Escritores brasileiros contemporâneos - edição especial - Poetas Negras - agosto/2020

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Escritores brasileiros contemporâneos Edição especial Agosto/2020

POETAS NEGRAS MULHERES NA LITERATURA E NAS ARTES BRASILEIRAS


A opinião e conceitos emitidos em matérias e colunas assinadas não refletem necessariamente a opinião da revista Escritores brasileiros contemporâneos. Contatos livros@editoramatarazzo.com www.editoramatarazzo.com.br www.facebook.com/editoramatarazzosp www.instagram.com/editoramatarazzosp

EDITORIAL A edição deste número revela-se uma grande alegria e um rico documento recheado de Poemas de conteúdos diversos e destacados, escritos por poetas negras brasileiras. A iniciativa foi coroada de

Agosto/2020 Poetas Negras

Edição especial - Ago/2020 - ed. especial

edição especial

Revista pertencente à Editora Matarazzo. Email: livros@editoramatarazzo.com / versejandocomimagens@gmail.com Telefone: (11) 3991-9506. CNPJ: 22.081.489/0001-06. Distribuição: São Paulo - SP. Diretora responsável: Thais Matarazzo - MTB 65.363/SP. Depto. Jurídico: Tatiane Matarazzo Cantero. Formato: digital. Capa: Carolina Maria de Jesus - ilustração de Camila Giudice.

êxito. Gratidão a todos que apoiaram e participaram do projeto. Agradecemos imensamente a participação das poetas contempladas: Margareth dos Anjos Santos, Idyane França, Valesca Lins, Silvia Regina Rodrigues, Fernanda Luiza, Irene Oliveira, Isis Nascimento Virgulino da Silva, Keilane Souza de Santana, Sandra Liss, Débora Santos, Elaine Kriss, Larissa De Matos Pedro, Mari Vieira, Marcia Silveira, Sandra Regina Alves, Elis Santana, Marcinha Costa, Edenice Fraga, e Rayssa Sabrina. Entremeando a Poesia, temos no decorrer das próximas páginas, matérias, reportagens e dicas de leitura, ressaltamos a atuação das mulheres negras nos caminhos da Literatura, Artes e Música. Em breve teremos a edição nº.8 do concurso Versejando com Imagens, iniciativa da Editora Matarazzo, e que conta com o apoio do Coletivo São Paulo de Literatura, e das Fotógrafas Marcia Costa e Nana Tavares. A participação é gratuita, desta feita, devido à pandemia do Covid-19, todo processo e prêmios serão online. Em novembro organizaremos outro número especial da revista dedicado às escritoras negras, desta feita o gênero literário focalizado será o Minicontos, com tema livre. Por isso, autoras, mãos à obra! Desejamos a todos uma boa leitura! Editora Matarazzo

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EXPEDIENTE

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* Quem explora o próximo é digno de desprezo.

* Quando os fortes decidem vencer, vencem.

* A arte mais difícil é a arte de viver.

* O livro é o bordão do homem.

* Deus criou o mundo, o homem criou a desigualdade.

* Nobre é aquele que cumpre seus deveres.

* A única coisa do homem que merece profunda cultura, é a mente.

* As pessoas castigadas injustamente, ficam revoltadas.

* A vida com dissabores é um silício.

* O que nos decepciona desmorona um ideal.

* O homem tem asas: o pensamento. * Quem incute preconceito na mente infantil é um imaturo mental. * Os tipos insatisfeitos são iguais a brisa: “sempre circulando”.

* As ações concretas tem muito mais valor do que os discursos banais. * A arma mais poderosa do mundo é a turba. * A bondade beneficia, a maldade atrofia. Extraído do livro Provérbios (1963) da Carolina Maria de Jesus (1914 1977), escritora conhecida pelo volume Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada publicado em 1960. É uma das mais destacadas escritoras negras do país. A biblioteca do Museu Afro Brasil recebeu o seu nome. A capa dessa edição da revista é dedicada à autora e poeta mineira.

Agosto/2020

* Os que desistem do que iniciam, não triunfam.

Poetas Negras

* Há os que dizem: “Vá plantar batatas”. Mas nem todos sabem plantar.

edição especial

* O sábio anda na linha reta, o sabido na linha curva.

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* A palavra mais feia do dicionário é a palavra “miséria”.

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Agosto/2020

MINHA CASA NÃO É BELA FICA QUASE NA FAVELA NÃO TEM PALMEIRAS AONDE CANTA O SÁBIA... DIANTE DO QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ É O BEM-TE-VI QUE DÁ O AR DA SUA GRAÇA POR LÁ... MINHA CASA O CAFÉ É FEITO NO COADOR DE PAPEL É UM QUASE PRÊMIO NOBEL DIZ ATÉ, QUEM NUNCA O TOMOU... QUE É GOSTOSO O SABOR... MINHA CASA TEM JANELAS... 1,25M CADA, UMA DELAS... FICA QUASE NA FAVELA... PARA ENFEITAR A DA SALA TEM UM VASINHO BREGA DE FLOR... DESSAS QUE NÃO MORREM, NÃO TEM BICHINHOS, NÃO GASTA ÁGUA E O MOSQUITO NEM OLHOU... MINHA CASA É AQUELA FICA QUASE NA FAVELA... É SÓ DIZER QUE

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Irene Oliveira

FICA QUASE NA FAVELA É TÃO SIMPLES E SINGELA... CHEIRA BEM TEM COMIDA PARA COMER NÃO PRECISAS DE TRAZER MINHA NÃO É BELA FICA QUASE NA FAVELA NÃO TEM RÁDIO PARA TOCAR, MAS NÃO PRECISA IR COMPRAR... MÚSICA RUIM, EU NÃO GOSTO DE ESCUTAR A GENTE CANTA POR LÁ... UM VIOLINO, UM VIOLÃO, INVENTAMOS UMA CANÇÃO NO CORAÇÃO DE QUEM AMAR OU EMPRESTAMOS DO COMPOSITOR \ POETA NOSSO AMIGO QUE VOOU FEITO PASSARINHO E DEIXOU DOIS PEQUENOS PASSÁROS PARA CUIDAR DO SEU NINHO QUE TEM UMA OBRA GIGANTE QUE HONRAMOS AO CANTAR... NA MINHA CASA QUE É AQUELA MUITA GENTE LINDA E BELA MORAM PRÓXIMO DE LÁ TU NÃO PRECISAS DE VIR CÁ... NÃO TEM PITTIBUL PRÁ ROSNAR... É GOSTOSA DE MORAR PORQUE É AQUELA QUE FICA QUASE NA... FAVELA.

edição especial

(1º/12/2016)

VAIS LÁ CONHECER PARA EU TE ESPERAR NÃO PRECISAS AVISAR NÃO TEM SEGURANÇA PRA TE REVISITAR... TEM MUITA CRIANÇA LÁ NA VILA ESPERANÇA APENAS A BRINCAR GOSTARIA DE RECITAR PARA ELAS AH... NÃO PRECISAS PULAR A JANELA ELAS FICAM NO ALTO, NÃO, NÃO, NÃO SOU A BELA SOU A FEIOSA AQUELA QUE PENSOU QUE A BANDA TOCOU PARA ELA... ESTOU LONGE DE SER DONZELA MINHA CASA NÃO É MINHA E NEM É MEU ESSE LUGAR... TEM UM DONO PRA EU PAGAR ALUGUEL, PARA QUE EU POSSA MORAR... ISSO TAMBÉM NÃO IMPORTA PREFIRO FALAR EM DESPEDIDAS E ADEUS... PARA QUEM SOUBE UM DIA AMAR... E SE EU FOSSE PEQUENINA NÃO TE DARIA UM BOTÃO POIS JÁ DELETEI TEU CORAÇÃO QUE ME CAUSA AFLIÇÃO MINHA CASA É AQUELA... QUE TENS MEDO DE ENTRAR ATÉ O TREM NÃO CHEGA LÁ...

