noção comum que a igreja é irrelevante. É triste dizer, mas parece ser verdade, que “o sal da terra” perdeu seu “sabor” e agora, em grande medida, “para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens” (Mt 5:13). Contudo, há razão para acreditar que essa situação inaceitável está começando a mudar. O Senhor Deus, para a glória do seu próprio nome e para o avanço do seu reino, está trabalhando em sua igreja para levantar crentes que estão plenamente comprometidos em princípio e prática à doutrina Reformada cardinal do Sola Scriptura (somente a Escritura). Pela graça de Deus, cada vez mais cristãos estão respondendo à crise ética no mundo aplicando a doutrina do Sola Scriptura à questão da ética. Essa aplicação fiel e consistente da Escritura somente à questão da ética veio a ser conhecida em nossos dias como “teonomia”. Mas, tristemente, no tempo presente há muito mal-entendido na igreja com respeito à teonomia. Alguns creem que a teonomia é uma conspiração perigosa para destruir a liberdade civil e escravizar os cidadãos nas algemas da lei mosaica. Outros veem a teonomia como um retorno a um tipo de “legalismo farisaico” que joga a liberdade do cristão no chão. Enquanto outros simplesmente não sabem o que pensar; para eles o termo “teonomia” soa estranho ou mesmo misterioso. O que, então, é “teonomia”? Definição de termos Para entender a ética teonomista devemos primeiro definir as palavras “teonomia” e “ética”. Tendo feito isto, seremos capazes de dar uma definição básica do sistema ético da teonomia. O significado essencial da palavra “teonomia” é muito claro. Ele vem das palavras gregas theos, significando “Deus”, e nomos, significando “lei”. Portanto, nossa palavra portuguesa “teonomia” significa “lei de Deus”, ou “a lei de Deus” (confira Rm 7:22, 25; 8:7). Assim, embora a palavra “teonomia” possa a princípio soar estranha para nós, não há nada estranho
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sobre o seu significado; ela significa simplesmente “a lei de Deus” e está relacionada à frase do Antigo Testamento, “a lei do Senhor” (Sl 19:7). Mas para definir a palavra teonomia, como ela é usada hoje, devemos colocá-la em seu contexto normal. Teonomia é usada como um título (rótulo) para designar uma abordagem particular à ética cristã. Teonomia refere-se à visão que a lei de Deus é o padrão para a ética cristã. Portanto, se haveremos de entender apropriadamente o significado da “teonomia”, devemos definir também a palavra “ética”. No seu uso atual, o vocábulo “ética” é, com frequência, empregado de maneira intercambiável com a palavra moralidade. O fato de que as duas palavras se tornaram quase sinônimos é um sinal da confusão que permeia o cenário ético moderno. Historicamente, as duas palavras têm significados bem distintos. Ética vem do termo grego ethos, derivado de uma raiz que significa “estábulo”, lugar para cavalos. E transmitia o sentido de um lugar de habitação, um lugar de estabilidade e permanência. Por outro lado, moralidade vem da palavra mores, que descreve padrões comportamentais de uma sociedade. Ética é uma ciência normativa, que investiga os principais fundamentos que prescrevem obrigações ou “deveres”. Ela se preocupa primariamente com o imperativo e as premissas filosóficas nas quais os imperativos se alicerçam. Moralidade é uma ciência descritiva, que se preocupa com “o que alguém é”. A ética define o que as pessoas devem fazer. A moral descreve o que as pessoas realmente fazem. A diferença entre elas é a diferença entre o normativo e o descritivo. Portanto, ética, como uma ciência, refere-se ao estabelecimento de princípios morais fundamentais que servirão como uma regra para prescrever a conduta justa e boa. O objetivo da ética é construir um sistema coerente de moralidade que ensina ao homem o que ele deveria fazer, como deveria agir, e porque deveria agir da maneira prescrita. A ética procura responder três questões: “Qual é o motivo da ação humana?”; “Qual é o padrão da ação humana?”; e “Qual é o fim ou propósito da ação humana?”. Porque a ética está preocupada em criar um sistema de moralidade, a palavra é frequentemente usada em referência ao código de conduta ensinado por uma pessoa, filosofia ou religião em particular (ex. ética marxista; ética confucionista; ética grega; ética hindu, etc.). Portanto, a expressão “ética cristã” refere-se ao sistema de moralidade apresentado na Bíblia e ensinado pelos seguidores de Jesus Cristo. O que então é “teonomia”? Teonomia é aquela visão da ética cristã que crê que a lei de Deus como revelada na Escritura é a única regra apropriada e o único padrão aceitável para julgar o certo ou errado de todo e qualquer comportamento humano. Somente a lei de Deus determina o que o homem deveria fazer e porque deveria fazê-lo. A ética teonômica, portanto, apresenta a lei de Deus como o padrão supremo de verdade e justiça, e procura aplicar os preceitos da lei santa de Deus a toda ação do homem e
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a cada esfera da vida. Teonomia é simplesmente a expressão da doutrina do Sola Scriptura no reino da ética.
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Unidade 2 – A origem e revelação da Lei de Deus A teonomia afirma que a lei revelada de Deus é o padrão para a ética. Mas o que se quer dizer por lei revelada de Deus e qual é o escopo dessa lei? Quando a teonomia afirma que o padrão para a ética é a lei de Deus, ela refere-se à lei moral revelada na Escritura. A lei moral é aquela lei que estabelece o padrão ético de conduta para todos os homens em qualquer lugar. Ela incorpora a vontade de Deus para todos os homens em termos do caráter e comportamento deles. A Pergunta 93 do Catecismo Maior de Westminster questiona, “Que é a lei moral?”, e responde: “A lei moral é a declaração da vontade de Deus, feita ao gênero humano, dirigindo e obrigando todas as pessoas à conformidade e obediência perfeita e perpétua a ela – nos apetites e disposições do homem inteiro, alma e corpo, e no cumprimento de todos aqueles deveres de santidade e retidão que se devem a Deus e ao homem…”. A lei moral é baseada na própria natureza santa de Deus (1 Pe 1:1516), e estabelece a justiça de Deus que os homens devem imitar em suas próprias vidas (Mt 5:48; Ef 5:1). O Senhor diz ao homem: “Porque eu sou o Senhor vosso Deus; portanto vós vos santificareis, e sereis santos, porque eu sou santo” (Lv 11:44). Visto que a lei moral é um reflexo da natureza santa do Deus soberano da criação, ela deve ser universal (obrigatória sobre todos os homens em qualquer lugar) e imutável (obrigatória sobre todas as dispensações), porque o próprio Deus não pode mudar (Ml 3:6; Tg 1:17; Sl 102:25-27), e como Criador ele é rei sobre toda a terra (Gn 1:1; Sl 47:2). A lei moral é, portanto, a regra imutável de conduta correta para todos os homens e para todos os tempos. Será sobre a base desta lei moral que Deus julgará todos os povos e nações (Sl 9:7-8, 16-20; 96:10, 13; 98:2, 9; At 17:31; Rm 2:5-12; 3:19). A lei moral é resumida na Escritura nos Dez Mandamentos (Êx 20:117; Dt 4:13; 5:6-21). A significância dos Dez Mandamentos é explicada para nós no Catecismo Maior de Westminster: A lei moral acha-se resumidamente compreendida nos dez mandamentos, que foram dados pela voz de Deus no monte Sinai e por ele escritos em duas tábuas de pedra, e estão registrados no capítulo vigésimo do Êxodo. Os quatro primeiros mandamentos contêm os nossos deveres para com Deus e os outros seis os nossos deveres para com o homem. (P. 98) Mas as palavras dos Dez Mandamentos constituem o escopo total da lei moral revelada de Deus? Ou Deus deu uma revelação mais detalhada da sua vontade para o homem? E se sim, onde?
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Ao responder as questões acima é útil considerar o significado da palavra do Antigo Testamento para lei, que é torá. Visto que tendemos a definir o conceito de lei no sentido legal limitado de mandamentos e estatutos explícitos, um entendimento da palavra hebraica torá é muito útil para entender o escopo da lei moral. O termo hebraico torá denota essencialmente os conceitos de ensino, instrução e direção. A torá fornece aos homens instrução sobre como viver e revela os princípios de conduta que os homens deveriam seguir em suas relações uns com os outros e em sua adoração a Deus. Concernente à palavra torá, Jocz declara: “O substantivo é derivado do verbo hebraico yarah (lançar, atirar). No uso bíblico, ele cobre uma variedade ampla de significado: informar, instruir, guiar, conduzir, etc. A torá existe para fornecer direção, visando o propósito de fazer a vontade de Deus… ela nunca é simplesmente lei no sentido legal. Ela é sabedoria, uma expressão de devoção a Deus, um estilo de vida”1. É por meio da torá que “Deus mostra seu interesse em todos os aspectos da vida do homem, que deve ser vivida sob sua direção e cuidado. A lei de Deus permanece em paralelo à Palavra do Senhor para significar que a lei é a revelação da vontade de Deus (ex. Is 1:10)”2. A torá dá direção apropriada à vida do homem ao revelar ao homem a conduta moral que Deus requer dele. A lei (torá) de Deus refere-se a toda a instrução moral que Deus revelou ao homem. Sempre que Deus instrui o homem em seus deveres morais, ali Deus dá sua lei moral. Consequentemente, a lei de Deus não é declarada apenas nos códigos mais formais de lei tais como os Dez Mandamentos ou o Livro do Pacto (Ex 20:22-23:33), mas a lei de Deus é revelada também no contexto da narrativa histórica, profecia, salmos, provérbios e epístolas! Portanto, a revelação da lei moral se estende além dos Dez Mandamentos e inclui toda a Palavra de Deus. Os Dez Mandamentos resumem os princípios essenciais da lei moral, mas esses princípios são desenvolvidos, explicados, ilustrados e aplicados em todo o restante da Escritura. Consequentemente, a teonomia ensina que o padrão de ética é o todo da Palavra de Deus, desde Gênesis a Apocalipse. A lei do Senhor é revelada por Moisés e os Profetas, e por Jesus e os Apóstolos. A teonomia é zelosa em sustentar todo o conselho de Deus (At 20:20, 27), como dado nas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, como sendo a lei de Deus. A teonomia evita o erro de limitar a base para o padrão ético somente a uma porção da Palavra de Deus. Regras obrigatórias de conduta são encontradas em todas as partes da Escritura. A teonomia afirma que toda a Escritura é
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Jacob Jocz, “TORAH”, em Baker’s Dictionary of Christian Ethics, ed. Carl F. H. Henry. Grand Rapids: Baker Book House, 1973, p. 672. 2 John E. Hartley, “tôrâ”, em Theological Wordbook of the Old Testament, ed. R. Laird Harris. Chicago: Moody Press, 1980, p. 404.
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dada por inspiração de Deus e é proveitosa para instrução na justiça (2 Tm 3:16). A teonomia afirma também que a Palavra de Deus é uma revelação completa da vontade de Deus para o homem, e como tal, é suficiente para falar com autoridade obrigatória a cada questão da vida. A lei de Deus é perfeita, e fornece instrução para nos equipar a determinar o que é certo e errado em cada e toda situação (Sl 19:7-10; 119:99, 104, 128). Não precisamos de outra fonte que não a Escritura inspirada para definir justiça (2 Tm 3:16-17). A Confissão Belga fornece uma maravilhosa declaração resumida sobre a suficiência completa da Escritura: Cremos que esta Sagrada Escritura contém perfeitamente a vontade de Deus e suficientemente ensina tudo o que o homem deve crer para ser salvo. Nela, Deus descreveu, por extenso, toda a maneira de servi-lo. Por isso, não é lícito aos homens, mesmo que fossem apóstolos “ou um anjo vindo do céu”, conforme diz o apóstolo Paulo (Gálatas 1.8), ensinarem outra doutrina, senão aquela da Sagrada Escritura. É proibido “acrescentar algo à Palavra de Deus ou tirar algo dela” (Deuteronômio 12.32; Apocalipse 22.18,19). Assim se mostra claramente que sua doutrina é perfeitíssima e, em todos os sentidos, completa.3 A lei de Deus apresenta o padrão para a ética pessoal, familiar, eclesiástica e social. De acordo com Deuteronômio 6:8-9, a lei de Deus deve guiar todas as nossas deliberações, todas as nossas ações, tudo o que acontece em nossos lares, e tudo o que transpira além dos nossos lares. A lei moral é um padrão ético abrangente que deve dirigir o indivíduo, o pai, o presbítero e o magistrado civil. Todos devem se curvar diante da autoridade da lei e, nisto, buscar sabedoria e direção para toda boa obra; pois sem a lei e o testemunho não haverá nenhuma luz em nós (Is 8:20), mas na lei de Deus encontraremos uma luz verdadeira para o nosso caminho (Sl 119:105, 130). Nunca devemos confiar em nossa própria sabedoria na ética, antes, em todos os nossos caminhos devemos reconhecer a autoridade e perfeição da lei de Deus e permitir que ela dirija as nossas veredas (Pv 3:5-7). A teonomia ensina que a lei de Deus como revelada nas Escrituras do Antigo e Novo Testamento é o único padrão autoritativo de ética, e que a Bíblia é inteiramente suficiente para nos instruir na justiça para cada esfera da vida. O moto da teonomia poderia muito bem ser “o todo da Bíblia para o todo da vida”.
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A Confissão Belga foi escrita primariamente por Guido de Brès, que foi um pastor na Igreja Reformada da Holanda. A data da Confissão é de 1561.
