História do Cristianismo 1 (Período antigo à reforma)
Prof.º LUCAS ROBERTO
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Sumário Unidade 1 – Contexto histórico/social da Igreja Primitiva .......... 01 Unidade 2 – Período Antigo – Séc. I (1 a 100) ............................. 15 Unidade 3 – Período Antigo – Séc. II (101 a 200) ........................ 25 Unidade 4 – Período Antigo – Séc. III (201 a 300) ....................... 35 Unidade 5 – Período Antigo – Séc. IV (301 a 400) ....................... 40 Unidade 6 – Concílio de Nicéia .................................................. 48 Unidade 7 – Escolas de interpretação e a disputa pelagiana – Sécs. III e V ....................................................................................... 55 Unidade 8 – Baixa Idade Média – Sécs. V – VII (476 – 700) ......... 64 Unidade 9 – Baixa Idade Média – Sécs. VIII – XI (701 – 1054) .... 73 Unidade 10 – Alta Idade Média – Sécs. XI – XII (1054 – 1200) .... 81 Unidade 11 – Alta e Fim da Idade Média – Sécs. XIII – XV (1200 – 1453) ....................................................................................... 88 Unidade 12 – Os Pré-reformadores e a Renascença ................... 98
Unidade 1 – Contexto histórico/social da Igreja Primitiva O Estudo da História A História configura-se no campo de conhecimento que estuda o “tempo”, mais essencialmente, os acontecimentos e transformações ocorridos no tempo. Ou, melhor dizendo, história é o estudo do drama cósmico de Deus ao guiar todas as coisas para um fim específico: Ser glorificado ao Se revelar ao homem e redimí-lo. Portanto, a história deve ser teorreferente (tendo Deus como referência) e teocêntrica (tendo Deus como o centro). Um dos termos da língua grega para a palavra “tempo” é cronos – do qual advém cronologia, que trata das temporalidades históricas. Essas temporalidades são classificadas para melhor demarcar os períodos históricos, convencionalmente estabelecidos em: antigo, medieval, moderno e contemporâneo. Para definição dessas escalas temporais, que indicam quando começa e quando termina uma temporalidade, são propostos alguns marcos ou acontecimentos representativos. Classicamente, têm sido usados alguns símbolos demarcatórios: Período antigo - da invenção da escrita, em cerca de 3 mil a.C., até a queda do Império Romano no Ocidente, no século 5 d.C.; Período medieval – do fim do Império Romano no Ocidente até o fim do Império Romano no Oriente, no século 15, quando em 1453 os muçulmanos tomaram a cidade Constantinopla (capital do referido Império); Período moderno – pós a tomada de Constantinopla até a Revolução Francesa, em 1789; Período contemporâneo – da Revolução Francesa aos dias atuais. Fica caracterizado, pelos episódios indicados acima, que os critérios usados são indicativos de mudanças (com dimensões geralmente políticas e/ou sociais). Vale ressaltar, entretanto, que isso é algo simbólico, pois não significa que abruptamente um período termina e começa outro; um determinado período continua existindo ou se estendendo na temporalidade do outro, naquilo que em História se chama de “continuidades” ou “permanências”. Também é preciso dizer que outros critérios podem ser usados para dividir uma temporalidade e outra. Estudar a trajetória do movimento cristão nos períodos antigo e medieval significa incursão em temáticas historicamente riquíssimas, como por exemplo: o contexto em que viveram os primeiros cristãos; as relações de conflito com o Império Romano e posterior vinculação do cristianismo com o próprio Estado; o advento do papado, a cristandade medieval; o surgimento do Islamismo e suas relações de tensão com territórios cristãos; fixação de dogmas e doutrinas, como o purgatório e a veneração de imagens; a organização da Inquisição; movimentos pré-reformistas; e a
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famosa Reforma Protestante, dentre outros. Nesta unidade introdutória e nas próximas aulas abordaremos um pouco deste plural cenário religioso. O Ambiente Greco-Romano em que surgiu o cristianismo Com a morte de Alexandre no século 4 a.C., e a queda do grande Império grego. Mantendo a influência da cultura e língua gregas, os romanos tornaram-se sucessores dos gregos em todos os lugares, passando a difundir os valores da então chamada cultura greco-romana (resultado da fusão entre as duas culturas) através da construção e manutenção desse poderoso império. No período em que se consolidou como imperador romano, nos anos 40 a.C., Otaviano estabeleceu uma ordem ansiada por muitos, por meio da chamada Pax Romana. A Pax Romana era um acordo de paz relativa, de poder ir e vir no Império Romano, não ter que adorar os deuses romanos e nem o próprio imperador (para os judeus). Isso se rompe a partir de 66 d.C, com a resistência Judaica (Zelotes e Sicários). As perseguições (que já existiam) se intensificam a partir daí, generalizando-se em 70 d.C. Utilizando-se do controle das legiões armadas, fez cessar os conflitos nas dimensões do império através do uso da força. Possuía um exército poderoso que lhe era fiel e, para tanto, precisava cobrar altas taxas tributárias para mantê-lo; distribuía alimentos como o trigo, na política que ficou conhecida como “pão e circo”; como contrapartida, nas festas por César, seus súditos deveriam oferecer-lhe aclamações e veneração. Otaviano decidiu elevar seu pai adotivo, Júlio César, à categoria de deus. Assim, passou a ser chamado de filho do Divino César. Em 12 a.C. recebeu o altíssimo cargo sacerdotal de “Pontifex Maximus”, título que significa, literalmente, “máximo/supremo construtor de pontes”, designava o sacerdote supremo do colégio dos sacerdotes do paganismo. Por meio de uma votação popular o senado lhe acrescentou ainda: “Augusto pater patriae” (Augusto, pai da pátria). O título Augusto, significa: majestoso, o exaltado, ou venerável. Com Augusto, passou-se a atribuir à figura do imperador um caráter “divino salvacionista”. Uma inscrição feita na Ásia menor, em 9 a.C., dizia: “Pode-se colocar o início do ano no aniversário de César, pois a divina providência trouxe à vida dos homens: paz, salvação, abolição de guerras. O dia do nascimento do deus foi para o mundo o início de boas notícias”. A unidade do império apresentava-se de maneira visível na figura do Imperador, que reunia na sua pessoa os principais cargos da antiga república romana. Pouco antes de morrer, Otaviano Augusto apresentou um relatório retrospectivo de sua política, destacando orgulhosamente os títulos que recebera como homenagem por sua clemência, justiça e piedade. No ano 14 d.C., ocorreu a morte de Augusto (aos 76 anos de idade). Seu filho adotivo Tibério logo assumiu o governo, com 56 anos. Sob o seu governo, Pôncio Pilatos foi constituído procurador da Judéia e da Samaria
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(26-36 d.C.) – Jesus morreu durante o seu reinado. Em 37 d.C., Calígula assumiu o governo, com 25 anos de idade: vida dissoluta e aspiração exagerada; quis exigir que sua estátua fosse colocada no templo de Jerusalém. Sua morte súbita, impediu a realização deste projeto. Em 41 d.C. foi morto numa revolta palaciana, pela guarda pretoriana. Esta proclamou Cláudio (tio de Calígula), como César (41-54). Cláudio se propôs a governar com responsabilidade. Aceitou a colocação de estátua de sua pessoa e de sua família em diversas praças das cidades, mas em uma carta detalhada, fazia a seguinte ressalva: “não aprovo a nomeação de um sumo sacerdote para o culto de minha pessoa, nem a construção de templos a mim dedicados (...) penso que um santuário são direito próprio dos deuses, competindo-lhes para sempre”. Em Roma, Cláudio, no ano 49, fez um decreto contra os judeus devido a conflitos surgidos entre eles. O testemunho do historiador antigo Suetônio – em sua obra Vidas dos Césares – apresenta as razões dessa medida adotada: “Expulsou os judeus de Roma, por que causavam agitação contínua, instigados por um certo Chresto”. Chresto seria uma referência a Cristo? As circunstâncias parecem denotar esta interpretação: a pregação sobre Jesus, anunciado como Cristo, o messias de Israel, teria provocado divisões e conflitos entre judeus, uma parte ligada ao judaísmo e outra já convertida ao cristianismo. O certo é que os judeus foram expulsos da cidade. Havia lá grande comunidade deles. Foram-lhe proibidos o culto e as reuniões nas sinagogas. Esse decreto também envolveu, portanto, os judeus-cristãos. Mais tarde Nero revogou esse edito. No ano 54 d.C., Cláudio foi envenenado por sua esposa Agripina, que o assassinou para entronizar seu filho Nero, fruto de seu primeiro matrimônio, adotado por Cláudio. Nero tinha apenas 17 anos, recebendo, por isso, auxílio de outros. Tornou-se depois descomedido: gostava de apresentar-se publicamente como artista; mandou matar sem escrúpulos quem se opusesse a ele; instigou a primeira perseguição contra os cristãos em Roma, incendiando a cidade em 64, culpando, por isso, os cristãos, perseguindo e condenando à morte os que eram presos. Tácito, historiador antigo, relata as atrocidades praticadas por Nero, mandando, inclusive, matar membros de sua família; suicidou-se em 68. Após sua morte, três generais foram proclamados simultaneamente seus sucessores: Galba (Espanha); Oto (Roma); Vitélio (Germânia). Nenhum dos três conseguiu aprovação de todo o império, o que tornava iminente uma nova guerra civil. Diante disto, Vespasiano (que estava com suas tropas na Palestina, e com o apoio delas, conseguiu apoderar-se do governo e estabelecer a ordem, em 69 d.C. Vespasiano impôs a renovação da instituição do “princips” criada por Augusto, assegurando assim a sucessão de seus filhos. Em 79, morre; seu filho Tito, o conquistador de Jerusalém – tornou-se imperador. Em 81, sucedeu-lhe o seu irmão Domiciano (81-96), procurava sublinhar seu poder absoluto; propagava em
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público a santidade de sua pessoa, deleitando-se com a aclamação do povo a si e à sua esposa no anfiteatro, no dia do grande banquete (“salve nosso Senhor e nossa senhora”); exigia de todos uma cega submissão às suas ordens; sufocava qualquer movimento de resistência; em 96, foi vítima de uma conjuração. Este é o imperador que ocupa o poder na época em que o livro do Apocalipse foi escrito. Após sua morte, operou-se uma mudança, o senado elegeu como imperador um descendente de uma antiga família romana: Nerva (96-98); correspondendo, assim, ao perfil idealizado pelo pensamento estóico do soberano: “o melhor deveria governar em função do bem comum”. Em 98, Trajano (Filho adotivo de Nerva) ocupa o poder, nele permanecendo até o ano 117. Desta forma, pelo método da adoção, assegurava-se a escolha do mais capacitado entre os candidatos. Diversidade de Cultos Desde a antiguidade, o oriente considerava os soberanos como filhos dos deuses. (ex. no Egito: Faraó). Estes recebiam poder, leis e proteção para governar o seu povo; legitimação: majestade intocável. Quanto aos gregos, os deuses adorados por eles não estavam separados dos homens por uma fronteira bem definida. Homens importantes podiam ser elevados da condição humana à divina, colocados como heróis na comunhão divina (ex.: as mitologias). Também nos cultos de mistério, os deuses vinham até aonde estavam os humanos ou desciam à terra em forma humana. Atos 14:11 relata que Paulo e Barnabé, em Listra, depois de curarem um paralítico desde a infância, provocaram a seguinte reação: “deuses em forma humana desceram até nós”. Alexandre, o Grande, já era venerado por muitos de seus súditos. Houve um movimento que foi o grande responsável pela unidade cultural do Império Romano: o helenismo. Basicamente, trata-se da cultura da era de Alexandre, quando língua, costumes, utensílios, arte, literatura, filosofia e religião dos gregos se espalharam por todo o Oriente, Índia e regiões do Danúbio. As principais características deste movimento foram a penetração e a mistura das tradições dos diversos povos e culturas, sob a liderança da cultura grega. No campo religioso, esta mistura de crenças sob um mesmo teto cultural é chamada de “sincretismo”. E era exatamente o que acontecia. As classes superiores da sociedade preocupavam-se tanto com o “além” como com a vida material. Porém, religião para eles não era uma questão de convicção ou de “fé”, e sim de dever moral e cívico, cumprido através de sacrifícios no templo. Esse ambiente cultural pluralista e aberto fez com que muitas religiões locais se espalhassem pelo Império, que era bastante tolerante com relação aos cultos, exceto em poucas regiões em que se proibia alguns cultos, como
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os que permitiam orgias e sacrifícios humanos. Fora isso, a flexibilidade era reinante. Os romanos desenvolveram o culto ao imperador a partir do momento em que esse passou a receber o título de “Augusto” – conforme visto anteriormente. As cidades romanas tinham seus deuses particulares; foram construídos templos esplêndidos; a vontade dos deuses determinava a vida da cidade e do Estado; festas e espetáculos culturais eram realizados durante o ano em sua homenagem, algumas destas festas, por exemplo, estão associadas aos jogos Olímpicos realizados a cada quatro anos. Outro elemento importante desses cultos eram os sacrifícios e oferendas de animais, que eram feitos, de modo geral, da seguinte maneira: parte era queimada; parte era dada aos sacerdotes; outra vendida como carne no mercado; toda carne era de alguma forma sacrificada; faziam-se banquetes no templo, com a presença de parentes e amigos; parte era distribuída aos pobres, em ocasiões especiais (ver, por exemplo: 1 Co 4:13; 10:20, 25-28). Esperava-se, com isso, que os deuses favorecessem o destino dos homens e afugentassem o infortúnio e a ruína das cidades. Os deuses romanos participavam ativamente da política e da sociedade. O culto era voltado em torno do Estado, havendo datas préestabelecidas pelo calendário. O culto era obrigação civil. Durante a época de Augusto, muitos templos foram edificados na Grécia, na Itália, no oriente e norte da África. Tentava-se forjar uma moral a partir da religião, mas as influências externas culturais eram muito intensas. Também houve forte influência de cultos estrangeiros, trazidos do oriente para Roma. Valorizavam-se os sacerdotes, cujos oráculos orientavam as batalhas, por exemplo. O deus Sol (Hélio) ganhou projeção, na época do Novo Testamento, o qual correspondia a Mitras (deus persa), ao ponto do próprio imperador se identificar como seu legítimo filho. Paralelamente ao culto oficial, desenvolveu-se grande religiosidade popular marcada por intenso misticismo. Havia a busca de acontecimentos milagrosos. Por exemplo, o deus da cura Asclépio (= Apolo), era muito venerado, cujo símbolo era a serpente. O culto foi introduzido em 19 a.C. devido à grande peste que ocorrera nas dimensões do império. Ao redor dos templos deste deus, existiam vários dormitórios onde os doentes ficavam hospedados, esperando serem curados durante o sono à noite – paralíticos, mudos e cegos eram curados (muitos relatos). Acontecimentos milagrosos também ocorriam através de pessoas dotadas de poderes especiais, que irradiavam força divina. Por exemplo, quando o imperador Vespasiano chegou a Alexandria, pouco tempo depois de tomar posse do governo romano, um cego pediu-lhe que molhasse seus olhos com saliva, e um paralítico que lhe tocasse a perna com seu calcanhar. Suetônio, historiador romano, relata que o imperador atendeu a
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esse pedido, transmitindo força curativa aos doentes, que recuperaram a saúde. Religiões de Mistério No 1º século, era muito forte o medo, a ameaça dos poderes demoníacos, de doenças, infortúnios, etc. As pessoas se sentiam indefesas ante as forças sobrenaturais. As religiões de mistério se apresentavam para dar “segurança” e meios de proteção; prometendo salvação e oferecendolhe força curativa. Por que cultos de mistérios? Porque a comunidade reunida para determinados atos cultuais guardava silêncio absoluto sobre tais atos, nada podendo revelar a não-iniciados. Nestas religiões de mistério não eram levadas em consideração as barreiras sociais, delas participavam: libertos e escravos; homens e mulheres; restringindo-se, entretanto, a participação das celebrações aos iniciados, estes recebiam fórmulas sagradas e sinais simbólicos, que ajudavam na identificação mútua; celebrava-se ali o renascimento da pessoa para a eternidade; acreditava que os deuses nasciam, sofriam, morriam e renasciam, baseado no ciclo agrícola de semente, fruto, colheita e plantação; e da mesma forma os adeptos renasceriam. Da Frigia vieram os cultos de Cibele, a Grande Mãe, e de Atis; posteriormente deparamo-nos com os cultos de Ísis e de Osíris, provenientes do Egito. Os Baalins da Síria, com os quais nos deparamos constantemente no Antigo Testamento, foram trazidos por soldados, comerciantes e escravos. As características mais comuns destas religiões eram: a vinculação com a imortalidade, com a fertilidade e com a proteção frente à morte, os males e infortúnios da vida; a celebração litúrgica era cheia de rituais místicos e extáticos, especialmente nos cultos de Baco (Dionísio), nas orgias e bebedeiras. O que se sabe ao certo é que tais religiões se expandiram pelo mundo greco-romano afora, e era possível uma pessoa filiar-se a mais de uma religião ao mesmo tempo. Estas foram um dos grandes entraves e desafios para o cristianismo nesta época. O culto a Mitra difundiu-se bastante no Império Romano; proveniente da pérsia, seu culto tratava de luta e vitória, por isso muitos soldados se filiavam a essa religião, levando-a às fronteiras do Império. Venerado como deus da luz (sol), Mitra era aquele que dissipava as trevas. Religião de mistério que, ao contrário das demais, só aceitava a filiação de homens, que eram marcados na fronte com um ferro candente, como um guerreiro. Tornavam-se membros, por meio de um batismo, após o qual podiam participar dos banquetes santos, para os quais a comunidade se reunia. Após a morte, cada um deveria responder por seus atos perante um tribunal divino, que os pesaria numa balança antes de permitir-lhes a entrada para o mundo da luz. Esse culto atraía fiéis pelo dever moral que
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impunha. Essa religião entrou em acirrada luta contra o cristianismo, a qual terminou no 4º século, com a vitória cristã. Por isso, em muitos lugares construíram-se templos cristãos sobre santuários de Mitra, simbolizando a vitória de Cristo (mas também a absorção pelo cristianismo de rituais pagãos). As contribuições que o cristianismo recebeu Costuma-se afirmar que, no contexto em que surgiu, três povos ou civilizações acabaram por contribuir para a expansão do cristianismo: os judeus – pela ideia que difundiram acerca da vinda de um Messias, além da fé monoteísta; os gregos – pela língua grega, que foi difundida pelo império de Alexandre, o Grande, facilitando, assim, a comunicação do evangelho (o Novo Testamento foi escrito nessa língua); e os romanos – que criaram redes de comunicação por meio das estradas, além da tolerância religiosa geralmente praticada em relação aos diferentes povos sob seu domínio, o que deu certa liberdade para o cristianismo se expandir por um determinado tempo. Tomaremos um desses exemplos, para análise a seguir: a diáspora judaica. Dá-se o nome de diáspora às duas grandes dispersões que envolveram o povo hebreu: a primeira ocorrida por ocasião do cativeiro babilônico, no 6º século a.C.; e a segunda quando da destruição do templo de Jerusalém pelos romanos, no ano 70 d.C. Para o judeu que vivia fora da Palestina, Jerusalém permaneceu sendo o centro da sua fé e referencial de vida. Lá eram feitos sacrifícios e peregrinações. A palestina continuava sendo a sua terra, herança dada por Deus. Fora do país estava em terra alheira/impura. Por que foram para países estrangeiros? a) Devido ao Exílio Babilônico e à expulsão da sua terra feita pelos romanos, no ano 70 d.C.; b) Para seguir as grandes rotas comerciais, estabelecendo-se nas cidades mercantes ou portos; c) Pelas guerras do I e II séculos a.C.; d) Devido aos pesados tributos impostos pela dominação estrangeira à agricultura, por isso recorreu-se ao comércio (cresceu a pobreza e muitos preferiram outra sorte). O judaísmo da diáspora também crescia pela conversão de não-judeus. Locais em que viviam os judeus, em expressivas aglomerações: Babilônia; Síria; Ásia menor e Norte da África. Só no Egito, vivia 1 milhão de judeus, maior parte em Alexandria. Condições em que viviam os judeus na Diáspora: a) desfrutavam de isenção do serviço militar; b) não tinham necessidade de comparecer no dia de sábado perante instituições públicas e tribunais; c) as comunidades tinham certa autonomia especialmente nas questões de fé;
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d) todo judeu pagava sua contribuição ao templo, anualmente, o equivalente a dois dias de trabalho (jornaleiro); quem podia pagava voluntariamente quantidades mais altas; e) viagem a Jerusalém nas festas religiosas; f) por outro lado, o Templo mantinha relações com as comunidades judaicas da diáspora; g) falavam quase que exclusivamente grego; h) sofriam influência do helenismo (iam ao teatro, participavam de competições esportivas etc.); i) atraíam muitos simpatizantes às sinagogas (pregações e orações) – a circuncisão se tornava obstáculo para ser prosélito; j) sofriam perseguições e discriminações devido ao seu estilo de vida e costumes. Nos primeiros anos de sua existência, comunidades cristãs formadas também por judeus, beneficiaram-se de prerrogativas concedidas àqueles no âmbito do Império Romano, pois eram vistas pelas autoridades como ramificações do judaísmo. Posteriormente, porém, à medida que os cristãos cresceram, tendo a adesão de diferentes povos gentílicos – havendo, também, conflitos entre judeus e cristãos – estas regalias vão desaparecendo, dando lugar a tensões e conflitos. Judeus Helênicos e a Septuaginta Outro fator importante foi a Septuainta (LXX) para a expansão da Igreja. Nessa época, haviam judeus helênicos e judeus palestinos, os helênicos se distinguiam de seus irmãos da Palestina, principalmente por duas características: seu uso do idioma grego e seu contato inevitavelmente maior com a cultura helênica, pois estavam dispersos em outros países, embora ainda mantivessem a religião judaica. Os judeus helênicos construíam sinagogas (já que não tinham o templo, sua religião era voltada à lei estudada). Eles traduziram e faziam uso da Septuaginta que, posteriormente, foi a versão majoritariamente usada pelos autores do NT e pelo próprio Cristo. Em todo caso, a importância da Septuaginta foi enorme para a igreja cristã primitiva. Essa é a Bíblia que a maioria dos autores do Novo Testamento cita, e exerceu influência indubitável sobre a formação do vocabulário cristão dos primeiros séculos. Ademais, quando aqueles primeiros crentes se esparramaram por todo o Império com a mensagem do evangelho, eles encontraram na Septuaginta instrumento útil para sua propaganda. De fato, o uso que os cristãos fizeram da Septuaginta foi tal e tão efetivo que os judeus se viram obrigados a produzir novas versões, como a de Áquila, e a deixar os cristãos na posse da Septuaginta.
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Mudanças sociais produzidas pelo cristianismo A cosmovisão cristã fez com que grandes mudanças ocorressem na sociedade pagã; questões que hoje nos parecem simples e óbvias só foram possíveis graças ao teísmo cristão. É praticamente impossível quantificar as bonanças trazidas pelo cristianismo, mas introduzir o contexto da época de Jesus já será suficiente para se ter uma noção das mudanças bruscas que foram estabelecidas e herdades pelo Ocidente. Aborto e Infanticídio No Período Antigo, o aborto e o infanticídio eram comuns nas sociedades grega e romana. Para Aristóteles, o abandono de crianças deformadas não era uma opção, mas uma exigência. Ele não era o único a defender essa opinião. O Direito Romano das Doze Tábuas (Leges Duodecim Tabularum), que, na sua forma mais primitiva, pode datar do século 5 a.C., exigia que os pais deixassem morrer qualquer criança que fosse deformada. Em uma das leis, lia-se: “Uma criança particularmente deformada deverá ser morta imediatamente”.1 Sêneca, um filósofo e contemporâneo de Jesus, descreveu o infanticídio com seus próprios termos: “Progenitura anormal, nós destruímos; nós afogamos até mesmo crianças que, ao nascer, são fracas ou anormais”. Em latim, Sêneca é mais obscuro (portentosos fetus exstinguimus... debiles, monstrosique), em que crianças consideradas estranhas ou monstruosas eram exterminadas.2 Cícero (106 - 143 a.C.) recorre ao que A Lei das Doze Tábuas decretou mais de 300 anos antes: “Morta rapidamente, conforme ordena A Lei das Doze Tábuas que uma criança medonhamente deformada será morta”.3 A prática difundida de abandono de criança é também demonstrada pela sua condenação explícita nos textos cristãos primitivos. Conforme se lê em Didaquê (início do século II): “Não matarás uma criança no seio de sua mãe, nem depois que ela tenha nascido”.4 A mesma proscrição encontra-se na Epístola de Barnabé (metade do século II): “Não farás morrer a criança no seio da mãe, tampouco após o nascimento”.5 Nem sempre era bem-sucedido no abortamento de bebês. O resultado é que os bebês indesejados, quando nasciam, logo eram abandonados debaixo das pontes do Rio Tibre, em Roma. Nas outras cidades havia locais usados rotineiramente para o abandono de bebês. Os cristãos criaram o hábito de ir imediatamente aos locais em que os bebês eram abandonados – para serem devorados por cães ferozes, como disse Tertuliano – para recolherem esses recém-nascidos e distribuí-los 1
Leges Duodecim Tabularum, Table IV.1. De Ira 1.15.2 (LCL, 214; 144-145). 3 The Twelve Tables (LCL, 329; 440-441). 4 Didaquê 2:2b. 5 Epístola de Barnabé 19:5c. 2
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entre as famílias. Isso nos diz algo sobre a vida de fé entre esses crentes. Roma indignava-se muitíssimo com essa prática dos cristãos, pois denegria totalmente a sua imagem e, por um tempo, criou leis contra isso, para depois de um ano ter de revogá-las, porque sujavam a imagem do império oficialmente. Além do mais, uma vez que os nascimentos não eram registrados, as crianças envolvidas não existiam oficialmente, e que lei poderia ser criada para legislar contra práticas que envolviam pessoas inexistentes? Era muito difícil para os advogados imperiais enfrentarem essa prática, mas não faltou empenho da parte deles! Assim, a acusação passou a ser a de que essas crianças eram recolhidas para o canibalismo – para as celebrações da comunhão da igreja primitiva. Foi essa uma das fontes da acusação de canibalismo levantada contra a igreja primitiva. É claro que havia pouca evidência disso e a acusação malogrou. Afinal de contas, era óbvio que essas famílias cristãs tinham muitos filhos além dos seus filhos legítimos. Posição e direito das mulheres Os abortos e infanticídios afetavam diretamente as mulheres, vemos em uma carta do séc. 1 a.C. exemplo disso: “De Hilarion para sua irmã Alis, muitas saudações; e também para a minha senhora Berous e Apollonarion. Saiba que ainda estamos em Alexandria. Não fique preocupada quando os outros retornarem e eu permanecer em Alexandria. Peço e imploro a você, cuide da criança, e, assim que recebermos nossos salários, eu irei enviá-lo a você. Se – desejo-te sorte – der à luz; se for um menino, fique com ele; se for uma menina, jogue-a fora. Você disse a Aphrodisias: “Não me esqueça”. Como posso me esquecer de você? Peço-te, portanto, que não fique preocupada.”6 Hilarion escreve para sua esposa Alis, (que é chamada carinhosamente de “irmã”) para dar notícias de sua viagem a trabalho que demorou mais do que o esperado. Alis estava prestes a ganhar um bebê, e vendo Hilarion que não chegaria a tempo para o parto, ele faz uma declaração chocante: fique com o bebê se for um menino, mas se for menina descarte. Meninas indesejadas e crianças com defeitos e deformidades de nascença eram rotineiramente descartadas para morrer ou de exposição às condições atmosféricas ou por animais selvagens. Em alguns casos, crianças indesejadas eram, mais tarde, vendidas como escravas ou
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A carta foi originalmente publicada na obra de B. P. Grenfell e A. S. Hunt, eds., The Oxyrhynchus Papyri Part IV, OP 4 (Londres: Egypt Exploration Fund, 1904), 243-244 (= n° 744). É reimpresso, com notas breves, na obra de A. S. Hunt e C. C. Edgar, Select Papyri I, LCL 266 (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1932), 294-295 (= n° 105).
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prostitutas. A razão mais provável para a ordem de Hilarion é que a família não teria condições de arcar com o dote que se esperaria no momento em que sua filha fosse dada em casamento. Ainda mais que, no mundo romano do primeiro século (o mundo em que Jesus nasceu), matar uma criança indesejada não era grande coisa. Em uma peça publicada por Sófocles em algum momento do século 5 a.C., um personagem afirma: “Ó mulher, a melhor joia da mulher é o silêncio! Pois como as flores decoram as árvores, a lã é a beleza da ovelha, a crina, a glória dos cavalos, e a barba, o orgulho do homem, assim o silêncio é a joia da mulher!”7. Vemos que, no mundo greco-romano da Idade Antiga, as mulheres estavam em grande desvantagem. Como recém-nascidas, eram de longe as mais prováveis a serem abandonadas como indesejadas. Como meninas ou adolescentes, corriam o risco de abuso sexual, se não prostituição absoluta; como mulheres maduras, ficavam sob o controle de seus maridos, que poderiam abusá-las, negligenciá-las ou até abandoná-las; e, na sua velhice, especialmente se ficassem viúvas, enfrentariam as perspectivas da pobreza. O cristianismo confrontou fortemente essa visão humilhante das mulheres. Vemos no ministério de Jesus, que as mulheres tiveram papel importante. Ele as curou; foi servido por elas; livrou-as de julgamentos injustos; e, acima de tudo, escolheu mulheres para serem suas primeiras testemunhas oculares da ressurreição. É importante lembrar que as mulheres, naquele contexto, não eram admitidas como testemunhas num tribunal judaico; o que torna os relatos dos evangelhos mais autênticos, pois não buscaram embelezar ou se conformar aos padrões daquele tempo, mas registraram os fatos ocorridos. Entre os mais conhecidos dos primeiros opositores do Senhor ressurreto estavam Celsus (escreveu por volta do ano 178 d.C.) e Porfírio (cerca de 232-303 d.C.), filósofos que ridicularizavam a proclamação cristã da ressurreição de Jesus, dizendo que se baseava em testemunhos pouco mais do que confusos e contraditórios de mulheres atemorizadas: “Mas quem realmente viu [a ressurreição]? Uma mulher histérica”.8 No mundo do primeiro século, uma mulher teria sido uma primeira testemunha ocular um tanto quanto embaraçosa de um evento tão maravilhoso. Mulheres não eram vistas como fontes confiáveis. Há outras passagens que enfatizam a igualdade entre homem e mulher, mesmo tendo ambos papéis e funções diferentes. A amada de Salomão diz “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu.” (Ct 6:3), mostrando que ela tem direito sobre ele tanto quanto ele tem sobre ela. Paulo, ao aconselhar os diversos elementos que constituem uma família diz: 7 8
Sophocles, Ajax 292-293. Joseph Hoffmann, Celsus on the True Doctrine (Nova York: Oxford University Press, 1987), 61-62.
