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lição dE vida

Conto de Thais Matarazzo

Primavera de 1915. A Europa sofria com a grande guerra.

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Atarantado com diversos afazeres e deveres militares, o rei Frederico Augusto III da Saxônia, de 50 anos, resolveu ceder ao pedido da consorte, ou melhor, ex-esposa, pois não viviam juntos há mais de uma década. Nunca mais Luísa teve autorização para visitar os filhos, era considerada um “mau exemplo de conduta” para os principezinhos. Ela enviou diversos pedidos de visitas, todos foram veementemente negados.

A princesa Luísa da Toscana abandonou o lar, não conseguiu viver debaixo dos tentáculos da tirania do seu sogro, o rei Jorge. Ela teve as suas razões. O marido nunca tomava partido nos desentendimentos entre nora e sogro. — Frederico, tu és mesmo um banana!, dizia.

No fundo, Frederico nunca esquecera Luísa, ainda a amava. A decisão de aceitá-la de volta não cabia a ele, o dever e a honra de um príncipe herdeiro estavam acima dos assuntos do próprio coração.

Tentou, na medida do possível, ser um bom pai para os seis filhos: Jorge, Frederico Cristiano, Ernesto Henrique, Margarida Carolina, Maria Alice e Ana Mônica, que em maio de 1915, tinham, respectivamente, 22, 21, 18, 14, 13 e 11 anos de idade. Frederico perdeu sua mãe quando jovem, sabia como era amargo o sentimento da orfandade.

O rei Frederico Augusto nunca casou-se novamente, católico fervoroso, sabia que seu matrimônio havia sido cancelado pela leis dos homens, mas não pela lei da santa madre igreja.

Em privado, nunca insinuou nada de negativo sobre a ex-cônjuge, pelo contrário, contava aos filhos dos atributos positivos da mãe, de como ela era carinhosa enquanto viveu com eles no palácio de Dresden.

Costumava, sim, destacar as ações do mau feitio do avô, o rei Jorge, sendo que, por vezes, até ele teve vontade de fugir da Saxônia e viver uma vida livre, todavia... Sabedor do seu dever, alegava que Deus o designou para ser rei (autocrata convicto!) e ele não poderia fugir da sua vontade.

Luísa estava grávida quando fugiu, entretanto, não sabia. Internada em um asilo na Suíça, o médico

da corte, dr. Leopold, foi até lá para reconhecer a criança como filha legítima de Frederico.

A princesa alegou que a criança era fruto de uma traição, filha do tutor dos príncipes. Não houve acertos, o médico levaria Ana Mônica, de qualquer maneira. O rei Jorge não admitiria essa “desonra” para o seu herdeiro, já bastava o escândalo da fuga da nora, cá entre nós, arquitetada pelo próprio soberano que queria ver-se livre da “odiosa princesa toscana”.

Luísa protestou como pôde, lutou pela filha.

Quando a menina recém-nascida chegou a Dresden, Frederico foi conhecê-la: — Tu não tens culpas do erro da tua mãe. És um anjo. Com certeza, és filha do tal tutor... A Ana tem os cabelos pretos e olhos castanhos. Mas, deixa estar, és o último presente que Luísa me deu nesta vida! – pegou a bebê e a embalou. Dali em diante, teria que ser pai e mãe da prole.

As crianças reais foram criadas com união, a amizade dos irmãos era interessante. A princesa Matilde, tia dos garotos, sempre maldosa, vivia embriagada. Ninguém gostava da sua presença. Certa feita, quando Ana Mônica completou 8 anos, Matilde chamou a menina num canto e afirmou: — Ana, você já está uma mocinha e precisa saber uma verdade: tu não és filha do meu irmão. Sua mãe abandonou vocês. Na verdade, você é fruto de um pecado, filha de um serviçal e plebeu. Até hoje não percebo porque não te contaram este fato. Vês os seus olhos e cabelos castanhos, são diferentes dos teus irmãos. Nunca ouvistes comentários? — O que a tia diz? — Não sejas burra, menina. Você entendeu perfeitamente. És uma bastarda! Foste criada aqui por pura caridade de meu finado pai e do meu irmão. És uma vergonha para a nossa família. És plebeia como o teu pai de sangue! — Cala-te, Matilde! — Quem está aí? — Eu ordeno que te cales, ou mando cortar a tua língua venenosa.

— Frederico? Ah, és tu...

A pequena Ana Mônica correu e abraçou o pai. Ambos saíram e deixaram Matilde sozinha na sala do piano.

Com muita delicadeza, Frederico não escondeu a verdade da menina. Com sabedoria precoce, Ana pareceu entender a situação e aceitou.

As princesas: Margarida Carolina, Maria Alice e Ana Mônica. Foto: domínio público

— Não importa o que dizem, tu és minha filha querida do coração. Está certo? — Sim, papá! Eu te amo!

O tempo passou. Finalmente, em 1915, o monarca aceitou que os filhos fossem visitados pela mãe na presença de preceptores e outras pessoas da nobreza saxônica.

Os seis ficaram felizes com a notícia, e durante uma semana mal puderam dormir direito.

Apesar de todos os serviçais que ficavam à disposição dos príncipes, nunca, nenhum, pôde substituir a presença de uma mãe de verdade...

A visita foi agendada na embaixada do Reino Unido em Dresden: Jorge, Frederico Cristiano, Ernesto Henrique, Margarida Carolina, Maria Alice e Ana Mônica, impecavelmente trajados, observaram quando a grande porta de madeira escura se abriu e Luísa da Toscana adentrou o ambiente, era uma senhora já madura, de cabelos grisalhos e um rosto marcado pelas amarguras, diferente das fotografias que tinham visto no palácio. Luísa encarou os filhos com ternura no olhar. Nenhum dos seis lhe tinha rancor. Quebraram o protocolo

e deram um grande abraço coletivo.

As três garotas queriam dizer tantas coisas, perguntar outras tantas, mas o tempo era cronometrado por um conde.

Foi servido um chá, Ana Mônica sentou-se ao lado de sua mãe, que a mediu dos pés à cabeça e notou na criança a fisionomia do seu antigo amante. Em seguida, tentou ter uma conversa privada com a filha, contou sobre a sua origem. — Eu já sabia de tudo, respondeu Ana. — E não tens vontade de conhecer teu verdadeiro pai? Não desejas vir comigo, viver com a tua mãe?

Não houve resposta. Uma das governantas notou quando as duas foram para um canto da sala e desfez o diálogo constrangedor: — Ora, tenha modos, madame Luísa. Já está indo longe demais com essa atitude. Deixe sua Alteza Real, a princesa Ana Mônica, em paz. Saiba aproveitar a benevolência de vosso ex-marido ter permitido esta visita!

A criada puxou a garota de 11 anos pelo braço e foi embora. Ao chegar ao palácio, Ana Mônica correu para encontrar o pai no escritório. — Papai, papai, papai! — O que se passa, menina? — Eu só queria dizer que o senhor é o meu verdadeiro e único pai!

*** Conto inspirado na biografia da princesa Ana Mônica da Saxônica (1903-1976). Os herdeiros do rei Frederico Augusto III da Saxônia são trinetos dos imperadores do Brasil, d. Pedro I e d. Leopoldina da Áustria.

As princesas: Ana Mônica , Maria Alice e Margarida Carolina. Foto: domínio público.

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