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C asinha

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Pés

de filho ,

Pés

de preto

Margareth dos Anjos Santos Nasceram de mim... Pés de preto, pequenininhos. Do tamanho do meu dedo, aquele dedo que aponta. Dedo que pretendia te apontar o caminho a seguir, o horizonte, o mundo. Pés de preto ficam maiores e fincam no chão.

Mas, aquele meu dedo de apontar que era do tamanho do pé de preto, pequenininho, agora fica em riste e te defende! Pés de preto crescem mais e mais, já correm atrás da bola, atrás de quem ri do dono desses pés, atrás da vida. Chegam em casa empoeirados e não querem ser limpos. Ouço: Quanto mais pretos, melhor! Pés de preto estão do tamanho dos meus. Esteiam um pequeno homenzinho preto! Firmes procuram seu próprio caminho, sustentam toda a sua negritude e se orgulham dela. Pés de preto gigantes agora! Pisam forte e com altivez. Apoiam um corpo esguio. Ajudam a equilibrar uma coroa de cabelos de preto. Peregrinam por uma estrada que te farão reinar, por todo o seu caminhar. Pés, Pés de filho, Pés de preto!

Poetas Negras

Olhares, exclusões...

edição especial

A vida vai batendo de leve no corpo do neguinho que vai crescendo.

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çando a andar. E já começa a apanhar. ”

Agosto/2020

Te canto no ouvido “Upa Neguinho na Estrada... Upa Neguinho come-

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Agosto/2020 Poetas Negras

Nascer e morar na periferia não foi obstáculo para conquistar o seu espaço na literatura. Segundo a escritora, que tem 10 livros publicados, inclusive nos idiomas alemão, inglês e em breve italiano, foi exatamente nos atalhos do bairro, que encontrou riquezas, que a levaram, por exemplo, a apresentar seu livro na Universidade de Oxford e agora a convite da editora Underline Publishing, entrar no mercado norte americano com o livro “Morte às Vassouras/Death to the Brushes, traduzido pela Dra. Margaret Anne Clarke. A obra conta sua experiência trabalhando como empregada doméstica em Portugal, em regime interno, o que lhe deu a impressão de estar vivendo em um cárcere. O livro, além de proporcionar uma singular sensação de prazer e curiosidade, é muitas vezes dramático, devido à emoção da autora ao narrar em primeira pessoa a experiência. Um relato histórico e polêmico como poucos. Uma realidade vivida por muitos emigrantes, mas pouco registrada. Claudia Canto atualmente trabalha como biógrafa e está escrevendo histórias de mulheres na Suíça.

edição especial

C laudia C anto, escritora negra da periferia de S ão P aulo publica livro nos EUA

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Margareth dos Anjos Santos: Doutoranda em Arte e Cultura Contemporânea, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas, Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/ Universidade do Estado do Rio de Janeiro. MBA em Marketing e Pós Graduação em Assessoria e Imprensa, Universidade Estácio de Sá. Graduada em Comunicação Social – Faculdades Integradas Hélio Alonso/RJ. Coautora do livro “Negras Crônicas – Escurecendo os Fatos”, lançado em setembro/2019, na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro. Colunista Pesquisadora da Revista Kratos. Recebeu em 2010, o Diploma da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

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Ventre

negro

Idyane França: Artista, Poeta, Jornalista, Militante do movimento negro e antifacista e da mídia livre. Ganhadora do XXII Prêmio Estadual de Direitos Humanos Emmanuel Bezerra dos Santos, pela Câmara Municipal de Natal/RN, em colaboração a cobertura midiática do movimento de ocupação estudantil, juntamente com a Mídia Ninja.

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Dizem que a dor do parto é imensa. Isso porque não calcularam a dor da partida. Aqui a Pietá de Michelangelo É todo dia Mães negras Filhos mortos Mas não grite Mas não chore Pode atrapalhar O sossego da patroa Engula a seco Dor Angústia Revolta Por 20 mil, tudo se resolve Mas, onde poderemos encontrar Miguel? Diga, onde? Então eu grito Eu choro Meu ventre Negro Dói Se angustia Se revolta E não consegue silenciar.

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Idyane França

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Valesca Lins: sou carioca apaixonada pelo Flamengo e pela Portela. Mãe de Marina Morena. Libriana sem indecisões e que gosta da vida. Pedagoga da rede pública e prestes a concluir o curso de Psicanálise. Fui Diretora de Departamento de Supervisão Educacional e Conselheira Municipal de Educação na rede Municipal da cidade de Mesquita no Rio de Janeiro biênios 2013/2015/2017. Em 2016, descobri que consigo passar minhas ideias para a escrita quando tive um texto publicado pelo site do MUSP: Pretinho Básico para o Ipiranga. Em 2018, publiquei o artigo Patologização e Medicalização da vida: tentativa de banir o incontrolável no Seminário de Educação Medicalizada. Participei da antologia Negras Crônicas: escurecendo os fatos com as Crônicas 104 histórias como esta e Revelações de Cenas do Cotidiano, no ano de 2019. Chegando 2020 participo da antologia Parem as Máquinas com a poesia Semente, selo offflip. Considero escrever um projeto de saúde, pois através da escrita posso conhecer e me reconhecer, captar e imaginar a realidade. E assim viver a dignidade do erotismo e da liberdade.

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Ela quer tudo? Ela quer despertar de um sono profundo! Por muito tempo a fizeram engolir pílulas de ilusão Onde toda e qualquer tipo de expressão Encontrava-se na razão O tempo do Geru maã chegou até minha morada No meu ib reside minha consciência Já não posso ser mais enganada Meus sentidos dão o tom nas minhas caminhadas As belezas se acenderam aqui dentro de mim Maat é meu destino e de onde vim Sinto-me em harmonia, bela e corajosa Nuas estão minhas raízes Quem conversa não só minhas cicatrizes Agora, sei o meu lugar Lugar de lembranças e esperanças. Lugar para recordar e sonhar. O futuro é hoje. O amanhã é o presente.

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Mulher Silvia Rodrigues Sedutora, Intrigante. Estilosa, elegante.

Exageradamente sonho e ser. Simplesmente, mulher na luz do viver! Silvia Regina Rodrigues: “Silvia Rodrigues”, é o espelho da própria arte. Sempre ligada à poesia e aos saraus, tendo ela mesmo ajudado na organização e eventos de muitos, aprendeu desde cedo a lutar pelo pão, pela expressão da verdade e da liberdade de ser o que seus sonhos conseguem alcançar. Mãe, mulher de fibra, da luta diária e do lar, jamais desistiu de acreditar que os contos são mais que de fada, são conduzidos pela varinha nada mágica da ousadia. Foi assim, que criou seus três filhos e maior tesouros e é assim que garante seu sustento, na simplicidade e no talento de fazer acontecer. Também foi assim, que concluiu seus estudos, que resolveu escrever seu primeiro poema. Silvia é gigante por ser ela mesma.