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“Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor [...] Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela.” (Ef 5:22, 25), aqui Paulo ordena a submissão honrosa das mulheres aos seus maridos, mas enfatiza que o marido tem o grande dever de, se preciso for, morrer por sua mulher para protegê-la. Diante desse posicionamento, o cristianismo reclamou os direitos, dados por Deus, às mulheres, transformando o desprezo pagão em honra. Escravidão e racismo Na Grécia, a escravidão era endossada, inclusive pelos filósofos. O testamento de Platão revelou que ele tinha cinco escravos, e Aristóteles tinha 14 quando morreu.9 O mundo romano, muito mais que a Grécia, sua contraparte mais velha ao leste, chegou a depender seriamente do trabalho escravo. Os escravos eram utilizados em toda parte do império, incluindo a Itália, e mesmo fora de suas fronteiras. Havia escravos nativos e importados. Algumas crianças eram vendidas à escravidão por pais empobrecidos e desesperados. Muitos eram capturados em guerra, como parte dos espólios. Só a campanha de sete anos de Júlio César em Gália gerou mais de 1 milhão de escravos para o império.10 Embora as estatísticas demográficas da antiguidade fossem difíceis de estimar, alguns acham que, no século 1º a.C., até 40% da população do Império Romano era de escravos ou servos. Até os séculos II e III d.C., a porcentagem pode ter caído aos 15%. Ainda assim, se a população do império no segundo século d.C. fosse de 50 milhões, pode bem ter havido mais de 7,5 milhões de escravos.11 Os famosos gladiadores romanos que lutavam até a morte no Coliseu, faziam assim não por apreciar, mas porque eram escravos. Os pais da Igreja Primitiva como Atenágoras e Tertuliano manifestaram-se se contra os jogos e proibiram os cristãos de apreciar esse “entretenimento” grotesco. Por fim, o movimento cristão teve êxito quando os jogos foram oficialmente extintos sob o governo de Teodósio I. A Bíblia, num todo, vai contra o tipo de escravidão pagã, embora postule outro tipo. O tipo bíblico de escravidão não é racial, mas baseado em dívidas. Se alguém devesse e não pudesse pagar não seria presa, mas trabalharia até pagar o valor correspondente. A escravidão pagã foi combatida pelo Novo Testamento, exemplo disso está a afirmação paulina: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gl 3:28). Além disso, temos o livro de Filemom, cujo assunto é a fuga de
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Rodney Stark, For the Glory of God (Princeton, NJ: Princeton Univeresity Press, 2003), 326-327. Jo-Ann Shelton, As the Romans Did (Oxford: Oxford University Press, 1998), 163. 11 Walter Scheidel, “Human Mobility in Roman Italy, II: The Slave Population”, Journal of Roman Studies 95 (2005): 64-79. As estimativas conservadoras de Scheidel são provavelmente muito baixas. 10
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um escravo, Onésimo, que se converteu e é devolvido ao seu dono, Filemom; uma das coisas que Paulo diz na carta é que Filemom deve aceitar Onésimo de volta “Não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão amado” (Fm 16). Além da escravidão, o racismo imperava na Idade Antiga. Para os gregos antigos, uma simples palavra nos registros sobreviventes pode ser a mais antiga evidência de racismo: a palavra bárbaro, que eles usavam regularmente ao referirem-se aos não gregos. A palavra grega barbaroi (plural) imita como as outras línguas soavam ao ouvido grego – um som balbuciante, algo como “bar-bar”.12 A palavra bárbaros (singular) veio a significar uma pessoa que não somente falava de forma estranha e ininteligível, mas que também não era “civilizada” aos olhos dos gregos.13 Platão fala abertamente dos gregos avessos aos bárbaros14. Aristóteles assegura aos seus leitores de que os bárbaros são muito mais apropriados para escravidão15. Ideias relativas à eugenia16 foram discutidas ainda por Platão (por volta dos anos 429-347 a.C.) e Aristóteles (384-222 a.C.). Platão falou metaforicamente da necessidade de manter “puro” o precioso “metal” da Grécia.17 E Aristóteles recomendou o aborto e abandono de criança, com receio do declínio da qualidade da população grega.18 Igualmente agourenta foi a justificativa de Aristóteles para a escravidão: “Escravos são subumanos ou homens inferiores, enquanto os donos são superiores”.19 A Bíblia enfatiza que todos têm o mesmo pai: Adão. Biblicamente, não existe diferentes raças de humanos, mas variações. A Bíblia nunca usa o termo “raça” para se referir aos diversos povos. Veja, por exemplo, no cântico de Apocalipse 5: “Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue nos compraste para Deus de toda a tribo, e língua, e povo, e nação; e para o nosso Deus nos fizeste reis e sacerdotes; e reinaremos sobre a terra.” (Ap 5:9,10). Perceba que Cristo comprou toda tribo, língua, povo e nação, mas não “raças”, pois só há uma. Com isso, conceito de igualdade foi redefinido segundo a cosmovisão cristã. Saúde Não havia algo semelhante à ajuda humanitária no mundo antigo. Tirante o cuidado de certos aristocratas, ou soldados, os serviços médicos eram quase inexistentes. Se alguém estivesse doente, um romano desviaria 12
Frequentemente na literatura grega, bárbaros era empregado em referência aos persas, um povo poderoso e ameaçador para o Oriente. 13 Isto é, “gaguejar” ou “balbuciar”. 14 Menexenus 254c-d. 15 Politica 1285ª. 16 Eugenia é selecionar grupos, devido suas características físicas, favorecendo ou não sua reprodução. 17 Platão, Respublica 546d-547a. 18 Politica 1334b-1335b. 19 Aristóteles, Politica 1327b; veja também 1,252b; 1,255a; 1,285a.
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do seu caminho para evitar o doente que, provavelmente, teria morrido sem cuidado.20 Entretanto, desde seus primeiros dias, “o cristianismo requeria que todos os seus adeptos ajudassem os necessitados e os doentes”, segundo o historiador médico Guenter Risse. Os primeiros cristãos liam o Novo Testamento de tal forma que eles interpretavam e colocavam em prática seu mandamento de receber bem o estrangeiro e de construir “abrigos comunitários especiais e serviços médicos”.21 Esses abrigos vieram a ser os hospitais dos quais dependemos atualmente. O americano Kenneth Scott Latourette (1881 - 1968), historiador e professor da Yale Divinity School, resumiu o poder vivificante do cristianismo: Mais do que qualquer outra religião ou, de fato, mais do que qualquer outro elemento na experiência humana, o cristianismo contribuiu para o avanço intelectual do homem ao converter linguagens para o sistema escrito, criar literaturas, promover a educação de níveis primários até instituições de nível universitário e estimular a mente e o espírito humanos a novas explorações do desconhecido. Ele tem sido o maior fator singular no combate, em escala mundial, aos antigos inimigos do homem, tais como guerra, doença, fome e a exploração de uma raça por outra. Mais do que qualquer outra religião, o cristianismo tem contribuído para a dignidade da personalidade humana, e isso por meio de seu poder inerente de alçar vidas do egoísmo, da mediocridade espiritual e da derrota e desintegração morais para realizações altruístas e poder moral e espiritual contagiantes [e] pelo alto valor que ele deu a cada alma humana mediante as possibilidades que ofereceu de crescimento infindável na comunhão com o Deus eterno.22
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Howard W. Haggard, The Doctor in History (New Haven, CT: Yale University Press, 1934), 108. Guenter Risse, Mending Bodies, Saving Souls (Oxford: Oxford University Press, 1999), 74. 22 Kenneth Scott Latourette, Advance Through Storm: A History of Expansion of Christianity, vol. VII (Londres: Eyre & Spottiswoode, 1939- 45), 480-481. 21
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Unidade 2 – Período Antigo – Séc. I (1 a 100) O culto a Jesus na igreja primitiva e os motivos das perseguições Diante de tantas controvérsias levantadas pelas seitas atuais, é importante estudarmos sobre as práticas da igreja primitiva em relação à adoração de Jesus como Deus. No Novo Testamento vemos declarações identificando explicitamente que Jesus é Deus: João, no início de seu evangelho, diz que o Logos (termo referente a Cristo) desde o princípio esteve diante de Deus (no grego original) e era o próprio Deus, “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” (Jo 1:1); Tomé, após duvidar da aparição de Jesus ressurreto para seus discípulos, faz a seguinte confissão ao tocar nos ferimentos do Senhor, “Senhor meu, e Deus meu!” (Jo 20:28). Os hinos, chamados pelos eruditos de “monumentos da fé cristã”, dão mais informações quanto à atitude dos primeiros cristãos para com o ressuscitado. Filipenses 2:5-11 é um destes hinos cantados pelas comunidades cristãs nascentes. No começo do terceiro século, Hipólito de Roma, atesta que se cantavam, desde as origens da igreja, salmos e cânticos em honra a Cristo, verbo de Deus, com a finalidade de proclamar sua divindade. Plínio, govenador imperial na província de Bitínia e do Ponto, entre os anos 111-113 d.C., escrevendo ao imperador Trajano a respeito da conduta que se devia ter para com os cristãos, dizia: “os cristãos estão habituados a se reunir no dia marcado, antes da aurora, para cantar alternadamente um hino ao Cristo como um Deus.”. Podemos dizer que no hino que figura em Filipenses 2:5-11, a prostração dos poderes cósmicos, presta homenagem a Jesus, não diretamente a Deus Pai, e é o Cristo enquanto Senhor, por ocasião de Sua entronização, que eles celebram como Senhor do universo. Esta adoração dos poderes era certamente o reflexo das comunidades cristãs, uma vez que tal peça hinológica nasceu e foi cantada na igreja. Os hinos, em particular, são composições originais em função do contexto e das imagens que representam. O fato de a Igreja confessar a divindade de Jesus provocou a ira e perseguição da parte dos judeus. Vemos pelos anais da história e pelos relatos bíblicos, que os primeiros a perseguirem os cristãos foram os judeus. Como vemos no Novo testamento, os judeus querem massacrar aos cristãos, como Paulo apelando a César (Roma), para escapar. E Roma acabava no seu sistema legal, protegendo a Igreja. Lá pelo ano 60 há uma inversão. Na Igreja primitiva os martírios tinham um espaço interessante, era muito comum comemorar o aniversário de morte, no dia da morte e não o dia de nascimento. Porque na verdade eles entendiam assim, que aquele é
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que era o dia mais feliz de cada um deles, porque nesse dia começavam a vida eterna com Cristo. O senhorio de Jesus contra o de César Ainda comentando o hino de Filipenses 2:5-11, vemos que no último verso é dito que “toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor...”, retratando um dos credos mais antigos da igreja: “Jesus Cristo é o Senhor!”. A exaltação de Jesus significava para a igreja nascente que Ele recebeu o lugar de honra e majestade e está, consequentemente, “sentado à mão direita do trono de Deus” (Mc 16:19; At 2:33; 5:31; Hb 1:3; 12:2; Rm 8:34), “acima de todo principado e potestade, e poder, e domínio, e de todo o nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro” (Ef 1:20-22). Ressurreição, ascensão, coroação, tudo está implicado e incluído na declaração: “pelo que também Deus o exaltou sobre maneira” (Fp 2:9). Tal perspectiva colocava a mensagem cristã numa rota de colisão com um dos pilares de sustentação do Império Romano: o senhorio exclusivo e absoluto do imperador. Todas as pessoas que faziam parte do Império Romano deveriam prestar culto ao imperador, como forma de lealdade. O cidadão romano precisava queimar incenso diante da imagem do imperador e recitar publicamente os dizeres: Caesar kyrios (César é Senhor). Roma não obrigava seus cidadãos a adorarem os deuses de seu panteão, mas o culto ao imperador era obrigatório. Diante disso, os cristãos se recusaram a realizar tal ritual, pois afirmavam que apenas kyrios Iesous (Jesus é o Senhor). Obviamente, tal posição foi tomada como traição ao Império, sendo um dos principais motivos de perseguição. Como disse Rousas Rushdoony “A posição da igreja primitiva era a de que Cristo é o Senhor de César, e não César, o Senhor de Cristo”. Quanto à atitude dos cristãos para com o Estado, dizia-se em síntese que, conquanto estivessem prontos e ansiosos para orar por César, conforme ensinara-lhe o Mestre deles, os cristãos se recusavam a orar a César. Tal atitude simplesmente confirmava que eles eram uma organização sediciosa e subversiva. Outro embate foi estabelecido quando os apóstolos nomearam a mensagem de Jesus como “evangelho”. Acreditava-se que, no nascimento do imperador, reconhecido como “filho de deus” e “salvador”, as Boas Novas ou evangelho (evangelion) para o mundo começavam. De forma significante, a primeira linha do Evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, ousadamente desafia o papel do imperador: “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”.
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Perseguições Romanas A partir do ano 60 d.C., o quadro mudou e a perseguição contra os cristãos passou a ocorrer sob os romanos. Ao todo tiveram 10 grandes perseguições, que duraram até 320 d.C. São elas: 1. Perseguição sob Nero (c. 64-68) 2. Perseguição sob Domiciano (r. 81-96) 3. Perseguição sob Trajano (112-117) 4. Perseguição sob Marco Aurélio (r. 161-180) 5. Perseguição sob Septímio Severo (202-210) 6. Perseguição sob Maximino, o Trácio (235-38) 7. Perseguição sob Décio (250-251) 8. Perseguição sob Valeriano (257-59) 9. Perseguição sob Aureliano (r. 270–275) 10. Severa perseguição sob Diocleciano e Galério (303-324) Essas perseguições nos servirão de guia durante o período antigo, onde veremos as mudanças sociais e religiosas, juntamente com o sofrimento da Igreja do Senhor. Com exceção das perseguições sob Décio e Diocleciano, as perseguições, de forma geral, seguiram o Padrão de Trajano. Há uma carta do imperador Trajano para o governador Plínio da Bitínia dizendo como que ele tinha que se comportar em relação aos cristãos, a carta diz: Você observou o procedimento adequado, meu querido Plínio, em peneirar os casos daqueles que haviam sido denunciados a você como Cristãos. Não cabe formular regra dura e inflexível, de aplicação universal. Eles não estão a ser procurados; se eles são denunciados e provaram sua culpa, eles devem ser punidos, com esta restrição, de que se alguém nega ser cristão e, mediante a adoração dos deuses, demonstra não o ser atualmente, ainda que esteve sob suspeita no passado, deve ser perdoado em recompensa de sua emenda. Mas acusações postas anonimamente não deveriam ter lugar em qualquer prossecução. Para isto é tanto um tipo perigoso de precedente e fora de sintonia com o espírito de nossos tempos. Foi então dessa forma que na maior parte do tempo ocorreram as perseguições. A denúncia era feita apenas se houvesse alguém que se incomodasse com os cristãos, mas na maior parte do tempo eles viviam tranquilos, não havia problema, não havia dificuldade, a não ser que houvesse denúncia (e esta não poderia ser anônima). Embora existia um constante medo de, a qualquer momento, alguém ser denunciado.
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1. Perseguição sob Nero (64-68). Em 54 d.C., Nero assume o trono e, a princípio, seu governo é pacífico. Porém, na noite de 18 de julho de 64, um enorme incêndio ocorreu em Roma. Ao que parece, Nero se encontrava, na ocasião, em sua residência de Antium, a uns 70 km de Roma; assim que soube o que sucedia, correu a Roma, onde tratou de organizar a luta contra o incêndio. Para os que haviam ficado sem refúgio, Nero fez abrir seus próprios jardins e vários outros edifícios públicos. Mas tudo isso não bastou para afastar as suspeitas que logo caíram sobre o imperador, a quem muitos já o tinham por louco. O fogo durou seis dias e sete noites, e depois voltou a se acender em diversos lugares durante mais três dias. Dez dos catorze bairros da cidade foram devorados pelas chamas. Em meio a todos os sofrimentos, o povo exigia que se descobrisse o culpado, e não faltava quem se inclinasse a pensar que o próprio imperador havia ordenado o incêndio da cidade para poder reconstruí-la a seu gosto, como um grande monumento à sua pessoa. Mas cada vez mais as suspeitas recaíam sobre o imperador. De acordo com os rumores, Nero tinha passado boa parte do incêndio no alto da torre de Mecenas, no cume do Palatino, vestido como um ator de teatro, tangendo sua lira e cantando versos acerca da destruição de Tróia. Dois dos bairros que não tinham sido queimados eram as zonas da cidade em que havia mais judeus e cristãos. Portanto, o imperador pensou que seria mais fácil culpar os cristãos. O historiador Tácito parecia crer que o fogo fora um acidente; portanto, a acusação feita contra os cristãos seria falsa. Ele mesmo conta o sucedido: Apesar de todos os esforços humanos, da liberalidade do imperador e dos sacrifícios oferecidos aos deuses, nada bastava para apartar as suspeitas nem para destruir a crença de que o fogo havia sido ordenado. Portanto, para destruir esse rumor, Nero fez aparecer como culpados os cristãos, uma gente odiada por todos por suas abominações, e os castigou com mui refinada crueldade. Cristo, de quem tomam o nome, foi executado por Pôncio Pilatos durante o reinado de Tibério. Detida por um instante, esta superstição daninha apareceu de novo, não somente na Judeia, onde estava a raiz do mal, mas também em Roma, esse lugar onde se encontram seguidores de todas as coisas atrozes e abomináveis que chegam desde todos os cantos do mundo. Portanto, primeiro foram presos os que confessaram (ser cristãos), e baseado nas provas que eles deram foi condenada uma grande multidão, ainda que não os tenham condenado tanto pelo incêndio, mas sim pelo seu ódio à raça humana. (Grifo nosso) Tácito e seus contemporâneos não dizem em que consistiam essas “abominações” que os cristãos supostamente praticavam. Mas, seja o que
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for, o fato é que Tácito crê nesses rumores, e pensa que os cristãos odeiam a humanidade. Isto se compreende se recordarmos que todas as atividades da época — o teatro, o exército, as letras, os esportes etc. — estavam tão ligadas ao culto pagão que os cristãos se viam obrigados a se ausentarem delas. Portanto, diante dos olhos de um pagão que amava sua cultura e sua sociedade, os cristãos pareciam ser misantropos, odiando toda a raça humana. Tácito prossegue, contando-nos o sucedido em Roma por causa do grande incêndio: Além de matá-los (aos cristãos), fê-los servir de diversão para o público. Vestiu-os em peles de animais para que os cachorros os matassem a dentadas. Outros foram crucificados. E a outros, acendeulhes fogo ao cair da noite, para que iluminassem a cidade. Nero fez que se abrissem seus jardins para esta exibição, e no circo ele mesmo ofereceu um espetáculo, pois se misturava com as multidões, disfarçado de condutor de carruagem, ou dava voltas em sua carruagem. Tudo isto fez com que despertasse a misericórdia do povo, mesmo contra essas pessoas que mereciam castigo exemplar, pois viase que eles não eram destruídos para o bem público, mas para satisfazer a crueldade de uma pessoa. Com isso, Nero promulga um edito contra os cristãos (que não chegou aos nossos dias). Em 68 grande parte do império se rebela contra Nero e o senado romano o depõe. Fugitivo e sem ter para onde ir, Nero se suicida. Com sua morte, muitas de suas leis foram abolidas. Mas seu edito contra os cristãos continuou em vigor. Isso queria dizer que, enquanto ninguém se ocupasse em perseguí-los, os cristãos podiam viver em paz; mas tão logo algum imperador ou outro funcionário decidisse desatar a perseguição, poderia sempre apelar à lei promulgada por Nero. Embora tamanha crueldade, é provável que esta perseguição tenha sido local, apenas em Roma e não em todas as terras do império. Nela temos o martírio de dois apóstolos importantes: Pedro e Paulo. Após esses acontecimentos, Tito, filho do imperador Vespasiano, conquista Jerusalém e a destrói, juntamente com o templo, cumprindo a profecia de Jesus em Marcos 13:2; mas nesse tempo há calmaria para os cristãos. 2. Perseguição sob Domiciano (81-96). Não se sabe ao certo o motivo, mas seu foco era manter as tradições romanas (incluindo o paganismo) e como não existia mais templo, Domiciano decidiu que todos os judeus deviam enviar às arcas imperiais a oferta anual que antes mandavam a Jerusalém. Quando alguns judeus negaram a fazê-lo ou mandavam o dinheiro ao mesmo tempo em que deixavam bem claro que
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Roma não havia ocupado o lugar de Jerusalém, Domiciano começou a perseguí-los e a exigir o pagamento da oferta. Funcionários imperiais começaram a pressionar todos os que praticavam “costumes judaicos”, pois não havia muita distinção entre judeus e cristão. A perseguição que se inicia é local também: Roma e Ásia Menor (segundo fontes fidedignas). Em Roma, o imperador fez executar ao seu parente Flávio Clemente e a sua esposa, Flávia Domitila. Eles foram acusados de “ateísmo” e de “costumes judaicos”. Já que os cristãos adoravam um Deus invisível, os pagãos os acusavam de serem ateus. Portanto, é muito provável que Flávio Clemente e sua esposa tenham sido mortos por serem cristãos. Esses são os únicos dois mártires romanos no tempo de Domiciano que conhecemos pelo nome. Mas vários escritores antigos afirmam que foram muitos, e uma carta escrita pela igreja de Roma à de Corinto, pouco depois da perseguição, se refere aos “males e provas inesperados e seguidos que sobrevieram a nós” (1 Clemente 1). Nesse período, João escreve Apocalipse, descrevendo as perseguições, em especial nas igrejas da Ásia: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia, Laodicéia. Em pouco mais de setenta anos após a morte e ressurreição de Cristo, o evangelho tinha feito tal progresso em alguns lugares que forçava a queda do paganismo. Um dos grandes fatores contribuintes era que 2/3 da população romana era de escravos, que foi o público que mais aderiu ao movimento cristão a princípio, pois este pregava contra a escravidão (em Cristo, todos são irmãos, não há distinção). Os templos pagãos estavam desertos, não havia mais adoração aos deuses e as vítimas para sacrifícios raramente eram compradas. Isso naturalmente suscitou um clamor popular contra o cristianismo, como aconteceu em Éfeso: “E não somente há o perigo de que a nossa profissão caia em descrédito, mas também de que o próprio templo da grande deusa Diana seja estimado em nada, vindo a ser destruída a majestade daquela que toda a Ásia e o mundo veneram” (At 19:27). Aqueles cujo sustento dependia da adoração às deidades pagãs faziam muitas e sérias acusações contra os cristãos perante os governadores. Isso acontecia especialmente nas províncias asiáticas onde o cristianismo prevalecia. Os mártires do primeiro século Dados históricos e informações preservadas pela tradição antiga referentes ao que ocorrera com os apóstolos e outros importantes líderes do cristianismo em seus primórdios, também nos ajudam a entender que o compromisso com o caminho da cruz foi levado até as últimas consequências. Muitos foram submetidos ao martírio por causa do evangelho de Cristo. Vejamos primeiramente alguns exemplos envolvendo
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aqueles que fizeram parte dos doze apóstolos chamados por Jesus (Mc 3:13-19). André: após a morte e ressurreição de Jesus, foi pregar o evangelho na região do Mar Negro (hoje, parte da Rússia); depois, segundo a tradição, pregou na Grécia, em Acaia, onde foi martirizado numa cruz em forma de “X”. Daí, este instrumento de tortura ter ficado conhecido como “cruz de Santo André”. Bartolomeu: pregou inicialmente na Arábia, depois Etiópia, e por fim, ao lado de Tomé, atuou como missionário na Índia, onde foi martirizado. Filipe: atribui-se a este apóstolo a fundação da igreja de Bizâncio, cidade mais tarde conhecida como Constantinopla. Posteriormente, pregou o evangelho na Ásia Menor, na região de Hierápolis, onde se convertera a mulher de um cônsul romano pela sua pregação. O cônsul, então furioso por este episódio, mandou prender a Filipe e matá-lo de forma cruel. Para o lugar de Judas Iscariotes, que se suicidou, a igreja primitiva escolheu Matias como seu substituto (At 1:21-26). Segundo a tradição, Matias se tornou missionário na Síria, onde acabou sendo queimado numa fogueira por causa do evangelho. Judas Tadeu: segundo a tradição, pregou na Pérsia, onde foi martirizado. Mateus: desenvolveu grande parte de seu ministério pastoreando a igreja de Antioquia. Dirigiu-se posteriormente para a Etiópia, onde veio a ser martirizado por causa da pregação. Pedro: depois de exercer importante liderança na igreja de Jerusalém, transferiu-se para a cidade de Roma, capital do Império. No ano 67, durante perseguição imposta por Nero, Pedro foi preso e condenado a morrer crucificado. Relatos do segundo século afirmam que o apóstolo, antes de sua execução, disse que não era digno de morrer como morrera Jesus, o seu Senhor, e pediu para que fosse crucificado de cabeça para baixo, e assim ocorreu. Paulo: considerado um apóstolo “nascido fora de tempo” (1 Co 15:8), tornara-se o grande líder da igreja entre os gentios e propagador da “mensagem da cruz” (1 Co 1:18-23). Uma carta de Clemente de Roma, no segundo século, testifica o que ocorrera com este apóstolo: Paulo esteve preso sete vezes; foi chicoteado, apedrejado; pregou tanto no Oriente quanto no Ocidente, deixando atrás de si a gloriosa fama de sua fé; e assim, tendo ensinado justiça ao mundo inteiro, e tendo para esse fim viajado até os mais longínquos confins do Ocidente, sofreu por fim o martírio por ordens dos governadores, e partiu deste mundo para ir ocupar o seu santo lugar. No ano 67, sob a perseguição de Nero, Paulo foi preso e levado a Roma, onde recebera o martírio. Pelo fato de possuir cidadania romana, este
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apóstolo não poderia ser crucificado (algo humilhante para o cidadão romano), por isso deram-lhe como sentença a decapitação (morte instantânea). A tradição conservou de forma reverente o lugar da execução deste apóstolo, juntamente com Pedro; desde a mais alta antiguidade, a igreja romana celebrou juntos os martírios de Pedro e de Paulo no dia 29 de junho. Simão, o Zelote: desenvolveu seu ministério de evangelização na Pérsia, onde o culto ao deus Mitras (deus Sol) estava extremamente desenvolvido. Devido a conflitos com seguidores de Mitras, acabou sendo morto por se negar a oferecer sacrifício a este ídolo. Tiago (Filho de Alfeu): pregou o evangelho na Síria. Segundo o historiador antigo Flávio Josefo, foi linchado e apedrejado até a morte. Tiago (filho de Zebedeu): segundo tradições antigas, citadas por Justo Gonzalez, este apóstolo desenvolveu um trabalho missionário na Espanha, pregando na região da Galiza e Saragoça. Seu êxito não foi notável, pois os naturais desses lugares se negaram a aceitar o evangelho. Ao regressar para Jerusalém, percorreu o caminho que deu origem ao lugar hoje conhecido como “Caminho de Santiago de Compostela”, na Espanha. Em Jerusalém, veio a ser preso, sendo em seguida, decapitado por ordem de Herodes Agripa, no ano 44 (Atos 12:1, 2). Tomé: segundo a tradição, desenvolveu sua atividade missionária inicialmente na Índia. Dali dirigiu-se para o Egito, onde realizou importante trabalho entre os habitantes de língua copta, ministério este que deu origem à comunidade até hoje lá existente. A Igreja Cristã Copta, como é conhecida, está separada do Catolicismo Romano desde o 4º século, tendo patriarcas em sua liderança. João: este é, reconhecidamente pela tradição e pelos depoimentos do cristianismo antigo, o último apóstolo a morrer. Morreu na velhice, por volta do ano 100, na cidade de Éfeso, onde morava com sua família. Este apóstolo desenvolveu o seu ministério na Ásia Menor, onde foi preso nos anos 90, na época da intensa perseguição imposta pelo imperador Domiciano ao cristianismo, quando acabou deportado à ilha de Patmos, no Mar Egeu, vindo a receber ali a revelação do Apocalipse, por volta do ano 95. Sendo solto posteriormente, permaneceu em Éfeso ensinando até ao final da sua vida. Além dos apóstolos, outros importantes líderes do cristianismo primitivo também deram a sua vida pela causa do evangelho. É o caso, por exemplo, de Tiago “o irmão do Senhor”, que exerceu importante liderança na igreja de Jerusalém. O historiador Flávio Josefo, que descreveu o cerco de Jerusalém pelo exército do general Tito, no ano 70, atribui a destruição de Jerusalém a um “juízo de Deus sobre os judeus pelo fato de terem assassinado a Tiago, o Justo”. Também o historiador da igreja, Eusébio, cita um escritor do segundo século, chamado Hegesipo, que descreve a morte de Tiago. Afirma este autor, que tinha se levantado um conflito entre os
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judeus convertidos e os descrentes a respeito de Jesus ser ou não o Messias, e pediram a Tiago que resolvesse a questão. Diz Hegesipo: Os escribas e fariseus colocaram Tiago de um lado do templo e exclamaram, dirigindo-se a ele: visto que o povo é levado em erro a seguir a Jesus que foi crucificado, declara-nos qual é a porta pela qual se chega a Jesus, o crucificado?”. Ao que ele respondeu em alta voz: “O Filho do Homem está agora assentado nos céus, à mão direita do grande poder e está para vir nas nuvens do céu”. E como muitos se gloriaram no testemunho de Tiago, estes mesmos sacerdotes e fariseus tomaram a decisão de levá-lo à parte alta do templo e de lá o lançaram abaixo, “passando em seguida a apedrejá-lo, visto não ter morrido logo que caiu no chão, enquanto, ajoelhando-se pedia o perdão de Deus aos seus agressores”. Deste modo ele sofreu o martírio. Também Timóteo, discípulo de Paulo, segundo testemunho de Nicéfero, no segundo século, foi martirizado durante o reinado de Domiciano, no ano 96 d.C., em Éfeso, cidade onde morava quando o apóstolo lhe escreveu as duas cartas. Até o terceiro século da era cristã, a cruz realmente pautou a atuação da igreja. E é prova evidente disso o fato de tal período ter ficado conhecido como a “era dos mártires”. O historiador Justo Gonzalez descreve com precisão ainda outros fatos desse período, como por exemplo, o testemunho de fé demonstrado por Inácio de Antioquia. Discípulo do apóstolo João, viveu no período de 60 a 117 d.C. Tornou-se célebre pela fidelidade a Cristo em meio às perseguições que sofrera e às cadeias que enfrentou devido à fé que professava. Sendo levado a Roma, em algumas paradas obrigatórias, não se esquecia de escrever às igrejas que o recebiam ou lhe enviavam saudações. Pelo testemunho vivo de Jesus Cristo, Inácio esteve disposto a enfrentar a morte. E, a caminho do martírio, proferiu as seguintes palavras: Não quero apenas ser chamado de cristão, quero também me comportar como tal. Meu amor está crucificado. Não me agrada mais a comida corruptível... mas quero o plano de Deus que é a carne de Jesus Cristo... e seu sangue quero beber, que é bebida imperecível. Porque quando eu sofrer, serei livre em Jesus Cristo, e com ele ressuscitarei em liberdade. Sou trigo de Deus, e os dentes das feras hão de me moer, para que possa ser oferecido como pão limpo de Cristo. Não é diferente o exemplo de fé de Policarpo de Esmirna, o qual, diante da insistência das autoridades para que jurasse pelo imperador e maldissesse a Cristo, recebendo em troca disto a liberdade, respondeu:
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“vivi oitenta e seis anos servindo-lhe, e nenhum mal me fez, como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou?” E estando atado já em meio à fogueira, Policarpo elevou os olhos ao céu e orou em voz alta: “Senhor Deus Soberano... dou-te graças, porque me consideraste digno deste momento, para que, junto a teus mártires, eu possa ser parte no cálice de Cristo. Por isso te bendigo e a te glorifico. Amém.” As experiências de Inácio e Policarpo retratam bem a disposição dos cristãos de tal período em dar testemunho de sua fé em obediência a Jesus Cristo, até às últimas consequências. No fim do primeiro século, todos os apóstolos e testemunhas oculares da ressurreição haviam morrido, João, sendo o último apóstolo a morrer disse, um pouco antes da sua morte (segundo fontes extrabíblicas): “Como será agora, quando ninguém mais poderá dizer: eu vi, eu estava lá, eu testemunhei?”. Mas assim como Jesus revelou para João que Ele é o Senhor da história, Ele é o Senhor da Igreja.