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Unidade 3 – Teonomia vs. Autonomia A ética da teonomia é contrastada pela ética da autonomia. O que é autonomia? A palavra “autonomia” é derivada de duas palavras gregas, autos, significando “eu”, e nomos, significando “lei”. Eticamente falando, autonomia significa que o homem é uma lei para si mesmo. O homem autônomo alega o direito de governar a si mesmo de acordo com as normas morais que ele acha apropriado estabelecer; ele alega a autoridade de sua própria razão independente de ser o juiz do que é verdadeiro e falso, bom e mau. Assim então, autonomia é claramente o oposto de teonomia; pois, assim como a teonomia afirma o governo da lei de Deus, a autonomia afirma o governo da lei do homem. A ética autônoma é antropocêntrica (centrada no homem), enquanto a ética teonômica é teocêntrica (centrada em Deus). A essência da autonomia ética é aquela do homem estabelecendo as normas morais do caráter e conduta humanos por algum padrão diferente da lei revelada de Deus; seja esse padrão a razão humana, a tradição, religião ou filosofia. A teonomia está procurando fazer aquilo que é correto aos olhos do Senhor (1 Rs 15:5, 11; 22:43); a autonomia é todo homem fazendo o que “parece bem aos seus olhos” (Jz 17:6; 21:25; Dt 12:8). Teonomia é alguém andando no conselho do Senhor (Sl 16:7; 32:8; 73:24); autonomia é alguém andando no seu próprio conselho (Sl 81:12) ou no conselho do ímpio (Sl 1:1). Talvez uma das declarações mais claras na Escritura que contrasta o caminho da teonomia e o caminho da autonomia é encontrada em Jeremias 7:23-24: Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; e andai em todo o caminho que eu vos mandar, para que vos vá bem. Mas não ouviram, nem inclinaram os seus ouvidos, mas andaram nos seus próprios conselhos, no propósito do seu coração malvado; e andaram para trás, e não para diante (ver também Jr 10:2-3; 11:8; 18:12; 23:17). Qualquer sistema ético que rejeite a lei de Deus como o único e supremo padrão de certo e errado, deve necessariamente ser um sistema ético que é autônomo em seu cerne, isto é, uma lei para si mesmo. Se Deus é o criador de todas as coisas, então sua natureza santa deve ser o padrão de santidade e justiça entre os homens que foram criados à sua imagem (Gn 1:27; 1 Pe 1:14-16; Cl 3:10; Ef 4:24). A lei revelada de Deus, que é uma transcrição do seu santo caráter, deve ser necessariamente a única regra verdadeira que define para o homem o que é bom e correto, o que o homem deveria fazer e ser. Dessa forma, rejeitar a lei de Deus e estabelecer alguma regra rival de ética é suprimir a verdade em injustiça e adorar e
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servir à criatura antes que ao Criador (Rm 1:18-25). A promessa de autonomia foi central na tentação da Serpente, “sereis como Deus, sabendo o bem e o mal” (Gn 3:5). A sedução de Satanás que levou o homem ao pecado foi a mentira que ele não precisava depender de Deus e da sua Palavra para o conhecimento do bem e do mal, mas que ele poderia ser o seu próprio deus e conhecer e determinar essas coisas por si só. Autonomia na ética é o homem seguindo a mentira de Satanás e vivendo sua rebelião contra Deus e sua lei. É a tentativa do homem de ser o seu próprio deus. Essa autonomia na ética é a própria essência do humanismo. Portanto, não pode haver tal coisa como neutralidade ética. Eticamente falando, há somente duas opções possíveis: teonomia ou alguma forma de autonomia. Ou você serve ao Criador e vive pelos padrões que ele revelou, ou serve a criatura e vive pelos padrões de sua própria confecção ou escolha. É vão para uma pessoa alegar que está ocupando um meio termo entre teonomia e autonomia, pois essa própria alegação é uma rejeição da autoridade de Deus e o governo de sua lei sobre aqueles feitos à sua imagem. A Escritura, e a Escritura somente, deve ser a base para a nossa ética! Deus não concedeu autonomia a nenhuma esfera da vida. O indivíduo, a família, a igreja, e o Estado (sim, o Estado também!) devem se submeter a Deus e à sua lei como a única fonte verdadeira, infalível e autoritativa para o conhecimento do bem e do mal. Ninguém tem liberdade para determinar para si mesmo, ou para os outros, o que é bom e mau. Alguém alegar tal liberdade é apenas expor a sua rebelião contra Deus. Uma forma enganosa de teonomia existe na igreja cristã hoje. Esse tipo de teonomia presta serviço labial à lei de Deus, mas então continua para determinar quais mandamentos dessa lei moral serão mantidos. Nesse sistema, somente aqueles mandamentos que são julgados estar em sintonia com o tempo, que são considerados praticáveis para hoje, ou que estão de acordo com as noções modernas de amor, lealdade e justiça sobrevivem como padrões de ética. Mas quando os homens ou a igreja julgam a lei de Deus, e anulam ou alteram quaisquer dos mandamentos de Deus sem autorização bíblica direta da parte de Deus isso é autonomia, pois no final é a própria sabedoria e senso moral do homem que se torna o padrão. Muitíssimos cristãos hoje são como aqueles em Israel que hesitavam entre duas opiniões. Numa situação a lei de Deus é aceitável, mas em outra situação a “lei de Baal” (ex. leis promulgadas por um Estado humanista, ou por filósofos e psicólogos seculares) é encontrada mais em ritmo com os tempos e mais aplicável e racional. Mas a pessoas como essas o Senhor ainda fala: “Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o, e se Baal, segui-o” (1 Rs 18:21). A teonomia se opõe a todas as formas de autonomia na ética, e chama todos os homens em todo lugar a se arrependerem de sua rebelião e abraçar a lei de Deus como o único padrão de ética para toda esfera da vida. Os teonomistas aplicam com ousadia as palavras de Jesus à questão
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dos padrões morais e éticos: “ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6:24). Autonomia é o homem servindo a si mesmo e vivendo de acordo com sua própria lei. Teonomia é o homem servindo a Deus e vivendo de acordo com a lei de Deus.
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Unidade 4 – Teonomia vs. Lei Natural “Lei natural” é um termo enganoso, pois significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Uma visão secular da lei natural diferirá radicalmente de uma visão cristã da lei natural. E mesmo entre cristãos há diferenças de opinião sobre muitas das questões relativas à definição e uso da lei natural. Aqui nos limitaremos a uma discussão da evidência bíblica. De acordo com a Bíblia, Deus revela sua glória, natureza santa e a lei moral através da criação, providência e consciência do homem (Sl 19:1-6; At 14:17; 17:23-31; Rm 1:19-31; 2:14-15). Chamamos essa manifestação de “revelação natural” ou “revelação geral”, pois ela é a verdade mostrada ao homem por meio das obras de Deus no reino criado. A lei natural é uma parte dessa revelação natural. A lei natural é, portanto, a revelação da lei moral de Deus por meio da criação, providência e consciência do homem. Porque a revelação natural está em todos os tempos e em todos os lugares claramente apresentada diante do homem e no homem, todos são responsáveis, e todos serão julgados por ela (Rm 1:19-31). A teonomia reconhece plenamente a verdade bíblica da revelação natural e da lei natural. Contudo, a teonomia também afirma fortemente a insuficiência da lei natural como o padrão de ética por causa das limitações do homem como uma criatura, e por causa de sua queda no pecado. Sendo uma criatura, o homem precisa da Palavra do Criador para interpretar e entender corretamente todas as coisas. Deus, não o homem, é a medida de todas as coisas e a fonte de todo conhecimento e verdade, incluindo o conhecimento do bem e do mal. Portanto, mesmo no Jardim do Éden, quando o homem ainda era perfeito e sem pecado, ele precisava da Palavra externa de Deus para instruí-lo e guiá-lo na santa vontade de Deus (Gn 1:28-29; 2:16-17). O homem tinha uma consciência pura, e a criação não tinha sido sujeita à maldição, e ainda assim a lei natural não era suficiente. Requeria-se que a Palavra de Deus ensinasse ao homem o caminho do dever e a vereda da justiça. Se o homem sem pecado precisava da Palavra de Deus e não poderia guiar-se somente pela lei natural, quanto mais deve o homem caído necessitar da Palavra de Deus a fim de aprender o conhecimento do bem e do mal. Se a lei natural era insuficiente antes da queda, ela é duplamente inadequada agora porque a capacidade do homem de discernir a lei natural foi grandemente afetada pela queda. Em primeiro lugar, a própria criação está agora sob a maldição do pecado (Gn 3:17-19; Rm 8:19-22). Portanto, embora a criação ainda testemunhe a glória e o poder de Deus (Sl 19:1-6; Rm 1:19-20), ela não mais pode servir como uma revelação infalível de padrão ético (Por exemplo, o mundo criado está agora cheio de violência e morte. Deveríamos concluir a partir disso que a violência e morte são coisas boas?). Em segundo lugar, o homem é agora uma criatura pecadora e
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rebelde que busca suprimir a verdade da lei natural em sua injustiça (Rm 1:18). É certamente verdade que “a obra da lei” foi “escrita em seus corações” (Rm 2:14-15), mas a consciência poluída do homem não é de forma alguma um guia confiável para discernir o que é justo, bom e correto (Pv 16:25; 1 Tm 4:2; Tt 1:15; Hb 9:14; 10:22). Podemos confiar na consciência do homem caído, cujo “coração é enganoso, mais do que todas as coisas, e perverso” (Jr 17:9), para ser o juiz final do que é bom e mau? A doutrina da depravação total nos ensina que é tolo crer que o homem em si mesmo, ou em conselho com outros, será capaz de estabelecer um sistema ético perfeitamente justo sobre a base da lei natural. Com respeito a isso, Van Til disse: Essa doutrina da depravação total do homem deixa claro que a consciência moral do homem, como ele é hoje, não pode ser a fonte de informação sobre o que é o bem ideal ou sobre qual é o padrão do bem… É nesse ponto particularmente que o cristão precisa manter sem qualquer apologia e sem qualquer concessão que é à luz da Escritura, e da Escritura somente, que todas as questões morais devem ser respondidas. A Escritura como uma revelação externa tornou-se necessária por causa do pecado do homem. Nenhum ser vivo pode sequer apresentar o problema moral como deveria, ou fazer as perguntas morais como deveria, a menos que o faça à luz da Escritura. O homem não pode de si mesmo encarar verdadeiramente o problema moral, muito menos respondê-lo.4 O único resultado de fazer a lei natural o padrão de ética para o homem caído será confusão e erro. Se alguém duvida desse fato, que ela reúna dez pessoas de forma aleatória e peça que cada uma delas apresente seus julgamentos morais sobre questões como aborto, pena de morte, redistribuição de riqueza, castidade, etc. O que o homem precisa é uma declaração escrita objetiva da lei moral de Deus. Isso é exatamente o que Deus deu-lhe nas páginas da Sagrada Escritura. A Palavra de Deus coloca diante do homem o padrão infalível de ética. A Bíblia revela a lei moral com a precisão da comunicação escrita. O homem não precisa “procurar” padrões morais na região turva da lei natural, mas precisa apenas se voltar para a luz radiante da Escritura para ler os mandamentos explícitos e os princípios morais revelados nela (Sl 119:105). A Palavra de Deus dá luz e entendimento mesmo aos símplices (Sl 119:130). Essa superioridade da revelação bíblica sobre a revelação natural não significa que haja qualquer contradição entre a lei natural como revelada
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Cornelius Van Til. The Defense of Faith. Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1955, p. 54.
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na natureza, e a lei moral como declarada na Escritura. A unidade entre a lei natural e a lei bíblica é expressa na Confissão de Fé Batista de Londres: A mesma lei que uma vez foi inscrita no coração humano continuou a ser uma regra perfeita de justiça após a queda. E essa lei foi dada por Deus sobre o monte Sinai e inscrita em duas tábuas de pedra, na forma de dez mandamentos. Os quatro primeiros mandamentos contêm nossos deveres para com Deus, e, os outros seis mandamentos, nossos deveres para com os homens. Há somente uma lei moral, pois há somente um Deus verdadeiro que é a fonte de todas as coisas, incluindo a lei moral. Todavia, a teonomia afirma fortemente que a lei bíblica é muito superior à lei natural como manifestação da vontade de Deus, pois a lei bíblica é escrita, infalível, objetiva, detalhada e abrangente. A lei bíblica excede em muito a lei natural como revelação da lei santa de Deus. Dessa forma, devemos confessar que toda a regra do viver justo, e instrução na fé também, são mais plenamente entregues nas Escrituras Sagradas, à qual nada pode, sem criminalidade, ser adicionado, e da qual nada pode ser tirado. Seria apropriado o homem rejeitar a interpretação escrita infalível de Deus sobre a esfera moral, e substitui-lá pela interpretação falível da sua própria razão independente e consciência caída? Certamente não! Portanto, a lei bíblica deveria ser reconhecida por todos como o padrão supremo de ética. Afirmemos com Davi a perfeição completa e desejabilidade da lei escrita de Deus acima da revelação natural: A lei do Senhor é perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do Senhor é fiel, e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro, e ilumina os olhos. O temor do Senhor é limpo, e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros e justos juntamente. Mais desejáveis são do que o ouro, sim, do que muito ouro fino; e mais doces do que o mel e o licor dos favos. (Salmo 19:7-10)
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Unidade 5 – Antinomianismo e Legalismo Teonomia vs. Antinomianismo A palavra “antinomiano” significa “contra a lei” e, teologicamente, refere-se àqueles na igreja que enfatizam tanto a liberdade cristã da condenação da lei, que minimizam ou mesmo removem a responsabilidade do cristão guardar a lei agora que já está justificado. O grito do antinomiano é que o cristão “não está debaixo da lei, mas debaixo da graça”, deixando implícito que a graça de Deus em Cristo de alguma forma anula a obrigação que o crente tem de guardar a lei moral. O antinomianismo “é sintomático de um padrão de pensamento presente em muitos círculos evangélicos que a ideia de guardar os mandamentos de Deus não é consoante com a liberdade e espontaneidade do cristão, que guardar a lei tem suas afinidades com o legalismo e com o princípio das obras, e não com o princípio da graça”.5 Hodge declara que o antinomianismo, “como a palavra indica, é a doutrina que Cristo cumpriu de tal forma todas as exigências da lei moral em favor de todos os eleitos, ou de todos os crentes, que eles estão livres de todas as obrigações de cumprir seus preceitos como um padrão de caráter e ação”.6 Portanto, o antinomista rejeita a lei de Deus como o padrão da ética cristã. A teonomia está em aberta oposição a todas as formas de antinomianismo. A teonomia ensina que a lei de Deus é o padrão de viver santo, e que todos os crentes estão plenamente obrigados a andar de acordo com os justos mandamentos da lei. Contrário ao que o antinomista diz, a fé em Jesus Cristo não anula a lei para o cristão, mas sim estabelecea (Rm 3:31)! A CFW diz corretamente: A lei moral obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as pessoas justificadas como as outras, e isto não somente quanto à matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, não desfaz de modo algum esta obrigação, antes a confirma. Isso, contudo, não sugere que a teonomia minimiza de alguma forma a graça de Deus ou a justiça imputada de Cristo. A teonomia afirma plenamente a justificação pela fé somente (Ef 2:8-9), e se gloria na cruz de Cristo (Gl 6:14) e na graça de Deus (Gl 2:21; Rm 11:5-6; Ef 1:6). A teonomia repudia qualquer tentativa de basear a justificação sobre as obras da lei (Rm 3:19-20; Gl 3:10-13; Tt 3:5). Mas aqueles que aderem à teonomia também creem que a justificação e a santificação não podem ser separadas; pois essas são partes da obra 5 6
John Murray. Principles of Conduct. Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1957, p. 182. A. A. Hodge. Outlines of Theology. Edinburgh: The Banner of Truth Trust, reprint ed., 1972, p. 404.