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Negra flor. Morena, morena, branca mistura de amor...

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Esposa, namorada. Amante, mãe. Apaixonada...

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Companheira, decidida. Inteligente, amorosa. Amiga...

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Doutora, advogada. Da luta, do lar. Empresária da vida...

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Balé poesia

Fernanda Luiza: sou Física de formação, mãe por amor e no momento estou ousando escrever. O ato de escrever me traz leveza, e essa sensação é uma necessidade. Espero que um dia alguém possa se identificar com minhas escritas. Tenho duas filhas que são minha inspiração, elas tornam meus dias alegres e vivos.

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Saber se eu iria voltar ou não, já não fazia sentido Se a morte fria e insensível me levasse, teria valido a pena. Seu semblante é de gigante, seu rosto, um alento e seu sorriso um respiro. Dadas noites escuras, e o ar faltante. Dada fraqueza do meu corpo e o entoar da minha alma Dada vontade de desistir e descansar. Mas para uma mãe, a morte não é opção. Resistir é o que resta. E para quê? Para escolher seu vestido azul, Pentear seu cabelo, Leva-la ao balé, E simplesmente, no repique da vida Ver você flutua. E nesse balé poesia, Nasceu senhora, Sofia.

Agosto/2020

Fernanda Luiza

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Agosto/2020 Poetas Negras edição especial

Nascida em Cachoeira Paulista, em 1920, Ruth foi poetisa, cronista, romancista, contista e tradutora. Foi a primeira escritora brasileira negra que conseguiu projetar-se nacionalmente desde o lançamento do seu primeiro livro, o romance Água Funda, em 1946. Aos dez anos de idade publicou os seus primeiros poemas em jornais da terra natal. Com 18 anos transferiu-se para a capital paulista, onde se formou em Filosofia pela USP. Profissionalizouse como jornalista e colaborou assiduamente na imprensa paulista e carioca, além da seção permanente que manteve durante vários anos na Revista do Globo, de Por-

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Arte: Camila Giudice

R uth Guimarães

to Alegre. Escreveu crônicas para grandes jornais como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Assinava uma coluna semanal de crônicas no jornal Valeparaibano, de São José dos Campos. Em 1972 Ruth Guimarães fundou e presidiu, em Cachoeira Paulista, a Academia Cachoeirense de Letras (atual Academia Cachoeirense de Letras e Artes, ACLA), primeira academia de letras da região valeparaibana. Ruth Guimarães foi eleita no dia 5 de junho de 2008 para ocupar a cadeira número 22 da Academia Paulista de Letras. Era madrinha da Academia de Letras de Lorena, dando posse aos membros em 16 de agosto de 2009. Entre outros títulos, publicou: Água Funda (1946), Os Filhos do Medo (1950), Mulheres Célebres (1960), As Mães na Lenda e na História (1960), Líderes Religiosos (1961), Lendas e Fábulas do Brasil (1972), O Mundo Caboclo de Valdomiro Silveira (1974), Grandes Enigmas da História (1975), Crônicas Valeparaibanas (1992), Calidoscópio – A Saga de Pedro Malazarte (2006), Histórias de Jabuti (2008). A escritora faleceu aos 93 anos, em maio de 2014, em Cachoeira Paulista.

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Mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, a escritora e poeta é doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Conceição Evaristo é militante do Movimento Negro, com grande participação e atividade em eventos relacionados a militância política social. Nascida em Belo Horizonte, é a segunda de 9 irmãos. Na infância ajudava sua mãe e sua tia com lavagem de roupas e as entregas, enquanto estudava. Em 1971 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou num concurso,começando a escrever apenas na década de 1990.

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Arte: Camila Giudice

C onceição Evaristo

Na década de 1980, entrou em contato com o grupo Quilombhoje. Estreou na literatura em 1990, com obras publicadas na série Cadernos Negros, publicada pela organização. Suas obras, cuja matéria -prima literária é a vivência das mulheres negras – suas principais protagonistas – são repletas de reflexões acerca das profundas desigualdades raciais brasileiras. Suas obras, em especial o romance Ponciá Vicêncio, de 2003, abordam temas como a discriminação racial, de gênero e de classe. A obra foi traduzida para o inglês e publicada nos Estados Unidos em 2007. Em 2017, Conceição Evaristo foi tema da Ocupação do Itaú Cultural de São Paulo. Em 2019, foi a grande homenageada da Bienal do Livro de Contagem, MG. Atualmente, Conceição leciona na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como professora visitante. Bibliografia solo: Ponciá Vicêncio (2003), Becos da Memória (2006), Poemas da recordação e outros movimentos (2017), Insubmissas lágrimas de mulheres (2011), Olhos d’água (2014), Histórias de leves enganos e parecenças (2016).

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À Alma de Minha Mãe (1895) Partiu-se o fio branco e delicado Dos sonhos de minh’alma desditosa... E as contas do rosário assim quebrado Caíram como folhas de uma rosa. Debalde eu as procuro lacrimosa, Estas doces relíquias do Passado, Para guardá-las na urna perfumosa, Do meu seio no cofre imaculado. Aí! se eu ao menos uma só pudesse D’estas contas achar que me fizesse Lembrar um mundo de alegrias doidas... Feliz seria... Mas minh’alma atenta Em vão procura uma continha benta: Quando partiste m’as levaste todas!

Agosto/2020

Nascida em Macaíba, RN, em 1876, a poetisa Auta de Souza pertenceu a uma família de intelectuais norte-rio-grandense. Viveu pouco, faleceu aos 24 anos, na capital potígar, vitimada pela tuberculose. Luís da Câmara Cascudo a considerou “a maior poetisa mística do Brasil”, seus poemas românticos possuem influência simbolista, e têm alto valor estético. Perdeu os pais na infância, também vitimados pela tuberculose, foi criada pela avó materna, d. Dindinha, em uma chácara no Recife, onde foi alfabetizada por professores particulares. Poliglota, gostava de ler em francês e inglês, influenciada pelas freiras vicentinas do colégio onde estudou. Auta apreciava a literatura religiosa. Começou a escrever aos 16 anos, apesar da doença. Frequentava saraus e reuniões dançantes. Colaborou com jornais e revistas de grande circulação no Brasil. Um ano antes do seus falecimento, em 1900, viu publicado o seu primeiro livro, Horto, prefaciado por Olavo Bilac. Tudo isso só foi conseguido por intermédio de seus irmãos, Eloy de Souza (político e

jornalista) e Henrique Castriciano (escritor, poeta, ativo participante da vida política e social do RN), que incentivaram à irmã e divulgaram os seus poemas no Brasil e na França. Em 1936, a Academia Norte-Riograndense de Letras dedicou-lhe a poltrona XX, como reconhecimento à sua obra. O casarão onde a poetisa viveu em Macaíba passou por reformas e hoje abriga a E. E. Auta de Souza; no seu pátio está um busto em sua homenagem e também foi plantado um jasmineiro (o primeiro jasmineiro, plantado pela própria Auta foi destruído acidentalmente). Os poemas de Horto podem ser acessados e lidos no portal www. dominiopublico.gov.br/

Poetas Negras

S ouza

edição especial

de

Escritores brasileiros contemporâneos

Auta

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Poetas Negras

na noite... mas logo amanheceu e o chão estava cheio de pétalas brancas... Uma menina negra apareceu para resgatar as pétalas e... ao andar meio torta... deixava na terra molhada suas pegadas de botas....