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Unidade 3 – Período Antigo – Séc. II (101 a 200) 3. Perseguição sob Trajano (112-117) Durante todo o primeiro século, ao mesmo tempo em que há profusão de notícias de mártires, são escassos os detalhes acerca de seu martírio, especialmente acerca das atitudes das autoridades civis com relação ao cristianismo. Com o correr dos anos, tais notícias vão se fazendo cada vez mais frequentes, e já no século II algumas são oferecidas (por meio de “atos” ou “atas”), como a correspondência entre o jovem Plínio e o imperador Trajano. O segundo século já se inicia com a perseguição sob as ordens de Trajano, essa perseguição foi, relativamente, curta e seguiu o padrão já visto na unidade anterior de apenas prender cristãos sob denúncia e não de ir à procura deles. 4. Perseguição sob Marco Aurélio (161-180) Marco Aurélio não foi, como Nero e Domiciano, um homem apaixonado pelo poder e pela vanglória, mas um espírito culto e refinado que deixou para trás uma coleção de Meditações, escritas somente para seu uso pessoal, que são uma das glórias literárias da época. Durante os primeiros anos do seu reinado, as invasões, inundações, epidemias e outros desastres pareciam suceder uns aos outros sem trégua alguma. Logo correu o boato de que tudo isto se devia aos cristãos, que atraíram sobre o Império a ira dos deuses, e se provocou então a perseguição. Não temos indícios de que Marco Aurélio tenha pensado que os cristãos eram culpados do que estava acontecendo; mas tudo parece indicar que o imperador apoiou a nova onda de perseguição, e que via com bons olhos esse intento de regressar ao culto dos antigos deuses. Talvez, como Plínio anos antes, Marco Aurélio pensasse que era necessário castigar os cristãos, senão por seus crimes, pelo menos por sua obstinação. Em todo caso, temos informações bastante detalhadas de vários martírios que ocorreram sob o governo de Marco Aurélio. Em resumo, a situação dos cristãos ao longo de todo o século segundo foi precária. Nem sempre eram perseguidos. Muitas vezes perseguiam-nos em umas regiões do Império e não em outras. Tudo dependia das circunstâncias do momento e do lugar. Em particular, era questão de que houvesse ou não alguém com suficiente ódio para com os cristãos a fim de delatá-los ante os tribunais. Portanto, a tarefa de desmentir os rumores que circulavam acerca dos cristãos e de apresentar a nova fé da melhor forma possível era questão de vida ou morte. A essa tarefa se dedicaram alguns dos melhores pensadores com quem a igreja contava. Apologetas (defensores da fé) O cristianismo estava sendo atacado por três fatores:
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Boatos populares: Muitos acusavam os cristãos de canibalismo, pois distorciam o rito da santa ceia, acreditando que eles comiam e bebiam literalmente o corpo e sangue de uma pessoa. Alguns dos pagãos chegaram a crer que o que os cristãos faziam era esconder um menino recém-nascido dentro de um pão, e o colocarem diante de uma pessoa que desejava ser cristã. Os cristãos então ordenavam que cortasse o pão, e logo devoravam o corpo ainda palpitante do menino. O neófito, que se havia feito participante de tal crime, ficava assim comprometido a guardar o segredo. Esta acusação era baseada não somente nas palavras da consagração da Ceia do Senhor, mas também na prática cristã de resgatar bebês e crianças pequenas que eram rejeitadas. Justino falou disso também: “Temos sido ensinados que abandonar o recém-nascido é pecaminoso”. Era pecaminoso não somente porque muitos dos abandonados morriam, mas também porque os que eram resgatados por pagãos quase sempre eram criados para a prostituição. Embora este fosse o destino da maioria das meninas que eram abandonadas, os meninos também eram recolhidos pelos pagãos para fins de prostituição. Os cristãos consideravam essa prática detestável. Eles também eram acusados de praticarem incesto, pois todos se chamavam de “irmãos” (inclusive cônjuges). Eram tidos como antipatriotas, pois não adoravam o imperador; nem participavam de festas cívicas que tinham orgias e idolatria; nem se alistavam no exército, pra não fazer juramento ao imperador. Os cristãos também eram tachados de misantropos, ou seja, de terem ódio à raça humana, pois não participavam de atividades sociais; eram acusados de serem contra a família, pois no martírio deixavam os parentes seguindo a ordem de Jesus (Lc 14:6; Mt 10:37, 19:29). Era-lhes imputado a causa de catástrofes naturais. Tertuliano, um dos defensores da fé cristã, cobrou o império a respeito do ódio injusto contra o cristianismo: O termo “conspiração” não deve ser aplicado a nós, mas sim àqueles que planejam incitar ódio contra pessoas decentes e dignas, àqueles que gritam pelo sangue dos inocentes e apelam por justificação do seu ódio, na desculpa tola de que os cristãos são culpados de cada calamidade pública e cada desgraça que se abate sobre o povo. Se o Tibre transborda, se o Nilo não consegue subir e inundar os campos, se o céu retém a sua chuva, se houver terremoto ou fome, ou praga, logo surge o grito: Os cristãos aos leões! Por fim, os cristãos eram chamados de ateus, pois adoravam um Deus invisível (que não tem imagens) e cultuavam um homem morto. Todas essas acusações vêm de boatos que buscavam destruir a reputação do
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cristianismo pelo simples fato de os cristãos estarem estabelecendo novos padrões morais que estavam transformando a sociedade. Críticas por parte da classe culta: Outra acusação que se fazia contra os cristãos, não vinha dos mal informados, mas por pessoas cultas, muitas das quais conheciam algo das doutrinas cristãs. Sob diversas formas, todas essas acusações podiam ser resumidas em uma: os cristãos eram pessoas ignorantes, cujas doutrinas, pregadas sob um verniz de sabedoria, eram na realidade néscias e contraditórias. Possivelmente uma das mais antigas apologias que chegaram a nossos dias é o Discurso (ou Epístola) a Diogneto, cujo autor anônimo parece ter vivido nos princípios do século II. Pouco depois, antes do ano 138, Aristides compôs outra apologia que parecia ter sido perdida, mas que foi descoberta em data recente. Mas o mais famoso dos apologistas foi Justino, o Mártir, a cujo martírio foi sob o governo de Marco Aurélio. Justino tinha seguido uma longa peregrinação espiritual, indo de doutrina em doutrina, até que se convenceu de que o cristianismo era a “verdadeira filosofia”. Dele se conservam três obras: duas apologias e o Diálogo com Trifão, que consiste em uma discussão com um rabino judeu. Um discípulo de Justino, Taciano, compôs outra apologia sob o título de Discurso aos gregos. Pela mesma época, Atenágoras escreveu uma Defesa dos cristãos e outro tratado: Sobre a ressurreição dos mortos. Por volta do ano 180, o bispo de Antioquia, Teófilo, escreveu Três livros a Autólico, que tratavam sobre a doutrina cristã de Deus, a interpretação das Escrituras e a vida cristã, tratando de refutar as objeções dos pagãos sobre cada um desses pontos (todos escritos em grego). De fato, tal acusação era um tanto verdadeiramente, pois em sua maioria os cristãos eram escravos, carpinteiros, pedreiros ou ferreiros. Poucos eram os cristãos que pertenciam às classes mais altas da sociedade. Portanto, poucos tinham a capacidade de defender sua fé num sistema complexo de pensamento; mas, no fim do século, já começaram a se levantarem defensores intelectuais da fé cristã, estes foram chamados de pais da igreja e apologetas (do grego, apologia = defesa verbal). Os apologetas buscavam sistematizar o pensamento cristão dentro de um escopo filosófico abrangente, mas que muitas vezes sofria grande influência da filosofia grega. Heresias: Neste tempo sincrético, muitos dos que se convertiam, traziam sua bagagem cultural e procuravam um sistema que de algum modo combinasse todas as doutrinas, tomando um pouco de cada uma, a ponto de oferecerem suas próprias interpretações da fé cristã. Algumas dessas
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interpretações eram de tal natureza que ameaçavam corromper radicalmente a fé cristã. Acerca disto temos um testemunho interessantíssimo em que o imperador Adriano escreve a seu cunhado, o cônsul Serviano, acerca do Egito, cuja capital era Alexandria: Queridíssimo Serviano, o Egito que tanto elogiavas parece-me ser leviano, vacilante e borboleteador entre os rumores de cada momento. Os que adoram a Serápis [divindade sincrética helenístico-egípcia] são cristãos. E os que se dão o título de bispos de Cristo são devotos de Serápis. Não há chefe da sinagoga dos judeus, nem samaritano, nem presbítero cristão, que não seja também numerólogo, adivinho e saltimbanco [indivíduo que exibe suas habilidades nas feiras ou na via pública, vendendo elixires reputados milagrosos, seduzindo o público com discursos e trejeitos espalhafatosos; farsante, charlatão]. [...] São gente altamente sediciosa, vã e injuriosa, e sua cidade é rica, opulenta, fecunda. Nela ninguém está ocioso. Uns sopram vidro, e outros fabricam papel, e todos parecem ser tecedores de linho ou têm algum ofício. Os reumáticos, os mutilados, os cegos e até os inválidos têm trabalho. O único Deus de todos eles é o dinheiro, a quem adoram os cristãos, os judeus e toda classe de pessoas. Principais heresias da época: Gnosticismo: aglomerado de ideias e de escolas que divergiram entre si em muitos aspectos, mas tinham outros elementos em comum. Entre esses elementos em comum, contavam-se: primeiro, uma atitude negativa para com o mundo material, de modo que a “salvação” consistia em escapar da matéria; segundo, a ideia de que essa salvação era obtida mediante um conhecimento (gnose) especial, pela qual o fiel podia escapar deste mundo e subir ao mundo espiritual. Por causa dessa gnose que a heresia é chamada “gnosticismo”. Nem todos os gnósticos eram cristãos. Entre os cristãos, porém, o gnosticismo ameaçava a fé em vários pontos fundamentais: negava a criação, que diz que este mundo é a boa obra de Deus; negava a encarnação, que diz que o próprio Deus se fez carne física (esta doutrina, de que Jesus não tinha corpo verdadeiro como o nosso, é chamado “docetismo”); e negava a ressurreição final, que diz que na vida eterna teremos corpos materiais. Além disso eram dualistas entre espírito e matéria; como resultado, era dito que qualquer coisa feita no corpo, inclusive os piores pecados, não tinham valor algum, pois a verdadeira vida é o reino espiritual. Essa visão é baseada no argumento de que a matéria é essencialmente perversa e o espírito bom, sendo assim, Cristo não teria encarnado. Por isso que o apóstolo João disse:
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Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já agora está no mundo. (1 Jo 4:1-3) (grifo nosso) Além disso, o apóstolo João refuta corriqueiramente, no evangelho e epístolas, o gnosticismo que já estava se desenvolvendo, assim como as demais epístolas do NT. Este movimento criou falsos evangelhos que ainda hoje trazem confusão, como: Evangelho de Eva, Evangelho de Judas (o qual relata que Jesus pediu a Judas para traí-lo, apresentando-o como um herói, que apenas obedeceu seu mestre), Evangelho de Maria Madalena (que inspirou o livro “O Código Da Vinci”, dizendo que Jesus tinha um caso com Maria Madalena), Evangelho de Matias, Evangelho de Tomás (ou Quinto Evangelho), Evangelho da Verdade, Sabedoria (Sofia) de Jesus Cristo etc. Todos eles contendo discrepâncias doutrinárias e invenções, que foram atribuídos a personagens bíblicos proeminentes para lhes dar autoridade e se infiltrarem na Igreja, o que acabou falhando. Marcionismo: Da mesma forma que os gnósticos, ele negava que um Deus bom pudesse ter feito esse mundo material. Consequentemente, dizia que o Deus do Antigo Testamento não era o Pai de Jesus, mas um ser inferior. Dizia-se, ainda, que ao passo que Jeová é vingativo e cruel, o verdadeiro e supremo Deus ama e perdoa. Ao contrário dos gnósticos, que não fundaram igrejas, Marcião fundou a igreja marcionita. Além do mais, por repudiar o Antigo Testamento, fez uma lista de livros que considerava inspirados. Embora muito diferente do Novo Testamento atual, elaborou o que veio a ser conhecido como o “primeiro cânone do Novo Testamento”, que continha apenas um evangelho, o de Lucas, e dez cartas paulinas (sem as pastorais a Timóteo e Tito). Montanismo: Montano era um bispo da região da Frígia. Seu ensino dava ênfase no Espírito Santo, e em dons miraculosos do Espírito Santo. Na metade do segundo século, mais ou menos no ano 150, todos os dons extraordinários começaram a desaparecer da Igreja. Não havia mais profecias, curas e línguas. Diante dessa circunstância podemos ter duas abordagens: o que a maioria seguiu, de que Deus descontinuou isso, pois tais dons estavam ligados ao ministério dos apóstolos. Mas os montanistas não aceitaram isso, eles alegavam de que esses dons miraculosos haviam desaparecido por causa da falta de seriedade, apostasia e mundanismo da Igreja. Eles então diziam que não era verdade que os dons haviam cessado,
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mas que continuavam todas as obras do Espírito e que: “Deus ainda falava através de homens como falou através de Paulo” (Montano). Especialmente através de um homem, e é claro, ele mesmo – Montano – e de algumas pessoas que eram do seu grupo, no caso duas mulheres profetisas: Prisca e Maximila. Há inclusive registro de que uma vez Montano disse: “Eu sou o Deus onipotente habitando em um homem”. A “Nova Profecia”, como o movimento se autodenominou, desprezou a Igreja Católica (universal), com seus bispos, suas Escrituras e sua tradição nascente, alegando ter uma autoridade vinda diretamente do Espírito Santo. Segundo as profecias milenaristas de Montano, o mundo acabaria em 258 na cidade de Puza, na Ásia Menor. Grandes multidões seguiram para lá, mas nada aconteceu. Essa era uma ênfase muito forte nos dons do Espírito Santo, ele dizia inclusive que havia terminado a era do Filho e que estávamos entrando em uma nova era, a era do Espírito. Lembremos que o papel do Espírito Santo nunca foi trazer glória para Si, mesmo sendo Deus, mas Seu papel é apontar para Cristo. Excluídos da Igreja Católica não-romana, os montanistas organizaramse separadamente, subsistindo por algum tempo. No final da vida, Tertuliano (160 - 220), um dos mais brilhantes e influentes teólogos cristãos dos primeiros séculos, nutriu simpatia por esse movimento. Sendo partidário de um cristianismo rigoroso e disciplinado, esse pai da igreja sentiu-se atraído pela moralidade ascética dos adeptos da Nova Profecia. Diante desses desafios, a Igreja respondeu das seguintes formas: O Cânon Desde o início, alguns dos livros do Novo Testamento foram sendo reconhecidos. Paulo considerou os escritos de Lucas tão cheios de autoridade quanto o Antigo Testamento (1 Tm 5:18, que une Dt 25:4 e Lc 10:7). Pedro reconheceu os escritos de Paulo como parte das Escrituras (2 Pe 3:15-16). Alguns dos livros do Novo Testamento circulavam entre as igrejas (Cl 4:16; 1 Ts 5:27). Clemente de Roma mencionou ao menos oito livros do Novo Testamento (em 95 d.C.). Inácio de Antioquia reconheceu cerca de sete livros (em 115 d.C.). Policarpo, um discípulo do apóstolo João, reconheceu 15 livros (em 108 d.C.). Mais tarde, Irineu mencionou 21 livros (em 185 d.C.). Hipólito reconheceu 22 livros (170-235 d.C.). Os livros do Novo Testamento que provocaram maior polêmica foram: Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 João e 3 João. O primeiro “cânone” foi o Cânon Muratoriano, que foi compilado em 170 d.C. O Cânon Muratoriano incluiu todos os livros do Novo Testamento, exceto: Hebreus, Tiago e 3 João. Em 363 d.C. o Concílio de Laodicéia estabeleceu que somente o Antigo Testamento (com os Apócrifos) e os 27 livros do Novo Testamento deveriam ser lidos nas igrejas. O Concílio de Hippo (393 d.C.) e o Concílio de Cartagena (397 d.C.) também afirmaram a autoridade dos mesmos 27 livros.
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Os concílios se basearam em algo similar aos seguintes crivos para determinar se um livro do Novo Testamento era realmente inspirado pelo Espírito Santo: 1) O autor foi um apóstolo, ou teve uma estreita ligação com um apóstolo? 2) O livro é aceito pelo Corpo de Cristo como um todo? 3) O conteúdo do livro é de consistência doutrinária e ensino ortodoxo? 4) Este livro contém provas de alta moral e valores espirituais que reflitam a obra do Espírito Santo? Novamente, é crucial recordar que a igreja não determina o cânon (como o Romanismo diz, o que levou a acrescentarem livros ao cânon no concílio de Trento, baseados na autoridade da igreja e do Papa). Nenhum concílio primitivo determinou o conteúdo do cânon, foi Deus, e unicamente Deus, quem determinou quais livros pertenciam à Bíblia. Foi simplesmente questão de Deus direcionar Seus seguidores a fazer o que Ele já havia decidido. O processo humano de reunir os livros da Bíblia foi imperfeito, mas Deus, em Sua soberania, e apesar de nossa ignorância e teimosia, levou a igreja primitiva ao reconhecimento dos livros que Ele havia inspirado. Credos Credo apostólico: Apareceu em Roma o chamado “símbolo romano”. Tratava-se de uma confissão de fé que evoluiu até formar aquilo que chamamos de “Credo dos apóstolos”. Fica claro que o propósito desse credo é repudiar as doutrinas dos gnósticos e de Marcião. O credo diz: Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra. Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém. Por este credo anteceder o Romanismo e resumir os principais pontos da fé cristã, não há problemas de ser recitado nas igrejas protestante, pelo contrário, é importante que o memorizemos e ensinemos aos nossos filhos, assim como os catecismo das igrejas reformadas tinham como base o ensino do credo, dos dez mandamentos e a oração do Pai Nosso.
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Credo ΙΧΘΥΣ (ichthys): O peixe é um dos símbolos mais antigos do cristianismo. Era um código secreto que continha uma confissão de fé. Fezse um acróstico com a palavra “peixe” em grego: Ιησοΰς Χριστός Θεού Υίός Σωτήρ I)ÉSOÚS - (CH)RISTÓS - (TH)EOÚ - (HY)ÓS - (S)ÓTÉR Jesus Cristo, Filho de Deus, o Salvador Sucessão apostólica (de doutrina) A Igreja, desde os primórdios, foi conhecida como “católica”, que significa “universal” ou “segundo o todo”. Ou seja, ela era “segundo o todo” da doutrina dos apóstolos. Postulou-se que os bispos (pastores daquela época) haviam recebido o evangelho dos apóstolos que foi passado de geração em geração, o que lhes dava autoridade em rejeitar as heresias que surgiam divergindo do evangelho. A princípio, esse conceito foi formulado para proteger a Igreja dos ataques perniciosos que distorciam a Palavra de Deus, porém acabou desembocando com o passar dos séculos, na conhecida infalibilidade papal, dando à tradição da Igreja Romana a mesma autoridade da Bíblia; desde então, “bastaria estar de acordo com o Bispo de Roma para estar de acordo com a tradição dos apóstolos” Principais apologetas Ireneu de Lião (130 - 202) (era pastor): Em resumo, a teologia de Ireneu consiste em grandiosa e amplíssima visão da história, de tal modo que os propósitos de Deus (o sumo pastor) se cumprem através dela. Nessa história, o ponto central é a encarnação de Jesus Cristo, não simplesmente porque Ele tenha vindo corrigir a carreira atrofiada da humanidade, mas também e sobretudo porque Deus já projetava a encarnação como o ponto culminante de sua obra desde o próprio momento da criação. O propósito de Deus é unir-se ao ser humano, e isto ocorreu em Jesus Cristo de modo inigualável. Clemente de Alexandria (150 – 215): A importância de Clemente não está no que ele tenha dito sobre tal ou qual doutrina, mas no modo em que seu pensamento é característico de todo um ambiente e tradição forjados na cidade de Alexandria, e que seria de grande importância (influência) para o curso posterior da teologia. Basta-nos dizer que se trata de um tipo de teologia cuja preocupação fundamental consiste em construir pontes entre a fé cristã e a cultura que a rodeia. E uma teologia construída mais para as pessoas cultas que para as massas.
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Tertuliano de Cartago (160 - 220): Escreveu diversas obras contra Marcião e os gnósticos, porém por volta dos 50 anos, adentrou à seita dos montanistas. Foi o primeiro teólogo que escreveu em Latim, língua comum do império romano ocidental, em razão disso, seu pensamento influiu notavelmente sobre toda a teologia ocidental. Mesmo após ter aderido aos montanistas, sua obra influenciou a igreja. Na “trindade” (termo criado por ele), ele expressa a fórmula “uma substância e três pessoas” e disse que há em Cristo “uma pessoa e duas substâncias ou naturezas”. Tais fórmulas influenciaram os credos dos séculos IV e V. É importante observar que ele não criou a doutrina da trindade e da dupla natureza de Cristo, apenas criou o termo, que com o decorrer do tempo tornou-se comum para a Igreja. Também influenciou a visão da igreja sobre penitências, pois para ele Deus é Legislador e Juiz, o qual considera o pecado como transgressão e culpa, assim exigindo satisfação; em lugar de satisfação, impõe punição; sendo que os pecados cometidos após o batismo requerem a satisfação mediante penitência, que quando cumprida, cancela-se a punição. Orígenes de Alexandria (185 – 254): Discípulo de Clemente, durante a perseguição de Septímio Severo — veremos à frente —, o pai de Orígenes foi feito prisioneiro e sofreu o martírio. Orígenes, que na época era ainda jovem, quis se unir ao seu pai no cárcere para sofrer o martírio com ele, mas sua mãe lhe escondeu as roupas e Orígenes viu-se obrigado a permanecer em casa, onde dedicou a seu pai um tratado em que o exortava a ser fiel até a morte (muitos naquela época queriam ser dignos de morrer por Cristo). Combateu os gnósticos durante sua vida, mas tornou-se herege (embora não seja reconhecido pela igreja como tal) por especular sobre a criação e ter uma interpretação platônica e alegórica de Gn 1 e 2, onde, segundo ele, a criação original consistiu exclusivamente de espíritos racionais, co-iguais e co-eternos. Segundo ele, a atual condição do homem pressupõe uma queda preexistente da santidade para o pecado, resultando a criação deste mundo material; os espíritos caídos agora se tornam almas e são revestidos de corpos; a matéria veio à existência com o propósito principal de suprir uma habitação e ser meio de disciplina e expurgo desses espíritos caídos. É importante ressaltar que até as heresias serviram para os propósitos de Deus, pois essa confusão doutrinária impulsionou os pais da igreja a definirem com clareza as principais doutrinas cristãs. O culto e costumes da Igreja Pelo menos a partir do século II, o culto de comunhão constava de duas partes. Na primeira liam-se e comentavam-se as Escrituras, faziamse orações e cantavam-se hinos. A segunda parte do culto começava
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geralmente com o ósculo (beijo) da paz, logo alguém trazia o pão e o vinho para frente e os apresentava a quem presidia; em seguida, o oficiante pronunciava uma oração sobre o pão e o vinho, na qual se recordavam os atos salvíficos de Deus e se invocava a ação do Espírito Santo sobre o pão e o vinho, depois se partia o pão. Em alguns casos, era permitido aos convertidos que ainda não tinham recebido o batismo assistir à primeira parte do culto — isto é, as leituras bíblicas, as homílias e as orações —, mas tinham de se retirar antes da celebração da comunhão propriamente dita. Outro dos costumes que aparece desde muito cedo era celebrar a comunhão nos lugares onde estavam sepultados os fiéis já falecidos. Essa era a função das catacumbas. A razão pela qual se reuniam nelas era que ali estavam enterrados os heróis da fé, e os cristãos criam que a comunhão os unia, não só entre si e com Jesus Cristo, mas também com seus antepassados na fé. Isto era particularmente certo no caso dos mártires, pois pelo menos a partir do século II existia o costume de se reunir junto a suas tumbas no aniversário de sua morte para celebrar a comunhão. Essa é a origem da celebração das festas dos santos, que em geral se referiam às datas de seus martírios, e não aos seus nascimentos.
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Unidade 4 – Período Antigo – Séc. III (201 a 300) Na unidade anterior, encerramos falando um pouco do culto e dos costumes da igreja no segundo século. Daremos continuidade ao tema, ao analisarmos a forma que era realizado o rito do batismo pela Igreja já no terceiro século. Batismo Em Atos, vemos que tão logo alguém se convertia era batizado. Isto era possível na comunidade cristã primitiva, onde a maioria dos conversos vinha do judaísmo, e tinha, portanto, certo preparo para compreender o alcance do evangelho. Mas, conforme a Igreja foi incluindo mais gentios, tornou-se cada vez mais necessário um período de preparo e de prova antes da ministração do batismo. Esse período recebe o nome de “catecumenato” e, no princípio do terceiro século, durava cerca de três anos. Durante esse tempo, o catecúmeno recebia instrução acerca da doutrina cristã, e tratava de dar mostras em sua vida diária da firmeza de sua fé. Por fim, pouco tempo antes do seu batismo, era examinado — às vezes em companhia de seus padrinhos — e admitido na classe dos que estavam prontos para ser batizados. As palavras catecumenato, catecúmeno e catecismo derivam-se do verbo grego katechein, que significa “ressoar”, “fazer ecoar junto aos ouvidos”. Em geral, o batismo era ministrado uma vez ao ano, no Domingo da Ressurreição, ainda que logo e por diversas razões começou a ser ministrado em outras ocasiões. Em princípios do século III, os que estavam prontos para ser batizados jejuavam durante a sexta e o sábado, e seu batismo era realizado na madrugada de domingo, como na ressurreição do Senhor. O batismo era por imersão, desnudados, os homens separados das mulheres. Ao sair da água, era dado ao neófito uma vestidura branca, em sinal de sua nova vida em Cristo (compare com Cl 3:9-12 e Ap 3:4). Além disso, era dado água para beber, em sinal de que havia se tornado limpo, não só exteriormente, mas também interiormente. Ele também recebia unção com óleo, porque agora o cristão veio a formar parte do sacerdócio real, e ainda se lhe dava leite e mel, porque entrara na Terra Prometida. Depois todos marchavam juntos à igreja, onde o neófito participava pela primeira vez do culto cristão em toda sua plenitude, isto é, da ceia. Ainda que, em geral, o batismo fosse por imersão, nos lugares em que faltava água era permitido praticá-lo vertendo água sobre a cabeça três vezes, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Quanto a se a igreja primitiva batizava crianças ou não, os acadêmicos não conseguiram chegar a um acordo. No século III, há indícios claros de que os filhos de pais cristãos eram batizados desde a meninice, mas todos os documentos anteriores deixam-nos em dúvidas acerca dessa questão tão
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debatida em séculos posteriores; o que não invalida a prática das igrejas históricas. 5. Perseguição sob Septímio Severo (202-210): Até fins do século II, a igreja desfrutou de um período de relativa paz. O Império, às voltas com guerras civis ao mesmo tempo em que tratava de defender suas fronteiras diante do incremento dos povos germânicos, não prestou demasiada atenção aos cristãos. Além disso, ainda se via em vigor o velho princípio promulgado por Trajano, no sentido de que os cristãos deviam ser castigados se fossem delatados e se negassem a oferecer sacrifício aos deuses, mas que não se devia fazer esforço de buscá-los ativamente. No século III, entretanto, a situação mudou. Embora a legislação de Trajano continuasse vigente, houve duas políticas novas, uma promulgada por Septímio Severo e outra por Décio, que afetaram profundamente a vida da igreja. Lúcio Septímio consolida seu poder e para que não haja revoltas institui uma política religiosa de caráter sincretista, baseada na adoração do Solis Invictus (Sol Invicto), no qual se fundiriam todas as religiões da época, assim como os ensinos de diversos filósofos. Tal política conflitava com a obstinação dos dois grupos religiosos que se negavam a dobrar-se diante do sincretismo: os judeus e os cristãos. Por isso, Septímio propôs-se deter o avanço dessas duas religiões e, com esse propósito, em 202 foi promulgado um decreto que proibiu, sob pena de morte, toda conversão ao judaísmo ou ao cristianismo. Ao mesmo tempo, a antiga legislação seguia vigente, de modo que a condenação viria também aos cristãos que fossem acusados e que se negassem a oferecer sacrifício aos deuses. Muitas mortes ocorreram devido às conversões ilegais, incorporando assim “severo” ao nome de Septímio. Dentre os principais mártires temos: Ireneu, pai de Orígenes; Perpétua e Felicidade. O Martírio de Perpétua e Felicidade O mais famoso dos martírios dessa época é o de Perpétua e Felicidade, que ocorreu por volta de 203. É possível que Perpétua e seus companheiros tenham sido montanistas, e que o autor que nos deixou o testemunho de seu martírio tenha sido Tertuliano. Todavia, o que mais nos interessa aqui é o fato de que os mártires são cinco catecúmenos, isto é, cinco pessoas que se preparavam para receber o batismo. Isto concorda com o que dissemos acerca do edito de Septímio Severo; o crime pelo qual eram acusados esses cinco jovens, vários deles adolescentes, não era só o fato de serem cristãos, mas também o de terem se convertido recentemente, desobedecendo assim ao decreto imperial. A heroína do martírio das santas é Perpétua, uma mulher jovem de boa posição social que amamentava ainda a seu filho recém-nascido. Acompanhavam-na dois escravos. Felicidade e Revocato, e outros dois
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jovens chamados Saturnino e Secúndulo, dos quais se sabe muito pouco. Boa parte do Martírio está posta nos lábios de Perpétua, e é muito possível que reproduza suas próprias palavras. Quando Perpétua e seus companheiros foram presos e o pai de Perpétua tratou de convencê-la a abandonar sua fé e assim salvar sua vida, ela lhe respondeu que, assim como cada coisa tem seu nome, ela era cristã. O cárcere de Perpétua e seus companheiros foi longo, ao que parece, porque as autoridades queriam fazer todo o possível para incitá-los a abandonar sua fé. Felicidade, que estava grávida quando foi presa, temia que em razão de sua gravidez lhe perdoassem, ou ao menos que atrasassem o seu martírio e que não pudesse então sofrer com seus companheiros. Mas, segundo o relato, suas orações foram respondidas, e ao oitavo mês de gravidez deu à luz uma menina, que imediatamente foi adotada por outra irmã na fé. Quando a viam se queixar das dores do parto, seus carcereiros perguntavam como ela esperava ter a coragem necessária para enfrentar as feras. A resposta de Felicidade é característica do modo em que muitos daqueles cristãos dos primeiros séculos enfrentavam o martírio: “Agora meus sofrimentos são só meus. Mas quando tiver que enfrentar as bestas haverá outro que viverá em mim, e sofrerá por mim, visto que eu estarei sofrendo por ele”. Os condenados deveriam usar uma roupa específica para o espetáculo. Cada roupa fazia menção a um deus romano, de modo que o sentenciado era oferecido como sacrifício àquele deus. Perpétua e Felicidade, e depois seus companheiros, se negaram a usar a “roupa festiva”, como que num último fôlego de testemunho — nem mesmo sua morte se tornaria oferenda para os deuses, “Damos livremente a nossa vida para não aceitar essas coisas. Há um contrato entre nós, e vós não tendes o direito de nos impor essas vestes”. Eles entraram na arena com pouquíssima roupa, mas com um brilho e uma alegria de espírito humanamente inexplicáveis. Todos eles tinham consciência de que sua morte seria um testemunho público importante para o avanço da fé cristã. Felicidade dizia que seu martírio significava para ela não a morte, mas um segundo batismo. Os mártires homens foram por fim lançados às feras, Saturnino e Revocato morreram rapidamente, mas nenhuma fera quis atacar Secúndulo. O javali que soltaram, em lugar de atacá-lo, feriu de morte um dos soldados. Quando o ataram para que um urso o atacasse, o urso negouse a sair de seu esconderijo. Por fim, o próprio Secúndulo anunciou ao seu carcereiro que um leopardo o mataria, e assim aconteceu. Quanto a Perpétua e Felicidade, anunciaram a elas que haviam lhes preparado uma vaca furiosa que as atacasse. Quando Perpétua foi atacada e lançada ao alto, simplesmente cingiu mais estreitamente seu vestido desfeito sobre suas carnes expostas, e pediu que lhe permitissem prender seu cabelo, porque o cabelo solto como tinham deixado era sinal de luto, e para ela esse era um momento feliz. Logo, foi para onde jazia Felicidade,
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também ferida pela vaca, levantou a sua companheira, e perguntou em voz alta, que surpreendeu a todos: “Onde está a famosa vaca?". Por fim, desgarradas e sangrando, as mártires se reuniram no centro do anfiteatro, onde se despediram com o ósculo de paz e se dispuseram a morrer à espada. Quando chegou a vez de Perpétua, seu carrasco tremia e não acertava feri-la de morte, e ela tomou-lhe a mão e a dirigiu para que a ferisse na garganta. Ao chegar a esse ponto, o Martírio comenta: “Talvez o demônio a temesse tanto que não se atrevia a matá-la sem que ela o quisesse”. Podemos perceber que as perseguições tinham como propósito a apostasia dos cristãos e martírio dos obstinados, mas acabou resultando o contrário: purificação e expansão da Igreja. Tertuliano diz em sua famosa frase que “O sangue dos mártires é a semente da igreja”. “Mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus nesta parte.” (1 Pe 4:16). Essa passagem era lida afim de incentivar os mártires. 6. Perseguição sob Maximino, o Trácio (235-238) Essa perseguição teve curta duração e foi local em seu território, seguindo o edito de Trajano. 7. Perseguição sob Décio (250-251) (primeira tentativa organizada de destruir a igreja cristã no império romano) Durante quase meio século, as perseguições cessaram quase por completo, num tempo em que o número de convertidos ao cristianismo crescia surpreendentemente. Para essa nova geração de cristãos, a maioria dos mártires eram pessoas que tinham vivido em era passada, e a quem se devia grande veneração, mas cuja situação dificilmente se repetiria. Cada dia havia mais cristãos entre as classes abastadas do Império; de fato, chegaram a circular boatos do imperador Filipe, o Árabe, que reinou de 244 a 249, de que era cristão. A perseguição se tornou uma memória do passado, um tempo amargo e doloroso. Mas na calmaria, veio a pior tempestade. Décio era simplesmente um romano de feitio antigo e um homem disposto a restaurar a velha glória de Roma. Devido a diversas tensões no Império (econômica, política e com os bárbaros), Décio assimila o esquecimento dos deuses à perda do brilho de Roma (como um castigo). Tal adoração aos deuses foi novamente imposta, com o intuito de salvar a Roma dos Césares; àqueles que não adorassem seriam considerados altos traidores por falta de patriotismo. Por mandato imperial, todos tinham de sacrificar diante dos deuses e queimar incenso diante da estátua do imperador.
