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CONVIDADOS | DIÁLOGOS POSSÍVEIS

diálogos possíveis CONVIDADOS

Além da leitura do conto Cangoma, as atividades iniciais de exploração do tema incluíram ouvir o episódio “Afrofuturismo” (#227), do podcast Mamilos, e assistir aos TEDs “O que é Afrofuturismo”, de Fábio Kabral, e “Afrofuturismo: a Necessidade de Novas Utopias”, de Nátaly Neri. Nessas produções, foi possível verificar que, mais do que um gênero de ficção científica, o Afrofuturismo é um movimento entrelaçado a questões como racismo, genocídio, sobrevivência, desigualdade, privilégio, opressão, lugar de fala e identidade. Em um grupo majoritariamente branco, numa escola de elite, situada num bairro de elite, os alunos não tinham vivência e conhecimento de causa para tratar dessas questões com a profundidade que elas exigem.

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Com o objetivo de atenuar essa falta de representatividade na sala e criar possibilidades de diálogo, já estava no planejamento do professor Anderson Penha convidar uma série de profissionais negros ligados ao universo das artes para expandir a conversa com a turma, abrir perspectivas e contribuir com ideias para o desenvolvimento do projeto. O artista visual Michel Cena7 acompanhou a turma em todas as aulas (e fora delas, com intervenções muito pertinentes no grupo de WhatsApp da disciplina) e se tornou um coorientador do trabalho. As demais convidadas (Arlete Freitas, Carla Andrade, Ester Lopes, Patricia Abòrisá e Silmara Alves) compareceram de forma esporádica, mas sempre com contribuições valiosas. Nas entrevistas a seguir, é possível conhecer um pouco da trajetória de cada um deles.

Como você decidiu cursar design de interiores? De um jeito fora do comum. Sou bailarina e fui convidada a participar do Balé Popular Brasileiro, que representou o Brasil nos espetáculos da Olimpíada de Pequim, em 2008. Era um desafio enorme, fiz tudo para que desse certo. Acabei ficando por lá mais seis meses, trabalhando como dançarina, e foi uma grande experiência para mim. Durante esse tempo, consegui olhar mais para dentro de mim e refletir bastante. Pensava: ‘se eu já consegui chegar do outro lado do mundo, é sinal que tenho potencial para ir mais longe’. Não havia feito faculdade até aquele momento e queria muito fazer. Um dia, saí para caminhar sozinha e pedi que o universo me iluminasse e apontasse um caminho. Resolvi conversar com um amigo que estava no Brasil sobre isso e ele me disse que sabia de uma vaga de recepcionista no IED.

arlete freitas Formada em Design de Interiores pelo Istituto Europeo di Design (IED), ocupa hoje o cargo de visual merchandising da instituição de ensino, o que envolve a criação de ambientes temporários para exposições e eventos. Durante as aulas em que a turma de Design Experimental discutiu sobre composição de cena e criação de uma experiência física, contribuiu com sugestões de materiais para a cenografia e de como ocupar os espaços de forma impactante. Você voltou da China para tentar essa vaga? Não exatamente, mas dei sorte: voltei a São Paulo, fiz a entrevista e passei. Dentro do IED, surgiram outras oportunidades, até que em 2013 recebi uma bolsa integral para cursar a graduação em Design de Interiores. A minha família é indígena, sempre gostei do formato das casas dos índios. A casa da minha avó, no Vale do Ribeira, era de taipa, mas eu achava que essa arquitetura ainda podia melhorar em termos de estética. E meu pai é mestre de obras. Sempre o ajudei, aprendi com ele, peguei gosto. Queria cursar Arquitetura, porém era muito caro. O Design de Interiores apareceu na minha vida e foi incrível, então acho que tinha que ser assim. Qual sua maior realização na nova profissão? É entrar na casa das pessoas e sugerir mudanças que as façam felizes. Isso me faz bem. Acho importante buscar a essência dos moradores, o olhar deles. Dar ideias do que pode melhorar, mas sempre deixar a casa do jeito que eles queriam. Tem algo da experiência de bailarina que você traz para seu trabalho hoje? Tiro ideias do espaço do palco. Lá em Pequim era tudo grandioso, e os materiais, sofisticados. Dançava num palco que parecia o da Madonna. Eles (@arletedesignerfreitas)

trabalham muito bem a iluminação. Aqui no Brasil, é tudo mais artesanal. Somos ricos de matérias primas, por isso temos esse lado mais manual.