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enxergar a volta pro seu habitat... Pela manhã as cigarras acharam que a Papel estava metida, só porque estava calçando botinhas! um grilo de uma perna só parecia muito um Saci... olhou para Pepel e desejou um pé da bota! vestir... mas a borboleta percebendo a atitude do grilo-saci entoou um canto ali... e várias borboletas enfermeiras apareceram enfim... carregando uma perna de pau emplantaram no grilo saci... a borboleta Papel... após o tumulto desapareceu dali... uma chuva forte chegou

Irene Oliveira: alagoana, poetisa, participou de diversas antologias da Editora Matarazzo. Colaboradora da revista Escritores brasileiros contemporâneos.

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Por um jardim a fora, Papel com suas asas brancas voava e encantava as flores de diversas cores cheiros e canteiros... Voo por cima da cerca de arrame farpado e no monte de coisas jogadas encontrou um par de botas, nada belas, mas serviram pra ela... Que se sentiu, a linda... na passarela do jardim em flor. Calçou os seus pezinhos com o par de botas e bateu asas numa noite sem luar os vagalumes em bandos chegaram para ajudar, clarear o caminho para Papel

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Papel, a borboleta

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Homenagem da Editora Matarazzo à poeta Irene Oliveira, participante dos nossos projetos literários e atividades artísticas desde 2016. Aqui a “Papel, borboleta Irene Oliveira”, em ilustração de Giovanna Allievi


O

amor bate na p ( orta )

Isis Nascimento Virgulino da Silva

– Odara

Isis Nascimento Virgulino da Silva: nascida em 24 de outubro de 2000 no bairro do Flamengo/ RJ, residente em Duque de Caxias/RJ. Desde a primeira infância demonstrou interesse natural por literatura brasileira. Durante o ensino médio, foi escolhida como diretora cultural do grêmio estudantil e aos 16 anos começou a escrever seus primeiros poemas autorais, a partir daí adotou o pseudônimo de Odara. Atualmente pública suas poesias no Instagram (@odara_nv) e tem como objtivo cursar a faculdade de Literatura.

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Não! É que aqui dentro já está cheio. Cheio de cacos para varrer, Cheio de lágrimas para secar, Cheio de você para esquecer...

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Quem sou eu para ignorar esse tal de amor! Vestido de calça larga e blusa boêmia, Com um jeito que dá motivos para compor.

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Não se ofenda, eu adoro viver! E por estar viva, distribuo esse sentimento. Que por sinal, não para de bater na p(orta).

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O amor bate na p(orta)! Sinto um cheiro familiar... Não vou abrir, para você estou morta! Tá ai uma coisa que eu não paro de desejar...

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C osturando

a vida

Keilane Souza de Santana: é professora de História na educação básica, pesquisadora e militante feminista.

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Quando o inimaginável chegou, ela estava descobrindo o poder das artes, fazendo da pintura uma terapia, da dança uma forma de distração, da música e da poesia companheiras. Ela já costurava a vida, com retalhos de leveza em pontos de dor.

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Em meio ao caos e as lágrimas por tentar, tantas vezes, fazer parte dos padrões e perceber que era impossível, ela decidiu romper as fronteiras que lhe aprisionavam, pagou um preço alto, não teve a compressão dos seus, lhe olharem torto, tentaram lhe calar, mas, era tarde, um caminho sem volta, não cabia mais em caixinhas que lhe dilaceravam.

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Keilane Souza de Santana

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Quando minha cor me prostituiu Sandra Liss

Ausente de respostas Gritou menos e chorou compulsivamente Como se algo nela morresse naquele instante Talvez a de dentro, talvez os desejos Ou talvez a alma se retirasse inteiramente Daquele corpo vil e impuro

Sandra Liss: é Escritora e Poeta, publica no seu Blog “Poexistências”. Também é pesquisadora no doutorado em Literatura e Cultura da UFBA e Professora de Literatura da Rede Estadual. Faz parte do conselho editorial de uma revista universitária e possui autoria em prefácio, orelha de livro e artigos acadêmicos.

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Perfurou o espelho com seus olhos indagantes: Há uma prostituta dentro de mim, Que vende prazer por qualquer tostão? A de dentro do espelho a encarou Com um pesado silêncio

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A imagem havia perfurado sua pele E atravessou suas entranhas como veneno Percorreu todo seu corpo. No espelho refletida viu a prostituta Com batom forte e olhar triste

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Em tons cortantes uma preta gritou: – Pareço uma prostituta? Rasgou-se em gritos e suplicou respostas: – Assemelho-me a uma prostituta?

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Agosto/2020 Poetas Negras

Contatos Youtube: www.youtube.com/channel/ UCMWAjJv_geMkhBP9iCvg0aQ Instagram: @vivianeonítàn Facebook: facebook.com/story. php?story_fbid=121955826262179& id=110954390695656

edição especial

Mulher negra, nascida e criada na periferia de São Paulo. Ativista integrante do Movimento Negro Unificado (MNU), colunista do Jornal Empoderado, formada em Gestão de Pessoas nas empresas pela Universidade Anhanguera e Narradora de histórias. Como produtora participou de eventos como a Virada Cultural, Mês do Hip Hop e Festival Coala na cidade de São Paulo. Viviane é Abyan (pessoa que está aprendendo sobre o candomblé) no terreiro Ilê Asé Alaketu Ojú Osun dirigido pela Iyalorisá Maria Heloisa Melo. Encontrou na Narração de Histórias uma forma de contribuir com a preservação das tradições do Sagrado no cotidiano e exercitar o “decolonial”, ou seja uma superação do colonialismo. Realizou o curso de contação de histórias oferecido pela Biblioteca Hans Christian Andersen, o curso A

arte de narrar Histórias Negras Africanas e Brasileiras ministrada por Giselda Perê no Festival IMP e desde então vem se aperfeiçoando nessa arte. Fez sua primeira apresentação na Instituição UMAPAZ com o grupo Filhos de Onílè. Após conhecer o Bàbá Oluko Baona recebeu dele o nome Onítàn (senhora da história/historiadora). Viviane Onítàn apresenta em seu projeto três linguagens artísticas: a oralidade, a dança e a percussão. Onde busca de uma forma leve e descontraída a aproximação do público com os povos de Espiritualidade de matrizes africanas, desmistificando assim em suas apresentações e endemonização provocada pela intolerância.

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Viviane Onítàn

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17 anos de puro talento! A artista plástica Giovana Allievi trabalha com ilustrações para livros, revistas e encomendas para uso pessoal. Assim que terminar o ensino médio, irá cursar Design Gráfico. “Amo desenhar desde criança.

Faço artes digitais e manuais, os principais materiais que uso são tintas guache, acrílica e lápis de cor. Eu tiro a inspiração para minhas artes de livros e filmes”, nos conta. Para conhecer mais o trabalho de Giovana, acesse o seu Instagram @giallievi Caso queira enviar um e-mail, escreva para giovanaallievi@gmail.com.