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Quando alguém apostatava e sacrificava ao ídolo ou ao Imperador recebia o Libelo, ou seja, um documento certificando que ele adorou ao Imperador. Isso dava para ele uma série de garantias, fazia com que parasse de ser perseguido, poderia ter vida normal, diferente de outros cristãos que não possuíam esse documento. O propósito do imperador não era criar mártires, mas apóstatas; isso é evidenciado pelo fato de que poucos foram mortos nessa perseguição. A geração da calmaria foi pega de surpresa e muitos apostataram. Muitos apostataram de imediato, outros mais tardiamente e ainda outros compravam certificados falsos (o que de certa forma era uma apostasia). Controvérsia Suscitou uma controvérsia na igreja: o que fazer com os apóstatas que queriam voltar à igreja? Novaciano dividiu a igreja. O ponto básico do que ele ensinava era que os que haviam cedido não poderiam ser aceitos de volta. A igreja de Novaciano se espalhou por muitos lugares e acabou sendo uma igreja separada. Houve uma divisão em torno desse aspecto. 8. Perseguição sob Valeriano (257-259) Logo após, Valeriano, antigo companheiro de Décio, trouxe novamente perseguição, mas em 260 os persas o fizeram prisioneiro. 9. Perseguição sob Aureliano (270-275) A perseguição sob Aureliano é a última do terceiro século e a penúltima no total das perseguições do Império Romano contra os cristãos. De curta extensão, ela segue a maioria das perseguições, sendo local e passiva. Embora o Período Antigo seja caracterizado com grandes perseguições, o número de cristãos martirizados nos primeiros 250 anos da Igreja cristã é menor do que dos últimos 50 anos. Isso nos mostra um dos atributos da Igreja de Cristo: testemunha. A palavra testemunha em grego é mártys que dá origem a outra palavra portuguesa: mártir. “... e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.” Atos 1:8
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Unidade 5 – Período Antigo – Séc. IV (301 a 400) 10. Severa perseguição sob Diocleciano e Galério (303-324) A perseguição sob Diocleciano, mesmo sendo a última, talvez tenha sido a mais sangrenta de todas. A esposa de Diocleciano, Prisca, e a sua filha, Valéria, eram cristãs. Como já foi dito, os cristãos não se alistavam no exército para não terem de jurar ao imperador e, como resposta do império, foram promulgados quatro éditos: Primeiro édito Em 23 (ou 24) de fevereiro de 303 Diocleciano ordenou que a igreja cristã recentemente construída em Nicomédia fosse arrasada, as escrituras queimadas e apoderou-se dos seus tesouros. O dia 23 de fevereiro era a festa da Terminália, em honra a Términus, deus das fronteiras. Os imperadores pensaram que era apropriado: seria o dia em que terminaria o cristianismo. No dia seguinte Diocleciano publicou o “Édito contra os cristãos”. Os objetivos principais deste édito eram, como já tinham sido durante a perseguição de Valeriano, a propriedade cristã e o clero. O decreto ordenava a destruição das escrituras cristãs, dos livros litúrgicos, e dos lugares de culto em todo o império, e ainda a proibição de fazer construções para o culto. Além disso, estavam os cristãos privados do direito de petição junto dos tribunais, tornando-os alvos potenciais de tortura judicial. Os cristãos não podiam responder às ações interpostas contra si em tribunal. Os funcionários públicos cristãos foram privados dos seus postos, e os cidadãos imperiais foram reescravizados. Diocleciano pediu que o édito se exercesse “sem derramamento de sangue”, contra as exigências de Galério de que todos os que recusassem o sacrifício deviam ser queimados vivos. Apesar do pedido de Diocleciano, os juízes locais aplicavam muitas execuções durante a perseguição, e a pena de morte era um dos seus poderes discricionários. A recomendação de Galério — execução na fogueira — tornou-se num método comum de execução dos cristãos no Oriente. Segundo, terceiro e quarto éditos Em 303, seguindo uma série de rebeliões em Melitene e Síria, um segundo édito foi publicado, ordenando o arresto e encarceramento de todos os bispos e sacerdotes (provavelmente, devido à ineficiência parcial do primeiro édito). Depois da publicação do segundo decreto, as prisões ficaram cheias — o sistema penitenciário subdesenvolvido da época não podia manter tantos cristãos. Eusébio de Cesareia escreve que o decreto produziu o encarceramento de muitos sacerdotes e que os criminosos comuns ficaram muito “apertados”, e tiveram de ser libertados.
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Antecipando o vigésimo aniversário do seu reinado em 20 de novembro de 303, Diocleciano declarou uma anistia geral através de um terceiro édito. Qualquer membro do clero podia ser liberto, desde que concordasse em sacrificar aos deuses. Diocleciano poderá ter querido uma boa imagem para a sua legislação, ou também querido abalar a comunidade cristã ao publicitar as apostasias do clero. A exigência de sacrificar era inaceitável para muitos dos aprisionados, mas os guardas obtinham por vezes consentimentos tácitos em tais práticas. Alguns cediam, outros só após serem torturados. Em 304, o quarto édito ordenava que todas as pessoas, sejam homens, mulheres ou crianças, que se reunissem em lugar público e oferecessem um sacrifício coletivo. Se recusassem, seriam executados. A data precisa do édito é desconhecida, mas terá provavelmente sido emitido em janeiro ou fevereiro de 304, e foi aplicado nos Balcãs em março. Golpe e Édito de Paz Galério, através de meios ardis, convenceu Diocleciano a abdicar de sua posição, e assumiu a regência, intensificando ainda mais as perseguições. Por fim, quando os cristãos começaram a desanimar, a tormenta amainou. Galério estava enfermo de morte e, no dia 30 de abril de 311, promulgou seu edito de tolerância, que no final chega pedir oração dos cristãos por ele e pelo Império. Praticamente esta foi a última das perseguições que a igreja teve de sofrer nas mãos do Império Romano. Logo foram abertos os cárceres e as pedreiras, e delas brotou uma torrente humana de pessoas aleijadas, tortas e maltratadas, mas em deleite pelo que para elas era uma intervenção direta do alto. Após isto, o Império ficou sob a regência de 4 imperadores, que após diversos ocorridos Constantino torna-se o único imperador, mudando o curso da história até então. Mesmo com as perseguições, a Igreja se fortalecia; cada líder da igreja era denominado de “Bispo” (termo similar a “presbítero”); o tamanho da cidade, refletia na “popularidade” do líder da igreja local. Como os ataques de Satanás com heresias explícitas não estava funcionando, ele lança algo mais sutil mascarado como uma benção; a armadilha de Satanás foi a junção do Estado com a Igreja. Constantino, o Grande Constantino I, também conhecido como Constantino Magno ou Constantino, o Grande, foi proclamado Augusto pelas suas tropas em 25 de julho de 306, governou uma porção crescente do Império Romano até a sua morte. Ele foi o primeiro imperador romano a se declarar cristão. Sua “conversão” se deu, segundo a tradição, na noite anterior à batalha da
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Ponte Mílvia, a batalha era a disputa que já durava cinco anos entre Constantino e Magêncio sobre o controle da metade ocidental do Império Romano; então Constantino sonha com um Labarum – monograma que consistia na superposição das letras gregas Xi [] e Rô [], que são as duas primeiras letras da Cristo em grego [] –, nele estava escrito em latim In hoc signo vinces que significa “Sob este símbolo vencerás”; de manhã, um pouco antes da batalha, mandou que pintassem o Labarum nos escudos dos soldados e conseguiu uma vitória esmagadora sobre o inimigo. Esta narrativa tradicional não é hoje considerada um fato histórico, tratando-se antes da fusão de duas narrativas de fatos diversos encontrados nos escritos de Lactâncio e do bispo Eusébio de Cesaréia. Graças a esse acontecimento, Constantino se “converteu” ao cristianismo - converteu entre aspas, pois há dúvidas se foi uma conversão legítima, pois ele não renunciou o título de Pontifex Maximus e somente foi batizado, pouco antes de morrer, por um bispo que defendia avidamente o arianismo, Eusébio de Nicomédia. Constantino legalizou o cristianismo em Roma, pelo Édito de Milão, emitido em 313 d.C., também referenciado como Édito da Tolerância, declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda perseguição sancionada oficialmente, especialmente do cristianismo. Quando Constantino, portanto, começou a construir igrejas e a proclamar leis favoráveis ao cristianismo, ele não estava tanto buscando o favor dos cristãos, mas o do seu Deus. Esse Deus lhe tinha dado a vitória na Ponte Mílvia, e muitas outras que se seguiram. Parece que Constantino, durante boa parte da sua carreira política, pensou que o Sol Invicto e o Deus dos cristãos eram o mesmo ser, e que os outros deuses também eram reais e relativamente poderosos, apesar de serem divindades subalternas. Tal sincretismo de Constantino foi influenciado pelas religiões de mistério. O grande inimigo dos romanos naqueles tempos eram os persas, que vinham do Oriente. Como ali, em Roma, havia muitos problemas ele levou a sede do Império, em 324, para Bizâncio, mais ao Oriente, que então passou a se chamar Constantinopla (onde hoje é Istambul, Turquia) tendo futuramente consequências para a Igreja, tudo tem suas consequências. Reconstruiu a cidade para ficar à altura do Imperador. Construiu muitos monumentos. Essa cidade é extremamente estratégica, fica no ponto de encontro da Ásia com a Europa. Os primeiros editos de Constantino, embora favoráveis ao cristianismo em seus efeitos, foram redigidos com termos muito cautelosos para não interferirem nos direitos e liberdades do paganismo. Mas os cristãos
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gradualmente cresceram no favor de Constantino, e seus atos de bondade e liberalidade falaram mais alto que os editos. Ele não apenas lhes restaurou os direitos civis e religiosos dos quais haviam sido privados, e as igrejas e propriedades confiscadas na perseguição de Diocleciano; mas, com muitos presentes magníficos, possibilitou com que eles construíssem novos lugares para suas reuniões. Ele demonstrou grande favor aos bispos e os tinha constantemente a sua volta no palácio, em suas viagens, e em suas guerras. Também mostrou grande respeito pelos cristãos ao entregar a educação de seu filho Crispo nas mãos do celebrado Lactâncio, um cristão. E com todo o patrocínio real, ele assumiu a supremacia sobre as questões da igreja. Ele apareceu nos sínodos (assembleias) dos bispos sem seus guardas, se misturou em seus debates, e controlou as decisões religiosas. O historiador Peter Brown afirma que com essa aproximação do Estado com a Igreja, “não é o império que se converte ao cristianismo, mas o cristianismo que se converte ao império”. Consequências na igreja Depois da conversão de Constantino, o culto cristão começou a sentir a influência do protocolo imperial. O incenso, que até então tinha sido sinal do culto ao imperador, apareceu nas igrejas cristãs. Os ministros que oficiavam no culto começaram a usar vestimentas ricamente ornamentadas durante a ocasião, em sinal de respeito pela reunião. Pela mesma razão, vários gestos de respeito normalmente feitos diante do imperador começaram a surgir também no culto. Além disso, apareceu o costume de iniciar-se o culto com uma procissão. Para dar mais destaque a essa procissão, surgiram os coros. Como resultado, a longo prazo, a congregação participava cada vez menos do culto. Pelo menos desde o século II, os cristãos tinham se acostumado a comemorar o aniversário da morte de um mártir celebrando a ceia no lugar onde ele estava enterrado. Então, foram construídas igrejas em muitos desses lugares. Não demorou para que as pessoas pensassem que o culto teria significado especial se celebrado em uma dessas igrejas, por causa da presença das relíquias do mártir. Em consequência, começaram a desenterrar os mártires para colocar seu corpo — ou parte dele — sob o altar de várias das muitas igrejas que estavam sendo construídas. Ao mesmo tempo, algumas pessoas começaram a dizer que tinham recebido revelações de mártires até então desconhecidos ou quase esquecidos. Em certos casos, houve quem recebesse uma revelação que indicava onde estava enterrado o mártir em questão. Sem demora, muitos começaram a atribuir poder milagroso a essas relíquias, e dali a distância para a veneração e depois para a adoração é curta. Algo semelhante aconteceu com a imperatriz Helena (mãe de Constantino), que em 326 peregrinou para a Terra Santa, onde pensou ter descoberto a verdadeira cruz de Cristo — a “vera cruz”. Logo surgiram
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boatos de que essa cruz tinha poderes milagrosos, e partes dela foram espalhadas por muitas regiões do Império. Em meio a essa situação, os líderes da igreja tentavam refrear a superstição do povo, mas naturalmente não podiam negar que muitos dos milagres contados eram possíveis. Assim, por exemplo, houve pastores que tentaram explicar à sua congregação que não era necessário ir até a Terra Santa para ser cristão, ou que não devia haver exagero no respeito devido aos mártires e a Maria. Mas sua tarefa era muito difícil, pois cada vez mais convertidos pediam o batismo, e havia cada vez menos tempo e oportunidade para dirigí-los em sua vida cristã. De fato, a questão de como uma pessoa rica pode ser salva preocupou os cristãos dos primeiros séculos. Agora, a partir de Constantino, a riqueza e a pompa começaram a ser considerados um sinal do favor divino. Muitos viram em Constantino as profecias do Reino de Deus serem cumpridas. Mas o que houve foi o oposto, o paganismo apenas vestiu-se com roupagem cristã. Um cristão anônimo disse “O mundo se tornou cristão naquele momento, mas se tornou difícil ser cristão naquele mundo.” A Igreja fora do Império Romano Pérsia – centro da igreja asiática Era uma Igreja forte, fora do Império Romano. Essa Igreja passou a ser perseguida violentamente no quarto século. Quando cessou a perseguição no Império Romano, começou na Pérsia. Talvez até pela cristianização do Império Romano, os persas que eram inimigos dos romanos, podem ter feito essa associação, que cristãos são romanos, portanto, são nossos inimigos. Houve então umas das maiores perseguições em massa da História da Igreja. Existem estimativas que 190 mil cristãos persas tenham sido mortos nessa grande perseguição, no quarto século. Isso é bem mais que os mortos nos 250 anos de perseguição no Império Romano. E os cristãos da Pérsia normalmente foram bem mais fiéis do que os cristãos do Império Romano. África Axum (Etiópia) Todo norte da África era Império Romano, mas abaixo do Egito temos o reino de Axum (hoje Etiópia), que não é Império Romano. A Igreja de Axum deve a sua origem ao que eles chamavam de Nove Santos, nove missionários que vieram da Síria. Eles evangelizaram o reino todo de Axum. Até hoje essa Igreja persiste. Ela tem uma história separada, diferente. No Iraque também tem essa Igreja. Essa Igreja é diferente, não passa pela história que nós passamos.
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Núbia (Sudão) Um pouco mais para baixo temos a Núbia (hoje Sudão). Na Núbia a Igreja foi praticamente destruída, desapareceu. Aqui os judeus foram os principais perseguidores. Monasticismo Já antes dos tempos de Constantino, houve cristãos que, por diversas razões, sentiam-se chamados para um estilo de vida diferente. Apesar de as doutrinas gnósticas terem sido rejeitadas pela igreja, seu impacto continuou se fazendo sentir na opinião de muitos que pensavam que de um ou outro modo o corpo se opunha à vida plena do espírito, razão pela qual era necessário sujeitá-lo e até castigá-lo. O monasticismo, portanto, tem duas origens paralelas, uma proveniente de dentro da igreja, e a outra de fora. Dentro da igreja, o monasticismo se alimentou das palavras do apóstolo Paulo e da experiência da própria igreja, no sentido de que os que não se casavam podiam servir ao Senhor com mais liberdade. Naturalmente, esse sentimento com frequência se somava à convicção de que Jesus voltaria em breve. Se o fim estava próximo, não havia razão para casar e levar a vida sedentária dos que fazem projetos para o futuro. Em alguns casos, essa expectativa do fim e o celibato se baseavam sobre outra consideração: já que os cristãos devem dar testemunho do Reino que esperam, e já que Jesus dissera que no Reino “não se casarão nem se darão em casamento”, os que decidem permanecer solteiros testemunham do Reino que há de vir. De fora, a igreja recebeu ideias, exemplos e doutrinas que também impulsionaram o movimento monástico. Boa parte da filosofia clássica pregava que o corpo era a prisão ou o túmulo da alma, e que esta não poderia ser verdadeiramente livre enquanto não se colocasse acima das limitações daquele. A tradição estoica, muito difundida na época, ensinava que as paixões são o grande inimigo da verdadeira sabedoria, e que o sábio se dedica ao aperfeiçoamento da sua alma e ao domínio das suas paixões. Diversas religiões da costa do Mediterrâneo tinham virgens sagradas, sacerdotes solteiros, eunucos e outras pessoas que, por seu estilo de vida, consideravam-se separadas para o serviço dos deuses. Os cristãos usaram tudo isso como exemplo, e logo o somaram aos incentivos das Escrituras, para dar forma ao monasticismo cristão. A própria palavra “monge” vem do grego monachós, que quer dizer “solitário”. O termo “anacoreta”, com o qual eles logo foram chamados, quer dizer “retirado” ou “fugitivo”. Para essas pessoas, o deserto exercia atração única. Naturalmente, eles não viviam nas areias do deserto, mas em um lugar solitário — um oásis, um vale entre montanhas pouco habitado, ou talvez um cemitério antigo onde estivessem longe do restante do mundo.
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Com a ascensão de Constantino ao poder, no entanto, o tipo de vida que esses eremitas tinham escolhido passou a ser cada vez mais popular. Alguns viajantes daquela época contam, talvez com algum exagero, que houve tempos em que havia mais gente no deserto do que em muitas cidades. Outros citam números, como 20 mil monjas e 10 mil monges somente em uma região do Egito. Cada vez mais, os monges solitários cederam seu lugar aos que de um ou outro modo viviam em comunidade. Estes, mesmo ainda recebendo o nome de “monges” – ou seja, de solitários – consideravam que essa solidão era em relação ao restante do mundo, e não necessariamente a viver separado de outros monges. Esse monasticismo recebe o nome de “cenobita” — palavra derivada de dois termos gregos que significam “vida comum”. Com o tempo foram-se identificados os 8 demônios inimigos da vida monástica: glutonaria, pensamentos sexuais, amor ao dinheiro, tristeza, ira, preguiça, vanglória, arrogância. Estes, mais tarde, tornaram-se os 7 pecados capitais [mortais] do Romanismo. Características Monasticismo no Oriente: 1 - Monges solitários Eram mais radicais. Quanto mais para o Oriente, mais excêntrico era, exemplo: Simeão o Estilita23: É um monge, no deserto da Síria, que resolveu que viveria sua vida inteira em cima de uma coluna. Lá as pessoas íam aprender com ele. Ele um santo tanto na Igreja Romana como na Igreja Ortodoxia. O dia dele é o dia 5 de Janeiro. 2 – Ascetismo (abstenção de prazeres) extremo Haviam pessoas que se acorrentavam em pedras, que se alto flagelava etc. Isso acontecia principalmente no Oriente, no Ocidente não era comum. 3 - Tendência missionária Mesmo em meio à anormalidade, os monges do Oriente tinham o espírito missionário muito forte. O padrão do Oriente era, o indivíduo se tornava um monge, mas diferente do monge do Ocidente ele acabava voltando. Fortaleciam-se no isolamento e voltaam para a sociedade, onde trabalhavam na Igreja, normalmente como missionários, levando o evangelho a diante (nem todos é claro, mas muitos deles). Prós e contras do monasticismo: Prós: Eram piedosos na oração, conheciam as Escrituras, realizavam missões, e eram contrários à Roma. 23
Pessoa que fica em cima de uma coluna.
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Contra: Essa visão formulava um cristianismo de dois níveis, sendo os monges “mais santos” que aqueles que realizavam trabalhos ordinários; agiam sob o princípio da salvação por obras, mesmo sem afirmarem categoricamente, vemos que a ênfase de suas ações apontavam logicamente a esse princípio antibíblico; buscavam uma separação do mundo, indo contrariamente aos princípios bíblicos de se redimir o meio em que se vive, o próprio Cristo disse em Sua oração sacerdotal: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal.” (Jo 17:15). Donatismo Diante da perseguição de Diocleciano, ressurge a mesma discussão que houve com Novaciano no século anterior. Donato, bispo de Cartago, não aceitou que voltassem à comunhão na igreja aqueles que haviam sucumbido à perseguição. Por isso, Donato sai da igreja e cria, separadamente, a Igreja Donatista, que se espalhou principalmente no Norte da África, persistindo até a invasão muçulmana.
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Unidade 6 – Concílio de Nicéia Controvérsia Sabeliana e Ariana As raízes da controvérsia ariana remontam a tempos bem anteriores a Constantino, pois estão na maneira com que, através da obra de Justino, Clemente de Alexandria, Orígenes e outros, a igreja entendia a natureza de Deus. Quando os cristãos do século I saíram pregando, usaram a filosofia pagã (conceito de Ser supremo), redimindo-a, como munição contra acusações falsas que eram feitas (ateísmo e ignorância), porém isto começou a distorcer a figura do Deus cristão. Umas das primeiras (e mais perturbadoras) doutrinas falsas que surgiram das disputas a respeito da pessoa de Cristo começou em Roma, sob a influência de um dos principais líderes da igreja – um homem chamado Sabélio. Desde o seu início, em meados do século III, o sabelianismo propagou-se muito rapidamente pelas igrejas ao redor de toda a região do Mediterrâneo. Sabélio ressaltava a unicidade de Deus, a ponto de negar qualquer distinção relevante entre os membros da Trindade. Não questionava a divindade essencial do Pai, do Filho ou do Espírito Santo. Mas recorria a passagens tais como Deuteronômio 6:4 (“Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR!”) e insistia em que a unicidade de Deus excluía qualquer possibilidade de três pessoas distintas. Pelo contrário, conforme Sabélio alegava, todos os três nomes pertencem a uma única Pessoa divina, que simplesmente se manifesta em diferentes ocasiões, com personalidades diferentes. O sistema de Sabélio é, às vezes, chamado de modalismo, porque alegava, essencialmente, que Deus tem três diferentes “modos” de expressão (como troca de roupas). Às vezes, o sabelianismo também é chamado de patripassionismo (da combinação de duas palavras, em latim, que significa “pai” e “sofrimento”); porque, se o Pai e o Filho são meramente modos ou manifestações distintas de uma só Pessoa divina, logo, o Pai sofreu na cruz. O adversário mais importante e mais eficaz do sabelianismo foi Tertuliano (do qual citamos anteriormente). A obra de Tertuliano e de outros foi tão definitiva, que o sabelianismo foi universalmente rejeitado como uma heresia grave por todas as principais ramificações do cristianismo, desde o final do terceiro século. No entanto, nos calcanhares do sabelianismo, surgiu uma ameaça ainda mais significativa à própria essência do evangelho. No início do século IV, uma nova heresia foi introduzida na igreja, chamada arianismo. Ário, o principal responsável pela elaboração desse sistema de crenças, começou sua carreira como um presbítero jovem e brilhante, assistente do bispo de Alexandria, uma cidade importante no litoral Norte da África. Ário estudou teologia em Antioquia e foi ordenado em Alexandria, em 311 d.C.
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Logo conquistou a reputação de ser um homem sério e objetivo em sua maneira de se expressar; com uma mente aguda e uma aparência notavelmente boa. Entrou em cena disfarçado como anjo de luz e não demorou a conquistar seguidores leais. Ário se precavera contra as influências sabelianas, mas lhe faltava maturidade para fazer distinções sábias e cuidadosas. Sua resposta ao sabelianismo talvez tenha sido pior do que o primeiro erro. Alegava que o Pai e o Filho eram dois seres separados, que tinham naturezas completamente diferentes. Portanto, quando Ário ouviu seu bispo ensinar que Deus Pai e Deus Filho compartilham a mesma natureza e substância divina (isto é, são iguais em divindade e eternidade), Ário acusou-o de ensinar uma forma sutil de sabelianismo. Ário não quis retirar aquela acusação, embora o bispo tenha explicado a sua posição com muito cuidado. De fato, a reação de Ário foi precipitar-se no oposto do sabelianismo. Ele negou totalmente a divindade de Cristo e declarou que Cristo é um ser criado. “Antes de o Filho ser gerado, Ele não existia” – era assim que Ário expressava a sua teoria. Quando ficou claro que Ário não se retrataria, nem reconsideraria a sua posição, foi excomungado por seu bispo. Entretanto, Ário já tinha vários amigos influentes em posições de liderança em várias igrejas, espalhadas por todo o império. Até em Alexandria ele tinha numerosos seguidores que continuaram a apoia-lo. A excomunhão de Ário, em vez de acabar com a sua campanha, serviu apenas para fomentá-la. Ário elaborou maneiras astutas de popularizar e disseminar o seu ensino. Por exemplo, ele condensou suas opiniões em linhas breves de versos simples e irônicos, de métrica irregular. Publicou as estrofes num livro chamado Thalia24. Cada verso de Ário ecoava o mesmo tema consistente, mas sempre com expressões levemente diferentes: o Filho não é eterno; Ele não pode compreender perfeitamente o Pai; Ele não existia antes de Deus começar a criação; houve um tempo em que o Pai estava sozinho; e assim por diante. Quase todo verso continha uma negação semelhante da divindade ou da eternidade de Jesus. As palavras eram simples e diretas; e o significado, ousado e claro. Depois, Ário colocou essas palavras em músicas cativantes, e suas canções tornaram-se a música popular da época. Assim, as ideias arianas foram disseminadas em todo o império, por marinheiros e viajantes. Em pouco tempo, as modinhas e canções blasfemas de Ário começaram a substituir a hinologia da igreja. Aliás, Ário reconhecia que Jesus era mais do que um simples homem; mas também insistia em que Ele era menos do que plenamente Deus – era um arcanjo. Assim, rebaixou a plena divindade de Cristo a um tipo de semiperfeição. Dessa maneira, Ário continuava falando sobre a “divindade” de 24
Nome da musa da comédia e da poesia pastoral da mitologia grega.