Que profissionais são referência para você? Admiro os Irmãos Campana e o designer Marcelo Rosenbaum — ele desenvolve um trabalho incrível com comunidades quilombolas. E tem a mulher que me fez ficar apaixonada pelo futurismo: a arquiteta (iraniana) Zaha Hadid. Também sou cantora e gosto muito de Tom Jobim. Assisti recentemente ao filme Raça, sobre o atleta americano Jesse Owens e fiquei muito tocada com a história dele.

Você acha que a sua trajetória inspira outras pessoas? Sim, principalmente mulheres, acho que elas ficam mais corajosas para ir atrás do que querem. Quando volto para a minha cidade natal, São Roque, procuro incentivar minhas amigas de infância a criar alguma coisa, pode ser um artesanato ou um móvel para elas.

Uma das conquistas dos movimentos negros nos últimos tempos é o aumento da representatividade nas produções artísticas. O que você acha disso? Significa muito. Não só ver artistas como Thaís Araújo e Lázaro Ramos na TV e modelos na SP Fashion Week, mas empresários, arquitetos, designers. Estamos invadindo espaços e chegando a um patamar muito bacana de representatividade.

O que é Afrofuturismo para você e por que é importante falar desse assunto no Brasil? Acho que é entender melhor as nossas origens, buscar saber de onde viemos. Todo mundo deveria perguntar para os pais e avós como foi a vida para eles e o que eles sabem sobre os antepassados deles. Quando estudava em São Roque, cheguei a viajar com a escola para lugares onde negros ficaram presos. Não foi legal, senti na pele quanto sofrimento existe naquele espaço. Temos que buscar melhorar, a mudança é o que vamos deixar para nossos filhos.

Lounge criado no IED durante o Design Weekend 2018.

Pode nos contar sobre manifestações de racismo que ficam diluídas no dia a dia, mas que, para você, são evidentes? Começa com a forma como as pessoas olham para você, e aqui no Brasil, infelizmente, isso acontece praticamente todos os dias. Na China, durante todo o tempo que fiquei lá, lembro de ter passado por apenas uma situação assim. Tem também as frases que as pessoas falam sem perceber que estão sendo racistas. Ao contar que sou formada em Design de Interiores, já ouvi um ‘nossa, como você conseguiu?’ Por que não poderia conseguir? Esse tipo de comentá-rio não deveria nem ser feito. Hoje me sinto mais forte e preparada para não abaixar a cabeça e não me vitimizar.

Por que aceitou o convite para acompanhar e orientar nossa turma? Gosto de criar, de dar ideias. Falar de espaços e materialidade é a minha vivência. Durante as aulas, senti um engajamento muito grande da sala, me deu vontade de ficar com vocês e colocar a mão na massa.

Em quais projetos você está envolvida hoje e quais são seus planos para o futuro? Estou desenvolvendo o projeto de interiores de um bar no bairro da Pompeia chamado Pompeu e Pompeia. Além das cenografias para o IED, faço estandes de feiras e apartamentos. Para o futuro, quero me realizar no Design de Interiores, trabalhar com artes cênicas, na criação de palcos e cenários e, quem sabe ainda, cursar Arquitetura.

carla andrade (@carlandrade_)

Estudante de Relações Públicas, é estagiária em um agência de comunicação, na qual faz parte do grupo de diversidade. Também é produtora do Clube Negrita e do conjunto Tramando Ideia Rap, escreve poesia e participa assiduamente do Sarau do Fórum, que acontece uma vez por mês no projeto Meninos e Meninas de Rua, em São Bernando do Campo. Desde os 14 anos, dança hip hop. No desenvolvimento deste projeto, estimulou a turma a buscar uma identidade brasileira e contribuiu com sugestões de leitura.

O que é o Clube Negrita e de que forma você participa dele? É um clube de leitura voltado para a literatura negra. Conheci a Bruna Tamires, a fundadora, em 2014 ou 2015, por meio do (artista plástico e poeta) Michel Cena7. Como os encontros acontecem em São Paulo e eu moro em São Bernardo do Campo, acompanhava apenas pela internet. A Bruna soube que eu era produtora de um grupo de rap, o Tramando Ideia, e disse que seria legal fazermos alguma coisa juntas. Em 2019, os ciclos aconteceram no Clube Sesc Paulista e ela começou a prospectar outros projetos para eu participar. Deu certo e me tornei produtora do clube também. A ideia agora é expandir a atuação para os quatro eixos de São Paulo (Norte, Sul, Leste, Oeste) e também para fora da capital.