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Giovana Allievi

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Instagram @giallievi


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Escritores brasileiros contemporâneos

edição especial

Poetas Negras

Agosto/2020


neném

Poetas Negras edição especial

diabo é isso? Pé... ponta do pé... cal... Sem câncer de pele... não que tenha ido no médico pra sabê... mas apesar de o sol ser mais forte em Morpará... essas bestagens não acontecem por lá... ...Canhar... meio do pé .. Thais e eu observávamos, pasma, eu paulistana e ela que agora vivia no interior de São Paulo. Nós que já estamos infectadas com o tempo de mercado nem sabemos mais qual é o nosso compasso interno... A primeira vez que eu vi até tremi de aflição dilatosa.... Dia a dia passávamos por ele.... Ficávamos ali a observar o guardião do tempo, o senhor de si e de seus passos... E toda vez que passávamos por ele víamos aqueles passos duradouros - Merirmã, ele demorou cinco minutos para atravessar uma casa... mano, cinco minutos.... - É tá até ligeiro... deve estar com alguma diligência. Constatamos.

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Nunca vi tão lento, um preto velho retinto de cabelos brancos e crespos. O chão e o pé eram semelhantes, secos e rachados. A passada era tão morosa que era possível decupar: calcanhar.... meio do pé... ponta do pé... dedos... calcanhar... meio do .... Era de se admirar todo dia andava no sol, sem proteção, protetor solar? Que

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Débora Santos

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R etalhos

Poetas Negras edição especial

Elaine Cristina Sant’Ana dos Santos: nasceu em São Bernardo do Campo-SP e atualmente reside em Muritiba-BA. É professora das redes municipais de Muritiba e Cruz das Almas, graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana e fez pós-graduação em Literatura e lingüística pela Universidade Federal da Bahia. Participou de oficinas literárias, com diversos poetas e escritores, dentre os quais destacam-se: Roberval Pereyr, Antônio Brasileiro, Aleilton Fonseca e Luís Pimentel. Organizou a revista literária, “Rabiscos Poéticos”, na cidade de Muritiba, durante o período de 2004 a 2005. Foi premiada no concurso da Academia de Letras do Recôncavo em 2007. E participou da coletânea “PROSA E VERSO, Oficina de Criação Literária- lll Feira do Livro, com conto: Minutos antes de entrar no palco. É autora do livro: “As cores do vento”.

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Quantas de mim? Quantas? O espelho em recortes Transfigura uma ausência. E não me encontro. Sou muitas. Nenhuma. Pedaços desencontrados. Os olhos perdidos não se veem. Silenciosos, Rendem-se aos retalhos.

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Elaine Kriss

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O

que a vida fez de nós ?

Larissa De Matos Pedro: 19 anos, graduanda no curso de Serviço Social pela Universidade Federal de Uberlândia e componente do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de Uberlândia do Campus Pontal.

Poetas Negras edição especial Escritores brasileiros contemporâneos

4:26 e eu me perguntando, meu Deus pq eu não nasci burguês? Imagina eu agora na quarentena tendo que escolher entre escargot e camarão pro almoço e esse ser meu único problema Mas não...Deus fez nóis pobre e sofrido tendo no almoço só arroz feijão e ovo mexido Não tô me fazendo de coitada não, agradeço a Deus todo dia em oração, a gente ainda tem o que comer mas é foda viver como se todo dia fosse morrer O problema é que a cabeça fica a mil e 24 hrs nóis tá na mira de um fuzil A polícia só vê mais um corpo negro no chão E eu só vejo sangue preto em suas mãos Os nossos continuam vivendo os mesmo tormento, nada muda nesse sistema O estado necropolitico mata sem que isso seja um problema Mas eu continuo a lutar e resistir Minha luta não é só minha, é pra favela toda progredir.

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Larissa De Matos Pedro

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F lorescer Mari Vieira Para Amanda Andrade – Mandynha

Mari Vieira: escritora, poeta, professora e realizadora de sonhos. Nasceu no Vale do Jequitinhonha em MG. Vive há mais de duas décadas em São Paulo. Publicou pela primeira vez em 2017 no Cadernos Negros V40 – Contos afro-brasileiros, Quilombhoje. Em 2019 participou da antologia Comemorativa do dia Internacional da Mulher ─ Mulherio das Letras Portugal – Prosa e Conto, Ed. In-finita, da antologia Nenhuma a Menos, Ed. Versejar, da antologia Movimento Palavras Pretas, que sairá pela Ed. Feminas, do Cadernos Negros V42 ─ Contos afro-brasileiros – Quilombhoje. É cofundadora do Coletivo de escritoras negras Flores de Baobá. Também marcou presença no livro Escritoras de Cadernos Negros – Contos e poemas Afro-Brasileiros – (Coleção de mão em mão) Secretaria Municipal de Cultura. Instagram @amarivieira / Facebook: Mari Vieira

Poetas Negras edição especial

O que antes doía hoje, não mais Floresceu As raízes, um dia cicatrizes Hoje, semente de árvore frondosa Reinam Livres na imensidão

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O sol entremeia nervuras ─ Esperança ─ Seiva do florescer E lá no fundo Profundissimamente O cerne transborda

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Às vezes no meio da dor Invento um movimento De saída para um lugar bonito Me acolho E rego cicatrizes

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Meu C aminho

é

Amar

Marcia Silveira: tenho 58 anos, mulher preta e moradora de uma das COHAB de São Paulo, lugar que amo muito. O gosto pelo poesia esteve comigo desde de sempre, mas criei coragem para publicar a menos de um ano. Sou casada, mulher do Marcelo e mãe do Roberth. Costumo dizer que quando escrevo faço uma viagem, em questão de segundos atravesso o arco-íris, de tão prazeroso que é o ato de passar para o papel minha ideias, sonhos e forma de ver a vida.

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Tem filho que é grudado Outros já nascem plugados Filhos por eles se morre Outros dias se engole as mágoas....das malcriações E se enfrenta multidões. Caminhando,educando,velando, e abençoando Quem é mãe no coração Sabe do que eu estou falando Partem para o mundo através do nosso acolhimento Mas na vida tem outro entendimento Na ânsia da proteção Perdermos a direção Amar é tão bom

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Marcia Silveira

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C onheça

os tĂ­tulos da

Editora Matarazzo

www.editoramatarazzo.com.br Instagram: @editoramatarazzosp Facebook: @editoramatarazzosp


Ao refletir em busca da resposta sobre quem foi o meu mediador de leitura, revisitei minhas memórias para encontrar fatos ocorridos a partir da infância que despertou minha paixão pelos livros. Observei que em muitas narrativas sobre leitores ávidos, eles sempre citam alguém em particular, como uma que pessoa fundamental no seu despertar pela leitura. No entanto, penso que especificamente no meu caso é difícil designar apenas uma pessoa que despertou meu interesse pela leitura. Os meus pais vieram de Minas Gerais depois do casamento. Moraram de aluguel em Vila

Agosto/2020 Poetas Negras

Ana Lúcia Meira Bibliotecária - São Paulo

edição especial

de leitura

Escritores brasileiros contemporâneos

H istória

Remo, zona Sul, antes de mudarem para o bairro Jardim Parque Independência, distrito do Capão Redondo, região periférica da zona sul de São Paulo. Foi lá que cresci, em um ambiente doméstico em que o livro não estava inserido na pauta. Meus pais tinham pouca escolaridade, não havia recursos para compras de livros, bem como no bairro não tinha biblioteca. Mesmo com as dificuldades descritas acima, tive oportunidade de ter contato com livros, por meio dos meus tios. Quando eu ia passar as férias na casa dos meus avôs em Teixeiras, Minas Gerais. Era uma casa estilo colonial que para mim parecia uma mansão na época. A casa tinha sala de estar com cristaleira, porão e um quintal com árvores frutíferas! As lembranças mais marcantes são: meu avô que ficava na varanda sentada em uma cadeira contando causos, o quartinho com uma estante repleta de livros de capa dura que cheirava igual um sebo. Os livros pertenciam ao meu falecido tio Sebastião, apelidado de “Barão”. Lembro-me de adentrar neste quarto e ficar horas manuseando os livros e sentindo o cheiro do acervo. Neste tempo não sabia ler ainda.