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Cristo, afirmava que Cristo era “Senhor” e O reconhecia como objeto digno de adoração. No sistema de Ário, Jesus era quase Deus, mas não completamente Deus. Ao fazer nuanças cuidadosas em seu sistema, Ário conseguiu mascarar a gravidade de seu erro com palavras que pareciam ortodoxas; e tornou-se habilidoso nisso. Por exemplo, Ário respondeu à acusação de ser herege, insistindo no fato de que poderia afirmar com honestidade, sem reservas, todas as palavras do Credo dos Apóstolos. Embora o Credo dos Apóstolos declare implicitamente a divindade de Cristo, por referir-se ao Salvador como “Jesus Cristo, Filho Unigênito [de Deus], nosso Senhor”, a ideia do “senhorio” não era um problema para Ário. Ele afirmava o “senhorio” de Cristo, mas não a sua deidade. Até afirmava que Jesus era o “Filho unigênito” de Deus. Ário simplesmente redefinia essa expressão de modo a despojar Cristo de sua divindade e eternidade. Na realidade, Ário mudou completamente a linguagem do credo. A própria ideia de “filiação”, disse ele, comprova que Cristo derivou sua existência do Pai. Jesus não poderia ser eterno e também um “filho”. Além disso, segundo Ário, a expressão “Filho unigênito” comprova que Cristo teve um início em algum momento do tempo. Portanto, Ário podia afirmar com absoluta sinceridade as palavras do Credo dos Apóstolos, mas não em seu significado originalmente pretendido. Naquele tempo, muitos cristãos ficaram totalmente confusos com a alegação de Ário; incertos quanto ao que deveriam fazer com alguém que afirmava as expressões básicas da fé cristã, mas interpretava as palavras de modo diferente. Concílio de Nicéia Constantino queria que a igreja fosse “o cimento do Império”, e por isso qualquer divisão nela podia ameaçar a unidade do Império. Por essa razão, já desde o tempo de Constantino, o Estado começou a usar seu poder para acabar com as diferenças de opinião que surgiam dentro da igreja. Em 325, Constantino convoca o primeiro concílio ecumênico em Nicéia, Ásia Menor Não sabemos o número exato de bispos que assistiram ao concilio, mas ao que parece foram cerca de trezentos. Para compreendermos a importância do que estava acontecendo, recordemos que vários dos presentes tinham sofrido prisões, torturas ou exílio pouco antes, e alguns levavam em seu corpo as marcas físicas da sua fidelidade. Agora, poucos anos depois daqueles dias de provações, todos esses bispos eram convidados a reunir-se na cidade de Niceia, e o imperador cobria todos os seus gastos. Eusébio de Cesareia descreve a cena em sua Vida de Constantino: Ali se reuniram os mais distintos ministros de Deus, vindos da Europa, Líbia (isto é, África) e Ásia. Uma só casa de oração, como que
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ampliada por obra de Deus, abrigava sírios e cilícios, fenícios e árabes, delegados da Palestina e do Egito, tebanos e líbios, junto dos que vinham da Mesopotâmia. Havia também um bispo persa, e tampouco faltava um cita na assembleia. Ponto, Galácia, Panfília, Capadócia, Ásia e Frígia enviaram seus bispos mais distintos, bem como os que moravam nas regiões mais remotas da Trácia, Macedônia, Acaia e Epiro. Até mesmo da Espanha um de grande fama (Ósio de Córdoba) sentou-se como membro da assembleia. O bispo da cidade imperial (Roma) não pôde participar por causa da sua idade avançada, mas seus presbíteros o representaram. Constantino é o primeiro príncipe de todas as épocas que juntou semelhante grinalda mediante o vínculo da paz, e a apresentou a seu Salvador como oferta de gratidão pelas vitórias que conseguiu sobre seus inimigos. Nesse ambiente de euforia, os bispos se puseram a discutir as muitas questões legislativas que era necessário resolver, uma vez terminada a perseguição. A assembleia aprovou uma série de regras para a readmissão dos que tinham caído, sobre como os presbíteros e bispos deveriam ser eleitos e ordenados, e sobre a ordem de precedência das diversas sedes. Haviam 4 grupos: 1) a favor de Ário, liderados por Eusébio de Nicomédia que defendeu Ário perante o concílio, pois Ário não era bispo; 2) contra Ário, liderados pelo bispo Alexandre e o jovem Atanásio; 3) meia dúzia de sabelianos; 4) e os que achavam o debate desnecessário, devido à calmaria que havia vindo depois de tantas perseguições. Quando os bispos ouviram a exposição das doutrinas arianas, sua reação foi bem diferente da que Eusébio esperava. A doutrina de o Filho ou Verbo ser somente criatura — por mais exaltada que fosse essa criatura — parecia-lhes atentar contra o próprio âmago da sua fé. Aos gritos de “blasfêmia!”, “mentira!” e “heresia!”, Eusébio teve de calar-se, e conta-se que alguns dos presentes lhe arrancaram seu discurso, rasgaram-no em pedaços e o pisotearam. O resultado de tudo isso foi que a atitude da assembleia mudou. Anteriormente, a maioria quisera tratar o caso com a maior suavidade possível, e talvez evitar que algum lado fosse condenado, mas agora a maior parte estava convencida de que era necessário condenar as doutrinas expostas por Eusébio de Nicomédia. O concílio condenou as doutrinas de Ário e Eusébio e formularam o famoso credo niceno: Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E em um só Senhor, Jesus Cristo, o Filho de Deus; gerado como o Unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus; Luz de Luz; verdadeiro Deus de verdadeiro Deus; gerado, não criado; consubstancial [homoousios] ao Pai; mediante o
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qual todas as coisas vieram a existir, tanto as que estão nos céus quanto as que estão na terra; que para nós, homens, e para nossa salvação desceu e se fez carne, fez-se homem, e sofreu, e ressuscitou ao terceiro dia, ascendeu ao céu e virá para julgar os vivos e os mortos. E no Espírito Santo. Aos que dizem, pois, que existiu quando o Filho de Deus não existia, e que antes de ser concebido não existia, e que veio à existência a partir das coisas que não são, ou que foi formado de outra substância [hypóstasis] ou essência [ousía], ou que é uma criatura, ou que é mutável ou variável, a estes a igreja católica anatematiza. Depois foram acrescentadas diversas cláusulas — e foram tirados os anátemas do último parágrafo. O chamado “Credo apostólico”, por ter surgido em Roma e nunca ter sido conhecido no Oriente, é usado somente pelas igrejas de origem ocidental — ou seja, a romana e as protestantes. Mas o Credo niceno, ao mesmo tempo em que é usado pela maioria das igrejas ocidentais, também é o credo mais comum entre as igrejas ortodoxas orientais — grega, russa etc. Os bispos se consideraram satisfeitos com o credo, e quase todos o assinaram, dando assim a entender que ele era uma expressão genuína da sua fé. Somente alguns poucos — entre eles Eusébio de Nicomédia — negaram-se a assiná-lo. Esses foram condenados pela assembleia, e depostos. A essa sentença Constantino acrescentou a sua, ordenando que os bispos depostos abandonassem suas cidades. Essa sentença de exílio, acrescentada à de heresia, teve consequências funestas, pois estabeleceu o precedente de que o Estado intervém para assegurar a ortodoxia da igreja ou de seus membros. Reviravolta O concilio de Niceia não pôs fim à discussão. Eusébio de Nicomédia era político hábil — e parece até ter sido parente distante de Constantino. Sua estratégia foi reconquistar a simpatia do imperador, que logo lhe deu permissão para regressar a Nicomédia. Já que nessa cidade ficava a residência de verão de Constantino, isso deu a Eusébio a oportunidade de aproximar-se cada vez mais do imperador. Mais tarde, até o próprio Ário foi trazido do seu lugar de desterro, e Constantino ordenou ao bispo de Constantinopla que admitisse o herege para a ceia. O piedoso bispo de Constantinopla lhe recusou a permissão para tal. Alguns dos amigos de Ário, que continuavam em boa situação como membros da igreja, escreveram imediatamente um protesto veemente ao bispo, dizendo que um grande grupo deles pretendia acompanhar Ário à igreja, no dia seguinte, para receberem juntos a Ceia. O bispo de Constantinopla orou: “Se Ário deve ser unido à igreja amanhã, que eu possa partir. Não destruas os piedosos com os ímpios. Mas,
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se queres ter misericórdia e poupar a igreja... remova a Ário, para que a heresia não entre junto com ele, e a impiedade não seja considerada piedade”. Ário, sentiu-se mais corajoso depois de sua audiência com o imperador e com o apoio subsequente de seus amigos, passou a tarde fazendo discursos e se vangloriando de seu triunfo iminente, porém, atingido por um ataque repentino e violento de cólera (diarreia grave), Ário morreu naquele mesmo dia. Atanásio No Concílio de Nicéia apareceu um personagem muito importante, um dos Pais da Igreja fundamentais, Atanásio. Ele era apelidado de Anão Negro, por ser baixinho e de pele bem escura. Era muito jovem nessa época do Concílio de Nicéia, 25 anos aproximadamente, e não teve uma grande participação; ele era um diácono e estava apoiando o Bispo de Alexandria, Alexandre. Mais tarde, de diácono, passou a ser presbítero, e depois a Bispo de Alexandria, já com 30 anos. Constantino tornou-se achegado à heresia ariana e após sua morte, seu filho, Constâncio, defendeu abertamente o arianismo. Neste momento ficou famosa a frase de Jerônimo “o mundo despertou de um sono profundo e percebeu que tinha ficado ariano”. Depois de Nicéia começou uma mobilização muito forte para trocar o termo “homoousios” por “homoiousios” – de substância semelhante; tentando aliviar a tensão. Vários homens da Igreja estavam indo por esse caminho e, quem lutou contra foi Atanásio, bateu o pé por causa daquela palavra; por isso foi dito “Unus Athanasius contra orbem” (Um Atanásio contra o mundo). Atanásio escreveu o livro Encarnação do Verbo e diz “que se Jesus Cristo não é Deus nós não estamos salvos”. Esse é o tema básico dele. Atanásio foi 5 vezes exilado por causa da sua luta pela veracidade da Trindade e, pela divindade do Filho. Ele batalhou com unhas e dentes por isso. Em 361, Juliano, o apóstata, sobe ao poder e retira a imposição ariana feita por Constâncio, pois queria voltar à Roma pagã, nisso houve um alívio aos nicenos. No ano 373, quando morre Atanásio, o Arianismo já estava declinando, perdendo força, por causa da luta dele. Em 381, quando houve o Concílio de Constantinopla, o segundo Concílio Ecumênico, o Arianismo, por incrível que pareça, apesar de quase ter prevalecido na História da Igreja, acabou sendo condenado outra vez. Graças a Deus por isso. O Arianismo não estava derrotado ainda, porque no meio dessa confusão, depois do Concílio de Nicéia, saíram vários missionários para o meio dos bárbaros. Esses missionários saíram no auge do Arianismo. Eles pregaram uma teologia Ariana para os bárbaros. Quando os bárbaros voltaram para dentro do Império Romano, trouxeram o Arianismo de volta.
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Teodósio I (379-395) Teodósio era um general católico, natural da Espanha, que logo expulsou os arianos da cidade. Em 27 de fevereiro de 380 d.C. é assinado por Teodósio I, em Tessalônica, o édito denominado de Cunctos populos que declarou o cristianismo como a religião oficial de Roma. Se com Constantino o Estado e a Igreja se aproximam, com Teodósio há a união destes. Teodósio, convocou o segundo Concílio Ecumênico, que foi realizado em Constantinopla em 381, com o principal tema sendo a divindade do Espírito Santo. Reafirmou-se a condenação do Arianismo como heresia e condenou-se o Apolinarianismo. O Concílio reafirmou o Credo Niceno com algumas alterações e adições: Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, nascido, não criado, de uma só substância com o Pai, por quem todas as coisas foram feitas; o qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu e se fez carne pelo Espírito Santo na virgem Maria e se fez homem, e foi crucificado por nós sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado, e ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras, e subiu ao céu e está sentado à direita do Pai, e virá novamente com glória para julgar os vivos e os mortos, e o seu reino não terá fim. E no Espírito Santo, que é Senhor e Vivificador, o qual procede do Pai e do Filho (filioque, adicionado em 589), que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, que falou pelos profetas. E em uma só santa Igreja universal e apostólica. Confesso um só batismo para remissão dos pecados. Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo vindouro. Amém. Vemos nesses eventos a providência de Deus na preservação da sã doutrina mediante um remanescente fiel.
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Unidade 7 – Escolas de interpretação e a disputa pelagiana – Sécs. III e V As escolas de interpretação da Bíblia No início do cristianismo, os cristãos eram desprezados por serem, na maioria, pessoas marginalizadas pela sociedade (escravos e mulheres). Após a morte dos apóstolos, inicia-se a chamada era pós-apostólica, que vai do século II até o século IV, época dos grandes concílios ecumênicos na Igreja. No período pós-apostólico, a Igreja era liderada por pastores e bispos que vieram a exercer considerável influência sobre a Cristandade daquela época. São os chamados “Pais da Igreja”. Os Pais da Igreja procuravam entender qual a verdade de Deus examinando as Escrituras. Debates vigorosos acontecem quanto ao sentido exato das palavras dos apóstolos e profetas. Uma das questões hermenêuticas centrais era como a Igreja Cristã poderia interpretar as profecias, instituições, personagens e eventos do Antigo Testamento de forma a refletir a Cristo. Além disso, esses pais eram apologetas, ou seja, defendiam a fé cristã de ataques de falsos líderes que distorciam questões essenciais da fé cristã. Duas linhas nítidas e diferentes de interpretação surgem. A primeira, mais alegórica, está relacionada com a cidade de Alexandria. A outra, que surge depois em Antioquia em reação à primeira, é mais voltada para o sentido literal do texto bíblico. Escola de Alexandria A escola de Alexandria foi fortemente influenciada pela filosofia platônica dualista do mundo das ideias e o mundo sensível, com isso a alegorização do texto bíblico tornou-se característico desta escola interpretativa. Dentre diversos representantes dessa escola, o nome que destacaremos é Orígenes. Orígenes (185 - 253 d.C.) é a mais importante figura nesse período. Era um estudioso muito respeitado, muito capaz e provavelmente o mais erudito de sua época. Sua abordagem da Escritura pode se resumir em alguns pontos essenciais: • A melhor maneira de se entender a Bíblia é através da perspectiva platônica. Nesse sentido, Orígenes é um verdadeiro discípulo de Filo de Alexandria. • A Bíblia contém segredos que somente a mente espiritual pode compreender. O sentido literal é valioso, mas algumas vezes obscurece o sentido primário, que é o espiritual. O literal é para iniciantes, mas o espiritual é para os maduros na fé.
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• Se Deus é o autor da Bíblia, ela deve ter um sentido mais profundo. A interpretação literal é própria dos judeus e não dos cristãos. A esses foi revelado o sentido mais profundo das Escrituras, que havia sido ocultado dos judeus incrédulos. Há três níveis de sentido nas Escrituras, correspondentes às três dimensões da personalidade humana: 1) Carne – a interpretação literal e óbvia corresponde à carne ou ao corpo humano, que é visível e evidente a todos que o veem. Esse tipo de interpretação é para os indoutos. 2) Alma – aqueles que já fizeram algum progresso na vida cristã começam a discernir sentidos mais além do óbvio. 3) Espírito – a interpretação alegórica, própria dos que são espirituais. Exemplo de sua interpretação alegórica: Faraó mandando matar os meninos e preservando as meninas hebreias (Êx 1:15-16). Os meninos significam o espírito intelectual e sentidos racionais enquanto que as meninas significam paixões carnais. Escola de Antioquia A escola de Alexandria foi fundada por Luciano de Samósata (240 312 d.C.), teólogo cristão que deu origem a uma tradição de estudos bíblicos que ficou conhecida pela erudição e conhecimento das línguas originais. Luciano fundou em Antioquia da Síria uma escola de estudos bíblicos em oposição consciente ao método alegórico ligado a Alexandria, particularmente ao método de Orígenes. Essa escola tornou-se famosa por sua abordagem literal das Escrituras. Foi formada no início do século IV, embora já no século II houvesse em Antioquia estudiosos com uma interpretação mais sóbria da Bíblia. O princípio que regia a interpretação dessa escola era caracterizado pela sensibilidade e atenção ao sentido literal do texto. Era uma abordagem que procurava alcançar o sentido do texto através da busca da intenção do seu autor considerando o contexto histórico em que foi escrito. Agostinho de Hipona (354 – 430) Agostinho conta sua história de vida em seu livro Confissões. O livro todo tem o estilo de uma oração. Agostinho de Hipona foi criado no norte da África. Sua mãe, Mônica, fez tudo possível para que ele aceitasse o cristianismo. Mas Agostinho se tomou maniqueísta (adepto de doutrina dualista parecida com o gnosticismo) e, depois, neoplatônico. Enfim, converteu-se em Milão, onde ensinava retórica. Voltou à África para viver como monge, mas pouco depois foi eleito bispo de Hipona.
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Agostinho escreve extensivamente sobre a graça e predestinação, veja um trecho de seu livro Confissões: Solilóquio de amor Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora, a te procurar! Eu, disforme, me atirava à beleza das formas que criaste. Estavas comigo, e eu não estava em ti. Retinham-me longe de ti aquilo que nem existiria se não existisse em ti. Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez. Brilhaste, e teu esplendor afugentou minha cegueira. Exalaste teu perfume, respirei-o, e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama. (Cap. 27) Outro trecho de seu livro é uma frase que expressa seu pensamento monergístico (Deus sendo o único agente ativo na salvação): “Concede-me o que me ordenas, e ordena o que quiseres”. A Controvérsia Pelagiana Pelágio era um monge de origem britânica, que ficara famoso por sua severidade. Para ele, a vida cristã consistia em um esforço constante, através do qual a pessoa vencia seus pecados e obtinha a salvação. Pelágio foi para Roma, e lá começou a trabalhar com os pobres. Ele queria ensinar aquelas pessoas mais simples, mais pobres, a serem bons cristãos. Ele ficou chocado com o que viu em termos de pecado que havia no meio das pessoas. Ficou também profundamente chocado com o escrito que leu de Agostinho. Ele detestou aquele livro (Confissões). Pelágio achava que se as pessoas começassem a ouvir esse tipo de coisa elas se tornariam totalmente passivas e, não buscariam mais a retidão, não buscariam mais o caminho certo, ficando totalmente descuidadas na vida. Pelágio afirmava que cada um de nós vive no mundo completamente livre para pecar ou não pecar. Não há o que é chamado de pecado original, nem uma corrupção da natureza humana que nos obrigue a cair. Se caímos, é por conta e decisão própria. As crianças não têm nenhum pecado até que elas mesmas, individualmente, decidam pecar. Em questões práticas, ele era contrário ao pedobatismo. Insistia que a queda de Adão afetara apenas a Adão, e que se Deus exige das pessoas que vivam vidas perfeitas, ele também dá a habilidade moral para que elas possam fazê-lo e embora considerasse Adão como “um mau exemplo” para a sua descendência, suas ações não teriam consequências para a mesma. Sendo o papel de Jesus definido pelos pelagianos como “um bom exemplo fixo” para o resto da humanidade (contrariando, assim, o mau exemplo de Adão), bem como proporciona uma expiação pelos pecados de Cristo apenas, sem implicar na expiação dos pecados da humanidade; posteriormente Pelágio reivindicou
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que a graça divina era desnecessária para a salvação, embora facilitasse a obediência. Para combate-lo, Agostinho ressaltou a doutrina do pecado original, a corrupção da natureza humana, o servo arbítrio (arbítrio escravizado, cativo) e a necessidade da graça divina para a salvação. Em toda essa controvérsia havia uma questão muito mais profunda, que muitas vezes passa despercebida. O assunto em questão era de uma psicologia extremamente simplista por parte de Pelágio, contra uma grande habilidade introspectiva por parte de Agostinho, que sabia por experiência própria que a vontade humana é muito mais complexa do que Pelágio queria dar a entender. Partindo então desse ponto, sua lógica inflexível o levou às doutrinas da graça irresistível e da predestinação. Como veremos mais adiante, Martinho Lutero, depois de experiências semelhantes às de Agostinho, chegou a conclusões parecidas. A controvérsia durou vários anos, e os pelagianos foram condenados no Concílio ecumênico de Éfeso e em outros. Mas isso não quer dizer que todas as doutrinas de Agostinho foram aceitas pelo Romanismo. Foi aceita sua afirmação da corrupção humana, do pecado original e da necessidade da graça. Mas suas doutrinas da graça irresistível e da predestinação encontraram poucos adeptos até a época da Reforma Protestante, no século XVI. O sínodo de Cartago e o Concílio de Éfeso aprovaram o ensino de Agostinho, mas depois em Orange, na França, deixaram uma porta aberta. Colocaram assim – “Nem um nem outro. Deus nos salva, mas não sem a nossa ajuda”. Isso é semipelagianismo, e acabou se tornando a teologia oficial da Igreja Católica Romana. David B. Calhoun chama esse tipo de teologia de teologia percentual. A salvação é assim, uma porcentagem para cada um, Deus entra com uma porcentagem e eu entro com outra porcentagem. Pode ser 99% Deus e 1% você, mas ainda assim é um modelo sinergista (antônimo do monergismo), portanto semipelagiano. Os pais da igreja A pergunta que fica é: como deveríamos ver os pais da igreja? O Romanismo e a ortodoxia oriental tendem à veneração, considerando-os santos. Já os protestantes têm tendência de ignorá-los, devido à veneração Romana, tendo receio da idolatria que os cercam. Mas a posição adequada que devemos ter é entendermos que eles eram seres humanos, pecadores necessitados da graça divina, que erraram muitas vezes, mas que também foram frequentemente defensores fiéis da fé cristã e guias da Igreja de Cristo. Concílios ecumênicos Enquanto o Ocidente mergulhava no caos trazido pelas invasões dos bárbaros, no Oriente ainda se cultivavam a literatura e as ciências da
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antiguidade. Nesse ambiente mais culto, surgiram várias controvérsias, especialmente em torno da cristologia e, posteriormente, no tocante às imagens. Houve 7 Concílios ecumênicos (igreja ocidental e oriental): • Os concílios de Nicéia (325) e Constantinopla (381) abordaram mais especificamente o tema da Trindade; • Os concílios de Éfeso (431), Calcedônia (451), Constantinopla II (553), Constantinopla III (681) abordaram a Doutrina de Cristo, as Duas Naturezas; • E o concílio de Nicéia II (787) abordou o tema dos Ícones. Destes, os protestantes reconhecem apenas os quatro primeiros. Concílio de Éfeso (431) Pelágio e Nestório foram condenados como hereges e heterodoxos nesse concílio. É apresentado o primeiro documento falando sobre a ascensão de Maria. Segundo tradições da igreja antiga, sabemos que Maria, mãe de Jesus, teve um importante papel de liderança nas igrejas da Ásia Menor, desempenhando funções de pregadora e missionária em toda aquela região, especialmente na cidade de Éfeso, onde também morou até o final da sua vida junto à família de João apóstolo, sendo sepultada num cemitério cristão. Nos sécs. IV e V, o paganismo estava ganhando roupagem cristã, então Maria passa a ser associada à Diana, deusa casta dos efésios, um dos cultos mais importantes do mundo antigo (At 19:23-28). Diana tinha os títulos de: “a que gerava demiurgos sem se macular”, e à Maria é associada a imaculada conceição; Diana é “casta”, Maria é a virgem eterna. Templos e nichos (objetos) passam a ser dedicados ao culto de Maria, assim como era à Diana. Epifânio, bispo de Éfeso, apresentou um documento neste concílio dizendo que teve uma visão de Maria (a primeira, das muitas que viriam) em que ela foi assunta ao céu, para se juntar ao Filho. Com isso a igreja autorizou que se construísse um templo à Maria, em Éfeso, que curiosamente era o local atribuído à Diana. Alexandria, no Egito, e Antioquia, na Síria, sempre rivalizaram uma com a outra. No caso da pessoa de Cristo, a ênfase de Alexandria era na divindade de Cristo, e a ênfase de Antioquia era na humanidade de Cristo. Isto causava desequilíbrios e extremos que se tornaram heresia, como as posições defendidas por Nestório e Êutiques. Nestório e Êutiques Nestório era Bispo de Constantinopla, foi treinado na tradição de Antioquia. Ele ficou preocupado com uma expressão que era usada em Alexandria Theotocos – Mãe de Deus. Essa expressão não era usada como
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é hoje, para exaltar Maria, naquele tempo era para mostra que aquele bebê que estava no ventre de Maria era Deus. Nestório não gostou daquela expressão, pois incomodava ele, então ele recomendou que usassem Christotokos (A mãe de Cristo), para não confundir a cristologia das pessoas. Também não gostava do termo “União das Naturezas” ele preferia “Conjunção das Naturezas”. Nestório sofreu feroz oposição de Cirilo, bispo de Alexandria. Cirilo era um teólogo competente, um indivíduo muito inteligente, mas não muito ético, jogou sujo várias vezes com Nestório, fazia qualquer coisa para prevalecer. Era insistente e briguento. O Concílio de Éfeso, em 431, que é o terceiro Concílio Ecumênico, condenou o Nestorianismo, que dizia que Jesus tinha duas naturezas postas em conjunto, mas que eram totalmente independentes. A ilustração que se usava é da Água e do Óleo, embora juntos, não se misturam. Esse Concílio condenou também Nestório, que acabou exilado e considerado herege, e afirmou que Jesus é uma pessoa e não duas. Esse Concílio agiu inadequadamente, porque não houve discussão, como é de praxe. Os representantes de Constantinopla não chegaram a tempo, por causa das viagens, e Cirilo começou assim mesmo. Começou de qualquer jeito, mas não havia alguém da posição Nestoriana para discutir e foi aprovada a posição de Alexandria. Esse é um exemplo dos jogos políticos que haviam dentro da igreja. Cirilo foi desonesto. Hoje os historiadores acham que Nestório foi injustiçado. Porém, houve momentos em que ele fez jus ao título de herege. Por exemplo, no calor da discussão ele falou que não aceitava um Deus de três anos de idade. Então se Jesus Cristo não era Deus aos três anos de idade em algum momento ele teve que se tornar Deus, e isso começa a complicar. Toda essa situação causou divisão da Igreja, por isso hoje temos a Igreja Nestoriana, na Pérsia. Com a vitória de Alexandria parecia que tudo tinha se resolvido, que tudo tinha tomado um rumo claro, mas não resolveu coisa alguma, porque surge um líder de um mosteiro em Constantinopla chamado Êutiques (378454 d.C.), que foi a outro extremo. Também conhecida por Monofisismo, esta concepção de Cristo, formulada por Eutiques ensinava que a natureza divina de Jesus havia absorvido a natureza humana, gerando consequentemente uma natureza teantrópica. Esta palavra vem da palavra grega theos, que significa “Deus”, e da palavra antropos, que significa “homem”. Eutiques dizia que a natureza de Cristo não era nem verdadeiramente divina, nem verdadeiramente humana; era uma mistura da divina e da humana. Esta doutrina é preocupante pois anula Cristo como verdadeiro Deus e como verdadeiro homem, o único que pode nos trazer salvação. Num concílio armado, a doutrina de Êutiques torna-se ortodoxa, porém Leão I (que podemos considerar o primeiro Papa) chamou de Latrocinium e convoca o Concílio de Calcedônia.
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O concílio de Calcedônia (451), foi o maior de toda a História, com mais de 500 Bispos presentes. A maioria dos Bispos eram do Oriente, porque no Ocidente a maioria não pôde vir, devido às invasões bárbaras. Este concílio condenou o Monofisismo. Neste concílio foi formulada a Definição de fé de Calcedônia, esclarecendo sobre a dupla natureza de Cristo, como se pode ler: Seguindo, pois, os santos Pais, ensinamos todos a uma voz que deve ser confessado um só e o mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, o qual é perfeito em divindade e perfeito em humanidade; verdadeiro Deus e verdadeiro homem, de alma racional e corpo; consubstancial ao Pai em divindade, e assim mesmo consubstancial a nós em humanidade; semelhante a nós em tudo, porém sem pecado; gerado pelo Pai antes dos séculos de acordo com a divindade, e, nos últimos dias, por nós e nossa salvação, da virgem Maria, mãe de Deus (theotokos), segundo a humanidade; um e o mesmo Cristo Filho e Senhor Unigênito, em duas naturezas, sem confusão, sem mutação, sem divisão, sem separação, e sem que desapareça a diferença das naturezas por causa da união, mas mantendo as propriedades de cada natureza, e unindo-as em uma pessoa e substância (hipóstasis); não dividido ou partido em duas pessoas, mas um e o mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo e Senhor Jesus Cristo, como foi dito acerca dele pelos profetas de antigamente e o próprio Jesus Cristo nos ensinou, e o Credo dos Pais nos transmitiu. As mais importantes implicações dessa declaração são as seguintes: 1. As propriedades de ambas as naturezas podem ser atribuídas a uma só pessoa, como, por exemplo, onisciência e conhecimento limitado. 2. Os sofrimentos do Deus-homem podem ser reputados como real e verdadeiramente infinitos, ao mesmo tempo que a natureza divina não é passível de sofrimento. 3. É a divindade, e não a humanidade, que constitui a raiz e a base da personalidade de Cristo. 4. O Verbo não se uniu a um indivíduo humano distinto, e sim à natureza humana. Não houve primeiro um homem já existente com quem se teria associado a Segunda Pessoa da Deidade. A união foi efetuada com a substância da humanidade no ventre da virgem. Esta declaração é ortodoxa e seguida majoritariamente pelas igrejas cristãs, mas essa discussão foi longa.
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Igrejas dissidentes Essas controvérsias deram origem a várias igrejas dissidentes ou independentes que sobrevivem até hoje — as igrejas chamadas “nestorianas” e as “monofisistas”. Os nestorianos, que repudiaram as decisões do concilio de Éfeso, tornaram-se particularmente fortes na Pérsia. Dali se estenderam para a Arábia, a Índia e até mesmo a China. Hoje, concentram-se principalmente no Irã, no Iraque e na Síria. Os monofisistas tornaram-se fortes na Armênia, na Etiópia, no Egito e na Síria. A Armênia havia se tornado cristã mesmo antes dos tempos de Constantino. Quando se reuniu o concilio de Constantinopla, a Armênia não estava representada, e nessa mesma época o Império Romano negou-se a ajudar na defesa do país, invadido pelos persas. Por isso, a igreja da Armênia repudiou o cristianismo de Bizâncio e tornou-se monofisista. Tempos depois, os armênios foram perseguidos, por isso, hoje há cristãos armênios em várias partes do mundo. A igreja da Etiópia tinha sido fundada no século IV por missionários do Egito. Visto que o centro do monofisismo estava no Egito, os etíopes seguiram essa linha doutrinária. Pela mesma razão (e por razões políticas e sociais), os coptas, ou seja, os descendentes dos antigos egípcios, recusaram-se a aceitar as decisões de Calcedônia. Por isso, a igreja copta é monofisista. Por razões semelhantes, muitos sírios se declararam monofisistas. Atualmente, são chamados “jacobitas” como homenagem ao seu grande missionário, Jacó Baradeu; eles fazem o sinal da cruz com um dedo só, para deixar bem claro que é “uma natureza”. Essas igrejas que se recusaram a aceitar a Definição de Fé de Calcedônia, porque parecia fazer divisão entre a humanidade e a divindade de Jesus, são usualmente chamadas de monofisistas, embora o termo não designe com exatidão sua compreensão cristológica. As maiores desses grupos são a Igreja Copta do Egito e sua filial, a Igreja da Etiópia. Esta foi uma das últimas igrejas orientais a receber o apoio ativo do Estado, mas isso terminou com a deposição do imperador Haile Selassie, em 1974. A antiga Igreja Monofisista Síria, também conhecida como Jacobita, é forte na Síria e no Iraque. Seu chefe, o patriarca jacobita de Antioquia, mora em Damasco, a capital Síria. Tecnicamente sob esse patriarca, mas na realidade autônoma, a Igreja Síria na Índia, que alega ter sido fundada por Tomé, é inteiramente nativa, contando com cerca de meio milhão de membros. Sendo assim, já temos cinco divisões de igrejas: Igreja Católica Romana, a Ortodoxa Oriental, a Nestoriana, na Pérsia e, as Monofisistas naqueles outros países (os Donatistas desaparecerão na invasão muçulmana). Portanto, quando a Igreja Católica Romana acusa os
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protestantes de divisão é uma piada, porque divisões ocorreram sempre, e pelos motivos mais diversos, teológicos ou prática eclesiástica. No final do século IV, os bárbaros começam a migrar para o Império Romano, com vista de serem romanos (eles se submetiam teoricamente ao imperador), mas chegou um momento em que, devido a tantas invasões bárbaras, o Império Romano Ocidental cai. Nisso inicia-se a Idade Média.
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Unidade 8 – Baixa Idade Média – Sécs. V – VII (476 – 700) Antes de iniciarmos esse novo período, é importante fazer algumas considerações. Primeiramente, tanto os títulos “Idade Média” quanto “Idade das Trevas” são pejorativos e não retratam fielmente o que houve nesse período. Tal nomenclatura foi dada posteriormente pelo Iluminismo que buscou reescrever a história segundo princípios naturalistas anticristãos; segundo os iluministas, este período foi de grande escassez históricocultural, sendo assim nomeado “idade média”, por não ter nenhum papel histórico importante, a não ser mediar o período antigo à Renascença. Usaremos essa nomenclatura, por já estar solidamente estabelecida no meio acadêmico, porém não nos referiremos a este período como Idade das Trevas, por este denegrir mais explicitamente tal época. Também é importante ressaltar que não há acordo sobre a subdivisão da Idade Média, que durou um milênio; mas é comum dividí-la entre Baixa e Alta Idade Média, embora haja discordância entre qual vem primeiro. Para os americanos, Alta Idade Média é o final da Idade Média, que sucede a Baixa. Para os brasileiros, que seguem a Escola Francesa, a Alta Idade Média vai de 476, com a queda do Império Romano Ocidental, até 1054, sendo sucedida pela Baixa. Nós seguiremos a escola americana, onde a Baixa Idade Média vai de 476 a 1054, sendo sucedida pela Alta Idade Média que dura até 1453. Século V A queda do império ocidental Em 476 d.C. Roma (capital Ocidental do Império Romano) cai sob o poderio dos bárbaros. Essa data é usada pela maioria dos historiadores para demarcar o início da Idade Média, mas é importante saber que as mudanças não ocorreram da noite para o dia. Tal data é apenas simbólica para que tenhamos um ponto referencial na linha do tempo histórica, portanto os eventos que se segue não ocorreram de forma límpida como descreveremos, há sobreposições históricas complexas que vão além do escopo deste material. Muitos disseram que Roma já havia caída há muito tempo, pois estava podre por dentro com suas corrupções morais e sociais, e que apenas as consequências foram mais visíveis em 476. Já se discutiu muito as causas da queda do Império Romano. Os Pagãos culpavam os cristãos por terem deixado o culto dos deuses trazendo ira sobre o império, já os cristãos culpavam os pagãos por suas idolatrias terem ascendido a ira do único Deus verdadeiro. Sabemos que os cristãos estão certos, pois a causa final da destruição de Roma foi o juízo de Deus contra as depravações do império; mas os meios que foram usados pelo Soberano para derrubar a altivez de Roma ainda são discutidos pelos historiadores.