Por que é importante ler as obras indicadas pelo clube em público, coletivamente? Apesar do momento atual (quarentena devido ao coronavírus), a finalidade do clube é a relação presencial, fora da internet, e assim transformar a literatura numa ferramenta de conexão. Sempre tive muito estímulo para ler em casa — minha mãe lia um livro por dia. Mas essa não é a realidade de todos. A Bruna teve a ideia de fazer da leitura um projeto de mudança. Havia poucos clubes dedicados à literatura negra. Esse número aumentou graças à movimentação dela. A escrita, para você, também é um modo de construir identidade? Sim. Meu primeiro poema foi de amor. O segundo foi devido à transição capilar. Apareceu muita gente para dizer que preferia meu cabelo liso e senti a necessidade de escrever a respeito. Quando leio o que escrevi é como se eu estivesse conversando comigo. Isso ajuda a entender meus sentimentos.

Quais escritores e escritoras negros brasileiros são referência para você? Admiro muito Michel Cena7, Felipe Choco, que é rapper, escritor e historiador, Luz Ribeiro, Mel Duarte, Cuti Silva, doutor em literatura que escreve sobre literatura erótica negra e colaborou com os Cadernos Negros, da Editora Quilombhoje, nos anos 1970. Também gosto da Ryane Leão, da Jéssica Ferreira, minha amiga, que escreveu Pés na Terra e Cabeça na Lua — ela é do

ABC e organiza saraus também. Fora do Brasil, gosto muito da Chimamanda Ngozi Adichie. Ela mostra como é ser uma mulher nigeriana fora da África. Que livro você indicaria para quem deseja ampliar conhecimento sobre a cultura negra brasileira? Um Defeito de Cor, da Ana Maria Gonçalves, mexeu demais comigo. Mistura muito bem registros históricos e ficção para contar a história de Luísa Mahin, mãe do abolicionista Luiz Gama, desde a saída da África como escrava num navio até a chegada em Salvador, sua fuga para São Luís do Maranhão, que é uma capital negra, e depois para o Rio de Janeiro. Fui entender o significado do Cais do Valongo, mais de 500 mil de escravos desembarcaram, e da Pedra do Sal, único lugar onde os negros podiam ser eles mesmos. A história está viva nesse livro. No Sarau do Fórum, com Mel Duarte.

Um efeito recente da atuação dos movimentos negros é o aumento da representatividade em produções artísticas. Como está a representatividade na literatura? Muito maior. Acho que a grande novidade é a valorização de intelectuais negros, como a Djamila Ribeiro. Com a ajuda da internet, que é um lugar seguro para a gente falar, muitas barreiras foram quebrads. Sem internet a Ryane Leão não conseguiria tanto espaço ou eu não conheceria a Chimamanda. Estar em rede facilita nossa conexão.

O que é Afrofuturismo para você? Entender o passado, de onde eu vim. Que sou mulher brasileira, não africana, e por isso tenho minhas especificidades. Fazer o máximo como pessoa e cidadã para mudar as coisas e falar o que nunca escutaram. Acredito muito no significado do sankofa (ideograma de pássaro que olha para trás): ‘conhecer o passado para compreender o presente e conseguir mudar o futuro’. Tenho até um tatuado. No Brasil, vejo o Afrofuturismo como um movimento de jovens em busca de reconexão.

De que formas o racismo brasileiro é mais efetivo e difícil de ser combatido? Nós, brasileiros, temos uma dívida histórica que precisa ser entendida como uma causa importante. Pessoas como eu não têm acesso a todos os lugares. Trabalhei numa consultoria de RH com inclusão e diversidade e as empresas não entendiam que, para contratar funcionários negros, não podiam continuar procurando nas mesmas faculdades ‘top 3’. Os negros não estudam nessas instituições porque vêm de outro background, e isso não significa falta de capacidade. O difícil é mudar essa forma de pensar.

Pode nos contar sobre manifestações de racismo que ficam diluídas no dia a dia, mas que, para você, são evidentes? Uma vez fiz um projeto que previa parcerias com influenciadores digitais para uma campanha de um cliente da agência e tratei de incluir influenciadores negros. Pesquisei bastante e só indiquei influenciadores alinhados com a proposta. Quando o projeto voltou do cliente, vi que ele queria contratar os mesmos de sempre, brancos, de classe média. Se a preocupação com inclusão não existe, o ciclo não se quebra. E outras coisas. Uma vizinha do meu prédio perguntou se eu trabalhava ali. E eu sou moradora, sabe?