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Agosto/2020 Poetas Negras edição especial

das Secas” de Graciliano Ramos entre outros, mas foi deste período que surgiu a paixão por Machado de Assis. Creio que a partir daí posso dizer que apareceu a figura de um mediador de leitura na minha vida. No Ensino Médio estreitei ainda mais minha relação com pessoas apaixonadas por livros. A literatura acaba nos presenteando com amizades. Adaires me apresentou a “Insuportável Leveza do Ser” de Milan Kundera, e “Feliz Ano Velho” de Marcelo Rubens Paiva. Radamés, poeta e compositor, outro amigo leitor desde do período de mocidade. Tive uma adolescência tranquila, mas era inquieta e pensativa nas questões universais. Sempre li livros de diversas áreas do conhecimento. Minhas leituras marcantes são: “Crime e Castigo” de Dostoievski, “Grande Sertão Veredas” de Guimarães Rosa, “O evangelho segundo Jesus Cristo” e “O conto da Ilha desconhecida” de José Saramago, “A Bolsa Amarela” de Lígia Bojunga, “Do outro lado do Destino” de Siba Shakib, “O olho mais azul” de Toni Morrison, “O quarto de Jacob” de Virgínia Woof, “As Boas Mulheres da China” de Xinran, “Cabine para mulheres” de Anita Nair,

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Tenho também recordações do tio Renato, o primeiro leitor ávido que conheci na infância, ele sempre estava compenetrado lendo algum livro de bolso sobre histórias de faroestes. Observava-o, ele bem quieto por horas olhando para aquele livrinho. Isto me despertou certas curiosidades, assim que decifrei os códigos da escrita passeia a ler livros dobre faroeste. Lembro-me da grande emoção que senti quando aprendi a ler, uma alegria imensa tomou conto de meu ser, pois pensava na estante cheia de livros do quarto do meu tio Barão e os livros de bolso do Tio Renato! O primeiro livro que li proposto pela escola foi o “Menino de Asas”, do autor Homero Homem, retirei da Sala de leitura da escola Municipal Professor Jorge Americano, onde fiz o ensino fundamental. Depois segui lendo diversas literaturas que me eram acessíveis, por meio de trocas de livros, ou livros comprados em banca de jornal. Li muitos livros considerados literatura menor, mas não pensava sobre isto, apenas lia-os inclusive até revistas de fotonovelas, jornal de outro dia. Na época do segundo grau Escola Estadual Sebastião Moraes Cardoso fui apresentado aos clássicos da literatura. Li “Vi-

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de Leitura, pois ela conhecia o trabalho da professora Nair e sabia que gostava e acompanhava. Em 1993 iniciei contações de histórias, mediação de leituras, saraus, feira literária dentro da Escola Estadual Joiti Hirata, onde atuei até 1998. Neste período passei a ter mais familiaridade com os autores da literatura infanto-juvenil como Ana Maria Machado, Pedro Bandeira, Silvia Orthof, Eva Furnari, Ricardo Azevedo, Fanny Abramovich, Lígia Bujunga, Heloisa Pires Lima, Daniel Munduruku, entre outros. Neste contexto que descobri o curso de Biblioteconomia da Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo. Entrei no curso e terminei em 2001. Meu primeiro emprego registrado como Bibliotecária foi em 2002 na Câmara Brasileira do Livro (CBL) atuando no setor de catalogação. Uma experiência maravilhosa que proporcionou o conhecimento sobre o universo do livro. Em 2005 fui trabalhar no PROCON-SP onde tive o privilégio de participar da formação da biblioteca animada do Procon-SP. Em 2009 mudei de emprego e estou no Centro Educacional Unificado Tiquatira onde estou até o presente momento.

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“O Romance do Cárcere” de Nikolai BuKharin, “Cem Anos de Solidão” de Gabriel Garcia Marquez, “Servidão Humana” de Somerset Maugham, “O paraíso na outra Esquina” de Mário Vargas Llosa, “Quarto de despejo” de Carolina de Jesus, também aprecio as leituras da área da Educação e Filosofia, tais como, Rubem Alves, Friedrich Nietzsche, Mário Sérgio Cortela, Laurentino Gomes, Reginaldo Prandi, Paulo Freire. Minhas Leituras contemporâneas!!! Thais Matarazzo, Cidinha da Silva, Aline Bei, Marcelino Freire, Conceição Evaristo, Shimamanda, Chimamanda Ngozi Adichie, Scholastique Mukasonga, Sergio Vaz, Alice Ruiz, Lubi Prates, Gabriela Mistral, Djamila Ribeiro. Enveredei a trabalhar como mediadora de leitura a partir de 1993. Sempre gostei de compartilhar e indicar livros. Bem como participar de eventos como saraus e feiras de livros. Em 1992 conheci o trabalho de incentivo à leitura da professora Nair de Literatura, nós éramos servidoras da Escola Estadual Mary Moraes, na época eu não era ainda bibliotecária. Quando me transferi para Escola Estadual Joiti Hirata fui convidada pela diretora Edna a desenvolver um trabalho na sala

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H erança Ancestral

Sandra Regina Alves Moura dos Santos: poetisa, compositora, cantora e corista. Nasceu em São Paulo - Capital, no ano de 1964. Sandra “escreve o que o coração manda e a alma aprova”. Descobriu a poesia, em 2008, quando retomou os seus estudos. Foi através de narrações em aula, da sua professora de Literatura e Língua Portuguesa (EJA). Encantou-se com os poemas de: Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector... E se identificou muito com, Cora Carolina, a escritora Carolina Maria de Jesus. Desde então, escreve os seus sentimentos em poesias. Assina como Sandra Regina Alves.

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Os olhos de Minh’alma me observam tanto No íntimo pedem calma Calando o meu pranto A cabeça se opõe em brusco movimento A pele repele em arrepios A alma reverte em sussurros O corpo reage a tempo E sente o sopro do vento É divinal A chama que acende Vem da herança ancestral Clarão da luz que transcende Apodera-se do que ansia Toma posse do palco a música se multiplica Da boca a voz em canto Faz jus da emoção e justifica

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Sandra Regina Alves

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Transpirando

tesão

Elis Santana: 45 anos, mulher preta, paulistana, mãe solo de dois adolescentes, professora atuante na educação infantil da prefeitura municipal de São Paulo, usa a escrita como instrumento para transformar suas emoções em poesia.