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Em fins do século V, a parte ocidental do Império Romano estava dividida entre uma série de reinos bárbaros. Os diversos chefes ou reis bárbaros não se consideravam independentes do Império Romano. Seu propósito não era destruir a civilização romana, mas participar dos seus benefícios. Por essa razão, a maioria deles logo esqueceu as línguas bárbaras e começou a falar (mal ou bem) o latim. Essa é a origem das nossas línguas latinas modernas. De igual modo, os bárbaros abandonaram suas antigas crenças e acabaram por aceitar as dos povos conquistados. Essa é a origem do cristianismo ocidental, do tipo que a Idade Média conheceu. Já que todos esses contatos ocorreram na época do apogeu do arianismo no Oriente, os visigodos se converteram a essa forma da fé cristã. Através deles também os ostrogodos, os vândalos e outros povos bárbaros se tomaram cristãos arianos. A falta de documentos impede que conheçamos os detalhes dessa rápida e enorme expansão do cristianismo além das fronteiras do Império. Em todo caso, fato é que muitos dos bárbaros que no século V estabeleceram-se na África, Espanha e Itália eram arianos. Isso trouxe consequências sérias, pois até então a questão do arianismo nunca havia sido discutida na parte ocidental do Império, como fora na parte oriental. Por isso, boa parte da história da igreja durante os séculos V e VI consistirá no conflito entre o arianismo e a fé católica. Papado O Ocidente medieval nasce sobre as ruínas do mundo romano. Em Roma esse “novo” ocidente encontrou vantagens e desvantagens; ela foi seu alimento e sua paralisia. A partir da adesão de Constantino à fé cristã, no séc. IV, Roma deixa, pelo menos oficialmente, a proteção dos deuses tutelares, em nome da proteção do Deus cristão: paz e prosperidade parecem estar de volta sob o comando de Cristo. Cria-se uma falsa ideia de unidade do império, tendo a religião cristã como cimento dessa unidade. Com a queda do Império em 476 – após um período de quase setenta anos, iniciado com a invasão e tomada de Roma por Alarico, chefe dos Godos, em 410 – o cristianismo foi o principal agente de transmissão da cultura romana ao Ocidente medieval. A igreja passa a ser a grande instituição provedora da antiga ordem que fora capaz de sobreviver, evitando ser subvertida pelos invasores. O termo “papa”, que atualmente é empregado no Ocidente exclusivamente para o bispo de Roma, nem sempre teve esse sentido. A palavra em si significa simplesmente “papai”, sendo, portanto, um termo de carinho e respeito. Na época antiga, ele era usado para qualquer bispo distinto, sem importar se ele era ou não o bispo de Roma. Assim, existem, por exemplo, documentos antigos que se referem ao “papa Cipriano”, de Cartago, ou ao “papa Atanásio”, de Alexandria. Além disso, enquanto no Ocidente o termo acabou ficando exclusivamente para o bispo de Roma, em
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várias partes da Igreja Oriental ele continuou sendo usado com mais liberalidade. Depois de algum tempo, a igreja estava dividida em cinco patriarcados, que tinham suas sedes em: Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Roma. O início do papado É praticamente impossível qualquer tentativa de estabelecer quem foi o primeiro Papa e quando isso se deu. Aqueles que ingressarem nessa empreitada, se verão confusos entre as controvérsias, já existentes, em meio às imprecisões históricas vindas dessa tentativa. O papado, enquanto auge da igreja católica medieval, aparece como fruto de um processo, entre conflitos, impedimentos e avanços. Fato é que ele se estabeleceu no Ocidente, a partir do V século, e permanece até os dias atuais como força representativa do poderio máximo da igreja católica e como guardião de seus mais caros interesses. Mas, do ponto de vista histórico, Leão I, o grande, talvez tenha sido o primeiro Papa, devido as posturas que assumiu. Ele foi muito respeitado como autoridade pelo fato de ter negociado com Átila o Uno, o Flagelo de Deus, para não entrar em Roma. Também distorceu o texto de Mateus 16:18-19, dando a entender que Pedro seria a pedra fundamental da Igreja. Para completar, conseguiu com que o imperador do Ocidente, Valentino III, promulgasse um edito ordenando a todos que obedecessem ao bispo de Roma (Papa), como portador que era do “primado de São Pedro”. A partir deste momento inicia-se Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR). Fatores que contribuíram para o papado: • A mudança da capital de Roma para Constantinopla deixou uma brecha social-administrativa que prontamente foi preenchida pela igreja; • Assim, há a ausência do Estado suprimindo o poder do clero, com isso a ICAR usurpou a sua esfera e exerceu em muitos casos o papel do Estado (como já estava acontecendo desde Constantino); • Como visto anteriormente, uma das respostas da Igreja às heresias foi a sucessão da doutrina apostólica aos líderes da Igreja, dando assim autoridade a eles para preservar a sã doutrina, porém agora isso foi distorcido, dando base para o papado e a tradição da ICAR como sendo a voz infalível de Deus na Terra, como a Bíblia. Na igreja oriental (que teoricamente ainda estava unida com a Ocidental), a ênfase não foi tanto no poder dos Papas (líderes anciãos), mas muito mais no poder dos Imperadores, pois lá ainda existia o Império Bizantino, o Império Romano do Oriente. O qual teve grande influência sobre a Igreja, tal influência é conhecida como Cesaropapismo, que é a usurpação pelo Estado da esfera eclesiástica.
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A interpretação bíblica Jerônimo e a vulgata latina No início do cristianismo, a língua comum era o grego, motivo este de o Novo Testamento ter sido escrito em grego coiné. Mas já no século IV, a língua comum havia mudado para o latim. Visando facilitar o acesso à Bíblia, o sacerdote Jerônimo de Estridão traduziu as Escrituras para o latim no fim do século IV e início do século V. Sua famosa tradução é conhecida como Vulgata latina. Embora a intenção de Jerônimo tenha sido facilitar o acesso das pessoas à Bíblia, conforme os bárbaros foram se estabelecendo no Ocidente, outros idiomas, originários do latim, foram se desenvolvendo e o latim perdeu seu uso. Cada vez menos pessoas falavam o latim, porém não houve uma nova adaptação bíblica aos novos idiomas. O latim foi estabelecido como língua sacra pela Igreja, que nesse tempo já era Romana; a Bíblia só podia ser lida em latim, as missas deveriam ser rezadas em latim, onde até os padres precisavam decorar as missas, pois também não falavam latim. Cada vez mais pessoas não conheciam as histórias e doutrinas bíblicas, no que levou à Roma a usar imagens, que a princípio tinham o intuito didático de ilustrar passagens bíblicas de forma lúdica. A Quadriga Já na baixa Idade Média, a escola de Alexandria se estabeleceu como a corrente dominante da Igreja Cristã. Um dos principais motivos de a escola de Antioquia ter sido rejeitada, foi que alguns líderes heterodoxos ou heréticos condenados pelos concílios ecumênicos eram seguidores do método de Antioquia. Dois exemplos: (1) Nestório, o patriarca sírio de Constantinopla. (2) No Ocidente, Juliano, o bispo pelagiano de Eclano (morreu em 454 d.C.), era o principal defensor dos princípios de Antioquia. O método de interpretação filho da escola de Alexandria que foi característico da Idade Média foi chamado de Quadriga, fazendo alusão a um carro ou carroça conduzida por quatro cavalos lado a lado, utilizada nos jogos olímpicos antigos e em outros jogos. Tal método emprestou seu nome desse carro, pois analisava o texto bíblico em quatro sentidos diferentes: literal, moral, alegórico e anagógico25. Esse método é atribuído a Agostinho, embora não tenhamos evidências decisivas sobre. O sentido literal da Escritura era definido como o significado claro e evidente. O sentido moral representava a instrução dada aos homens sobre como deveriam comportar-se. O sentido alegórico revelava o conteúdo da fé, e o anagógico expressava uma esperança futura. Assim, passagens que mencionavam Jerusalém, por exemplo, comportavam quatro sentidos diferentes. O sentido literal referia-se à capital da Judéia e ao santuário central da nação. O sentido moral de Jerusalém é a alma do homem (o “santuário central” da 25
Espiritual, místico.
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pessoa humana). Seu significado alegórico é a igreja (o centro da comunidade cristã). O significado anagógico é o céu (a esperança final e morada futura do povo de Deus). Portanto, uma simples referência a Jerusalém poderia significar quatro coisas ao mesmo tempo. Se a Bíblia mencionasse que alguém subiu para Jerusalém, isto poderia indicar que a pessoa foi a uma real cidade terrena, ou que sua alma “subiu” para um estado de excelência moral, ou que devemos ir à igreja ou que, algum dia iremos para o céu. Século VI Monasticismo A grande figura do monasticismo ocidental foi Bento de Núrsia, fundador da comunidade de Monte Cassino, que em 529 lhe deu uma Regra que serviu de modelo para todo o monasticismo ocidental. Entre seus princípios fundamentais, estavam o trabalho físico e os votos de obediência, castidade, pobreza e permanência. Além disso, Bento estabeleceu a prática de reunir-se oito vezes por dia para orar e ler a Bíblia e outros livros de inspiração. Essas são as chamadas “horas” de oração. Em pouco tempo, o monasticismo beneditino estendeu-se por todo o oeste europeu e demonstrou grande adaptabilidade em várias circunstâncias. Assim, os monges eram professores, copistas de manuscritos antigos, farmacêuticos, agricultores e missionários. Concílio de Constantinopla II O Quinto Concilio Ecumênico, intitulado de Constantinopla II, realizado em 553 condenou os escritos de três autores que alguns consideravam “nestorianos” reafirmando Maria como theotokos e confirmando a Declaração de Fé de Calcedônia. Gregório, o Grande (pai da teologia medieval) Papa Gregório I, conhecido como Gregório Magno ou Gregório, o Grande foi Papa entre 590 a 604. É conhecido principalmente por suas obras, mais numerosas que as de seus predecessores. Mediante a simples política de intervir em diversas situações, quase sempre com tato e habilidade diplomática, Gregório estendeu a esfera de influência do papado. Para essa tarefa, ele contou com a ajuda do monasticismo beneditino, que começava a disseminar-se pela Europa ocidental. Ele foi um grande estrategista missionário, que traçou nos mapas onde queria mandar missionários, quais povos queria conquistar. A expansão da Igreja cristã que vem depois, se deve muito a esse homem. Gregório venerava Agostinho ao ponto de considera-lo infalível. Somente por considerar Agostinho seu mestre infalível, Gregório já torceu o espírito do seu venerado mestre, cujo gênio residia, pelo menos em parte, em sua mente inquieta e suas conjeturas arriscadas. O que para Agostinho
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não passava de suposição, para Gregório passa a ser certeza. Assim, por exemplo, Agostinho se aventurara a dizer que talvez haja um lugar onde os que morrem em pecado tenham de passar por um processo de purificação, antes de entrar na glória. Baseando-se nessa conjetura de seu mestre, Gregório declara que indubitavelmente existe esse lugar, e começa a desenvolver a doutrina do purgatório. Principalmente no que se refere à doutrina da salvação foi que Gregório deformou e até transformou os ensinos de Agostinho. As doutrinas agostinianas da graça irresistível e da predestinação passaram despercebidas nas obras de Gregório, que dedicou sua atenção à questão de como podemos oferecer a Deus uma satisfação pelos pecados que cometemos. Segundo ele, essa satisfação é oferecida através da penitência, que consiste em arrependimento, confissão e pena ou castigo. A essas três fases se junta a absolvição sacerdotal, que confirma o perdão que Deus já conferiu ao penitente. Os que morrem na fé e em comunhão com a igreja, mas não fizeram suficiente penitência por seus pecados, vão para o purgatório, onde passam algum tempo antes de ir para o céu. Uma das maneiras de os vivos ajudarem os mortos a saírem do purgatório é oferecer missas em seu nome. A missa é, para Gregório, um sacrifício em que Cristo é imolado de novo (e diz a lenda que em certa ocasião em que esse Papa celebrava a missa o Crucificado lhe apareceu). Essa ideia da missa como sacrifício, que talvez poderia ser deduzida de alguns textos de Agostinho, mesmo que forçando-os, é parte fundamental da devoção e da teologia de Gregório. Conta-se que, quando Gregório ainda era abade de Santo André, ficou sabendo que um dos seus monges, que estava à beira da morte, tinha escondido algumas moedas de ouro. A sentença do abade foi dura: o monge pecador morreria sem escutar uma palavra de perdão ou consolo, e seria enterrado em um monte de esterco, junto com seu ouro. Depois de cumprida essa sentença, e para salvação da alma de Justo (esse era o nome do monge), Gregório ordenou que durante os próximos trinta dias a missa do mosteiro fosse lida em memória a ele. Findado esse período, o abade declarou que, de acordo com uma visão que o monge Copioso, irmão de sangue do falecido, tivera, a alma de Justo saíra do purgatório e estava agora na glória. Tudo isso não foi invenção de Gregório. Era parte do ambiente e das crenças da época. Porém, enquanto os antigos mestres da igreja se esforçaram para evitar que a doutrina cristã fosse contaminada com superstições populares, Gregório simplesmente aceitou todas as crenças, superstições e lendas da sua época como se fossem verdade evangélica. Suas obras estão cheias de narrações de milagres, aparições de defuntos, anjos e demônios etc. Quando, com o correr do tempo, a produção literária de Gregório passou a ter a mesma autoridade infalível que tinha tido a de Agostinho, boa parte das crenças populares do século VI foi realmente
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incorporada à doutrina cristã. Veremos a consequência da influência de Gregório na teologia romana quando abordarmos sobre as 5 Solas. Século VII Islã e sua expansão Quando o século VII iniciou, parecia que, por fim, a Europa começaria a sair do caos em que as invasões dos bárbaros a tinham lançado. Todos os invasores arianos tinham se tornado católicos. Os francos, que desde o começo se converteram à fé nicena, começavam a estabelecer sua predominância sobre as Gálias. Na Itália, em meio às dificuldades causadas pelos lombardos, Gregório, o Grande, ocupava o trono pontifício. Então, sucedeu o inesperado. De um obscuro canto do mundo, ao qual tanto o Império Romano como os reis persas prestaram pouquíssima atenção, surgiu uma avalanche que, impulsionada pela pregação do Alcorão, parecia destinada a conquistar o mundo. O começo do Islã retrocede até Maomé, que nasceu no ano 570 em Meca. E ele revelou-se como o último grande “profeta” de Deus, usurpando a autoridade e poder em relação a Moisés, Elias e ao próprio Jesus. Segundo a tradição, aos 40 anos, Maomé dedicava-se sozinho numa caverna vários dias orando para Alá, onde recebeu a missão de pregar as revelações trazidas de Deus pelo anjo Gabriel (que a princípio, pensou-se ser um demônio). As revelações teriam se repetido durante toda a vida do profeta e logo começaram a ser registradas por escrito, as quais compõe o Alcorão ou Corão (Al no árabe equivale ao nosso artigo “o”). Seu monoteísmo chocava-se com as crenças tradicionais das tribos semitas e foi obrigado a fugir para Iatribe (em 622), atual Medina ou Madinat an Nabi, isto é, Cidade do Profeta, onde as tribos árabes viviam em permanente tensão entre si e com os judeus. Estabeleceu a paz entre as tribos árabes e com as comunidades judaicas e começou uma luta contra Meca pelo controle das rotas comerciais. Nesse tempo, Maria ganha tamanha importância que substitui o Espírito Santo na trindade (não-oficialmente, mas na ênfase prática), tomando suas características: consola, intercede, acolhe, ajuda, caminha com a igreja; deixando o Espírito Santo em segundo plano. Isso leva Maomé a ter uma compreensão errônea da Trindade cristã, como sendo Pai, Mãe (Maria) e o Filho, como o paganismo tinha. Maomé, então, nega enfaticamente que Jesus seja o filho de Deus, pois Deus não pode procriar, ou seja, Maomé entendeu literalmente que o cristianismo dizia que Deus teve relações sexuais com Maria, gerando Jesus, assim como as religiões pagãs tinham os semi-deuses que eram frutos da relação de um deus com uma humana. Até hoje os muçulmanos tem por blasfêmia dizer que Jesus é o Filho de Deus. Maomé conquistou Meca (em 630) e, de volta à Medina, morreu dois anos depois, sem haver nomeado um sucessor, sendo assim, a direção da
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comunidade muçulmana coube aos califas (do árabe califat, que quer dizer “sucessor”); ele deixou uma comunidade espiritualmente unida e politicamente organizada em torno dos preceitos do Corão, cuja edição definitiva seria publicada alguns anos após (em 650). A nova religião foi chamada islamismo ou Islã, que significa submissão à vontade divina, e seus adeptos, muçulmanos, os que se submetem. Maomé conquistou vastos territórios e cidades que até então tinham sido importantíssimos na vida da igreja – Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Cartago etc. Dez anos depois de sua morte, o islã tinha conquistado quase toda a península da Arábia. Com incrível rapidez, conquistou o antigo Império Persa, estendendo-se às fronteiras da Índia e boa parte do Império Romano: Damasco (em 635), Antioquia (em 637), Jerusalém (em 638), Alexandria (em 642), Cartago (em 695) e até a Espanha (em 711). Em 718, as tropas do Imperador contiveram o avanço dos Muçulmanos que não conseguiram tomar Constantinopla e cem anos depois da morte do profeta, os francos conseguiram deter seu avanço na batalha de Tours (em 732). Nas duas pontas da Europa houve proteção, segurança, e o cristianismo ficou, na providência de Deus, protegido. Situação das Igrejas na Ásia e África Ásia Pérsia: A Igreja Nestoriana sobreviveu ao domínio Muçulmano, inclusive conseguiu se expandir. China: Missionários persas, no ano 635, chegaram à capital da China, dominada pela dinastia Tang. Índia: A Igreja permaneceu viva, mas em meio a muitos hinduístas. Era uma Igreja fraca, pequena com muita dificuldade de sobreviver, pelas perseguições. É uma Igreja diferente, separada, segundo uma tradição foi fundada pelo apóstolo Tomé. África Norte: Os Muçulmanos tomaram posse de tudo. Egito: A Igreja Copta conseguiu sobreviver. Em Alexandria a Igreja permaneceu, mas com grande dificuldade por estar sufocada pelo Islã. Núbia (Sudão): A Igreja cresceu nesse período, mas praticamente desaparece nos 500 anos seguintes. Axum (Etiópia): Único lugar onde a Igreja permaneceu viva na África, até os dias de hoje. Concílio de Constantinopla III Em consequência, o sexto concílio ecumênico que se reuniu em Constantinopla em 680 e 681 reafirmou a Definição de fé de Calcedônia condenando o monotelismo, heresia defendida pelo patriarca de Constantinopla que ensinava haver só a vontade divina em Cristo; este
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Concílio ensinou que Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e humanas, não opostas, mas cooperantes, de sorte que o Verbo feito carne quis humanamente na obediência a seu Pai tudo o que decidiu divinamente com o Pai e o Espírito Santo para a nossa salvação. A vontade humana de Cristo “segue a vontade divina, sem estar em resistência nem, oposição em relação a ela, mas antes sendo subordinada a esta vontade todo-poderosa”. Entre os monotelitas condenados especificamente pelo concilio, estava o Papa Honório. Esse caso de um Papa condenado nominalmente como herege por um concilio ecumênico foi uma das dificuldades que os católicos tiveram de enfrentar quando, no século XIX, conseguiram que o concilio Vaticano I promulgasse a infalibilidade papal. Uma das razões pelas quais houve todas essas controvérsias e tantas tentativas de chegar a uma fórmula que todos pudessem aceitar foi a repetida intervenção dos imperadores, que desejavam que todos os cristãos concordassem quanto às questões doutrinárias, a fim de que assim apoiassem as políticas imperiais não somente em assuntos religiosos como também noutras questões. Missões Durante toda a Idade Média houve missões entre os povos bárbaros, que até o fim do século VII era majoritariamente cristãos, pelo menos nominalmente, pois quando um rei se convertia, todos os súditos também se convertiam por obrigação. Neste momento, temos quatro grandes centros missionários: Roma, Irlanda, Pérsia e Constantinopla. A maioria das conversões eram superficiais, por pressão do rei ou buscando um deus mais poderoso. Ex: No Séc. VIII, São Bonifácio, bispo da Germânia, foi para a Alemanha e não conseguia resultados, no meio daqueles bárbaros. Até que ele teve uma ideia. No meio dos bárbaros havia um gigantesco carvalho dedicado ao deus Thor. Um dia Bonifácio teve a ideia de pegar um machado e derrubar aquela árvore. Pegou o machado e sozinho começou a cortar o carvalho. Todas as pessoas ficaram assustadas olhando aquilo, imaginando que dali a pouco ele seria fuzilado, destruído, morto, pelo deus Thor. Ele continuou cortando, até a árvore cair, e nada aconteceu, fazendo com que todos se convertessem ao Deus de Bonifácio, pois claramente era um Deus mais forte. Isso não significa que durante esse milênio não houve conversões; apesar desse tipo de expansão do cristianismo precisamos lembrar que a providência de Deus sempre esteve em ação.
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Unidade 9 – Baixa Idade Média – Sécs. VIII – XI (701 - 1054) Século VIII Visto que agora o papado era uma possessão territorial, desfrutando de grande prestígio e autoridade em outras regiões da Europa, muitos o cobiçavam não por razões religiosas, mas puramente políticas. Como não havia um sistema de eleição rigorosamente estabelecido, não faltaram nobres das proximidades, ou famílias poderosas de Roma mesmo, que se apossaram do papado e o utilizaram para seus próprios fins. Carlos (Carolus) Magno e o período carolíngio No Ocidente há disputas de poder entre o Papa e o imperador, um desejava controlar o outro. Já no Oriente, como foi falado anteriormente, havia o Cesaropapismo, onde César é o Papa, ele manda na igreja. Em ambos os lados há usurpação dos limites delimitados por Deus entre as esferas do Estado e da Igreja. No dia de Natal do ano 800, o Papa Leão III presidiu ao culto solene, estando presentes Carlos Magno, toda sua corte e seus principais oficiais, bem como uma enorme multidão do povo romano. No fim do culto o Papa tomou uma coroa, andou até onde estava o rei, coroou-o e proclamou: “Deus dê vida e vitória ao grande e pacífico imperador!”. Ao ouvir estas palavras, todos os presentes irromperam em vivas e aclamações, enquanto o Papa ungia o novo imperador. Era um ato sem precedentes. Até poucas gerações antes, a eleição de cada novo Papa não era válida enquanto não fosse confirmada pelo imperador de Constantinopla. Agora um Papa se atrevia a coroar um rei com o título de imperador, e o fazia sem consulta prévia ao Império Oriental. É impossível saber com certeza quais eram os propósitos específicos de Leão ao outorgar a Carlos Magno a dignidade imperial. Uma coisa, porém, estava clara. Desde o tempo de Rômulo Augusto, não houvera imperador no Ocidente. Em tese, o imperador de Constantinopla era de todo o Império Romano; porém, na verdade, o governo imperial fora efetivo no Ocidente somente em algumas regiões da África e da Itália, e também nestas, sua autoridade foi ignorada frequentemente. Em tempos mais recentes, os muçulmanos tinham conquistado os territórios imperiais da África, e, por diversas razões, a autoridade do imperador na Itália fora limitada ao extremo sul da península. Agora, em virtude da ação de Leão, havia um imperador no Ocidente, e o papado se colocava definitivamente fora da jurisdição do Império do Oriente. Nascera a cristandade ocidental. Além de nomear os bispos. Carlos Magno também legislou acerca da vida da igreja. Essa legislação incluiu o descanso dominical obrigatório, a
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imposição do dízimo como se fosse um imposto e a ordem de pregar de maneira simples e na língua do povo. Foi “ressuscitado” o Santo (Sacro) Império Romano. O que se diz do Santo Império Romano é que ele não é Santo, porque várias barbaridades foram cometidas em nome dele; nem Romano, porque a sede dele não é em Roma, e não é composto por romanos, é composto por germânicos; e nem Império, porque não é tão grande assim para ser um Império. Tal império (que nasceu 14 d.C.) durou oficialmente até 1453, porém ainda sobrevive em 1806 através do Reino da França (que cai com a Revolução, tendo Napoleão presente nos últimos estágios), em 1917 pelo Czar (César) russo, até 1945 com Adolf Hitler, que manda fazer um traje de Sacro Imperador Romano e ser levado de Viena até Nuremberg para ser consagrado e dar validade ao terceiro reich, o terceiro império. Isso mostra que muitos buscavam associarem seus governos à glória que o Império Romano desfrutou um dia, embora a partir de 1453 tenha sobrevivido apenas o título vazio. Controvérsias no período Carolíngio Enquanto isto, todavia, outras controvérsias surgiram dentro do próprio reino franco. De todas essas, as que mais nos interessam são as que se referem à predestinação e à presença de Cristo na comunhão. A controvérsia acerca da predestinação girou ao redor do monge Gotescalco, que fora colocado no mosteiro de Fulda quando ainda criança. Gotescalco se dedicou ao estudo das obras de Agostinho, chegando à conclusão, historicamente correta, de que a igreja do seu tempo tinha se distanciado dos ensinos do bispo de Hipona no que referia à predestinação. Por diversas razões, Gotescalco provocou a inimizade dos seus superiores, e, por isso, quando ele fez públicas as suas opiniões sobre a predestinação, escreveu: “Deus, antes da criação do mundo, predestinou definitivamente todos os seus eleitos para a vida eterna, e todos os reprovados que serão condenados à morte eterna, por causa de suas más obras no dia do julgamento, de acordo com sua justiça e com o que eles merecem”. Não faltaram os que aproveitaram essa ocasião para atacá-lo. Um desses inimigos de Gotescalco era Rábano Mauro, abade de Fulda, o outro era o poderoso arcebispo Hincmaro, de Reims. Seus oponentes não o compreenderam, infligindo contra ele a acusação comum de que seus ensinos tornavam Deus autor do pecado. Depois de uma série de debates sua doutrina foi condenada em Maience, em 848, e no ano seguinte ele foi açoitado e sentenciado ao aprisionamento perpétuo, encerrado em um mosteiro, onde, supostamente, perdeu a razão pouco antes de morrer. Apesar de alguns dos pensadores mais eruditos do seu tempo terem-no defendido em alguns pontos, estava claro que a igreja não estava disposta a aceitar as doutrinas de Agostinho sobre a graça e a predestinação, ao
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mesmo tempo em que fazia de conta que era exatamente sobre o bispo de Hipona que ela baseava os seus ensinos. A outra controvérsia importante tinha a ver com a presença de Cristo na Eucaristia. O motivo dessa controvérsia foi uma obra do monge Radberto, Do corpo e do sangue do Senhor. Nessa obra, Radberto dizia que, quando o pão e o vinho eram consagrados, eles se transformavam no corpo e no sangue do Senhor. Já não eram pão e vinho, mas o próprio corpo que nasceu da virgem Maria e que se levantou do sepulcro, e o mesmo sangue que correu no Gólgota. Na opinião de Radberto, apesar de essa transformação ser algo envolto em mistério, que os sentidos normalmente não podem perceber, há casos extraordinários em que o crente pode ver o corpo e o sangue do Senhor, em lugar de pão e vinho. Quando Carlos, o Calvo, leu o tratado de Radberto, não entendeu bem o que nele se dizia, e pediu esclarecimentos ao monge Ratramno de Corbie. Este lhe afirmou que, apesar de o corpo de Cristo estar verdadeiramente presente na comunhão, essa presença não é a mesma de qualquer outro corpo, e que em todo caso o corpo eucarístico não é o corpo histórico de Jesus, que se encontra nos céus, à direita do Pai. Essa controvérsia mostra que foi durante o período obscuro que seguiu às invasões dos bárbaros que começou a tomar forma a doutrina segundo a qual o pão e o vinho se transformam em corpo e sangue do Salvador, deixando de ser pão e vinho. No período carolíngio, conquanto essa opinião tenha-se generalizado, os mais estudiosos sabiam que se tratava somente de um “exagero popular”. Pouco depois, começaram a falar em “mudança de substância”, e, por fim, no século XIII, o quarto concilio de Latrão (em 1215) promulgou a doutrina da transubstanciação. Concílio de Nicéia II e a questão das imagens (787) A última grande controvérsia doutrinária desse período teve a ver com a questão das imagens. Vários imperadores promulgaram editos contra seu uso (por influência do islã); mas muitos entre o povo, e especialmente os monges, insistiam a favor delas. Conquanto essa controvérsia tenha ocorrido principalmente no Oriente, também se fez sentir no Ocidente, onde por algum tempo houve oposição às decisões do concílio. Encontramos esses argumentos claramente expostos nas seguintes linhas de João de Damasco: Já que alguns nos culpam por reverenciarmos e honrarmos imagens do Salvador e de nossa Senhora, e as relíquias e imagens dos santos e servos de Cristo, lembrem-se que desde o princípio Deus fez o ser humano à sua imagem. Por que nos reverenciamos uns aos outros, se não é por termos sido feitos à imagem de Deus? [...] Por outro lado, quem pode fazer uma cópia de Deus que é invisível, sem corpo, indescritível e sem figura? Dar figura a Deus seria o máximo da loucura e do ateísmo. [...]