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única de Deus em salvar o seu povo do pecado. Na justificação o crente é liberto da penalidade do pecado, enquanto na santificação o crente é progressivamente liberto do poder do pecado. E o que é pecado? “Pecado é a transgressão da lei” (1 Jo 3:4). Portanto, a santificação deve ser vista como o processo pelo qual os crentes são trazidos crescentemente a uma conformidade à vontade de Deus, deixando de serem transgressores da lei e se tornando cumpridores da lei (Rm 6:1-6; 7:25; 8:4; 1 Jo 2:3-8; 3:49). Os cristãos devem se tornar santos assim como Deus é santo (1 Pe 1:14-16), e serem renovados à imagem da justiça de Deus (Ef 4:24; Cl 3:10). Onde a imagem da justiça de Deus é encontrada? Na lei moral, que é um reflexo da natureza santa de Deus, e em Jesus Cristo, que guardou perfeitamente todos os mandamentos da lei moral! Dessa forma, o objetivo da santificação é que os crentes sejam conformados à imagem de Cristo (Rm 8:29) e glorifiquem a Deus guardando todos os mandamentos da lei moral. O poder para santificação vem por meio do dom do Espírito Santo, que escreve a lei de Deus sobre os corações e mentes do povo de Deus (Rm 8:1-4; Hb 8:9-10). A alegação antinomista que a graça nos livra da responsabilidade de guardar a lei de Deus é totalmente equivocada. Quando Paulo diz, “não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Rm 6:14), ele não pode estar ensinando que o cristão está agora livre da obrigação de guardar a lei moral, como os antinomistas afirmam, pois ele já tinha dito que os crentes não devem apresentar seus “membros ao pecado por instrumentos de iniquidade” (Rm 6:13). Visto que “toda transgressão é pecado” (1 Jo 3:4), Paulo deve estar mandando os crentes pararem de ser transgressores da lei. Além do mais, Paulo continua e explica que os cristãos são agora “servos da justiça” (Rm 6:18-22). Visto que essa justiça é mais tarde identificada por Paulo como “a justiça da lei” (Rm 8:4), Paulo deve estar ensinando aos cristãos que a forma deles servirem a Deus é guardando a sua santa lei. Portanto, a frase, “não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça”, não pode estar ensinando o que os antinomistas dizem que está! O ponto de Paulo é simplesmente este: aqueles que estão em Cristo são capazes de quebrar o domínio do pecado em suas vidas, pois não estão mais limitados ao recurso de apenas um código escrito de mandamentos que lhes diz o que deveriam fazer, mas não lhes dá a capacidade para cumprir esses mandamentos; pelo contrário, aqueles que têm a graça de Deus operando em sua alma pelo poder do Espírito do Cristo ressurreto são agora capazes de obedecer aos mandamentos de Deus. Estar debaixo da lei é ter apenas os recursos da lei. Estar debaixo da graça é ter os recursos da graça, isto é, as riquezas de Cristo! Paulo é muito cuidadoso em deixar certo que suas palavras sobre estar debaixo da graça e não da lei não sejam entendidas num sentido antinomista, ao declarar enfaticamente que ele não está dando licença aos crentes para transgredir a lei: “Pois que? Pecaremos porque não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça? De modo nenhum” (Rm
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6:15). A graça não ensina o cristão a negar a lei, mas sim ensina-o a guardar a lei (ver Tt 2:11-12)! O antinomista também afirma que sua liberdade cristã livra-o da responsabilidade de guardar a lei de Deus. Mas essa visão é claramente antibíblica. A verdadeira liberdade cristã não é liberdade para estabelecer o nosso próprio padrão ético a despeito da lei de Deus (autonomia), mas é a liberdade para servir a Deus e viver pelos padrões éticos de sua santa lei (teonomia). Em Cristo, somos libertos do pecado para nos tornarmos “servos da justiça” (Rm 6:18). A verdadeira liberdade espiritual é andar em obediência aos mandamentos de Deus: “E andarei em liberdade; pois busco os teus preceitos.” (Sl 119:45). A lei de Deus é “a lei perfeita da liberdade” para o cristão (Tg 1:25; 2:12). Uma forma muito prevalecente de antinomianismo é a visão que o cristão está inteiramente livre da obrigação de obedecer à lei do Antigo Testamento porque os crentes estão agora debaixo “da lei de Cristo” (1 Co 9:21). Essa visão permite que a lei do Antigo Testamento forneça “sabedoria” para o cristão em suas decisões éticas, pois o Antigo Testamento ainda é reconhecido como Escritura inspirada. Todavia, essa sabedoria proveniente da lei do Antigo Testamento não é considerada obrigatória para o cristão, pois essas leis são apenas para Israel. O cristão pode ganhar sabedoria da lei do Antigo Testamento, mas, aparentemente, ele não está sob obrigação de obedecê-la. Esses antinomistas têm, dessa forma, criado uma nova categoria de revelação: a sabedoria não obrigatória da parte de Deus! Essa visão permite ao homem sentar-se para julgar a lei de Deus, e aceitar ou rejeitar sua sabedoria moral como bem parecer a ele! Essa abordagem à lei do Antigo Testamento mina grandemente a ética cristã, pois anula uma das fontes primárias da lei moral: a lei revelada por meio de Moisés e dos Profetas. Com efeito, esse ensino cancela a autoridade de quase 4/5 da Sagrada Escritura para estabelecer o padrão ético obrigatório para hoje! A teonomia repudia fortemente essa visão antinomista da lei do Antigo Testamento, e o faz pelas seguintes razões. Em primeiro lugar, é um erro muito sério apresentar uma diferença entre a “lei do Senhor” (isto é, Iavé ou Jeová) e a “lei de Cristo”, pois o “Senhor” e “Cristo” são um (Dt 6:4; Jo 1:1-4; 10:30; 14:8-11). Não pode haver nenhuma diferença fundamental entre a lei do Antigo Testamento e a lei de Cristo, pois há somente “um legislador” (Tg 4:12; Is 33:22), e esse “legislador” é Cristo (Gn 49:10)! O padrão moral ensinado por Moisés e o Profeta “como” Moisés (isto é, Jesus Cristo; confira Dt 18:15-18; Atos 3:22-23) são igualmente a Palavra de Deus e igualmente obrigatória sobre os homens. Em segundo lugar, Jesus Cristo mesmo ensinou enfaticamente a autoridade contínua dos preceitos morais da lei do Antigo Testamento para o seu reino, quando disse:
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Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim abrogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus. (Mt 5:17-19) Jesus declara aqui que os seus discípulos são responsáveis em praticar e ensinar os princípios éticos e morais contidos na lei e nos profetas. Como Calvino diz, “não devemos imaginar que a vinda de Cristo nos livrou da autoridade da lei: pois ela é a regra eterna de uma vida santa e devota, e deve, portanto, ser tão imutável quanto a justiça de Deus, a qual ela abrange, e que é constante e uniforme”. Cristo ensinou seus seguidores a guardar a lei moral revelada no Antigo Testamento. A “lei de Cristo” é que amemos a Deus e ao nosso próximo guardando a lei de Deus (Mt 22:3640). Em terceiro lugar, os apóstolos de Cristo ensinam também que a lei moral do Antigo Testamento é obrigatória para a dispensação do Novo Testamento (Rm 3:31; 6:18; 7:12, 14, 16, 22, 25; 13:8-10; 15:4; Hb 8:10; Tg 2:8-12; 4:11; 1 Jo 2:7; 5:2-3). Não há nem mesmo a mínima insinuação que os apóstolos consideravam a lei moral revelada no Antigo Testamento como sendo ab-rogada para o cristão. Para eles, a lei revelada por meio de Moisés era a “lei perfeita de liberdade” (Tg 1:25; 2:12). Paulo resumiu a visão apostólica sobre a autoridade da lei moral do Antigo Testamento quando escreveu que toda a Escritura (incluindo a lei do Antigo Testamento!) é proveitosa para instrução na justiça para os crentes do Novo Testamento (2 Tm 3:16). Quando Deus nos instrui no caminho da justiça (isto é, nos dá sabedoria moral), ele espera que o obedeçamos! Em quarto lugar, o propósito expresso de Deus na Nova Aliança é escrever sua lei sobre o coração e mente dos crentes em Jesus Cristo (Hb 8:9-10; 10:16), e dar-lhes o Espírito Santo “para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8:4). Ora, qual é a lei que está em vista nessas promessas aos crentes da Nova Aliança? Não é necessário uma graduação em teologia para perceber que deve ser a mesma lei moral revelada na Antiga Aliança (ver Jr 31:33); a lei que é resumida nos Dez Mandamentos, aplicada nas jurisprudências do Antigo Testamento, e exposta por todo o restante da Escritura do Antigo Testamento! A teonomia repudia o ódio antinomista pela lei de Deus e confessa com o salmista, “Oh! quanto amo a tua lei! É a minha meditação em todo o dia”, e, “melhor é para mim a lei da tua boca do que milhares de ouro ou prata” (Sl 119:97, 72). O teonomista concorda com Paulo, e crê que a lei é santa,
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justa, boa e espiritual (Rm 7:12, 14), busca “servir à lei de Deus” (Rm 7:25), e declara “tenho prazer na lei de Deus” (Rm 7:22)! Teonomia vs. Legalismo É importante entender que o legalismo não deve ser simplesmente igualado com a lei ou uma ênfase sobre guardar a lei. Legalismo, biblicamente falando, não é o uso da lei, mas o uso incorreto da lei (isto é, um uso não prescrito por Deus). Como o antinomianismo, o legalismo tem muitas facetas e toma várias formas. Que seja claramente conhecido de antemão que o sistema ético da teonomia condena todos os tipos de legalismo. O tipo mais evidente de legalismo é a visão que uma pessoa pode ser justificada diante de Deus sobre a base de sua própria obediência às obras da lei. Esse foi o erro dos fariseus. É também o erro do pelagianismo. Igualmente falsa é a visão semi-pelagiana que a justificação é uma mistura de graça e obras (ex. Catolicismo Romano). A teonomia rejeita fortemente qualquer sistema de salvação pelas obras da lei. Todos os homens são pecadores e transgridem a lei de Deus (Rm 3:10, 23), e como tal, a lei não pode salvá-los; ela pode apenas condená-los como transgressores que merecem a maldição da lei (Rm 3:19-20; Gl 3:10). Para o homem pecador, a lei que foi ordenada para a vida (Rm 7:10) torna-se uma ministração de condenação e morte (2 Co 3:7, 9). A única esperança para os transgressores da lei é a salvação pela graça por meio da fé na obra consumada de Jesus Cristo (Gl 2:16; 3:11-13, 21-22; Rm 3:22-31). Outra faceta do legalismo é aquela de enfatizar a obediência à lei, enquanto negligencia enfatizar também o espírito no qual a lei deve ser guardada. Essa atitude legalista geralmente envolve uma observância meticulosa de detalhes pequenos da lei (que a pessoa deveria cumprir), mas omite “o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé” (Mt 23:23). O legalista falha em praticar a verdadeira justiça, mostrar misericórdia aos outros, e amar a Deus como resultado de um coração de fé. Esse era outro erro dos fariseus. A teonomia repudia totalmente tal legalismo, e ensina uma abordagem à lei que, embora enfatizando a obediência cuidadosa a todos os mandamentos de Deus, não falha em chamar os homens a servirem a Deus de coração, no espírito de amor e submissão. A verdadeira obediência a Deus envolve tanto conformidade externa como submissão interna. Devemos temer ao Senhor e amá-lo de todo o nosso coração, alma e força (Dt 6:5). Se haveremos de agradar a Deus, devemos abordar a lei da mesma forma que o salmista: “Dá-me entendimento, e guardarei a tua lei, e observá-la-ei de todo o meu coração” (Sl 119:34). Uma obediência à lei que é meramente exterior falha no teste da verdadeira obediência (confira Mt 5:17-6:18; 23:13-3). A obediência autêntica busca a glória de Deus (1
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Co 10:31), e é motivada pelo amor a Deus (1 Jo 5:2-3). Moisés instrui o povo de Deus no que o Senhor deseja para eles: Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas o Senhor teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, que guardes os mandamentos do Senhor, e os seus estatutos, que hoje te ordeno, para o teu bem? (Dt 10:12-13; confira Dt 11:1, 13:22) Jesus disse aos seus discípulos: “Se me amais, guardai os meus mandamentos” (Jo 14:15, 21). O Senhor Jesus também resumiu o dever do homem na lei moral em termos de amor a Deus e amor pelo nosso próximo (Mt 22:36-40; confira Dt 6:5; Lv 19:18). A verdadeira obediência à lei de Deus começa no coração e é motivada pelo amor. Outro tipo de legalismo é aquele que falha em enfatizar ou considerar apropriadamente a centralidade do Espírito Santo na santificação. Nessa visão, é a própria lei que tem o poder de santificar; tudo o que alguém tem que fazer é aplicar-se em guardar a lei e ele se tornará justo em todas as suas atitudes e ações. Contudo, a lei em si e de si mesma, como um código escrito de mandamentos, não tem o poder para santificar o crente. A lei pode ordenar o caminho da justiça, mas não pode fornecer a motivação ou o poder para o homem andar no caminho da justiça (2 Co 3:6, 17-18; Rm 7:6-25). É o Espírito Santo, somente, que pode capacitar o crente a cumprir os requerimentos santos da lei (Rm 8:2-4). Deus, por meio do seu Espírito, deve operar em nós tanto para desejarmos como para cumprirmos a sua boa vontade (Fp 2:13). A lei é muito importante em nossa santificação, mas somente como um instrumento do Espírito Santo para nos reprovar, corrigir e guiar na justiça. Uma forma final de legalismo a ser observada é a prática de adicionar tradições humanas à lei de Deus. Essas tradições, que são supostamente baseadas na lei de Deus, estabelecem padrões humanos de justiça, anulando na verdade os padrões de Deus, e leva os homens a transgredirem os verdadeiros mandamentos de Deus (Mt 15:1-9). Esses mandamentos de homens são usados pelos hipócritas para se exaltarem e condenarem todos os que não vivem por suas tradições. Os escribas e fariseus usaram suas tradições para condenar a Cristo e os seus discípulos! A teonomia não tem lugar para tais pessoas ou suas tradições! A ética da teonomia é baseada somente nos mandamentos de Deus! As tradições humanas, quer por negação ou por adição aos padrões justos da lei de Deus, e toda mudança na lei de Deus, são algo estritamente proibido (Dt 4:2; 12:32). A teonomia rejeita todos os tipos de legalismo e ensina que a lei de Deus não deve ser usada incorretamente pelos homens para sua própria justificação ou exaltação. A teonomia sustenta que a salvação é pela graça
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por meio da fé, e que o desenvolvimento dessa salvação graciosa significa que os crentes guardarão os mandamentos de Deus pelo poder do Espírito, por amor a Deus e ao próximo. A teonomia se opõe ao legalismo, ensinando que o motivo da ação humana é amar aos outros, e não amar a nós mesmos, e que o fim ou propósito da ação humana é a glória de Deus, e não a nossa própria glória.