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E hoje não só minha mente e meu coração sentem saudades de você. O meu corpo lembra de você explodindo de tesão. Cada célula traz a memória o seu toque. É como seu dissesse uma a outra: Me provoque! Quase posso ouvir você sussurrar entre minhas pernas, me pedindo para me dar. Sinto sua boca passeando em mim e sua língua a transitar, num delicioso lamber e sugar. É como flutuar, um misto tão grande de emoções que sou incapaz de explicar. Sinto seu sabor em minha boca, em mim está impresso o gosto do sexo. Toques, gemidos, palavras e sussurros. Gestos, poesias e canções, vão nos guiando nos caminhos do amor e do desejo. E pensar que tudo começou no beijo. Meu corpo arrepiado como se fosse um recado enviado, instintivamente te chama a deitar na minha cama. Deitar somente não basta, ele quer no teu corpo roçar, transpirar, quer te amar até cansar e depois de tanto prazer, em seus braços adormecer.

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Elis Santana

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S ementes

do

B aobá

Marcinha Costa

Minha existência são sementes do Baobá crescem férteis como troncos largos pronta para atacar. Quem ousa cortar a árvore dos antepassados carrega o fardo do colono corta os laços do tempo e do sagrado. Marcinha Costa: baiana de Feira de Santana. Caçula de quatro irmãs. Atriz, professora da Rede pública, mestra em Estudos literários com ênfase em Literatura preta africana / moçambicana (UEFS). Publica poemas em coletâneas. Mulher preta em constante transformação. E-mail: marcianeide@ gmail.com / Instagram: @marcinha1407

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Meu crespo se eleva coroa imponente minha energia viva a natureza protege minha mãe presente

Escritores brasileiros contemporâneos

Meu corpo é movimento folhas espalhadas ao vento fruto dos meus ancestrais corre, gira, dança na ginga do orixás.

Agosto/2020

Meus traços são fortes são raízes da minha história são robustos, potentes sementes brotando versos insurgentes.

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Mulheres

M acua, Moçambique, tendo majestoso B aobá , a Á rvore da V ida !

da etnia o

ao fundo

Ilustração de Camila Giudice para o livro “A mulher do Álcacer”


As B rumas

da

Aparência

Edenice Fraga

Edenice Fraga: é escritora catarinense, poetisa, contista, declamadora e Tenente-coronel da Reserva da Polícia Militar catarinense. Possui três livros de contos e poesias publicados, além da participação em várias coletâneas. É especialista em atendimento à criança e ao adolescente em situação de risco e em Gestão de Segurança Pública. Faz parte de várias Academias de letras, sendo membro imortal da Academia de Letras dos Militares Estaduais de Santa Catarina. Possui o título de Mulher Destaque Santa Catarina pela Academia de Letras do Brasil – SC, e neste ano foi indicada pelo portal Margens como uma das escritoras negras brasileiras consideradas referência.

Poetas Negras edição especial

Mas como a bruma passa, Ninguém pra sempre disfarça O que traz em seu coração. O bem ou o mal se espraia Quando a aparência desmaia E a verdade surge... então!

Escritores brasileiros contemporâneos

Na névoa da madrugada Muitas vezes não vês nada E, é assim na vida também. Às vezes em teus caminhos No breu não vês os espinhos No falso olhar de alguém.

Agosto/2020

Tal qual a bruma descortina A aparência é uma cortina No tecido da pele humana Traz consigo um belo rosto Um olhar, um sorriso posto Que muitas vezes engana.

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C oisas

que faria se não tivesse medo : Rayssa Sabrina

Por fim, se não tivesse medo, gritaria sobre os meus sentimentos pelas ruas. E estaria “livre” de pessoas com atitudes semelhantes as suas.

Rayssa Sabrina: nasci em 27 de novembro de 2003, tenho 16 anos e, atualmente, estou cursando o 2° ano do ensino médio na escola: Caran Apparecido Gonçalves. Participei do Clipe Jovem 2020 na Casa das Rosas, e foi por meio da escrita que fui me aprimorando e distinguindo que tinha acessibilidade em tamanha quantidade. Me expresso por intermédio da escrita há dois anos, e desde então, tenho adquirido conhecimento. Contudo, compreendo que ter desenvoltura sobre a escrita, tem a resultância em se aperfeiçoar ininterruptamente. @_rayssasabrina

Poetas Negras

Iria confessar ao meus leitores que esses versos são realidade. São medos, e não falta de vontade.

edição especial

Iria encarar. Falaria constantes nãos, e me privaria da utopia que chamamos de paixão.

Escritores brasileiros contemporâneos

Não me culparia do dia que fui invadida. Teria gritado naquele transporte, pois agora, me sinto perdida.

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Sairia a noite e me perderia por qualquer lugar. Passaria pelas ruas sem me importar.

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Exposição “Meu Mundo é de Papel”, Centro Cultural dos Correios de São Paulo. Foto: Thais Matarazzo

A artista plástica Eunice Coppi é mineira de Sabará, de lá trouxe muitas memórias que registra nos seus bonecos de papel, barro e nas bonecas de pano. Seu trabalho é fantástico e encantador! Atualmente Eunice reside em São José dos Campos, SP, realiza exposições por várias cidades brasileiras. Para saber mais, acesse: www.facebook. com/profile.php?id=100009008021685


S amba

Thais Matarazzo Dona Sinhá é um dos expoentes femininos na história do samba da Pauliceia. Trouxe o samba no DNA: o pai era sambista de Pirapora e a mãe foliona e entusiasta do carnaval. Seu verdadeiro nome é Cacilda Costa, nascida a 9 de fevereiro de 1917, à Rua Saracura Pequena, nº. 39, na Bela Vista. Ganhou o apelido de Sinhá, porque quando nasceu seu pai achou que ela tinha a pele clara e falou: “Essa menina é clara demais. Parece nega Sinhá”. E o apelido pegou. Félix da Costa, seu pai, era operário. Costumava frequentar, nos meses de agosto, as festas do Bom Jesus de Pirapora, SP, e outras festividades religiosas ocorridas em São Paulo. Seu apelido era Felão. Gostava do batuque e do samba. Félix era paulistano, nascido em 1887, filho de

1 Livro de batismo da paróquia do Divino Espírito Santo nº 28-1-18, página 128, nº do registro 681. Acervo CMSP

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do

Poetas Negras

Dama

edição especial

a

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S inhá,

Aquilino da Costa e Júlia Glória da Costa. Em maio de 1914, sua irmã Gesse Glória da Costa casou-se com Dionízio Barbosa, fundador do Grupo Carnavalesco Barra Funda (março de 1914). O que nos indica que a família de Félix e de Dionízio se conheciam da região da Barra Funda, pois o endereço declarado por Gesse ao se casar pertencia ao distrito de Santa Cecília, que englobava, naquela época, uma fração da Barra Funda. A mãe de Dona Sinhá, Florência Ernestina da Conceição era paulista, sendo seus pais Aprígio Conceição e Maria Ernestina da Conceição. No registro de batismo de Sinhá, consta que seus pais consorciaram-se em 1913, na paróquia de São Joaquim, no Cambuci1, mas não foi localizado esse registro. Félix e Florência podem ter mentido para que não constasse no livro de batismo ou assento de nascimento do registro civil, que a menina era fruto de união ilegítima. Na verdade, Félix da Costa contraiu matrimônio, em 16 de agosto de 1913, com Maria Luiza França Nascimento, natural de Indaiatuba -SP. Félix era viúvo de Ana Camaragibe, que morrera a 10/12/1908, em São Paulo. A pequena Cacilda foi batizada solenemente, com seis meses de