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Porém, como Deus, por sua profunda misericórdia e para nossa salvação, fez-se verdadeiramente homem [...] e viveu entre os homens, fez milagres, sofreu a paixão da cruz, ressuscitou e foi levado ao céu, e como todas estas coisas sucederam e foram vistas por homens [...] os Pais, vendo que nem todos sabem ler nem têm tempo para fazê-lo, aprovaram a descrição desses acontecimentos por imagens, para que servissem de breves comentários. Esse concilio restaurou o uso das imagens nas igrejas, ao mesmo tempo em que estabeleceu que elas não eram dignas da adoração, devida só a Deus (em grego, latria), mas somente de uma adoração ou veneração inferior (em grego, dulia). Depois da disputa com as imagens, as relações entre Roma e Constantinopla foram ficando cada vez mais tensas. Roma já não precisava do apoio do imperador de Constantinopla, pois procurou seus próprios imperadores em Carlos Magno e seus sucessores. Além disso, a prolongada controvérsia por causa das imagens convencera os ocidentais de que o cristianismo oriental estava de tal modo subordinado aos caprichos imperiais que facilmente se deixaria levar para a heresia. Os orientais, por seu lado, não gostavam da maneira com que os papas começaram a referirse a si mesmos como se desfrutassem de autoridade universal, e não mais como patriarcas do ocidente. Depois desses sete, a maioria dos concílios supostamente “ecumênicos” não contaram com representantes das igrejas orientais, que, portanto, não os aprovam. Igrejas da Bulgária e Rússia Apesar de suas fronteiras constantemente estarem ameaçadas pelos muçulmanos, búlgaros e outros, o cristianismo bizantino conseguiu deixar sua marca tanto na Bulgária como na Rússia, e essa marca não se desfez até os nossos dias. Séculos IX, X e XI Decadência do papado Nicolau I, que reinou de 858 a 867, foi o Papa mais notável desde o tempo de Gregório, o Grande. O poder de Nicolau se viu aumentado por uma coleção de documentos supostamente antigos, os Falsos Decretos, que davam enorme poder aos Papas. Elaborados postumamente (datado do séc. VIII), o documento Donatio Constantini afirmava que o imperador Constantino I cedeu ao Papa Silvestre I, territórios do império romano situados ao ocidente, em gratidão pela cura da Lepra. Tal cessão teria ocorrido quando Constantino I transferiu a capital de seu império de Roma para Constantinopla. No século XV tal documento foi declarado falso e no século XIX isto ficou comprovado definitivamente. Os historiadores
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modernos provaram que os decretos falsificados não foram escritos pelo Papa, mas por certos membros da baixa hierarquia alemã que queriam aumentar o poder do papado como freio contra seus superiores diretos. A partir de então, os Papas se sucederam com rapidez vertiginosa. Sua história fica tão complicada e tão cheia de intrigas que aqui podemos mencionar somente alguns acontecimentos que são típicos daqueles tempos. O papado se transformou em ponto de discórdia entre diferentes partidos romanos e transalpinos. Não faltaram Papas que foram estrangulados, ou que morreram de fome nos calabouços em que seus sucessores os tinham colocado. Às vezes, houve mais de um Papa, e até três. Vejamos um exemplo: Em 897, Estêvão VI presidiu sobre o chamado “concilio cadavérico”. Seu antecessor, Formoso, o mesmo que antes fora missionário entre os búlgaros, e depois tinha sido Papa, foi desenterrado. Vestiram-no com a indumentária papal e o arrastaram pelas ruas. Depois o julgaram, declararam-no culpado de vários crimes, cortaram-lhe os dedos com que tinha abençoado o povo, e lançaram seus restos mortais no rio Tibre. Queda do Império Carolíngio A renascença carolíngia, no entanto, durou pouco. Em parte, devido às conquistas muçulmanas, a economia europeia fechou-se em si mesma, fazendo o comércio entrar em decadência. O dinheiro praticamente desapareceu. A única fonte e expressão de riqueza era a terra. Daí surge o sistema feudal, segundo o qual, em vez de grandes estados, as terras eram divididas entre “senhores”, que as recebiam de terceiros e, por sua vez, entregavam-nas aos seus vassalos. Cada senhor era leal a vários outros, e as guerras entre pequenos senhores assumiram grandes proporções. A Europa dividida em feudos, ficou vulnerável aos ataques dos normandos e dos húngaros. Normandos Durante vários séculos, os territórios que hoje abrangem a Dinamarca, Suécia e Noruega foram ocupados por diversos povos chamados de “escandinavos”. Durante o século VIII, no entanto, esses povos, até então relativamente sedentários, desenvolveram a arte da navegação a tal ponto que não demorou para eles se fazerem donos dos mares próximos. Seus navios, com mais de vinte metros de comprimento e impulsionados tanto por uma vela quadrada quanto por mais de uma dezena de remos, podiam levar tripulações de oitenta homens. Neles, os escandinavos logo empreenderam incursões ao resto da Europa, onde foram chamados de “normandos”, ou seja, homens do norte. Sua ferocidade era tão maior porquanto se baseava em sua religião, que assegurava aos soldados mortos em batalha que eles seriam levados pelas formosas “valquírias” ao paraíso ou “Valhala”. Além disso, por causa da
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desintegração do poderio carolíngio, as ricas costas do norte da França ficaram relativamente indefesas, e os normandos descobriram que poderiam desembarcar impunemente na região, saquear igrejas, mosteiros e palácios, capturar escravos e regressar às suas terras com enorme espólio. Como eles atacavam frequentemente os mosteiros, eram tidos por gente irreligiosa, e seu nome semeou o pânico em toda a Europa. Por essas razões, o século X ficou conhecido como “um século escuro, de ferro e de chumbo”. Do ponto de vista religioso, o papado desceu ao nível mais baixo da sua história. Quanto aos normandos, até a primeira metade do século XI, todos haviam se tornado cristãos (pelo menos nominalmente). Húngaros Ao mesmo tempo em que os normandos invadiam a cristandade ocidental vindos do norte, outro povo o fazia no leste. Tratava-se dos magiares, a quem o mundo latino deu o nome de “húngaros”, porque pareciam se comportar como os hunos de séculos antes. Depois de se estabelecerem no que hoje é Hungria, os húngaros invadiram a Alemanha repetidamente. Questões sociais Ascensão comercial No século X, o feudalismo atingiu o seu auge, tornando-se uma forma de organização vigente em boa parte do continente europeu. A partir do século seguinte, o aprimoramento das técnicas de produção agrícola e o crescimento populacional proporcionaram melhores condições para o reavivamento das atividades comerciais. Os centros urbanos voltaram a florescer e as populações saíram da estrutura hermética. Expectativa da segunda vinda no primeiro milênio Dos mosteiros se propagava, pela voz dos abades nos sermões que acompanhavam as missas, uma terrível profecia que submeteria os fiéis a outro tipo de provação: o fim do mundo exatamente no ano 1000, com a ocorrência, em sucessão, de incomparáveis acontecimentos, como a aparição do Anticristo, a volta de Jesus à Terra e o Juízo Final – o julgamento de todos os homens por Deus. A crença no fim do mundo no ano 1000 derivava de uma interpretação literal de um dos mais obscuros textos bíblicos, Apocalipse 20. Esse “milenarismo crasso”, como dizem os comentaristas do Novo Testamento, apropriou-se dos corações e mentes dos europeus. Quanto mais se espalhava a profecia e mais próximo se estava da data fatal, mais apareciam indícios infalíveis do fim dos tempos – um eclipse, um incêndio inexplicável, o nascimento de um bebê monstruoso, uma praga agrícola, a passagem de um cometa no céu, o relato da aparição de uma
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baleia do tamanho de uma ilha na costa francesa, a grande epidemia de 997. Uma crônica de um certo Sigeberto de Gembloux descreve um “terrível tremor de terra” e a imagem de uma serpente vista através de uma fratura no céu. Muita gente doou todas as suas posses, muitos também se infligiram cruéis castigos, a título de penitência. Em 954, um Pequeno tratado do Anti-Cristo, de autoria de Adson, abade de Montier-en-Der, França, previa o fim do mundo depois de “todos os reinos estarem separados do Império Romano, ao qual haviam estado anteriormente submetidos”. O mundo, como se sabe, não acabou na passagem do milênio, nem no ano seguinte, nem no outro. Aos poucos, os homens começaram a suspeitar que o Apocalipse, afinal, não viria tão cedo. Misticismo O movimento Místico (Misticismo) é composto de cristãos diferentes. Para eles o conhecimento não é tão importante e muitas vezes é até prejudicial. Esse movimento aumentou nos séculos seguintes, principalmente como uma reação à frieza do escolasticismo (que veremos mais à frente). As principais ênfases desse movimento foram: Amor ao próximo e a Deus especialmente; e Virtude, fazer o certo (muitas freiras e monges seguem essa linha). Os três principais pontos dos místicos são: 1) União com Deus: Várias freiras alegam terem se casado com Jesus Cristo, misticamente. Para nós, ocidentais, “estar unido a Deus” tem cheiro de panteísmo, mas é um modo oriental diferente de se conceber. 2) Amor a Cristo. 3) Negação de si mesmo. Prós e contras: Prós: A ênfase no amor a Deus (fervor necessário em uma teologia). A quietude, humildade, a ideia de se diminuir. Contras: Extremo individualismo, os dons servem à causa própria. Tendência à justificação pelas obras, devido à ênfase em negar a si mesmo, pensando que ganhará favores especiais de Deus. Ênfase em experiências, sentimentos subjetivos e falíveis ao invés de usar a Bíblia. Nas próximas unidades, quando falarmos que tal pessoa é um místico, significa que ele crê nos pontos acima descritos. Grande racha entre igreja Oriental e Ocidental Nós, como protestantes, mostramos que somos, sim, ocidentais, porque nossas ênfases são exatamente as mesmas do Catolicismo Romano: pecado, graça, justificação e salvação. Evidentemente tratamos tudo isso de uma maneira diferente, muito mais bíblica, muito mais atrelada à palavra
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de Deus do que a ICAR. Já a ênfase oriental é completamente diferente, eles enfatizam outras coisas: o apofaticismo (teologia negativa), ênfase no mistério, e na sombra em vez da luz; tradição (muito mais forte que da ICAR); teoses (misticismo, união com a natureza divina) e os ícones (não há estátuas, apenas pinturas e imagens planas). Surgiram alguns problemas que tencionaram a relação entre as igrejas: o bispo de Roma reivindicava primazia sobre o patriarca de Constantinopla e o termo Filioque (e do Filho) acrescentado no credo niceno-constantinopolitano ao se referir sobre a procedência do Espírito Santo, sem consultar a igreja oriental. Houve uma separação temporária no século IX, mas em 1054 o Cardeal Humberto foi enviado, pelo Papa Leão IX, à Constantinopla. O Cardeal Humberto foi emissário do Papa, com a autoridade do Papa. Foi à Constantinopla para ter um entendimento com Miguel Cerulário, que era o patriarca de Constantinopla, só que os dois acabaram brigando e um excomungou o outro. Considerando então que essa data é a data da separação. Quando o Cardeal Humberto chegou à Constantinopla o Papa Leão IX já havia morrido, mas ele não sabia. Então, há quem diga que não valeu a excomunhão. Anátemas foram proferidos de ambos os lados; os quais só foram removidos em 1965, mas o Cisma persiste até hoje. Mas os últimos Papas têm buscado estreitar essa relação. O ataque dos cruzados à Constantinopla foi o golpe final, criando grande ressentimento, veremos isso na próxima unidade.
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Unidade 10 – Alta Idade Média – Sécs. XI – XII (1054 – 1200) Século XI Reforma clerical Nasceu no meio monástico um desejo por reformar a igreja, tendo as corrupções do clero em vista. Tal reforma tinha o foco nas práticas e não na teologia propriamente. Esse programa reformador, por ter surgido nos círculos monásticos, adotou várias características do monasticismo, principalmente a insistência no celibato, na pobreza e na obediência. Para alguns desses reformadores, o ideal era fazer de toda a igreja (ou pelo menos de sua hierarquia) uma vasta comunidade segundo o estilo dos mosteiros. Essas propostas chegaram a ocupar o papado, e com isso surgiu uma série inteira de Papas reformadores, iniciando com Leão IX, tendo como resultado o rompimento com a igreja oriental (Constantinopla). O movimento de reformas chegou ao auge no papado de Gregório VII (1073 - 1085). Gregório insistia no celibato eclesiástico, causando revoltas e dificuldades em várias áreas. Condenou ainda a simonia – a compra e a venda de cargos eclesiásticos.26 Isso, porém, levou a conflitos entre as autoridades seculares e as eclesiásticas e, acima de tudo, entre Papas e imperadores. O maior desses conflitos foi o que surgiu entre Gregório VII e o imperador Henrique IV a respeito da questão das “investiduras” – ou seja, quem tinha direito de nomear e empossar os bispos e outras autoridades eclesiásticas. O conflito chegou a tal ponto que o Papa excomungou o imperador, e este, por sua vez, marchou com um exército para a Itália. No castelo de Canossa, Henrique humilhou-se diante de Gregório, que não teve alternativa a não ser perdoar-lhe. Isso não acabou com o conflito. As tropas imperiais invadiram a Itália, declararam Gregório deposto e mandaram nomear outro Papa no seu lugar. Somente certas circunstâncias inesperadas salvaram Gregório de cair nas mãos de Henrique. Como consequência desses conflitos, Gregório morreu no exílio. O conflito continuou depois da morte de Gregório e Henrique. Chegando ao fim apenas em 1122, na Concordata de Worms, onde foi achado um meio termo. Cruzadas As famosas e polêmicas cruzadas começaram em 1095 e duraram vários séculos. As causas das cruzadas são muitas, entre elas encontramse elementos tanto religiosos quanto econômicos e políticos. Mas a principal causa é escatológica. O objetivo era derrotar os muçulmanos que 26
Esse termo deriva do nome de Simão, o mágico, que foi o primeiro a querer comprar a graça de Deus (At 8).
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ameaçavam Constantinopla, salvar o Império do Oriente, unir de novo a cristandade, reconquistar a Terra Santa, e em tudo isso ganhar o céu. A tradição da guerra santa se fundiu com a das peregrinações para criar o ideal das cruzadas. Como dito anteriormente, a igreja antiga tinha sérias dúvidas sobre se alguém podia ser soldado e cristão ao mesmo tempo. Na época de Constantino, essas dúvidas foram desfeitas, e por isso os cristãos parecem ter sido relativamente numerosos nas legiões romanas. As cruzadas receberam esse nome apenas dois séculos depois de seu início, significando “o caminho da Cruz”, trazendo a ideia de que, por amor a Cristo, fosse abraçado essa guerra santa e, se preciso, sofrer o martírio, assim como Cristo. A primeira cruzada foi proclamada por Urbano II em 1095, dizendo: Eu o digo aos presentes e ordeno que seja dito aos ausentes. Cristo está mandando. Todos os que forem e lá perderem a vida, no caminho por terra ou no mar, ou na luta contra os pagãos, terão perdão imediato dos seus pecados. Isto eu concedo a todos os que marcharem, em virtude do grande dom que Deus me tem dado E no final de seu discurso acalorado o povo gritou: Deus vult! Deus Todos os sonhos apocalípticos que durante muitos séculos estiveram reprimidos nas classes baixas vieram à tona. Houve quem tivesse visões da Jerusalém celestial, que descia do céu e ficava suspensa no Oriente. Outros viram grandes bandos de aves, de peixes, ou de borboletas que se dirigiam para o leste, como que indicando aos cruzados o caminho a seguir. Alguns diziam ter recebido sobre o ombro a marca da cruz, que os declarava eleitos para a peregrinação militar. Não faltavam os que mostravam orgulhosos tal sinal da graça divina. Seu grande pregador foi Pedro, o Eremita, que dirigiu uma primeira onda conhecida como a “cruzada popular”. Depois, seguiram vários contingentes militares, cada qual por seu caminho. Após mil peripécias e conflitos com o imperador de Constantinopla, tomaram a cidade de Jerusalém, em 1099. Isso deu origem ao Reino Latino de Jerusalém, que se organizou segundo o estilo feudal da Europa ocidental e manteve-se até a queda de Jerusalém, em 1187. Todos os soldados sarracenos de Jerusalém foram mortos (que resistiram ao cerco), e a população civil não sofreu melhor sorte. Muitas mulheres foram violentadas. De outras, as crianças foram arrancadas do peito, para serem jogadas contra a parede. Judeus se esconderam na sinagoga e os cruzados atearam fogo ao prédio, matando a todos. Uma testemunha ocular conta que a matança foi tal que no Pórtico de Salomão o sangue chegava até os joelhos dos cavalos. Quando o massacre afinal acabou, e decidiu-se enterrar os cadáveres, os sobreviventes entre os vult!27
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Deus o quer! Deus o quer!
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sarracenos eram tão poucos que foi necessário pagar aos cristãos mais pobres para que se ocupassem da triste tarefa fúnebre. Cerca de 100 mil europeus se deslocaram. A segunda cruzada foi proclamada quando os turcos tomaram a cidade de Edessa, em 1144. Seu pregador principal foi Bernardo de Claraval. Seus êxitos militares foram praticamente nulos. A terceira cruzada teve sua origem na notícia da queda de Jerusalém (em 1187). Seus principais líderes foram o imperador Frederico I Barbaruiva, o rei Filipe II Augusto, da França, e o rei Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra. Na parte militar, conseguiu-se só a conquista da fortaleza de Acre. Ricardo, porém, obteve um acordo com o sultão Saladino, que permitiu a peregrinação para Jerusalém. A quarta cruzada foi um desastre. Em vez de atacar os muçulmanos, tomaram e saquearam a cidade de Constantinopla, estabelecendo ali o Império Latino de Constantinopla (1204 - 1261). Isso aumentou as suspeitas dos cristãos gregos contra os latinos, além de debilitar ainda mais o Império Bizantino (restaurado em 1261). A quinta cruzada (1219) atacou o Egito e conseguiu tomar somente o porto de Damieta, recuperado pelos árabes dois anos mais tarde. A sexta e a sétima cruzadas foram conduzidas pelo rei da França, Luís IX (São Luís), sem maiores resultados. Consequências Uma das consequências das cruzadas foi a ascensão das ordens monásticas militares: cavaleiros de Malta, Ordem dos Templários e os Cavaleiros Teutônicos. Cada uma dessas ordens tinha um “grão-mestre”, que era ao mesmo tempo ministro geral da ordem monástica e generalchefe dos seus exércitos. Depois de terminadas as cruzadas, muitas dessas ordens militares passaram a fazer intrigas políticas na Europa. Por essa razão, e por terem muitas riquezas, vários reis as suprimiram em seus países, e confiscaram seus bens. Além disso, as cruzadas influenciaram a devoção da época, a vida intelectual e o crescimento das cidades e da economia mercantil. As cruzadas se transformaram em uma instituição militar e religiosa. Continuamente partiam para a Terra Santa contingentes em que se mesclavam motivações de aventura com espírito de penitência. Por isso, quando os historiadores se referem à segunda cruzada, à terceira cruzada etc., os acontecimentos que narram são somente pontos culminantes de um movimento ininterrupto que dominou a imaginação da cristandade ocidental durante vários séculos. Além disso, essas cruzadas, por assim dizer “oficiais”, têm sido objeto de atenção especial porque foram dirigidas pelos reis e poderosos. Mas sempre existiu o fluxo popular, representado na primeira cruzada por Pedro, o Ermitão, e pelos vários bandos de cruzados pobres que o seguiram, bem como a outros pregadores semelhantes. Entre
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as massas, o espírito apocalíptico e messiânico das cruzadas perdurou por várias gerações. De algum modo, essas massas escutaram ecos da predileção das Escrituras pelos pobres (tema que não era pregado naquela época), e frequentemente se convenceram de que eram elas que deviam trazer o reino de Deus. Tema semelhante podemos ver nas repetidas cruzadas de crianças (adolescentes). Como a inocência era o melhor meio de merecer o favor divino, pensava-se que estava reservado a crianças inocentes vencer os infiéis, através da intervenção milagrosa do céu. De modo que, cada vez que o fervor popular se incendiava, grandes colunas de crianças marchavam até a Terra Santa, sem conseguir outro resultado senão morrer no caminho ou ser feito escravo pelos senhores por cujos territórios tinham de passar. As cruzadas também serviram para prejudicar a vida dos cristãos que viviam em terras de muçulmanos. Quase todos os governantes islâmicos tinham se mostrado relativamente tolerantes para com os cristãos e os judeus. Quando o poder islâmico foi restaurado e as cruzadas perderam seu ímpeto, os seguidores de Maomé se mostraram muito menos tolerantes do que antes. Na Europa ocidental, as cruzadas contribuíram para aumentar ainda mais o poder do Papa. Quando a quarta cruzada tomou Constantinopla, Inocêncio III, que na época ocupava o trono de Pedro, desfrutava de um poder nunca antes alcançado por Papa algum. As viagens constantes para a Terra Santa e as histórias cheias de prodígios que de lá vinham despertaram no povo o desejo de saber mais sobre a realidade física de Jesus, dos profetas, e dos grandes heróis do Antigo Testamento. A partir de então, boa parte da devoção voltou-se para a contemplação mística da Paixão de Cristo. Pela mesma razão, o culto de relíquias, que tinha raízes antigas, aumentou. Da Terra Santa vinham supostos pedaços da Santa Cruz, ossos dos patriarcas, dentes de João Batista, leite da virgem Maria etc. As demais igrejas (paralelamente) Igreja na África: Sobrevivendo em meio a ocupação islâmica. Igreja na Ásia: Instabilidade, há momentos de crescimento e declínio da igreja. Século XII Movimentos paralelos Desde Novaciano, houve um povo que se afastou da igreja “católica” discordando dos desvios que estavam adentrando. Esses grupos foram taxados pelo Romanismo, muitos com nomes pejorativos; muitos levaram o nome de ilustres pessoas do seu meio, como os petrobrussianos (Pedro de Bruis). Às vezes ganhavam apelidos da sua maneira de viver, como o de “cátaros” (puritanos), e às vezes do país de onde tinham emigrados, como
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no caso de búlgaros e “bougres” da Bulgária. Na Itália eram chamados “fraticelli”, homens da irmandade, por causa do amor fraternal que prevalecia no meio deles. Em certos casos ganhavam seu nome do país ou da cidade em que se encontravam em grande número, como no caso de lombardistas, toulousianos, e albigenses. Todas essas ramificações, todavia, surgiram do mesmo tronco comum, e foram animados pelos mesmos princípios morais e espirituais. É difícil identifica-los pelos nomes pois o Romanismo não fazia distinção dos piedosos entre os heréticos, nomeando-os unicamente como “seita”, seja por professar heresias ou por discordar do sistema corrupto da ICAR. Mesmo assim, conseguimos traçar uma linha progressiva de grupos que se mantiveram puros diante da corrupção da igreja, podendo ser chamados de os precursores dos reformadores. Nome da “Seita” Novacianos Donatistas Paulicianos Vaudois da França e da Espanha Paterinos Gundulfianos Berengarianos Petrobussianos Henricianos Arnoldistas Valdenses e Abigenses Valdo e seus colegas Hussitas Valdenses e Picardos
Data 250 d.C. 311 d.C. 653 d.C. 714 d.C. 945 d.C. 1025 d.C. 1049 d.C. 1110 d.C. 1135 d.C. 1140 d.C. 1150 d.C. 1178 d.C. 1420 d.C. 1450 d.C.
Como não é o escopo deste trabalho esse assunto específico, para analisarmos cada grupo, citaremos um dos principais dentre eles: os Valdenses. Os Valdenses Nos vales alpinos do norte da Itália e no sul da Suíça, viveu um grupo de irmãos de características singularmente especiais a quem a história designou com o nome de Valdenses, por morarem nos vales.28 Sendo Pedro 28
Muitos historiadores dão a entender que este título é derivado do nome de um de seus principais líderes: Pedro Valdo. Mas tal posição não se sustenta, por esse líder ser posterior à fundação do grupo.
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Valdo um de seus principais líderes, que aumentou a influência e legado do grupo. Por volta do ano 1170, Pedro Valdo já havia se tornado um rico comerciante e banqueiro da cidade e, em 1173, teve contato com uma tradução do Novo Testamento para a dialeto francês da época passando a dedicar-se em estudá-la. Depois de uma atenta leitura foi impactado profundamente pelas palavras do Senhor Jesus em Mateus 19:21, “Se quer ser perfeito, vai, vende tudo o que tem e dê-o aos pobres e terás um tesouro no céu; e depois vêm e me segue”. Ele se desfez de tudo, para viver uma vida de pobreza, e pregar o evangelho. Começou a pregar utilizando partes memorizadas das Escrituras e textos de Pais da Igreja memorizados, principalmente Agostinho. As pessoas começaram a ouvi-lo e muitos começaram a segui-lo. O movimento cresce, por isso pedem permissão à Roma, para oficializarem a Ordem dos Valdenses, mas lhes foi negado e proibido de pregarem; tal ordem foi desobedecida e o grupo rompeu definitivamente com Roma. Suas crenças teológicas eram bem semelhantes às dos reformadores, tanto que se juntaram a eles no século XVI. Para efeito de se constatar que suas doutrinas já tinham as sementes da Reforma, vejamos na íntegra uma de suas confissões de Fé, datada de 1120: 1. Cremos e mantemos firmemente tudo o que está contido nos doze artigos do símbolo comumente chamado de Credo Apostólico, e consideramos herética qualquer inconsistência com eles. 2. Cremos que há um só Deus - o Pai, Filho e Espírito Santo. 3. Reconhecemos como Escrituras Sagradas e canônicas os livros da Bíblia Sagrada. 4. Os livros acima mencionados nos ensinam: que há um DEUS, todo-poderoso, ilimitado em sabedoria, infinito em bondade, e que, em Sua bondade, fez todas as coisas. Porque Ele criou Adão à Sua própria imagem e semelhança. No entanto, por causa da inimizade do diabo e sua própria desobediência, Adão caiu, o pecado entrou no mundo, e nos tornamos transgressores em e por Adão. 5. Cremos que Cristo havia sido prometido aos pais que receberam a lei, a fim de que, conhecendo seu pecado pela lei, e sua injustiça e insuficiência, pudessem desejar a vinda de Cristo para realizar a satisfação por seus pecados, e cumprir a Lei por Ele mesmo. 6. Cremos que no tempo determinado pelo Pai, Cristo nasceu – em um tempo em que abundava a iniquidade, para manifestar que não era devido à nossa bondade, porque éramos pecadores, mas para que Ele, que é verdadeiro pudesse mostrar Sua graça e misericórdia a nós. 7. Que Cristo é nossa vida, verdade, paz e justiça - nosso pastor e advogado, nosso sacrifício e sacerdote, quem morreu pela salvação de todo aquele que crê, e que ressuscitou para a justificação deles.
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8. E também cremos firmemente que não há outro mediador, ou advogado para com Deus o Pai senão Jesus Cristo. Com respeito à Virgem Maria, ela era santa, humilde e plena de graça; e isto também cremos com relação a todos os outros santos, que estão esperando no céu a ressurreição de seus corpos no dia do juízo. 9. Cremos também que, depois desta vida, existem apenas dois lugares - um para os que são salvos e outro para os condenados, os quais chamamos paraíso e inferno, respectivamente. Negamos por completo o purgatório imaginário do Anticristo, inventado para se opor à verdade. 10. Ademais, sempre temos considerado todas as invenções [em matéria de religião] como uma abominação indizível diante de Deus; citamos os dias festivos e vigílias dos santos, a chamada “água benta”, o abster-se de carnes em certos dias e outras coisas parecidas; porém, sobre tudo isso, citamos as missas. 11. Mantemo-nos contra todas as invenções humanas, como procedentes do Anticristo, as quais produzem angústia e são prejudiciais para a liberdade da mente.29 12. Consideramos os Sacramentos como sinais das coisas santas ou como emblemas das bênçãos invisíveis. Cremos que é justo e também necessário que os crentes se utilizem desses símbolos ou formas, quando possível. No entanto, sustentamos que os crentes podem ser salvos sem esses sinais, quando não dispõem do lugar ou da oportunidade de observá-los. 13. Não aprovamos outros sacramentos [como instrução divina], à parte do Batismo e da Ceia do Senhor. 14. Honramos os poderes seculares, com sujeição, obediência, prontidão e impostos. Suas práticas e credo remontam à igreja primitiva, como vimos na tabela acima. Os Valdenses foram perseguidos e mortos por Roma, mas permaneceram, sendo um dos poucos movimentos dissidentes que permaneceu até à época da Reforma. Através disso, podemos ver que nunca a Palavra de Deus foi totalmente obscurecida pelos poderes malignos, ou, como o próprio credo diz, pelos poderes do “Anticristo”. É certo que em diferentes épocas a luz das Escrituras raiou com intensidades diferentes na sociedade e Igreja, mas nunca houve Deus deixou seus eleitos sem a Sua Palavra.
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Provavelmente aqui temos uma alusão às penitências e práticas ascéticas – [Nota da versão espanhola].
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Unidade 11 – Alta e Fim da Idade Média – Sécs. XIII – XV (1201 – 1453) Século XIII O auge do papado com Inocêncio III e o concílio de Latrão O papado chegou ao auge do prestígio e do poder, na pessoa de Inocêncio III (1198-1216). A desordem e até mesmo o cisma que atingiram o papado como consequência dos conflitos com o império não cessaram senão quando Inocêncio III (1198-1216) foi eleito Papa. Naquela época, o império se achava desorganizado, e o Papa conseguiu desenvolver uma política internacional que logo o tornou a pessoa mais poderosa de toda a Europa. No próprio império, Inocêncio desempenhou papel importante na decisão de quem seria o novo imperador. Interveio, ainda, na França, na Inglaterra, na Espanha e até em lugares distantes como a Islândia, a Bulgária e a Armênia. Foi também durante o seu pontificado que a quarta cruzada tomou Constantinopla, e assim, pelo menos em teoria, a igreja dessa cidade sujeitou-se à Roma. Além disso, Inocêncio III convocou o quarto concilio de Latrão (1215). Este concilio promulgou pela primeira vez a doutrina da transubstanciação, de acordo com a qual, no ato de consagração por um sacerdote, o pão e o vinho da comunhão se transformam substancialmente em corpo e sangue de Cristo. Além disso, foram condenados os valdenses, os albigenses e as doutrinas de Joaquim de Fiore (um místico, seus seguidores eram chamados de “espirituais”). Foi decretada a inquisição episcopal, que ordenava a cada bispo investigar as heresias que poderia haver em sua diocese, e extirpálas. Foi proibido iniciar novas ordens religiosas com novas regras monásticas. Ordenou-se que fossem criadas escolas nas catedrais, e que nelas fosse dado educação aos pobres. Foi proibido que os clérigos participassem de teatro, de jogos, de caça e de outros passatempos semelhantes. Foi requerida a confissão de pecados por parte de todos os fiéis, que deveria ter lugar pelo menos uma vez por ano. Foi proscrita a introdução de novas relíquias sem aprovação papal. Ficou estabelecido que os judeus e muçulmanos deveriam usar roupas especiais, para se distinguirem dos cristãos. Foi proibido aos sacerdotes cobrar pela administração dos sacramentos. E muitas outras medidas semelhantes foram tomadas. Caso tenhamos em conta que o concilio fez tudo isto em três sessões de um dia cada, fica muito claro que quem tomou estas medidas não foi a assembleia, mas Inocêncio, que utilizou o concilio para referendar as medidas que ele decidira tomar. Por tudo isso, não resta dúvida de que, com Inocêncio, o ideal de uma cristandade unida sob um só pastor, o Papa, aproximou-se da sua
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realização. Assim, não devemos nos surpreender se este Papa chegou a dizer, no que muitos dos seus contemporâneos creram, que o Papa “está entre Deus e o ser humano; debaixo do primeiro e acima do segundo. É menos que Deus, e mais que o homem. Ele julga a todos, mas ninguém o julga”. Os sucessores imediatos de Inocêncio continuaram desfrutando um pouco do seu prestígio. Já nos tempos de Bonifácio VIII (1294-1303), viase claramente que o papado, que continuava proclamando seu próprio poder em termos altissonantes, estava mais uma vez em decadência. Inquisição Também chamada de Santo Ofício, Inquisição era a designação dada a um tribunal eclesiástico, vigente na Idade Média e começos dos tempos modernos. Esse Tribunal, instituído pela ICAR, tinha por meta prioritária julgar e condenar os hereges. A palavra “herege” significa aquele que escolhe, que professa doutrina contrária ao que foi definido pela Igreja como sendo matéria de fé. Então, todos os que se rebelavam contra a autoridade papal ou faziam qualquer espécie de crítica à Igreja de Roma eram considerados hereges.30 Em suma, a Inquisição foi um tribunal eclesiástico criado com a finalidade de investigar e punir os crimes contra a fé católica. Embora a Inquisição tenha alcançado seu apogeu no século XIII, suas origens remontam ao século IV. No século X, há muitos casos de execuções de hereges na fogueira ou por estrangulamento; em 1198 o Papa Inocêncio III liderou uma cruzada contra os Albigenses (“hereges” do sul da França), com execuções em massa; em 1229, no Concílio de Toulouse, foi oficialmente criada a Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício, sob a liderança do Papa Gregório IX; em 1252, o Papa Inocêncio IV publicou o documento intitulado Ad Exstirpanda, em que vociferou: “os hereges devem ser esmagados como serpentes venenosas”. Este documento foi fundamental na execução do diabólico plano de exterminar os hereges. As autoridades civis, sob a ameaça de excomunhão no caso de recusa, eram ordenadas a queimar os hereges. O Ad Exstirpanda foi renovado ou reforçado por vários Papas, nos anos seguintes. Os métodos de tortura Usava-se, dentre outros, os seguintes processos de tortura: a manjedoura, para deslocar as juntas do corpo; arrancar unhas; ferro em brasa sob várias partes do corpo; rolar o corpo sobre lâminas afiadas; uso das “Botas Espanholas” para esmagar as pernas e os pés; a Dama de Ferro: 30
Heresia, no sentido geral é uma atitude, crença ou doutrina, nascida de uma escolha pessoal, em oposição a um sistema comumente aceito e acatado. É uma opinião firmemente defendida contra uma doutrina estabelecida.