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Unidade 6 – A correta interpretação da lei de Deus O uso apropriado da Lei Tendo mencionado na unidade anterior o uso incorreto da lei de Deus, é ser útil estabelecermos nesta unidade o que a teonomia professa com respeito ao uso apropriado da lei. Paulo disse: “Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente” (1 Tm 1:8). Observaremos brevemente seis usos “legais” da lei de Deus. Primeiro, a lei de Deus informa aos homens a natureza e vontade santa de Deus, e o dever deles andarem em obediência aos mandamentos de Deus (1 Pe 1:16; Mt 5:48; Ec 12:13). A lei deve ser usada para ensinar a sã doutrina com respeito a Deus e a responsabilidade do homem para com Deus. Em segundo lugar, a lei convence os homens do seu pecado e justa condenação diante de Deus (Rm 3:19-20; 7:7-11; 2 Co 3:9; Gl 3:10; Tg 2:8-13). A lei deve ser usada na pregação do evangelho aos pecadores. A lei age para convencer e condenar poderosamente o perdido. Em terceiro lugar, a lei age para conduzir os homens à salvação pela fé em Jesus Cristo (Gl 3:21-24; Rm 7:24-25; 3:19-26). Tendo convencido os homens de seu pecado, e fechado a boca deles sob a maldição de Deus, a lei é usada para direcioná-los à a sua única esperança: a graça de Deus em Jesus Cristo! Esses três primeiros usos da lei são declarados na resposta à Pergunta 95 do Catecismo Maior: A lei moral é de utilidade a todos os homens, para os instruir sobre a natureza e vontade de Deus e sobre os seus deveres para com ele, obrigando-os, a andar conforme a essa vontade; para os convencer de que são incapazes de a guardar e do estado poluto e pecaminoso da sua natureza, corações e vidas; para os humilhar, fazendo-os sentir o seu pecado e miséria, e assim ajudando-os a ver melhor como precisam de Cristo e da perfeição da sua obediência. Em quarto lugar, a lei é um meio de graça para a santificação do crente. Por meio da lei moral revelada na Escritura, Deus comunica sua graça aos seus filhos (At 20:32). Jesus orou ao Pai: “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17:17). Uma parte central dessa verdade santificadora é a lei, pois como o salmista declara, “a tua lei é a verdade” (Sl 119:142). Além do mais, Deus resiste ao soberbo, mas dá graça ao humilde (Pv 3:34; Tg 4:6). A lei é o instrumento mais excelente para nos humilhar! Em quinto lugar, a lei é a regra de vida para o crente (Sl 119:105, 133; Js 1:8). A lei ensina ao cristão a vontade de Deus, e refreia-o do mal. A CFW contém uma declaração excelente sobre o uso da lei na vida cristã:
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Embora os verdadeiros crentes não estejam debaixo da lei como pacto de obras, para serem por ela justificados ou condenados, contudo, ela lhes serve de grande proveito, como aos outros; manifestando-lhes, como regra de vida, a vontade de Deus, e o dever que eles têm, ela os dirige e os obriga a andar segundo a retidão; descobre-lhes também as pecaminosas poluções da sua natureza, dos seus corações e das suas vidas, de maneira que eles, examinando-se por meio dela, alcançam mais profundas convicções do pecado, maior humilhação por causa deles e maior aversão a eles, e ao mesmo tempo lhes dá uma melhor apreciação da necessidade que têm de Cristo e da perfeição da obediência dele. Ela é também de utilidade aos regenerados, a fim de conter a sua corrupção, pois proíbe o pecado; as suas ameaças servem para mostrar o que merecem os seus pecados e quais as aflições que por causa deles devem esperar nesta vida, ainda que sejam livres da maldição ameaçada na lei. Do mesmo modo as suas promessas mostram que Deus aprova a obediência deles e que bênção podem esperar, obedecendo, ainda que essas bênçãos não lhes sejam devidas pela lei considerada como pacto das obras - assim o fazer um homem o bem ou o evitar ele o mal, porque a lei anima aquilo e proíbe isto, não é prova de estar ele debaixo da lei e não debaixo da graça. Finalmente, a lei fornece a base para uma sociedade justa e bem ordenada (Dt 4:6-8; Sl 33:12; Pv 14:34; Rm 13:1-7). A lei de Deus, como revelada na Escritura, apresenta o padrão perfeito de justiça civil. Quando a lei de Deus é a base para a lei civil de uma nação, os malfeitores serão punidos e o mal, restrito (Dt 17:12-13; 1 Tm 1:8-10). O justo será protegido e conhecerá a verdadeira liberdade civil (Tg 1:25; Sl 119:45). Os cristãos viverão “uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” (1 Tm 2:2). A nação que honra o Senhor e age de acordo com os padrões da lei de Deus experimentará bênção, paz e prosperidade (Sl 2:10-12; Dt 28:1ss). A teonomia defende esses usos “legais” da lei, e rejeita qualquer uso da lei não prescrito por Deus em sua Palavra. A Confissão Belga declara: “Ainda usamos os testemunhos da Lei e dos Profetas para confirmarmo-nos no Evangelho e, também, para regularmos nossa vida em toda honestidade, para a glória de Deus, conforme sua vontade”. A teonomia concorda de coração! Teonomia e a hermenêutica Hermenêutica refere-se à ciência da interpretação; ela lida com os princípios apropriados da exegese. De modo geral, a teonomia sustenta o princípio Protestante histórico da interpretação histórico-gramatical. Isso
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indica que a teonomia exige uma exegese cuidadosa da Escritura que leva em conta todo dado relevante de qualquer texto particular. Esse dado inclui os detalhes sintáticos e léxicos juntamente com o contexto literário, histórico e teológico. O desafio específico para a teonomia é interpretar e aplicar a lei bíblica ao nosso dia e cultura. Essa apresentação da abordagem teonômica para interpretar a lei de Deus começará observando três perspectivas fundamentais que a teonomia traz para essa tarefa. Em primeiro lugar, a teonomia não advoga (como alguns têm acusado) uma transferência direta simplista da lei bíblica para os nossos dias. A teonomia não ensina que deveríamos pegar as leis dadas a Israel, e sem uma consideração dos fatores teológicos e culturais únicos a Israel, fazer essas leis nossas para hoje. Em segundo lugar, a teonomia crê que o princípio moral que informa (sustenta) cada mandamento é universal e imutável, e que esse princípio (uma vez confirmado por exegese cuidadosa) pode e deve ser aplicado ao nosso dia e cultura. Em alguns casos será relativamente fácil descobrir o postulado moral, visto que o próprio mandamento é declarado em termos de um princípio universal; enquanto em outros isso será mais difícil, pois o mandamento é declarado em termos da posição única de Israel como a nação pactual do Antigo Testamento. Em terceiro lugar, a teonomia reconhece plenamente a dificuldade de interpretar e aplicar a lei bíblica. Os teonomistas não alegam ter todas as respostas ou ter resolvido todas as perguntas sobre como entender o texto bíblico. A tarefa de interpretar e aplicar a lei bíblica requer humildade, diligência e habilidade. Mais especificamente, a abordagem teonômica à interpretação e aplicação da lei bíblica é baseada em cinco princípios hermenêuticos. O primeiro, e talvez o mais importante, é o princípio que somente Deus, o Legislador, tem a autoridade de adicionar ou tirar algo daquilo que ele ordenou: “Não acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor vosso Deus, que eu vos mando” (Dt 4:2; confira Dt 12:32). Por causa desse princípio, deveríamos assumir a validade e autoridade contínua de cada e todo mandamento de Deus na Escritura, a menos que Deus mesmo indique mais tarde na Escritura que uma lei particular foi mudada, modificada ou repelida.7 Deve haver uma clara garantia bíblica antes de podermos dizer que um mandamento de Deus não é mais obrigatório para nós hoje. É pura presunção o homem colocar de lado qualquer lei de Deus sem autorização escrita definida para fazê-lo, procedente do próprio Legislador. Além do mais, visto que a lei moral é universal e imutável, deveríamos assumir uma continuidade entre os requerimentos morais da lei do Antigo 7
O progresso da revelação e da história redentora leva a certas modificações na lei. À medida que o plano de Deus na redenção encontra cumprimento em Cristo, e à medida que os homens chegam à maturidade espiritual nele, haverá um desenvolvimento correspondente na revelação e aplicação da lei de Deus.
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Testamento e os padrões morais para a igreja do Novo Testamento. Uma visão popular na igreja hoje ensina os cristãos a assumirem a descontinuidade, dizendo que somente os mandamentos do Antigo Testamento que são especificamente repetidos no Novo Testamento se aplicam hoje. Em outras palavras, eles creem que o Antigo Testamento é na verdade desnecessário como uma fonte para a ética hoje. Nesta visão, somente os mandamentos do Novo Testamento têm autoridade obrigatória para o cristão. Portanto, em termos da lei do Antigo Testamento, o cristão deveria considerar seus mandamentos específicos obrigatórios, a menos que o Novo Testamento explicitamente ensine outra coisa. Dessa forma, a abordagem bíblica à lei do Antigo Testamento é baseada sobre uma suposição de continuidade, juntamente com o reconhecimento do status do Novo Testamento como sendo a autoridade final sobre o uso e aplicação da lei do Antigo Testamento nesta dispensação. Outro princípio muito importante de interpretação é o reconhecimento que a lei do Antigo Testamento consiste de dois tipos de leis: cerimoniais e morais. Essa distinção dupla é evidente em muitos textos bíblicos: “Fazer justiça e juízo é mais aceitável ao Senhor do que sacrifício” (Pv 21:3); “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício” (Mt 9:13; confira Os 6:6; Am 5:15, 21-24; Sl 40:6-8; 50:8ss; Jr 7:22-23; Mt 12:7). As leis cerimoniais regulavam a adoração de Israel, e forneciam meios pelos quais o pecado poderia ser expiado através do sacerdócio e dos sacrifícios de animais. Sob a classificação da lei cerimonial deveríamos incluir aquelas leis que diziam respeito especificamente à separação de Israel das nações pagãs (ex. as leis dietéticas, Dt 14:3-21), e sua vida na terra de Canaã (ex. as leis de herança, Nm 27:8-10; o casamento levita, Dt 25:5-10; a guerra santa contra os canaanitas, Dt 20:16-18). As leis morais do Antigo Testamento definiam os padrões justos de conduta para o povo pactual de Deus. As leis morais são declaradas como preceitos e máximas gerais (ex. “não furtarás”), ou como jurisprudências que prescrevem a conduta num caso específico, de forma que estabelece o dever moral para todos os casos assim relacionados (ex. Êx 23:4). Os Dez Mandamentos resumem a lei moral, enquanto as jurisprudências aplicam a lei moral a situações específicas. Rushdoony declara: “a porção maior da lei é a jurisprudência, isto é, a ilustração dos princípios básicos em termos de casos específicos. Esses casos específicos são frequentemente ilustrações da extensão da aplicação da lei; isto é, citando um tipo mínimo de caso, as jurisdições necessárias da lei são reveladas.”8. Rushdoony ainda explica a importância das jurisprudências mostrando sua necessidade. Ele diz: “Sem a jurisprudência, a lei de Deus em breve seria reduzida a uma área extremamente limitada de significado”; é somente analisando as jurisprudências que podemos ver quão abrangente 8
The Institutes of Biblical Law, p. 11.