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Agosto/2020 Poetas Negras edição especial

balaio com lanches, frutas e petiscos para alimentar os foliões do Vai-Vai. “Aos 12 anos desfilei como baliza no Vai-Vai, no tempo em que ainda era cordão e não havia escola de samba. Na época, o grupo era improvisado, embora seguisse as instruções dos líderes, que eram normalmente compositores, e explicavam como deveria ser feita a fantasia. Tudo era animado, não havia pano brilhante, e o pessoal usava mais cetim, bordados etc.”, afirmou a sambista à Folha de S. Paulo, em fevereiro de 1981. Sua participação fez tanto sucesso, que no ano seguinte Sinhá saiu como destaque. Naquele tempo não havia o luxo de hoje em dia. As fantasias eram confeccionadas com tecidos lamê ou cetim. Por volta de 1933 ou 1934, Sinhá se casou com um rapaz de sobrenome Arruda. Sua primogênita, Maria Aparecida, nasceu em 1935, e com três aninhos desfilou no Vai-Vai. Parece que o casamento não deu certo e Sinhá separou-se do marido. Foi trabalhar como empregada doméstica em casas de família. Sua arte culinária ficou famosa. Algumas sambistas lembram-se com saudades dos pratos com camarão que Sinhá preparava ou do bolinho de chuchu, que só ela sabia fazer. Resolveu deixar a Bela Vista e se mudou para os Campos Elíseos. No final da década de 1940, foi viver com Inocêncio Tobias, também

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vida, pelo vigário Adoniro Krauss, na paróquia do Divino Espírito Santo, à Rua Frei Caneca, na Bela Vista. Foram seus padrinhos Diogo da Conceição e Maria da Conceição. O casal Costa teve muitos filhos. Encontramos o nascimento de Júlia, nascida em 29/12/1918, que casou-se em outubro de 1937, com Antônio Martins Franco, indo morar à Rua Mazzini, nº 294, no Cambuci. Foi através de Dª. Florência que Sinhá e seus irmãos tiveram contato com o carnaval. Ela costumava levar os filhos para assistirem o desfile de corso na Avenida Paulista. “Eu sou do tempo do corso na Avenida Paulista. Época muito divertida, com as pessoas desfilando nas baratinhas conversíveis, jogando confete e serpentina. Quem estava na calçada brincava e pisava em um verdadeiro tapete de confete”, contou Dª. Sinhá à Folha de S. Paulo, em 1984. Quando surgiu o cordão VaiVai em 1928, notaram que Sinhá gostava de dançar e pular com muita desenvoltura. Perguntaram à menina de 12 anos se ela queria desfilar. Sinhá pediu permissão à sua mãe, que consentiu. Praticamente toda sua família era do samba, os irmãos Nino, Euripes, Maria Aparecida, Júlia e os primos também. Dª. Florência não desfilava no cordão, mas servia de apoio seguindo com a turma levando um

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A família Tobias: Magali com Marcelo no colo, Carlos Alberto, Inocêncio Tobias, D. Sinhá e Symone, 1973 ►

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Sinhá e demais associados, batalharam com muita garra para o crescimento e reconhecimento do grupo nos anos seguintes. Começaram a ensaiar na rua, em frente ao porão onde Sinhá e Inocêncio moravam, à Rua Conselheiro Brotero, 338. No início, os vizinhos reclamavam do barulho. Depois, foram se afeiçoando ao cordão e tornaram-se contribuintes. Em 1970, Tobias inaugurou o salão São Paulo Chic, à Rua Brigadeiro Galvão, que também ficou sendo a sede de sua escola de samba. Em pouco tempo, o salão passou a ser frequentado por estudantes universitários e depois pela classe média, tornando-se um ponto de referência do samba na cidade. Nos anos 1970, a EMURV doou ao Camisa Verde um terreno na Rua James Holland, na Barra Funda de baixo, para construção da sede da agremiação.

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carnavalesco e que fazia parte da diretoria do Cordão Campos Elyseos. A turma do Vai-Vai ficou furiosa quando Sinhá deixou tudo para trás e ingressou no cordão rival. Ela tinha que sair muito bem disfarçada para não apanhar e não ter a fantasia rasgada pelos membros do cordão da Bela Vista. Em 1950, nasceu o único filho do casal, Carlos Alberto Tobias, que faleceria jovem, aos 40 anos, em 1990. Inocêncio Tobias, grande baluarte do samba paulista, nasceu em 1905, em Jundiaí, SP. Aos 15 anos deixou sua cidade natal e mudou-se para a capital paulista. Trouxe consigo as recordações do pai, festeiro do interior, e do avô, pandeirista. Não demorou muito para se associar ao cordão Camisa Verde, na Barra Funda. Por volta de 1952, Tobias desentendeu-se com a diretoria do Campos Elyseos e se retirou do cordão. Conversou com outros três amigos no Largo da Banana e decidiu que iria falar com Dionízio Barbosa, tio de Sinhá, para reativar o cordão Camisa Verde. E assim, inicia-se a segunda fase desta pioneira sociedade carnavalesca. A turma da Barra Funda chorou de alegria, antigos membros voltaram a integrar o cordão. Inocêncio,

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Poetas Negras edição especial Escritores brasileiros contemporâneos

Inocêncio Tobias faleceu aos 75 anos em 21 de setembro de 1980. A escola, então, passou a ser dirigida por Carlos Alberto Tobias, tendo sempre ao lado sua mãe, Dª. Sinhá, que era chefe da ala das baianas do Camisa Verde. Depois que seu companheiro faleceu, Sinhá deixou a Barra Funda, indo morar no Imirim, próximo de seus 17 netos e 14 bisnetos. Dª. Sinhá “ferveu” muito no samba, ficando famosa por sua leveza e flexibilidade acrobática como baliza. No final dos anos 1970, foi agraciada por todas as escolas de samba de São Paulo com o título de “Dama do Samba Paulista”. Muito estimada e querida na comunidade alviverde, Sinhá veio a falecer aos 71 anos, em 24 de fevereiro de 1988. Em sua homenagem, a G.R.C.E.S. Raízes de Vila Piauí, de São Paulo, em 1989, teve como tema a vida desta grande foliona. O samba enredo Dona Sinhá - A Primeira Dama do Samba foi escrito por Denício e Finé.

Ó Raízes Que lindo tema melhor não há É nossa primeira dama do samba Cacilda da Costa. Dona Sinhá. Menina do Bixiga e Barra Funda Seu coração é preto, roxo e verde -branco. Alguém perguntou qual a razão Ela deixou claro com um sorriso franco. Sinhá do samba Sinhá dos cordões Desde menina Alegrando multidões Sinhá lembra os velhos carnavais Do pierrô e colombina Do corso das lindas fantasias Lança perfume, confete, serpentina Ela foi baliza, foi príncipe, foi rei Naquela cadência de samba Vai-Vai, Campos Elíseos e Camisa Deu a primeira Dama do Samba Alô povão da Piauí É a raiz que segura o tronco Não deixa cair.

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► D. Sinhá e sua neta Magali, 1983. Acervo: Magali Tobias

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