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um pequeno compartimento em forma humana, aparelhado com facas, que, ao ser fechado, dilacerava o corpo da vítima; suspensão violenta do corpo, amarrado pelos pés, provocando deslocamento das juntas; chumbo derretido no ouvido e na boca; arrancar os olhos; açoites com crueldade; forçar os hereges a pular de abismos, para cima de paus pontiagudos; engolir pedaços do próprio corpo, excrementos e urina; a roda do despedaçamento funcionou na Inglaterra, Holanda e Alemanha, e destinava-se a triturar os corpos dos hereges; o “balcão de estiramento” era usado para desmembrar o corpo das vítimas; o “esmaga cabeça” era a máquina usada para esmagar lentamente a cabeça do condenado, entre outras formas de tortura. Com a promessa de irem diretamente para o Céu, sem passagem pelo purgatório, muitos homens eram exortados pelos inquisidores para guerrearem contra os hereges. No ano de 1209, em Béziers (França), 60 mil foram martirizados; dois anos depois, em Laval (França), o governador foi enforcado, sua mulher apedrejada e 400 pessoas queimadas vivas. A carnificina se espalhou por outras cidades e milhares foram mortos. Contase que num só dia 100 mil hereges foram vitimados. Depois de acusados, os hereges tinham pouca chance de sobrevivência. Geralmente as vítimas não conheciam seus acusadores, que podiam ser homens, mulheres e até crianças. O processo era sumário, ou seja: rápido, sem formalidades, sem direito de defesa. Ao réu a única alternativa era confessar e retratar-se, renunciar sua fé e aceitar o domínio e a autoridade da ICAR. Os direitos de liberdade e de livre escolha não eram respeitados. A Igreja de Roma, sob o pretexto de que detinha as chaves dos céus e do inferno e poderes para livrar as almas do purgatório e perdoar pecados, pretendia ser universal, dominar as nações mediante pressão sob seus governantes e estabelecer seus domínios por todo o planeta. Novas Ordens Monásticas Mesmo com os editos de Latrão contra novas ordens monásticas, nesse período surgem duas grandes e famosas ordens. Franciscanos Foi fundado por João (Giovanni), filho de comerciante que representava a nova burguesia, rebelou-se contra a nova ordem, declarando que havia se casado com a Senhora Pobreza. Mais tarde, ele ficou conhecido em Assis (na Itália) pelo apelido de “Francisco”, ou seja, “o pequeno francês”. Reuniu ao seu redor vários seguidores e também fundou um ramo feminino da ordem (as Clarissas). Conseguiu que o papado (na pessoa de Inocêncio III) sancionasse o seu movimento. Em pouco tempo, havia milhares de franciscanos em toda a Europa. Diz-se que suas últimas
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palavras foram: “Cumpri meu dever. Agora, que Cristo vos dê a conhecer o vosso: bem-vinda, irmã morte!”. Dominicanos São Domingos de Gusmão fundou na Espanha a Ordem dos Dominicanos ou Ordem dos Pregadores. Embora fundamentada também em votos de pobreza, essa ordem diferia dos franciscanos por dedicar-se, desde o início, ao estudo como meio de refutar os hereges (especialmente os albigenses do sul da França, nos primeiros anos da ordem). Além disso, introduziram-se nas universidades, onde chegaram a ser os principais expositores da teologia da época – a teologia chamada “escolástica”, que recebeu esse nome por ter-se desenvolvido principalmente nas escolas e, então, nas universidades. Essa teologia seguiu o padrão do livro “Sim ou não” de Pedro Abelardo que consistia em antíteses, de um lado era posto os argumentos de autoridades a favor de um assunto, do outro era posto os contras e, por fim, o autor buscava conciliar ambos, tendo como característica a especulação. Um dos exemplos hiperbólicos é que se questionava quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete. Com a expansão dos turcos, novas ideias foram trazidas com eles, a que mais influenciou foi a filosofia Aristotélica. Até esse ponto (principalmente os Pais da igreja), a filosofia de Platão foi a base da teologia ortodoxa, mas a teologia escolástica passa a assimilar Aristóteles, sintetizando artificialmente sua filosofia com a teologia. Tomás de Aquino, monge dominicano, foi um dos maiores expoentes (se não o maior) dessa teologia. Aquino desenvolveu sua teologia com o foco em defender a cristandade dos ataques muçulmanos, que usavam Aristóteles para refutar pontos-chave da fé cristã; por isso, ele usa Aristóteles para confirmar (ou pelo menos tenta) as doutrinas cristãs, distorcendo ainda mais a fé bíblica. De modo geral, o escolasticismo tinha linguagem técnica, sem vida. Era inacessível aos leigos e não incitava a piedade. Os franciscanos e os Dominicanos cresceram rapidamente. Dentro de pouco tempo, havia missionários dominicanos entre judeus e muçulmanos, e os franciscanos chegaram até a Etiópia, a Índia e a China. Os franciscanos tiveram de passar por uma série de divisões e debates sobre ser necessária ou não a questão da pobreza absoluta que São Francisco abraçara e promulgara, gerando uma divisão da ordem. O mito da Idade da Trevas Como foi falado quando começamos a estudar esse período, as nomenclaturas usadas para nomear esse período é pejorativa e degradante, dando a entender que houve uma paralisação do desenvolvimento humano
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em suas diversas esferas. Para comprovar que tal entendimento é apenas uma caricatura distorcida da realidade, analisaremos alguns fatos sobre aquele tempo. Ciência Em primeiro lugar, é falso a ideia de que a ciência era tão rudimentar que eles criam que a Terra era plana, pois sabiam que a Terra era redonda (eles viam a sombra da Terra num eclipse lunar), desde o Período Antigo já se sabia disso, pois os pais da igreja já diziam isso. Só houve a explosão científica moderna por causa dos avanços desse tempo, que lançou os fundamentos para as novas descobertas. E, acima de tudo, o Ocidente pôde desfrutar do avanço científico graças à cosmovisão cristã de que Deus criou o universo para ser explorado, ao contrário do que os pagãos criam que a natureza era divina ou os efeitos naturais eram causados pelo temperamento dos deuses, por isso havia o medo de se profanar ou injuriar os ídolos, impedindo o avanço do conhecimento. As notas musicais O monge beneditino francês chamado Guido de Arezzo, nascido nos fins do século X, organizou o sistema de notação musical conhecido até os dias de hoje. Nos seus estudos, acabou percebendo que a construção de uma escala musical simplificada poderia facilitar o aprendizado dos alunos e, ao mesmo tempo, diminuir os erros de interpretação de uma peça musical. Contudo, de que modo ele criaria essa tal escala? Para resolver essa questão, o monge Guido aproveitou de um hino cantado em louvor a São João Batista. Em suas estrofes eram cantados os seguintes versos em latim: “Ut quant laxis / Resonare fibris / Mira gestorum / Famuli tuorum / Solve polluti / Labii reatum / Sancte Iohannes”. Traduzindo para nossa língua, a canção faz a seguinte homenagem ao santo católico: “Para que teus servos / Possam, das entranhas / Flautas ressoar / Teus feitos admiráveis / Absolve o pecado / Desses lábios impuros / Ó São João”. Mas qual a relação da música com as notas musicais hoje conhecidas? Observando as iniciais de cada um dos versos dispostos na versão em latim, o monge criou a grande maioria das notas musicais. Inicialmente, as notas musicais ficaram convencionadas como “ut”, “ré”, “mi”, “fá”, “sol”, “lá” e “si”. O “si” foi obtido da junção das inicias de “Sancte Iohannes”, o homenageado da canção que inspirou Guido de Arezzo.31
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O “dó” foi somente adotado no século XVII, quando uma revisão do sistema concebido originalmente acabou sendo convencionada.
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Arquitetura A arquitetura gótica foi desenvolvida nesse tempo, sendo de beleza incomparável até os dias de hoje, não conseguindo ser superada por nada (incluindo a arquitetura moderna). Isso é devido ao fato de que as igrejas tinham dois propósitos: didático e cúltico. Didático, pois a maioria do povo era analfabeto. Nelas tentava-se apresentar toda a história bíblica, a vida dos grandes mártires da igreja, os vícios e as virtudes, as lendas piedosas, e tudo que pudesse ser útil à vida religiosa dos fiéis. Embora a transubstanciação tenha sido oficializada apenas em 1215, no concílio de Latrão, já havia a ideia da presença real de Cristo na ceia. A igreja era um lugar onde o Grande Milagre acontecia, e onde era guardado o corpo de Cristo (a hóstia consagrada), mesmo quando os fiéis não estavam presentes. Portanto, o que uma cidade ou aldeia tinha em mente ao construir uma igreja era edificar um estojo para guardar e honrar sua joia mais preciosa. Cúltico, pois a intenção era que as paróquias fossem distintas dos demais ambientes. Buscava-se gerar nos fiéis um senso de veneração, respeito e sacralidade ao se entrar nas paróquias, o qual foi muito bem-sucedido nas igrejas de estilo gótico, tendo a verticalidade como suas características peculiares. Por serem altas e pontiagudas trazia-se tanto a ideia de aproximação de Deus quanto da pequenez dos fiéis; outro fator são as grandes janelas que possibilitam maior Catedral de Milão, Itália entrada de luz, enfatizando o aspecto celeste. Além disso, planta arquitetônica dessas igrejas era no formato da cruz latina. Vemos que todo o projeto arquitetônico girava em torno da teologia que se tinha. Essas igrejas foram eleitas Patrimônio Mundial pela UNESCO. Universidades Este período se caracteriza, entre outras coisas, pelo auge da importância das cidades. Por essa razão, os estudos teológicos logo se concentraram nos centros urbanos, e não mais nos mosteiros, como antigamente. Nesses centros, surgiram primeiro as escolas catedralescas, a cargo do bispo e do capítulo catedrático. Logo foram surgindo outras escolas, que mais tarde se unificaram em cada cidade no que foi chamado de “estudo geral”. Desses estudos gerais surgiram as principais universidades da Europa.
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As universidades em seu início não eram instituições de ensino superior, mas corporações de professores e alunos, cuja função era tanto defender os interesses comuns a todos eles, como garantir o grau de preparo que cada um alcançava. Por isso, uma das características principais dessas universidades era que seus mestres desfrutavam do jus ubique docendi, o direito de ensinar em qualquer lugar. As universidades mais antigas remontam a fins do século XII, quando as escolas de cidades como Paris, Oxford e Salemo chegaram a um ponto culminante. Mas foi o século XIII que viu o crescimento pleno das universidades. Conquanto em todas elas fossem estudados os conhecimentos básicos da época, logo algumas ficavam famosas em alguma área particular de estudo. Os que queriam se dedicar ao estudo da teologia tinham primeiro de ingressar na faculdade de artes, onde passavam diversos anos estudando filosofia e letras. Depois ingressavam na faculdade de teologia, onde começavam como “ouvintes”, e progressivamente podiam chegar a ser “bacharéis bíblicos”, “bacharéis sentenciários”, “bacharéis formados”, “mestres licenciados” e “doutores”. No século XIV, esse processo chegou a ser tão complicado que, para completá-lo, eram necessários dezesseis anos de estudo, depois da graduação na faculdade de artes. Fim da Idade Média (1303 – 1453) Século XIV A peste e o fim do feudalismo A economia europeia, que antes estivera em expansão, estancou em princípios do século XIV, começando a declinar em meados desse século. Isso era causado pela instabilidade política, o fim das cruzadas e a decadência da agricultura. A causa principal foi a epidemia de peste bubônica que açoitou repetidamente a Europa ocidental a partir de 1347. A peste bubônica é propagada principalmente por pulgas que, depois de picar ratos infectados, transmitem-na aos seres humanos. Em três anos, ela varreu o continente europeu – calcula-se que um terço da população europeia morreu. Depois dessa terrível mortandade, a epidemia amenizou, embora voltando repetidamente, com menos virulência, a cada dez ou doze anos. Em cada uma dessas novas epidemias, a enfermidade atacava principalmente a geração mais jovem, que não fora imunizada pela epidemia anterior; portanto, a Europa levou dois séculos para voltar a estabelecer um equilíbrio demográfico. Outra consequência da praga foi uma grande preocupação com o tema da morte. Teatros, sermões etc. eram focados na brevidade da vida. Pelas mesmas razões, e estreitamente unida com esse foco na morte, começou a surgir a ideia de que Jesus Cristo era mais juiz do que redentor; essa visão
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distorcida enfatizou a necessidade da mediação dos santos e, principalmente, de Maria. Por último, convém assinalar que a peste contribuiu para aumentar a inimizade entre cristãos e judeus. Entre os cristãos, pensava-se que as bruxas eram em parte culpadas pela peste, enfermando seus inimigos com suas maldades. Com esse argumento, perseguiram-se mulheres inocentes, a quem davam esse título. Perseguiram também os gatos, que diziam ser amigos das bruxas. Por causa disso, a população dos ratos aumentou. Já que tudo isso não acontecia entre os judeus, os casos de peste eram menos frequentes entre eles. A Consequência foi que eles foram acusados de envenenar os poços onde os cristãos bebiam, e em represália a isto houve terríveis matanças. Além da peste bubônica, outros fatores contribuíram para as condições sociais e políticas dos séculos XIV e o XV. A burguesia crescente (principalmente banqueiros) aliou-se à monarquia em cada país; assim, o feudalismo chegou ao fim, e as nações modernas começaram a se formarem, juntamente com o espírito nacionalista. Mas o próprio nacionalismo tornou-se rapidamente obstáculo para a unidade da igreja. Durante boa parte desse período, a França e a Inglaterra estiveram em guerra entre si, a chamada "Guerra dos Cem Anos’’, e quase todo o resto da Europa participou dessa guerra. Cativeiro Babilônico da igreja O nacionalismo, ao mesmo tempo em que colocou um ponto final no feudalismo, também marcou o fim do sonho de um só povo debaixo de um imperador e de um Papa. Os povos começaram a pensar em si mesmos como cidadãos de algum reino ou nação. Como consequência, a ideia de que o papado era instituição transnacional foi desaparecendo, e em pouco tempo apareceram monarcas que tentaram usar o papado visando a seus propósitos políticos pessoais. Essa era a época da Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra, e durante boa parte desse período o papado esteve debaixo da sombra da França, servindo aos interesses franceses, a ponto de a sede papal ser transferida de Roma para Avinhão, nas próprias fronteiras da França (13091377). Isso criou forte sentimento antipapal na Inglaterra e nos seus aliados. Roma deixa de ser a sede da Igreja Romana. Foram sete Papas que estiveram à frente durante esse período, todos os cardeais eram franceses, algo totalmente controlado pelo rei da França. Esses Papas viviam como reis, em um palácio de Avinhão, até Gregório XI. Influenciado por Catarina de Siena (mística, filósofa escolástica e teóloga), Gregório teve por bem voltar e restabelecer o papado em Roma.
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Este período foi chamado de Cativeiro Babilônico da igreja, pois o Papa ficou em Avinhão por aproximadamente 70 anos (68, mais precisamente), à semelhança do Cativeiro Babilônico dos judeus. Assim que chegou em Roma, Gregório XI morreu, não conseguindo enraizar o papado. Os cardeais se reuniram, em Roma, para ser escolhido um novo Papa. Houve um conclave dos cardeais bem conturbado, pois uma turba invadiu várias vezes o local, colocando pressão nos cardeais para que escolhessem um Papa italiano, o que acabou acontecendo. Os Papas de Avinhão tinham nomeado grande número de cardeais franceses. Quando estes ficaram descontentes com o rumo que o Papa seguia em Roma, simplesmente declararam que a eleição daquele Papa não era válida e elegeram outro, conforme lhes agradou. O cisma do Ocidente Então, calhou de haver dois Papas ao mesmo tempo, um em Roma e o outro em Avinhão. Quando estes morreram, outros tomaram os seus lugares, resultando em duas linhagens paralelas de Papas, sendo que cada uma declarava ser o outro ilegítimo. Esse foi o chamado o “Grande Cisma do Ocidente”, ocorrido entre 1378 a 1417. O impacto do cisma foi enorme. Toda a Europa dividiu-se entre os Papas rivais. Acontecendo em pleno período da Guerra dos Cem Anos, essa divisão veio a reforçar as rivalidades criadas pela guerra. Para defender a sua posição, cada Papa tinha de aumentar os fundos que recolhia, gerando ainda mais corrupção na igreja. O cisma em si estimulava a simonia. Os dois rivais tentavam vencer seu adversário e, para isso, precisavam de dinheiro. Por essa razão, a igreja se transformou em um sistema de impostos e exploração, mais terrível que os piores tempos do “cativeiro babilônico”. À simonia e à exploração, juntaram-se males relacionados, como o nepotismo, o absentismo e o pluralismo. Como cargos eclesiásticos eram ricas prendas, os Papas de Avinhão deram rédeas soltas ao nepotismo, que consiste em nomear pessoas para ocupar cargos não com base em sua habilidade, mas em seu parentesco com quem é responsável pela nomeação. O que os Papas faziam, os bispos e arcebispos imitavam. O absentismo, isto é, ocupar um cargo e residir em outro lugar, era cada vez mais comum entre pessoas que não tinham nenhuma vocação. O pluralismo consistia em que muitos ocupavam ao mesmo tempo diversos cargos eclesiásticos, sem cumprir as obrigações de nenhum deles. A “Solução” A tentativa de resolver tal divisão baseou-se na posição filosófica chamada “nominalismo”. Segundo esta, os fiéis são a igreja e são eles – ou os bispos – que, reunidos em concilio, têm a autoridade suprema (inclusive acima do Papa).
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O concilio de Pisa (em 1409) tentou reformar a igreja. Para resolver o cisma, declarou depostos os dois Papas existentes e nomeou-se outro. Visto que os outros dois Papas se recusaram a reconhecer as deliberações do concilio, passou a haver três Papas, em vez de dois. O concilio de Constança (1414-1418) continuou essa obra de reforma. Conseguiu a renúncia de dois dos Papas. Quando morreu o terceiro, seu sucessor foi nomeado sem maiores dificuldades. O Grande Cisma acabara. O plano era haver concílios periódicos, para garantir a continuação da obra de reforma. Porém, o concilio de Basiléia (1431-1449) dividiu-se quando alguns dos seus membros se transferiram, primeiramente para Ferrara e depois para Florença (se sujeitando ao Papa). Assim, um movimento surgido para pôr fim ao cisma acabou se dividindo ele próprio. Então, ficou dois concílios: o de Basiléia e o de Florença. O sediado em Basiléia, era nominalista, ou seja, cria que a autoridade do Concílio está acima do Papa; já o Florença entendia que o Papa tinha autoridade acima do Concílio. Não restava ao Concilio de Basiléia nenhuma alternativa senão tomar medidas cada vez mais extremas contra o Papa. Um a um, os diversos reinos e senhorios da Europa foram retirando seu apoio à assembleia de Basiléia, cujos membros se reduziam cada vez mais. O que restava do longo concilio, por sua vez, iniciou um processo contra Eugênio IV, declarando-o deposto. Em seu lugar, foi nomeado Félix V. Assim, não só havia dois concílios, mas o movimento conciliar ressuscitara o cisma papal. Já quase ninguém fazia caso daquele sínodo, que pouco depois se transferiu para Lausanne, e acabou se dissolvendo. Quando Félix V por fim renunciou, em 1449, o papado romano saíra indiscutivelmente vencedor sobre as ideias conciliares. A superstição cresce A superstição, que sempre existira, aumentou entre o povo menos culto. Diversos pais da Igreja, do século IV, se opuseram à posição elevada que as peregrinações alcançaram em sua época. Agora, mil anos mais tarde, essas peregrinações eram uma das manifestações religiosas mais populares. Os ricos partiam para os lugares tradicionais de peregrinação: Terra Santa, Roma e Compostela. Os pobres afluíam a santuários mais próximos, cuja eficácia era considerada grande, mesmo que não igual a dos três lugares mencionados. Da mesma forma, aumentou o culto às relíquias, que fora abrindo caminho através de toda a Idade Média. Logo, as superstições contra as quais os reformadores do século XVI protestaram, embora tivessem raízes que em muitos casos remontavam há mais de mil anos, tornaram-se exageradas e especialmente comuns a partir de meados do século XIV.
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Unidade 12 – Os Pré-reformadores e a Renascença John Wycliffe John Wycliffe nasceu na Inglaterra, em 1328 – durante o período do “cativeiro babilônico”. Sabemos pouco de sua infância; até na escrita do seu nome encontramos variações. Depois de formado em filosofia e teologia, Wycliffe era considerado um professor renomado em Oxford. Ele ficou famoso, também, pela pregação da palavra (era padre) e pela coragem com que falava sobre problemas da época. Quando o Papa, novamente, exigiu tributo da Igreja na Inglaterra, Wycliffe, nas suas prédicas, criticou o Papa e o Clero (os padres) pelo seu interesse no poder, nos bens e pela sua arrogância. Wycliffe pregou que o cabeça da Igreja é Cristo, e que deveria ser modificado o seguinte: 1º - A Igreja e o Estado deveriam atuar separadamente. 2º - Só a Bíblia deveria ser o fundamento dos ensinos. 3º - Não poderia haver corrupção na Igreja. 4º - Entre o cristão e Deus não precisa ter intermediários. O sacerdote deveria pregar a Palavra e cuidar dos membros das paróquias, ao invés de querer usurpar o papel de Cristo. 5º - A Bíblia deveria ser traduzida para a língua do povo, para que pudesse ser lida pelos cristãos. O Arcebispo de Londres proibiu Wycliffe, por causa dessas ideias, de pregar. Wycliffe pediu a ajuda do rei para poder continuar pregando, mas este não interferiu. Wycliffe obedeceu e retirou-se. Viveu na pequena cidade de Lutterworth. Durante os anos que seguiram, começou a traduzir a Bíblia para o inglês. Em 1383, o Novo Testamento em Inglês começou a circular. Aos poucos, com a ajuda de outros, toda a Bíblia foi traduzida do latim para o inglês. Os colaboradores eram chamados, pelos adversários, de Lollardos. Lollard significa “semeador de inço32”. Após receberem instruções de Wycliffe, os Lollards saíram para pregar e ensinar. Ficaram conhecidos pelos seus mantos vermelhos e suas pregações, quando conclamaram o povo para colocar a sua confiança em Jesus como mediador, e não nos santos. Também pregavam o sacerdócio geral: todo o homem que quer herdar a vida eterna e que segue aos ensinamentos de Jesus, deve atuar como sacerdote. Os Lollards, no fim do século, foram perseguidos e só puderam continuar as suas atividades às escondidas. Mas tal movimento sobreviveu até a Reforma, à qual se uniram. Com o passar dos anos, Wycliffe enfatizou cada vez mais a autoridade das Escrituras em detrimento da do Papa e da tradição eclesiástica. Ele 32
Erva daninha.
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concordava com o que Tertuliano escrevera, de que as Escrituras pertencem à igreja, e por isso devem ser interpretadas dentro dela e por ela, mas não concordava que a Igreja era a hierarquia eclesiástica. Acompanhando Agostinho, e baseando-se em textos do apóstolo Paulo, ele chegou à conclusão de que a igreja era o conjunto de predestinados. A verdadeira igreja é invisível, pois na visível e institucional há perdidos ao lado dos que foram predestinados para a salvação. Afirmou em um de seus livros que Cristo e não o Papa era o chefe da igreja; e que a Bíblia e não a Igreja era a autoridade única para o crente e que a Igreja Romana deveria se modelar segundo o padrão da Igreja do Novo Testamento. Além disso, confrontou o celibato clerical e questionou a doutrina da transubstanciação, dizendo (verdadeiramente) que era uma criação recente do Concílio de Latrão (1215). Até o fim de seus dias, Wycliffe afirmou que o Papa era um desses perdidos, e chegou a chamá-lo de Anticristo. John Wycliffe faleceu em 1384; e hoje, é chamado de “Estrela d’Alva da Reforma” pelos historiadores. Século XV João Huss (1369 – 1415) Enquanto Wycliffe enfrentava as autoridades eclesiásticas na Inglaterra, na distante Boêmia estava se formando um movimento reformador muito semelhante ao que ele propunha. A Boêmia, parte do que atualmente é a Checoslováquia, estava estreitamente ligada ao Império Alemão. Calcula-se que aproximadamente a metade do território nacional estava sob o poder da ICAR, enquanto a coroa possuía uma sexta parte. O movimento reformador boêmio parece ter iniciado na época de Carlos IV, e por sua iniciativa, pois o primeiro grande pregador do movimento foi Conrado de Waldhausen, que o próprio rei trouxera ao país. Conrado logo teve um número considerável de discípulos, e é possível traçar uma linha de sucessão ininterrupta entre ele e o mais famoso dos reformadores boêmios, João Huss. Por essa razão, apesar de ser verdade que as ideias de Wycliffe encontraram eco nas de Huss, isso não deve ser exagerado a ponto de fazer do reformador boêmio um mero discípulo do inglês. Nascido em Hussinec, na Boêmia, hoje Tchecoslováquia, em 1373, de uma família pobre que vivia da agricultura. Ele recebeu boa educação elementar e cursou na Universidade de Praga (capital atual da República Tcheca), onde terminou seu mestrado em Filosofia no ano de 1396. Dois anos depois, Huss começou ensinar na Universidade, e em 1401, veio a ser o seu reitor – época do grande cisma. Em 1400, Huss foi separado como padre e foi-lhe entregue a responsabilidade da prestigiada Capela de Belém. Os ensinamentos de Wycliff foram logo introduzidos no país. Estudando-os bem de perto, Huss começou não só a pregar, como também traduzir as obras de Wycliff na língua Tcheca.
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Pregador e Precursor da Reforma na Boêmia, em 1403, João Huss se propôs a reformar a Igreja Romana na Boêmia, ensinando que o papado não tinha nenhuma autoridade de oferecer a remissão dos pecados através da venda de indulgências, como também questionou a legitimidade dos dois Papas rivais Gregório XII e Alexandre V. João Huss era um homem extremamente gentil e contava com grande apoio popular. A marca registrada de seu ministério foi a devolução do cálice aos leigos, pois já havia a tendência de se dar apenas a hóstia aos leigos na ceia. Em 1412, Huss foi excomungado e a cidade de Praga foi colocada sob interdito, pois seus moradores foram em seu favor. Para diminuir a pressão e o sofrimento sobre as pessoas, ele resolveu sair de Praga, mas continuou pregando no meio rural. No ano de 1414, os líderes da Igreja Romana se reuniram para um Concílio em Constança (atualmente na Alemanha), e João Huss foi convocado a comparecer a fim de esclarecer seus ensinos controvertidos. O imperador Boêmio, Sigismundo, prometeu salvo-conduto, mas, após um mês em Constança, os seguidores do Papa João XXIII o prenderam, e ele foi impelido pelo Concílio de se retratar. Huss permanceceu preso durante os sete meses de seu julgamento, e pouca oportunidade foi-lhe dada de se defender. No concílio ele disse que de fato cria da mesma maneira que Wycliffe, mas não porque eram doutrinas de Wycliffe, mas porque eram doutrinas de Jesus Cristo. Por não voltar atrás, Jan (João) Huss foi condenado como herege, e Sigismundo lhe retira o salvo conduto, pois “um rei não tem que manter sua promessa a um herege”. No cárcere, sentenciado pelo Papa a ser queimado vivo, João Huss disse: “Podem matar um ganso, mas daqui a cem anos, Deus suscitará um cisne”.33 Despido e queimado na estaca fora da cidade, Huss morreu cantando o hino “Senhor, tem misericórdia” no dia 6 de julho de 1415. Concílio de Constança No mesmo Concílio que condenou Huss, foram queimados os ossos de John Wycliffe. Ele estava enterrado na sua igreja em Lutterword. A ICAR mandou abrir o seu túmulo e levar os restos de Wycliffe para Constança, onde foram queimados, sendo as cinzas jogadas no rio, sendo e ele declarado herege. Assim como suas cinzas foram espalhadas pelo rio, e já ninguém mais podia conter, assim também foi com sua doutrina. Além disso, o Concílio oficializa os 7 sacramentos: batismo, confirmação (ou crisma), eucaristia, reconciliação (ou penitência), unção dos enfermos (extrema unção), ordenação (sacerdócio) e matrimônio.
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Hus significa “ganso” na língua boêmia.
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Fim do Império Bizantino Conquanto nossa história centralize sua atenção no cristianismo ocidental, não se deve esquecer que durante todo esse tempo outras igrejas continuavam existindo — além da grega, da russa, das nestorianas e dos vários grupos monofisistas. Em 1204, os cruzados se apossaram da cidade de Constantinopla e estabeleceram nela um imperador e um patriarca latinos. Em 1261, os gregos puderam novamente se apoderar da sua capital, e assim terminou o Império Latino de Constantinopla. O mal, porém, já estava feito. O velho Império Bizantino nunca recobrou sua glória perdida, e teve de contentarse em manter uma existência precária entre os ocidentais de um lado e os turcos de outro. Assediado pelos turcos, o Império Bizantino foi diminuindo até não lhe sobrar nada mais do que a cidade de Constantinopla. Finalmente, em 1453, a cidade também foi tomada pelos turcos. Desde então, a principal igreja oriental passou a ser a russa. Os últimos anos da Idade Média foram caracterizados por um grande descontentamento popular, que combinava causas sociais com motivos religiosos. Os oprimidos viam que a vida dos opressores não só era injusta, mas também se vestia com um manto de piedade cristã, e até mesmo se apoiava na autoridade da igreja. Contra essa situação, houve inúmeros movimentos de protesto, e até rebeliões que só puderam ser sufocados mediante ação militar. Em todos esses casos, as autoridades eclesiásticas, que integravam o número dos que se beneficiavam com a situação existente, deram todo seu apoio aos poderosos. Em consequência disso, floresceu o sentimento anticlerical, inspirado no início não por correntes modernas de secularização, mas pela busca de justiça. Renascença Renascimento, Renascença ou Renascentismo são os termos usados para identificar o período da história da Europa aproximadamente entre meados do século XIV e o fim do século XVI. Dois fatores contribuíram para a assunção deste período: (1) o reaparecimento de escritos pagãos, trazidos pelos turcos em expansão, dando a possibilidade de se estudar os escritos na língua original, acendendo o interesse em se reproduzir os estilos artísticos e filosóficos; (2) a influência de Aristóteles sobre a teologia e filosofia da Idade Média colocou a razão como intocada pelo pecado, dando ao homem a centralidade e foco, sendo a realidade diária cada vez mais distanciada de Deus. Com a invasão dos turcos, além do interesse nos escritos pagãos, houve o resgate da língua grega, proporcionando o estudo da Bíblia no original – e não mais a vulgata latina – o que gerou questionamentos à ICAR. Com isso, dois movimentos paralelos se originaram: a Reforma e a
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Renascença. O primeiro voltou às origens bíblicas e o outro deu o passo seguinte na apostasia. Na Renascença, a razão humana foi recebendo, cada vez mais, ênfase – como consequência do antropocentrismo34 – dando origem ao racionalismo, que enfatizava principalmente a dois pontos: (1) liberdade e dignidade, e (2) investigação científica. Ambas as ênfases não tinham como ponto referencial Deus, mas o homem, como se fosse autossuficiente possuindo uma razão autônoma para se chegar à verdade. Estas ênfases retrataram o motivo-base humanista de natureza/liberdade. Por natureza, havia o desejo de, com a investigação científica, descobrir as leis naturais pela razão e, através disso, ter controle sobre a realidade, com isso, a natureza foi definida mecanicamente como produto de causas e efeitos. Por liberdade, o homem buscou autonomia (auto = próprio, nomos = lei), não mais seria controlado pela igreja, estado, nem mesmo por Deus. Portanto a religião predominante deixou de ser teísta 35 e passou a ser deísta36. De fato, um provérbio comum da Renascença Italiana era Deus sive natura (Deus, ou seja, a natureza). Invenção da imprensa Em 1455 o inventor alemão Johannes Gutenberg criou uma das maiores contribuições para o mundo moderno: a imprensa. A tipografia permitiu que os textos, antes manuscritos, fossem impressos a partir da elaboração dos tipos, letras móveis produzidas em cobre e alocadas em uma base de chumbo onde recebiam a tinta e eram prensadas no papel. Dessa maneira, a “imprensa”, como ficou conhecida a invenção de Gutenberg, passou a influenciar a produção e divulgação de conhecimento, contribuindo para um maior desenvolvimento da produção literária na Europa. Este foi um dos fatores que impulsionaram a Reforma, que viria em menos 70 anos.
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Do grego, anthropos “humano” e kentron “centro”, que significa homem no centro Crença num Deus pessoal que intervêm em Sua criação. 36 Crença num criador, não tão pessoal, mas mais semelhante a uma força; que criou o universo, mas não se comunica e intervêm em sua 35
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Lutero disse o seguinte a respeito da imprensa: “A imprensa é um presente de Deus” e “A imprensa permitiu que um pequeno camundongo como Wittenberg rugisse por toda a Europa”. A soberania de Deus montou o palco para que, daqui algumas décadas, florescesse o movimento de retorno às Escrituras, a Reforma Protestante.
Soli Deo Gloria Glória somente a Deus Bibliografia História ilustrada do cristianismo - Volume 1 e 2 – Justo González Curso História da igreja - Juliano Heyse A História da Igreja - Volume 1 - Andrew Miller A história das doutrinas cristãs – Louis Berkhof Panorama da História Da Igreja Parte 2 - W. Robert Godfrey
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