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é o significado da lei. Também, as jurisprudências devem ser de igual autoridade aos Dez Mandamentos, pois o resumo não pode ter maior autoridade que aquilo que é resumido. É importante entender que as leis civis de Israel não constituem uma terceira categoria de lei; as leis civis são na verdade um sub-sistema da lei moral. A lei civil de Israel é a expressão da lei moral em termos da ética social e política. Consequentemente, a lei civil de Israel estabelece princípios universais de justiça civil e retidão política. Deve ser reconhecido que nem sempre é claro a qual categoria, cerimonial ou moral, pertencem certas leis do Antigo Testamento. Todavia, essas são as categorias bíblicas, e devemos aderir a elas. Um fracasso em discernir apropriadamente se uma lei do Antigo Testamento é cerimonial ou moral levará ao uso incorreto do Antigo Testamento nesta era da Nova Aliança. Por que? Espero que os dois princípios a seguir deixem isso claro. O terceiro princípio da interpretação teonômica é o ensino do Novo Testamento que as leis cerimoniais do Antigo Testamento eram tipológicas em natureza, prenunciando a pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo; consequentemente, a vinda de Cristo trouxe uma mudança na lei e pôs um fim à observância dessas sombras do Antigo Testamento (Cl 2:17; 1 Co 5:7; Hb 9:9; 10:1; 1 Tm 4:3-5; Ef 2:14-15; Gl 2:3; 5:2-6). O cumprimento da lei cerimonial em Cristo, e o fato que essas leis não são mais obrigatórias hoje são claramente ensinados no Novo Testamento. A Confissão Batista de Londres dá um resumo útil da lei cerimonial e sua relação com Cristo: Além desta lei, comumente chamada de lei moral, Deus houve por bem dar leis cerimoniais ao povo de Israel, contendo diversas ordenanças simbólicas: em parte, de adoração, prefigurando Cristo, as suas graças, suas ações, seus sofrimentos, e os benefícios que conferiu; e, em parte, estabelecendo várias instruções de deveres morais. As leis cerimoniais foram instituídas com vigência temporária, pois mais tarde seriam ab-rogadas por Jesus, o Messias e único Legislador, que, vindo no poder do Pai, cumpriu e revogou essas leis. A vinda de Cristo e o estabelecimento da igreja do Novo Testamento alteraram também o status do Israel do Antigo Testamento. A membresia no povo pactual não é mais limitada ao Israel nacional, mas está aberta a todos os que creem em Jesus Cristo, a despeito do seu pano de fundo ético ou nacional (Ef 2:11-22; Gl 3:16, 26-29). A circuncisão e a identificação de uma pessoa com a nação de Israel deixou de ser uma necessidade para o crente do Novo Testamento (Gl 2:3-5; 5:1-6; 6:15). A igreja de Cristo não está limitada aos palestinos e judeus, mas está expandida em todo o mundo e abrange todas as nações (Mt 28:19-20; Sl 2:6-9). O Israel do Antigo Testamento era um tipo da igreja do Novo Testamento, e o reino de Israel na Palestina prenunciava o reino mundial do Messias (Rm 4:11-13; Gl
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6:16). Por conseguinte, segue-se definitivamente que as leis do Antigo Testamento relacionadas à separação de Israel das nações e a sua vida na terra de Canaã foram ab-rogadas, visto que essas eram “ordenanças típicas” designadas somente até “o tempo da reforma” em Cristo e o estabelecimento da ordem do Novo Testamento nele. Contudo, isso não significa que a lei cerimonial não tenha nenhum valor ou aplicação para os crentes hoje. Como Calvino explica: “Com respeito às cerimônias, há alguma aparência de mudança ocorrendo; mas foi apenas o uso delas que foi abolido, pois o seu significado foi mais plenamente confirmado. A vinda de Cristo não tirou nada nem mesmo das cerimônias, mas pelo contrário, confirma-as exibindo a verdade de sombras…”. Assim, quando essas leis são estudadas à luz do seu cumprimento em Cristo, elas retêm importância como uma ferramenta de ensino para melhor entender a Cristo, sua obra e sua igreja. Por exemplo, os cristãos foram livres do requerimento de trazer sacrifícios animais, mas o estudo do sistema sacrificial do Antigo Testamento pode nos ajudar a entender melhor a morte substitutiva de Jesus Cristo. Ou, as leis específicas que construíram uma parede de separação entre os judeus e gentios foram removidas, mas o princípio de separação do mundo presente no Novo Testamento é ilustrado nessas leis (confira 2 Co 6:14-18). A teologia que fundamenta a lei cerimonial é a mesma teologia que Cristo cumpre; a primeira é aquela teologia em sombras, mas Cristo é essa teologia na substância. A Confissão Belga expressa tal verdade assim: Cremos que as cerimônias e figuras da lei terminaram com a vinda de Cristo e que, assim, todas as sombras chegaram ao fim. Por isso, os cristãos não devem mais usá-las. Contudo, para nós, sua verdade e substância permanecem em Cristo Jesus, em quem têm seu cumprimento. O quarto princípio hermenêutico é a afirmação do Novo Testamento que as leis morais do Antigo Testamento foram confirmadas por Cristo e os seus apóstolos como sendo obrigatórias para hoje (Mt 5:17ss; 22:36-40; Rm 8:1-4; 13:8-10; 1 Co 7:19). O Novo Testamento confirma plenamente a autoridade contínua da lei moral revelada nas Escrituras do Antigo Testamento (2 Tm 3:16-17). Os apóstolos falam de Cristo oferecendo um sacrifício melhor e instituindo um sacerdócio melhor, mas nunca falam de Cristo instituindo padrões morais melhores. O Novo Testamento aprofunda o nosso entendimento da lei moral de Deus, mas não nos dá uma nova lei moral. No Sermão do Monte Jesus não está dando uma nova interpretação da lei, dando à lei um significado mais profundo, ou estabelecendo padrões morais que são mais altos que a lei do Antigo Testamento revelou. Antes, Jesus está buscando esclarecer as interpretações incorretas dos escribas e restaurar o entendimento verdadeiro dos padrões éticos que foram
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originalmente revelados por meio de Moisés. O Novo Testamento completa a revelação de Deus ao homem e, portanto, completa a revelação da lei moral de Deus. Mas alguém procurará em vão no Novo Testamento sequer um versículo que deprecie qualquer dos padrões morais do Antigo Testamento. O Novo Testamento exibe uma harmonia perfeita entre os padrões éticos revelados por Moisés e os Profetas e aqueles revelados por Jesus e os apóstolos. Portanto, a Escritura do Novo Testamento nos instrui a considerar as leis morais do Antigo Testamento como obrigatórias hoje, e a considerar as leis cerimoniais como sendo ab-rogadas. Um fracasso em reconhecer esse ensino abrirá a porta para o abuso da lei do Antigo Testamento na igreja do Novo Testamento. O princípio final para a interpretação da lei bíblica que será observado aqui é a necessidade de levar em consideração as diferenças culturais entre os tempos bíblicos e os nossos dias. Se haveremos de aplicar apropriadamente os princípios eternos da lei de Deus ao mundo moderno, as descontinuidades culturais devem ser entendidas e transpostas. A tarefa neste respeito é discernir e separar o padrão obrigatório da lei moral a partir de sua expressão cultural no Antigo e Novo Testamento, 9 e então aplicar esse padrão obrigatório à nossa cultura e cenário. Como declarado anteriormente, muitos dos mandamentos bíblicos são dados em termos de padrões morais universais. Por exemplo: “Não furtareis, nem mentireis, nem usareis de falsidade cada um com o seu próximo” (Lv 19:11); “Não admitirás falso boato, e não porás a tua mão com o ímpio, para seres testemunha falsa” (Êx 23:1). O problema para nós quando lidando com essas leis não é interpretação ou aplicação; nosso problema é obediência! No entanto, os mandamentos bíblicos que declaram a lei moral em termos da cultura bíblica requerirão de nós determinar o princípio moral que fundamenta o mandamento. Por exemplo: “Não se tomará em penhor ambas as mós, nem a mó de cima nem a de baixo; pois se penhoraria assim a vida” (Dt 24:6). “Vendo extraviado o boi ou ovelha de teu irmão, não te desviarás deles; restituílos-ás sem falta a teu irmão” (Dt 22:1). É a lei moral que informa o mandamento que é obrigatório, e não necessariamente a expressão cultural da lei. A dimensão cultural da interpretação bíblica é desafiante, todavia muito necessária. Contudo, devemos nos precaver para que o elemento da cultura não seja usado pelos inimigos da lei de Deus para cancelar o ensino e autoridade da santa Palavra de Deus. Os assim chamados feministas cristãos têm tentado anular o ensino bíblico sobre o papel dos homens e
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Alguns têm argumentado que as leis do Antigo Testamento estão muito distantes da cultura moderna para serem de qualquer uso hoje. Contudo, há também um grande intervalo entre nossa cultura e a cultura da era do Novo Testamento. Rejeitar a lei do Antigo Testamento sobre a base a descontinuidade cultural requereria logicamente que rejeitássemos os mandamentos do Novo Testamento também.
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mulheres ao dizer que esse ensino era simplesmente um reflexo da cultura da época e não é mais obrigatório para nós. Dessa forma, eles usam sua própria tradição para rejeitar a lei de Deus. A abordagem teonômica à ética cristã requer o estudo diligente e cuidadoso da lei de Deus. Os teonomistas reconhecem plenamente que a interpretação e aplicação da lei bíblica é um trabalho duro e difícil, e rejeitam qualquer abordagem simplista ao assunto. Se os cristãos hão de conhecer e entender a lei de Deus, e aplicá-la apropriadamente a toda esfera da vida, eles devem prestar atenção ao mandamento de Deus para meditar na lei do Senhor dia e noite.
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Unidade 7 – Teonomia e a lei civil Um dos distintivos mais importantes da teonomia é sua visão sobre a lei civil e o magistrado civil. A teonomia ensina que a lei de Deus como revelada na Escritura apresenta o padrão moral para tudo da vida, incluindo o social e político. A teonomia mantém que a lei de Deus deveria formar a base para toda lei civil, e que o magistrado civil é um servo de Deus, e é responsável em sustentar todos os aspectos da lei moral que se relacionam diretamente com a ordem social, a moralidade pública e a justiça civil. A autonomia na ética sócio-política é simplesmente tão ofensiva a Deus como a autonomia na ética pessoal. A discussão que segue apresentará algumas das características básicas da abordagem teonômica à lei civil. Deus, que é Rei sobre toda a terra (Sl 47:2, 7-8), estabeleceu três instituições separadas para o nosso bem e para a ordem da sociedade humana. Essas instituições são: a família (Gn 2:24; Cl 3:18-21), a igreja (Gn 12:1-3; Ef 1:22-23; 2:19-22), e o Estado (Gn 9:5; Rm 13:1-7). Cada uma recebeu autoridade de Deus para desempenhar suas respectivas comissões. Ora, quando Deus dá autoridade aos homens, Ele sempre dá claras instruções sobre o propósito, limites e usos dessa autoridade. A Palavra de Deus revela essas instruções necessárias (torah, ou leis) de forma que a família, a igreja e o Estado sejam totalmente equipados para toda boa obra (2 Tm 3:16-17). Isso tudo parece razoavelmente claro. Todavia, muitos cristãos que creem que a Escritura deveria estabelecer as leis de conduta para a família e a igreja, rejeitam rapidamente o ensino da teonomia que o Estado também é obrigado a aderir às leis bíblicas como o padrão para todas as suas atividades e legislação. Os teonomistas evitam tal inconsistência evidente e mantém apropriadamente que cada instituição estabelecida por Deus está obrigada à autoridade da lei de Deus revelada na Escritura. A visão teonômica da lei civil é centrada sobre o ensino bíblico com respeito ao Estado e o magistrado civil: Deus, o Senhor Supremo e Rei de todo o mundo, para a sua glória e para o bem público, constituiu sobre o povo magistrados civis que lhe são sujeitos, e a este fim, os armou com o poder da espada para defesa e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores.10 A Bíblia ensina distintamente que o magistrado civil recebe sua autoridade de Deus e que deve agir como ministro (servo) de Deus. Que esse é o caso é visto por declarações bíblicas diretas (Rm 13:4, 6; Is 43:28); pelo fato que Deus é aquele que o coloca em autoridade (Dn 4:25, 10
Esse resumo confessional do ensino bíblico sobre o Estado e o magistrado civil está contido na Confissão de Westminster, na Confissão Batista de Londres de 1689, e na Declaração de Savoy (1658).
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32, 34-37; Jo 19:11; Rm 13:1; 1 Pe 2:14); pelo fato que todos aqueles que governam sobre homens são ordenados a governar no temor de Deus (2 Sm 23:3; 2 Cr 19:6-7); pelo fato que todos os reis e juízes da terra são ordenados a servir ao Senhor e prestar homenagem ao seu Filho (Sl 2:1012); e pelo fato que Jesus Cristo, o Senhor ressurreto e assunto ao céu, é agora Rei dos reis e Senhor dos senhores com autoridade soberana sobre todas as nações (Sl 2:1-12; 110:1-7; Fp 2:9-11; Ap 1:5; 17:14; 19:16). Além do mais, a Bíblia não deixa nenhuma dúvida com respeito ao propósito do Estado e a função do magistrado civil. O Estado é designado por Deus para executar sua ira sobre os malfeitores, e louvar e defender aqueles que andam na justiça (Rm 13:1-6; Pv 17:5). Isso significa que o Estado foi comissionado por Deus para administrar justiça na sociedade (Dt 1:16-17; 16:18). Ao Estado pertence o poder da justiça distributiva, que consiste em dar a cada homem aquele julgamento e equidade, proteção ou punição que a lei requer. Portanto, é evidente que o magistrado civil foi designado para reforçar a lei. Mas qual lei o magistrado deve enaltecer e reforçar sobre aqueles sob sua jurisdição? (Perceba que a pergunta não é se haverá ou não lei no Estado. Mas a questão é: qual lei ou que lei; a lei de Deus ou a lei do homem?). Não é clara a resposta bíblica a essa pergunta? Se o magistrado é o servo de Deus designado para executar a vingança de Deus sobre os malfeitores, então deve ser a lei de Deus que o magistrado deve administrar e reforçar! Há uma frase popular hoje que diz: “você não pode legislar moralidade”. Essa declaração é falsa ou verdadeira dependendo do que a pessoa quer dizer com isso. É verdade que você não pode tornar uma pessoa ou sociedade justa meramente enaltecendo certas leis. Contudo, é falso pensar que a lei civil pode ser eticamente neutra. Toda lei legisla moralidade no sentido que prescreve certa conduta ou permite certa conduta. A questão então é: qual moralidade será legislada? Serão os padrões justos de Deus, como revelados em sua lei, ou os padrões do homem autônomo rebelde? Por exemplo, não pode haver leis neutras sobre a questão do aborto. As leis de aborto de uma nação legislarão a vida ou morte para o feto; protegerão ou condenarão o sangue inocente. Requer-se que o magistrado civil conheça a lei de Deus e sempre mantenha a Escritura diante dele, de forma que governará no temor de Deus e julgará de acordo com o padrão justo da lei de Deus (Dt 17:18-20; 2 Cr 19:6-7). Nenhum outro padrão é aceitável! É por meio da sabedoria revelada na Palavra de Deus que o governador e o juiz são capacitados para “decretar justiça” (Pv 8:15-17). O magistrado é chamado a imitar o justo trono de Deus ao governar de acordo com a lei justa de Deus (Sl 47:9; 97:2; Pv 16:12; 20:8; 25:5). A Escritura louva o governador que sustenta a lei de Deus e protege apropriadamente o justo e pune o ímpio (Pv 21:3; 29:2, 4, 14), mas “o que justifica o ímpio, e o que condena o justo, tanto um como o outro são abomináveis ao Senhor” (Pv 17:15). A Bíblia condena
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“o trono de iniquidade” como uma administração “que forja o mal por uma lei” porque tal lei assalta o justo e condena o sangue inocente (Sl 94:2021). O Senhor diz, “ai dos que decretam leis injustas, e dos escrivães que prescrevem opressão” (Is 10:1), e “ai … dos que justificam ao ímpio por suborno, e aos justos negam a justiça!” (Is 5:22-23). Dessa forma, é evidente que não pode existir nenhuma neutralidade na lei civil. Um magistrado esquecerá a lei de Deus e louvará o ímpio, ou guardará a lei de Deus e contenderá com eles (Pv 28:4). Uma administração civil governará de acordo com a lei de Deus (teonomia) e será um “trono de justiça”, ou rejeitará a lei de Deus e governará de acordo com a lei do homem (autonomia) e será um “trono de iniquidade”. Tendo comissionado o governo civil para governar de acordo com a sua lei e estabelecer a justiça na terra, o Senhor equipa o Estado com o poder da espada (Gn 9:5-6; Rm 13:3-4). O poder da espada é a autoridade de infligir punição sobre aqueles que violam a lei. É esse poder de reforçar a lei por meio de punição que é um terror para o ímpio e dessa forma, uma força restritora sobre o mal na sociedade (Dt 19:20; 21:21; Pv 21:11; Ec 8:11). Deus concede ao Estado o direito de requerer o pagamento de compensação e restituição (Êx 21:18-19, 22; 22:1, 8-9), de infligir punição corporal (Dt 25:1-3, 21; Pv 19:29; 20:30; 26:3), e executar aqueles que são dignos de morte (Êx 21:12-17; Dt 19:12-13, 16-21). É importante observar que a lei de Deus não especifica o aprisionamento como uma forma de punição para os criminosos. Isso tem sérias implicações para uma nação que tem feito do encarceramento sua forma primária de punição. Agora a pergunta óbvia e pertinente é esta: quando o Estado deveria usar este poder da espada? Quais ações dos homens o Estado deveria punir, e como deveriam essas ações (crimes) ser punidas? Essas são as questões centrais de penologia. Todo sistema de ética deve definitivamente abordar essas questões. Por qual padrão deveria o Estado definir crime e a justa punição para crimes particulares? O Estado tem autonomia para determinar essas questões por si mesmo? A Escritura responde enfaticamente: não! O Senhor Deus que deu ao Estado o poder da espada deu também revelação específica na Bíblia sobre como e quando o Estado deveria usar esse poder. Onde na Bíblia ele revelou essas coisas? Ele as revelou nos códigos da lei civil de Israel. Nos estatutos civis e nas jurisprudências do Antigo Testamento, Deus revela as demandas da lei moral em termos da justiça civil. Por toda a lei do Antigo Testamento o magistrado civil será instruído quanto a qual pecado (mal) ele deverá punir, e como deverá puni-lo. É importante esclarecer que todos os crimes são pecados, mas nem todos os pecados são crimes puníveis pelo Estado. A lei de Deus revelada por meio de Moisés e os Profetas apresenta os padrões de crime e punição que todas as nações deveriam seguir (Dt 4:6;
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Sl 2:10-12; Pv 8:15; 28:4). Ao discernir a “equidade geral”11 revelada na lei civil de Israel, o Estado será instruído em como formular suas próprias leis de acordo com a lei moral de Deus. Rejeitar as leis do Antigo Testamento que lidam com a justiça civil é deixar o Estado sem nenhum padrão escrito objetivo para cumprir o seu mandato dado por Deus. Daria Deus ao Estado o poder terrível da espada, e então falharia em dar ao Estado instruções específicas sobre como e quando usar essa espada? Se você rejeita a lei civil do Antigo Testamento como o padrão, então sua resposta deve ser sim. O fator perturbador é que muitos cristãos negam que Deus pretenda que as nações sejam obrigadas aos princípios de justiça revelados na lei civil de Israel. Antes, esses cristãos substituiriam o padrão da lei escrita de Deus pelo padrão da lei natural. Esse pode parecer a muitos ser o padrão mais aceitável para as nações, mas a substituição da lei bíblica pela lei natural levanta inúmeras questões importantes que os proponentes da lei natural precisam responder. Em primeiro lugar, onde na Bíblia é ensinado expressamente, ou mesmo por implicação, que o governo civil é subordinado somente à lei natural, e não aos padrões justos da lei bíblica? Se Deus se agradou em trazer a revelação da sua santa Palavra a uma nação, não considerará ele também essa nação responsável por governar de acordo com os padrões de justiça que fez conhecido nessa Palavra? Em segundo lugar, visto que a lei natural e a lei bíblica são na verdade a revelação da mesma lei moral por meio de canais diferentes, por que escolher o canal inadequado da lei natural em vez da revelação perfeita e infalível da Escritura? Por que escolher a lei natural que não revela nada sobre a natureza do governo civil, ou o uso e limites do poder do Estado, em vez da Palavra de Deus que dá essas orientações? Alguns podem responder dizendo que vivemos numa sociedade secular que não aceita a autoridade ou os padrões éticos da lei bíblica. Contudo, se a lei natural e a lei bíblica são a revelação da mesma lei moral, como os padrões éticos da lei natural serão de alguma forma mais fáceis para o incrédulo aceitar do que os padrões éticos da Bíblia? Se não existe nenhuma esperança que uma sociedade pluralista aceitará o padrão da lei bíblica, que base existe para esperar que tal cultura humanista chegará a um entendimento verdadeiro e comum sobre o que constitui a lei natural? Em terceiro lugar, por que deveriam os cristãos entregar a “espada” da Palavra de Deus para o conceito esquivo da lei natural em nossa batalha para estabelecer a justiça em nossa nação? Qual possível vantagem existe em deixar de lado a poderosa Palavra do Deus vivo à
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“Equidade geral” refere-se aos princípios universais e transculturais de justiça que formam a base para a lei civil do Antigo Testamento. Bahnsen define a “equidade geral” como “uma expressão usada por teólogos Reformados ou Puritanos para denotar a substância fundamental, o princípio ou ponto de uma lei – em distinção ao caso específico ou cenário cultural mencionado por ela.” By This Standard, p. 355.
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medida que buscamos chamar essa nação ao arrependimento e ao seu dever de “servir ao Senhor com temor… e beijar o Filho” (Sl 2:10-12)? Em quarto lugar, qual padrão da ética social e política deveria um magistrado civil usar para guiá-lo nas decisões e julgamentos que deve tomar como ministro de Deus, a lei bíblica ou a lei natural? O magistrado civil deve usar a Bíblia para a sua ética pessoal e ética familiar, mas então deixar a Bíblia de lado quando diz respeito ao seu ofício de magistrado civil? Os cristãos que propõem a lei natural como a regra para a ética social e política precisam fornecer as respostas bíblicas para as questões acima. Os cristãos defensores da lei natural também precisam fornecer uma refutação bíblica às palavras discernidoras de Symington: É o dever das nações, como súditos de Cristo, tomar a Lei de Cristo como sua regra. Elas são propensas a pensar que é suficiente que tomem, como seu padrão de legislação e administração, a razão humana, a consciência natural, a opinião pública ou a conveniência política. Nenhum desses, contudo, nem de fato todos eles juntos, podem fornecer um guia suficiente nas questões do Estado. Sem dúvida, as nações pagãs, que não possuem a vontade revelada de Deus, devem ser governadas pela lei da natureza: mas essa não é boa razão pela qual aqueles que têm uma revelação da vontade divina deveriam se restringir ao uso de uma regra imperfeita. É absurdo afirmar que, porque a sociedade civil está fundamentada na natureza, os homens devem ser guiados, na direção de suas questões e na consulta de seus interesses, unicamente pela luz da natureza… A verdade é que a revelação é dada ao homem para suprir as imperfeições da natureza; e nos restringir à última, e renunciar a primeira, em todo caso no qual ela é competente para nos guiar, é ao mesmo tempo condenar o dom de Deus e destruir o fim para o qual foi dada. Afirmamos, então, que a Bíblia deve ser a nossa regra, não somente em questões de natureza puramente religiosa, em questões relacionadas com consciência e adoração a Deus, mas em questões de natureza civil e política também. Dizer que em tais questões não temos nada a ver com a Bíblia, é manter o que é manifestadamente impossível. Requerer que as nações, que possuem o sagrado volume, se confinem, em suas questões políticas, à luz turva da natureza, não é mais absurdo do que requerer que os homens, quando o sol está nos céus, ignorem o seu esplendor e sigam para os seus deveres ordinários pelos raios débeis de uma vela fina. De fato, se as nações são súditos morais, elas estão obrigadas a regular sua conduta pelas leis que o seu Governador moral se agradou em lhes dar; e como elas são súditas do Mediador, elas devem estar sob a lei do Mediador contida nas Escrituras. Ele não colocou seus súditos morais em ignorância de sua vontade, nem permitiu que a procurassem no meio das obscuridades
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e imperfeições de uma lei que o pecado mutilou e desfigurou. Nas Sagradas Escrituras da verdade, ele lhes deu uma exibição mais legível e completa dos princípios da justiça imutável e eterna, do que aquela que é encontrada na lei da natureza.12 A teonomia rejeita a afirmação que a lei natural deveria ser o padrão, e ensina que as nações são obrigadas a princípios universais e imutáveis de justiça revelados na lei civil de Israel. A lei do Antigo Testamento é um modelo de justiça para toda esfera da vida, incluindo a esfera civil (Dt 4:68). Portanto, a penologia revelada na lei civil de Israel deveria ser a regra para a lei civil hoje. As punições prescritas na lei perfeita do Senhor (Sl 19:7) estabelecem a justiça perfeita. O próprio Novo Testamento declara que todas as penalidades designadas para a violação da lei civil de Israel eram apenas “a justa retribuição” (Hb 2:2). O Senhor não violou o princípio de justiça lex talionis (“olho por olho”, confira Êx 21:24-25; Dt 19:21),13 que ele ordenou os juízes seguir, quando estabeleceu as sanções penais da lei civil de Israel. As penalidades não eram muito severas, nem muito tolerantes. Na lei de Deus a punição sempre equivale ao crime. Não somente a lei de Deus estabelece os deveres e funções dos magistrados civis, mas também estabelece as qualificações necessárias para aqueles que governarão na esfera civil: “E tu dentre todo o povo procura homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que odeiem a avareza; e põe-nos sobre eles por maiorais de mil, maiorais de cem, maiorais de cinquenta, e maiorais de dez” (Êx 18:21). Se uma nação há de conhecer a benção da retidão e justiça sob a lei de Deus, seus governadores devem ser homens que abertamente temam a Deus e sirvamno como seus ministros (2 Sm 23:3; Rm 13:1-6), submetendo-se à sua lei em todos os seus deveres e decisões. Buscar estabelecer leis justas sem levar em consideração a condição espiritual dos homens que legislam e reforçam as leis é um exercício em futilidade. Há perfeita harmonia, contudo, na lei do Senhor: ela insiste sobre leis justas e homens justos. Dessa forma, assim como não temos nenhum direito à autonomia ao fazer nossas leis civis, da mesma forma não temos nenhum direito à autonomia na escolha de nossos líderes civis. A lei de Deus requer que escolhamos apenas homens que sejam sábios e capazes, que conheçam as Escrituras, e que temam a Deus e honrem a Jesus Cristo, confessando-o publicamente como Rei dos reis e Senhor dos senhores (Êx 18:21; Dt 1:13; 17:15; Sl 2:10-12; Ap 1:5; 19:16).
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William Symington, Messiah the Prince (Edmonton: Still Waters Revival Books, 1990, reprint of 1884 ed.), pgs. 234-235. 13 Lex talionis, ou a lei da retaliação, era uma fórmula legal para os juízes, e não uma sanção para vingança pessoal (Mt 5:38-42). Essa prescrição legal ensina que a punição deve ser proporcional à natureza do crime. Isso impôs limites estritos sobre a punição que poderia ser desproporcional.
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A teonomia também afirma que a verdadeira liberdade civil pode ser conhecida somente numa nação onde a lei de Deus seja o padrão para a lei civil. Isso porque a verdadeira liberdade no mundo de Deus não é liberdade para fazer o que lhe agradar (autonomia), mas liberdade para fazer o que é certo e bom (teonomia). A lei de Deus apresenta o caminho da justiça; dessa forma, ela é a lei perfeita de liberdade (Tg 1:25). O salmista disse: “E andarei em liberdade; pois busco os teus preceitos” (Sl 119:45). A lei é a verdade de Deus, e é a verdade que nos liberta (Sl 119:142; Jo 8:31-32). A lei humanista, que é baseada na mentira, promove a iniquidade, e esse é o caminho da prisão e morte (Jo 8:34; Pv 14:12). Adicionalmente, a lei de Deus promove a liberdade civil definindo os limites do poder do Estado. O Estado não pode controlar ou legislar onde ele não tem garantia bíblica.14 O magistrado deve permanecer dentro dos limites de sua autoridade legítima. O indivíduo, a família e a igreja devem ser livres da opressão de um Estado injusto, para que possam cumprir suas responsabilidades diante de Deus. Da mesma forma, a lei de Deus dá aos cidadãos um padrão pelo qual possam julgar as ações do Estado. Se o Estado ultrapassa os seus limites, os cidadãos estão justificados em resistir à tirania do Estado (At 4:19; 5:29; Mt 22:21). Sem a medida da lei de Deus, os cidadãos nunca podem estar seguros sobre quando o Estado deve ser resistido. A teonomia não prega violência ou insurreição, mas resistência de acordo com a lei de Deus. Os teonomistas defenderiam o princípio de interposição que é esse: quando um povo está sendo oprimido e roubado de seus direitos por um governo ou magistrado tirano, eles não deveriam escolher o caminho da resistência ou rebelião individual, mas deveriam buscar um magistrado ou magistrados num nível intermediário de governo que os conduziria em sua resistência. O magistrado ou nível de governo inferior se interporia entre o povo e o alto poder opressor. A anarquia nunca é abençoada por Deus. Ela é o caminho da carne e do mundo. Todos os movimentos de resistência deveriam estar sob um magistrado apropriadamente designado. Além do mais, a teonomia defenderia o uso dos Salmos Imprecatórios como um meio bíblico de trazer o julgamento de Deus sobre os governadores ímpios, de forma que ou eles se arrependam, ou sejam removidos do seu ofício e homens justos colocados em seu lugar (confira Sl 7; 35; 58; 59; 69; 83; 109; 137; 139; também confira Jr 10:25; 17:18; 18:18-23). A teonomia também defende a separação da igreja e o Estado. A igreja e o Estado são instituições distintas, cada uma tendo o seu próprio ministério claramente definido por Deus. O Estado é um ministro de justiça civil para assegurar os direitos dos seus cidadãos e para punir os malfeitores 14
O Estado, por exemplo, não tem autoridade para controlar a educação ou a economia, nem para redistribuir a riqueza de seus cidadãos de acordo com algum esquema de “justiça econômica” ou bem-estar social.
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(Dt 19:13; 25:1-2; Rm 13:1-4; 1 Pe 2:14). A igreja é um ministro de graça através da pregação da Palavra de Deus e a administração dos sacramentos (Mt 28:19-21; 26:26-28; 1 Tm 3:15; 4:13). O Estado não deve controlar (governar) a igreja, nem deve a igreja controlar (governar) o Estado. Contudo, ambos, igreja e Estado, devem agir sob a autoridade e lei de Cristo; ambos, igreja e Estado, devem servir ao reino de Deus cumprindo suas respectivas comissões; ambos devem assistir um ao outro e influenciar um ao outro para o bem. O Estado deve proteger a igreja dos ímpios, e fornecer a tranquilidade e liberdade doméstica que capacitará a igreja a cumprir o seu chamado sem perturbação ou temor (1 Tm 2:2; Is 49:23). O Catecismo Reformado Presbiteriano (1949) afirma: “O Estado serve ao interesse da igreja quando, reconhecendo a independência da Igreja, exerce sua autoridade para preservar a moral pública e honrar a verdadeira religião.” A Declaração de Savoy (1658), uma Confissão Reformada que apresenta a “Fé e Ordem possuídas e praticadas nas Igrejas Congregacionais na Inglaterra”, nos fornece uma declaração útil sobre a relação das autoridades civis para com a igreja: Embora deva o magistrado encorajar, promover e proteger aqueles que professam o evangelho, bem como a própria profissão do mesmo, e administrar e ordenar entidades civis conforme a subserviência devida aos interesses de Cristo neste mundo, e, para tal, cuidar para que homens de mentes e condutas corruptas não publiquem nem divulguem de maneira licenciosa blasfêmia e erros, que, por natureza, subvertem a fé e destroem inevitavelmente as almas daqueles que os recebem; contudo, naquelas diferenças acerca das doutrinas do evangelho, ou acerca de maneiras de cultuar a Deus, conforme pode ocorrer a homens que exerçam uma boa consciência, manifestando a mesma em sua conduta, e retendo o fundamento sem perturbar outros em seus costumes diferentes ou culto diferente, não há, sob o evangelho, nenhuma autorização que permita que o magistrado os prive de sua liberdade. (24:3) A igreja deve ensinar ao Estado os princípios da Palavra de Deus pelos quais o Estado deve ser governado. A igreja tem a função profética de repreender o Estado quando este se aparta da lei de Deus e chamar o magistrado civil de volta aos caminhos da justiça (Is 10:1-2; Am 5:10-12; 2 Sm 12:1-14; Jr 1:9-10; Mc 6:18). A igreja deve preparar homens em caráter e conhecimento para serem magistrados eficazes e piedosos. A igreja deve fornecer o fundamento para uma sociedade justa e livre evangelizando e discipulando os cidadãos na fé cristã, e ensinando-lhes a pagar seus impostos e dar todo o devido respeito e obediência às autoridades civis sobre eles (Rm 13:1, 7; 1 Pe 2:13-14; Mt 22:21).
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A teonomia condena fortemente a visão secular atual da separação da igreja e do Estado, que na verdade promove a separação do Estado e de Deus e a autoridade de sua lei. Essa perversão secular da doutrina bíblica da separação institucional da Igreja e do Estado é na verdade uma tentativa do homem autônomo deificar o Estado, e fazer da palavra do Estado a lei da nação em lugar da Palavra de Deus, que deveria ser a lei da nação (Sl 2:10-12). Finalmente, que seja claramente conhecido que a teonomia não crê na salvação por meio da política. A teonomia é uma doutrina de ética. Ela ensina o padrão ético que deveria governar uma nação e sua lei civil. Mas a esperança teonomista para trazer uma nação em conformidade à lei de Deus não está na política ou nos políticos, mas em Jesus Cristo somente! A salvação num nível pessoal e nacional é do Senhor (Is 33:22). É somente por meio da vontade e poder soberano do Deus trino que um povo pode abandonar os seus pecados e se tornar uma sociedade justa e temente a Deus, que honre ao Senhor Jesus Cristo e guarde a sua lei. A evangelização dos perdidos e a edificação dos crentes são essenciais para qualquer verdadeira reforma nacional. Além do mais, os teonomistas creem que a reforma é necessária em todos os níveis, não apenas no governo civil. A teonomia lança um chamado profético a indivíduos, à família, à igreja e ao Estado para se arrependerem e reconhecerem Cristo como senhor e sua lei como a regra suprema de ética. A teonomia busca reformar a política, mas não procura uma reforma por meio da política. O humanista confia no “Estado messiânico” para salvar a ele e a sua sociedade. O teonomista coloca a sua fé no Messias.
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Unidade 8 – 7 razões a favor da Teonomia As unidades anteriores tentaram fornecer uma base, uma definição e uma descrição não-técnica da ética teonômica. Nesta última unidade, você será desafiado a responder ao que tem sido lhe apresentado neste livro fazendo uma decisão pela teonomia. Espero que você já tenha sido convencido que a teonomia é o sistema de ética ensinado na Escritura. Espero que você já tenha visto como essa teonomia é simplesmente a extensão consistente do Sola Scriptura para a esfera da ética. Espero que você já tenha sido induzido a abraçar a lei de Deus, como revelada na Escritura, como sendo o padrão supremo para determinar o certo ou errado de todo e qualquer comportamento humano. Se você já foi convencido (ou se já estava antes de estudar esta apostila) da verdade da teonomia, então este último capítulo servirá para solidificar sua resolução em viver de acordo com a lei de Deus e encorajar outros a fazer o mesmo. Considere cuidadosamente as sete razões seguintes pelas quais todo cristão e toda igreja deveria abraçar de coração a teonomia. A teonomia glorifica a Deus Nosso maior propósito na vida é glorificar a Deus. Glorificamos a Deus quando pensamos e vivemos de uma forma que Ele seja honrado acima de tudo o mais e receba a glória devida ao seu nome. A teonomia glorifica a Deus por exaltá-lo ao seu lugar apropriado como o Criador e Rei soberano de toda a terra. A teonomia declara que “o Senhor é o nosso Juiz; o Senhor é o nosso legislador; o Senhor é o nosso rei” (Is 33:22)! A teonomia é uma abordagem à ética completamente teocêntrica. Ela magnifica somente a lei de Deus, e condena totalmente a mentira de Satanás que os homens podem ser os seus deuses e determinar o bem e o mal por si mesmos (autonomia). A teonomia glorifica a Deus reconhecendo e proclamando que a própria natureza de Deus é a fonte da lei moral que obriga todos os homens em todos os lugares (1 Pe 1:14-16). Deus é a fonte de todas as coisas, incluindo a lei moral. A teonomia ensina que tudo o que é justo, bom e verdadeiro vem de Deus (Tg 1:17). Além do mais, a teonomia glorifica a Deus exaltando sua Palavra como o padrão de ética todo-suficiente, infalível e último. Os teonomistas amam declarar que a lei escrita do Senhor é perfeita! Todo outro sistema de ética de alguma forma difama a glória de Deus, mas a teonomia glorifica plenamente a Deus exaltando sua natureza santa, autoridade soberana e Palavra escrita. A teonomia apresenta o verdadeiro dever do homem A teonomia se foca no tema bíblico central que o homem é responsável por obedecer a Deus (Ec 12:13-14). Ela confronta sem embaraço o homem autônomo moderno com o chamado para obedecer à lei de Deus e adverte
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os homens das consequências terríveis de falhar em assim fazê-lo. A teonomia prega o evangelho bíblico de arrependimento do pecado e fé no Senhor Jesus Cristo, deixando claro a todos que seguir a Jesus Cristo significa um comprometimento de se esforçar para andar em completa obediência à lei de Deus. A teonomia permanece em oposição definida ao espírito prevalecente de antinomianismo na igreja hoje. Ela desafia uma igreja mundana e desobediente a se arrepender, retornar à lei de Deus como o padrão de viver santo, e pregar a lei bíblica do púlpito. A teonomia não tem medo de confrontar o cristão moderno com as palavras do apóstolo João: “Aquele que diz: Eu conheço-o, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade” (1 Jo 2:4). A teonomia não permite nenhuma concessão na ética. Sua mensagem é direta e clara: “Diligentemente guardareis os mandamentos do Senhor vosso Deus, como também os seus testemunhos, e seus estatutos, que te tem mandado” (Dt 6:17). Não é surpreendente, então, que a teonomia tem encontrado hostilidade tanto no mundo como na igreja antinomista. Todavia, os teonomistas não são desencorajados por isso, pois não buscam ser populares, mas fiéis ao Senhor Deus, confiando que ele honrará, em seu próprio tempo e da sua forma, o ensino e pregação fiéis da sua santa lei. Os teonomistas veem em Esdras um homem piedoso, e buscam seguir seu exemplo digno: “Porque Esdras tinha preparado o seu coração para buscar a lei do Senhor e para cumpri-la e para ensinar em Israel os seus estatutos e os seus juízos” (Ed 7:10). A teonomia não se distrai com questões inferiores, mas vai direto ao cerne da questão, e ensina que o verdadeiro dever do homem é obedecer a lei de Deus. A teonomia é a verdadeira ética de amor Muitos exaltam o amor como a virtude mais sublime, e portanto, fazem do amor o princípio norteador de ética. “Faça o que o amor exigir”, somos informados. Mas o que isso significa, e como devemos determinar o que o amor verdadeiramente exige? A ética autônoma do amor fracassa porque não pode dar uma direção concreta quanto ao que o amor exige, e deixa que as pessoas decidam por si mesmas. Uma ética indefinida de “amor” é tão útil quanto um sistema ético que meramente instrui as pessoas a serem “boas”. A teonomia articula a verdadeira ética do amor porque não somente chama os homens a amarem a Deus e o seu próximo, mas ensina também a verdadeira conduta de amor, isto é, o verdadeiro padrão de amor. O Senhor Jesus ensinou que os dois maiores mandamentos na lei eram os mandamentos nos instruindo a amar a Deus de todo o nosso coração, e amar o nosso próximo como a nós mesmos (Mt 22:37-40). Mas como expressamos o nosso amor a Deus e aos outros? A Bíblia diz que amamos a Deus quando guardamos os seus mandamentos (Jo 14:15; 1 Jo 5:3; Dt 10:12-13). A lei bíblica nos instrui sobre como amar a Deus! A lei nos
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apresenta a natureza santa de Deus, e nos educa sobre como adorar e servir ao Senhor da forma que lhe agrada. Além do mais, a Palavra de Deus declara que amamos ao nosso próximo quando o tratamos da forma que a lei de Deus nos manda tratá-lo (Rm 13:8-10; 1 Co 13:3-8; Gl 5:13-14). O amor verdadeiro não prejudica outra pessoa, mas faz aquelas coisas que realmente ajudam a satisfazer as necessidades da outra pessoa. Portanto, a lei de Deus é o padrão de amor pois a lei nos ensina como agradar a Deus, e fazer o bem ao nosso próximo. Uma ética de amor que não esteja fundamentada na lei bíblica é uma ética baseada numa visão humanista de amor, que frequentemente torna-se não mais que uma casca para a luxúria. A teonomia é a verdadeira ética de amor pois está baseada na lei de Deus. Como Paulo diz, “o cumprimento da lei é o amor” (Rm 13:10). A teonomia é a resposta apropriada à graça A Bíblia ensina claramente que a obediência a Deus é a única resposta apropriada à sua graça. Deus nos redime do cativeiro do pecado, de forma que possamos ser o seu povo e servi-lo zelosamente guardando os seus mandamentos (Êx 19:4-6; 20:1-2; Ef 2:10; Tt 2:14). Aqueles que foram justificados pela fé devem se apresentar totalmente a Deus como uma oferta de gratidão por sua salvação graciosa: Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus. (Rm 12:1-2) Quando Paulo chama os crentes a provarem a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, ele está exortando-os a viver de acordo com a lei de Deus que é boa (Rm 7:12, 16), agradável (Ef 5:8-10) e perfeita (Sl 19:7). Antes da salvação éramos os servos do pecado, mas agora que fomos justificados pela graça, nos tornamos os servos da justiça (Rm 6:16-23; Jo 8:34-35); isto é, devemos servir a Deus e obedecer à sua lei que é a verdadeira regra de justiça. Paulo proclama a resposta apropriada à graça quando diz: “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente” (Tt 2:11-12). Onde devemos aprender como viver sóbria, e justa, e piamente, senão na lei de Deus? Portanto, é evidente que a teonomia é a única resposta apropriada à graça.
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A teonomia é o caminho da bênção A bênção de Deus é prometida àquele que guarda a lei de Deus. E o salmista diz: “Bem-aventurados os retos em seus caminhos, que andam na lei do Senhor. Bem-aventurados os que guardam os seus testemunhos, e que o buscam com todo o coração” (Sl 119:1-2); e, “Bem-aventurado o homem que teme ao Senhor, que em seus mandamentos tem grande prazer” (Sl 112:1). O Senhor Jesus ensinou, “bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a guardam” (Lc 11:28). O apóstolo declara, “bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos” (Ap 22:14; confira Sl 1:1-3, 6). No sentido bíblico, uma “bênção” é um dom da graça divina que traz alegria e conforto, prosperidade e força. E como os textos acima ensinam, a bênção de Deus está sobre aquele que anda na lei do Senhor. Demonstramos que a obediência a Deus é acompanhada pela bênção de Deus com base em dois fatores. Primeiro, a própria lei é um dom da graça dado para o nosso bem (Dt 10:13). A lei é um manual para viver a “boa vida” no mundo criado por Deus. Guardando a lei nós andamos em harmonia com a ordem moral estabelecida por Deus para sua criação. A lei instrui aqueles feitos à imagem de Deus sobre como dominar apropriadamente o mundo criado por Deus (Gn 1:27-28). Segundo, Deus está a favor daquele que guarda a lei, e contra aquele que a transgride (Dt 7:9-10; Êx 20:5-6). O rico favor de Deus está sobre seu filho obediente. O poder e presença de Deus são manifestos na vida daqueles que amam ao Senhor e sua lei. O Senhor “conhece” o caminho do justo, mas o caminho do transgressor é difícil, terminando em destruição e ruína (Sl 1:6; 37:38; Pv 13:15). A bênção de Deus é também prometida à nação que honra ao Senhor e vive por sua lei (Sl 33:12). A justiça (isto é, viver de acordo com os padrões morais da lei de Deus) exalta uma nação, mas o pecado (isto é, transgressão da lei de Deus) trará vergonha e desgraça a um povo (Pv 14:34). Se uma nação e os seus líderes honrarem a Jesus Cristo como seu Soberano, e servirem-no com temor piedoso, dizendo a ele, “Seja tu nosso Governador, Guardião, Guia e Proteção, tua Palavra nossa lei, teus caminhos nossa vereda escolhida”, então essa nação será abençoada; mas se não, a ira de Deus se acenderá e essa nação perecerá (Sl 2:9-10). Como a bênção de Deus reside sobre o Estado que segue a sua lei, assim sua maldição reside sobre o Estado que rejeita os seus estatutos (Dt 28:1-68; Is 5:22-24). A Escritura diz: “Os ímpios serão lançados no inferno, e todas as nações que se esquecem de Deus” (Sl 9:17). Devemos entender que o repúdio da lei de Deus não somente significa a perda de sua bênção, mas também a recepção de sua maldição: Ai dos que puxam a iniquidade com cordas de vaidade, e o pecado com tirantes de carro!… Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem
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mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo! Ai dos que são sábios a seus próprios olhos, e prudentes diante de si mesmos!… Por isso, como a língua de fogo consome a palha, e o restolho se desfaz pela chama, assim será a sua raiz como podridão, e a sua flor se esvaecerá como pó; porquanto rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos, e desprezaram a palavra do Santo de Israel. (Is 5:18, 20-21, 24) Dois caminhos são postos diante de cada homem, e cada um deve escolher que caminho tomará: “Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” (Dt 30:19). Visto que a teonomia ensina a obediência a toda a lei de Deus, esse certamente é o caminho da bênção. A teonomia é o caminho da vitória O cristão como um indivíduo, e a igreja como o corpo de Cristo, estão ambos em guerra com o mundo, a carne e o diabo. A teonomia sustenta que, se haveremos de triunfar sobre esses inimigos, devemos buscar e guardar a lei de Deus (Lv 26:3-8, 17, 25; Dt 11:22-25; 28:7, 33, 48-52, 68). A guerra de Israel com os canaanitas para conquistar a terra e estabelecer o reino de Deus em Canaã é um tipo da guerra da igreja com os inimigos de Deus para conquistar o mundo e estabelecer o reino de Cristo em toda nação. A fórmula para a vitória que Deus revelou a Josué no dia da invasão de Canaã dá à igreja instruções vitais para vitória sobre os nossos inimigos hoje: Esforça-te, e tem bom ânimo; porque tu farás a este povo herdar a terra que jurei a seus pais lhes daria. Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo, para teres o cuidado de fazer conforme a toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que prudentemente te conduzas por onde quer que andares. Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido. Não to mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; não temas, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares. (Js 1:6-9) A fórmula para vitória é clara: coragem e obediência a todos os mandamentos de Deus! Além do mais, Paulo nos diz que devemos tomar toda a armadura de Deus se haveremos de triunfar sobre Satanás e os seus seguidores (Ef 6:1018). Ora, é muito evidente que a lei de Deus é parte dessa armadura! A lei
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é verdade; a lei é justa; a lei é essencial para a pregação do evangelho; e a lei é a Palavra de Deus! Sem a lei de Deus nossa armadura espiritual é seriamente debilitada! Não é de maravilhar que a igreja antinomista de hoje está seriamente conquistada pelo mundo, a carne e o diabo! A lei de Deus também nos faz mais sábios que os nossos inimigos (Sl 119:98). Através da lei adquirimos a sabedoria de Deus que nos capacita a confundir a sabedoria do mundo, e a destruir todas as fortalezas da mentira de Satanás que o homem é o seu próprio deus, capaz de determinar o bem e o mal por si mesmo (2 Co 10:4-5). A obediência à lei de Deus nos assegura da presença de Deus quando saímos para a guerra (Sl 1:2-3). A teonomia é sem dúvida o caminho da vitória. Possa a igreja restaurar essa parte da armadura de Deus, e levantar-se pelo poder de Deus para conquistar todos os inimigos da verdade e justiça! A teonomia é o caminho do reavivamento e reforma Há muita conversa hoje sobre a necessidade de um reavivamento na igreja que levará a uma verdadeira reforma em todos os aspectos da vida. Na discussão sobre como acontecerá tal reavivamento, o ingrediente primário mencionado é a oração. Ora, é absolutamente correto que a oração é a chave para o reavivamento, mas a oração é suficiente? Um estudo dos grandes reavivamentos no Antigo Testamento é muito útil aqui. Nos reavivamentos do Antigo Testamento, a oração foi um fator chave (Ed 9:515; Ne 1:4-11). Contudo, não deve ser negligenciado que todo grande reavivamento no Antigo Testamento estava intimamente conectado com um retorno do povo de Deus à lei de Deus! O poderoso reavivamento e reforma sob Esdras e Neemias centrou-se na restauração da lei de Deus em Israel. Deus levantou Esdras para ensinar a lei (Ed 7:10; Ne 8:1-8); o povo foi humilhado e levado a se arrepender pela lei (Ed 10:3; Ne 8.9; 9:1-3); e o povo fez um pacto com Deus para guardar sua lei, e começaram a andar em obediência à lei (Ed 10:3; Ne 8:9ss). A queda de Israel aconteceu quando eles “se obstinaram, e se rebelaram contra ti, e lançaram a tua lei para trás das suas costas” (Ne 9:26); portanto, o propósito de Deus no reavivamento era restaurá-los, e trazê-los de volta à sua lei (Ne 9:29). O resultado dessa obra maravilhosa de Deus nos dias de Esdras e Neemias foi que o povo louvou a Deus e sua lei dizendo: “E sobre o monte Sinai desceste, e dos céus falaste com eles, e deste-lhes juízos retos e leis verdadeiras, estatutos e mandamentos bons” (Ne 9:13). Além do mais, eles “convieram num anátema e num juramento, de que andariam na lei de Deus, que foi dada pelo ministério de Moisés, servo de Deus; e de que guardariam e cumpririam todos os mandamentos do Senhor nosso Senhor, e os seus juízos e os seus estatutos” (Ne 10:29). O grande reavivamento e reforma sob o Rei Josias começou quando Hilquias o Sumo Sacerdote achou o livro da lei no templo e fez com que fosse lido ao rei. O resultado da redescoberta dos padrões justos da lei de
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Deus foi um grande arrependimento pelo rei e o povo, e toda a nação foi purificada da iniquidade e idolatria (2 Rs 22:8-23:25). Josias e o povo fizeram “a aliança perante o Senhor, para seguirem o Senhor, e guardarem os seus mandamentos, os seus testemunhos e os seus estatutos, com todo o coração e com toda a alma, confirmando as palavras desta aliança, que estavam escritas naquele livro” (2 Rs 23:3). Se há de haver um verdadeiro avivamento e subsequente reforma em nossos dias, devemos orar, nos arrepender e voltar à lei de Deus e obedecêla de todo o nosso coração (2 Cr 7:14). É a lei de Deus que nos humilhará e nos ensinará a andar em santidade. A reforma virá somente quando a igreja for levada a redescobrir a lei de Deus que está atualmente “perdida” e esquecida em nossas igrejas. A teonomia é um chamado à igreja para se arrepender, retornar à lei de Deus, e guardar a lei do Senhor com um amor zeloso por Cristo e o seu Reino; dessa forma, a teonomia é o caminho para o reavivamento e a reforma.
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Conclusão Teonomia é a visão da ética cristã que ensina que a lei de Deus como revelada no Antigo e Novo Testamento é o único padrão autoritativo de verdade e justiça, e que a Escritura é inteiramente suficiente para nos instruir na justiça em cada esfera da vida. A Palavra de Deus é o único padrão aceitável para julgar o certo e errado de qualquer e todo comportamento humano. A tenomia ensina que o motivo correto da ação humana é o amor por Deus e pelo homem; que o padrão da ação humana é a Palavra de Deus; e que o fim ou propósito da ação humana é a glória de Deus. A teonomia, como um sistema de ética estritamente bíblico, se opõe a todas as formas de autonomia ética; vê a lei natural como uma regra de ética insuficiente; repudia todas as formas de antinomianismo e legalismo; defende uma interpretação e aplicação cuidadosa da lei; e sustenta que a lei de Deus deveria ser o padrão para a vida social e política de toda nação. Teonomia, como uma formulação estritamente bíblica de ética, glorifica a Deus; apresenta o verdadeiro dever do homem; é a verdadeira ética do amor; é a resposta apropriada à graça; é a vereda da bênção; é o caminho da vitória; e é o caminho do reavivamento e reforma. Em essência, a teonomia é a aplicação consistente e fiel do princípio da Reforma do Sola Scriptura à questão da ética. Pode haver algumas diferenças em alguns pontos entre aqueles que aderem à ética teonômica, mas todos os teonomistas diriam com a Confissão de Fé Escocesa que a lei de Deus é “a mais justa, a mais imparcial, a mais santa e a mais perfeita”. A essência da teonomia é um amor por Deus e sua lei, e um desejo de ordenar tudo da vida de acordo com os mandamentos de Deus. Possa Deus conceder a cada um de nós a graça para declarar alegremente com o salmista, “Oh! quanto amo a tua lei!” De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau. (Ec 12:13-14) Soli Deo Gloria Glória somente a Deus Bibliografia Ética e a lei de Deus - William O. Einwechter Fé e Obediência - Rousas Rushdoony A Lei de Deus no Mundo Moderno - Kenneth L. Gentry Jr.
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