Em que momento da vida você percebeu que existia uma luta que era sua? A primeira porta foi o hip hop. Conheci pessoas de outras realidades e fui entender o que era uma favela e como os moradores ali não têm acesso a um monte de coisas. Depois vieram os cursos de cultura, filosofia e psicologia que fiz no projeto Contando Histórias, da Fundação Criança, que é ligada à prefeitura de São Bernardo. No paralelo, trabalhava na biblioteca infantil. Depois veio o Sarau do Fórum. Na minha jornada, percebi a necessidade de ser uma comunicadora negra, o que me levou às Relações Públicas. Tem muita gente brilhante no ABC que só precisa de visibilidade e acredito que meu trabalho possa ajudar.

Foto: Andressa Santos.

ester lopes (@esterlopes.s)

Artista da dança, instrutora de pilates e arte-educadora em São Bernardo do Campo, é um das fundadoras do grupo de dança e teatro As Caracutás. Seu trabalho se baseia em pesquisas sobre as danças contemporâneas e tradicionais brasileiras. Nas aulas em que veio observar e discutir as referências de Afrofuturismo trazidas pela turma, mostrou que ainda prevaleciam conceitos estereotipados sobre a África e apontou a importância de se pensar a pluralidade do negro no Brasil e de uma pesquisa mais profunda sobre nossas raízes.

Como você começou a dançar? Comecei na igreja, como muita gente da periferia, mas depois de um tempo vi que aquele espaço não comportava o que eu tinha para expressar. Pesquisei e encontrei oficinas de dança clássica em São Bernardo do Campo. Era um pouco difícil para mim porque o balé clássico exige um corpo branco, esguio - embora isso venha mudando ultimamente. Minha formação foi bem truncada, pois várias vezes abandonei os cursos por falta de dinheiro para a mensalidade. Além disso, havia uma questão de gênero complicada. Venho de uma família de músicos, mas majoritariamente masculina e muito rigorosa. Para ir à biblioteca ou fazer as aulas de dança, no início, saía escondida. Até hoje levar meu pai para ver uma apresentação minha é uma luta e quando perguntam o que faço, ele e meus irmãos respondem: ‘ela é professora’, soterrando meu fazer artístico na dança.

Quando você fez a transição do balé para as danças brasileiras? Um dia, percebi que já estava dançando profissionalmente e enviei meu portfólio para diversos lugares. Entre 2011 e 2015, fiz parte de uma companhia de São Bernardo que era para pessoas mais velhas. Entender como o corpo de uma certa idade se movimenta me ensinou muito. Enquanto isso, conheci danças indianas, africanas, e comecei a pesquisar as de raiz brasileira. Percebi o quanto elas tinham relação com aquilo que eu queria dizer. Hoje meu trabalho é um híbrido de dança contemporânea e tradicional brasileira.

Como surgiu o seu grupo, As Caracutás? Quais são os projetos atuais de vocês? O grupo surgiu em 2017 com o projeto Caracutando, um encontro semanal para trocar ideia sobre a arte na periferia. Na parte artística, somos eu e a Monica Soares. Divulgamos o encontro no Instagram e no Facebook e fomos chamadas a fazer uma performance na Galeria Crua, no centro de São Paulo. Com base nessa performance, desenvolvemos um espetáculo chamado Tecendo Diálogos. No ano passado, a peça recebeu o apoio do Programa VAI, da secretaria municipal de cultura de São Paulo, estamos no processo para apresentá-la pós-pandemia. Fizemos vídeos com mulheres da região do Parque São Rafael e imediações, narrando suas histórias, mesclamos com

memórias de nossas mães e avós e, daí, surgiram os diálogos. No espetáculo, que une dança e teatro, interpretamos dez mulheres.

Como é fazer parte de um grupo artístico na periferia? Quais são as maiores dificuldades e as maiores alegrais? A maior dificuldade é conciliar as coisas. Como nem a Monica nem eu conseguimos nos sustentar só com a parte artística, nós temos outros trabalhos. Sou arte-educadora e ela, pedagoga. A cultura popular brasileira tem a figura do artista brincante, que é múltiplo, toca, canta, dança, pensa no texto, cuida do figurino. Essas somos nós. Tenho a impressão de que, na periferia, a aula de arte não é vista pelos pais das crianças como algo essencial. Então já percebi que tenho o papel de dizer para os meus alunos: ‘olha, o que você está fazendo aqui é importante sim.’ No ano passado, levei duas salas do quarto ano pela primeira vez ao Museu Afro. Na ida, apenas dois alunos se declaravam negros. Na volta, 80% da turma se dizia negra. Isso significa que eles perceberam que existe a possibilidade de ser negro para além da escravidão que é ensinada nos livros. Fiz a mediação mostrando que um pilão, uma roupa de dança, uma máscara ritual eram tecnologias, pois eles entendem tecnologia como algo digital. Pensando no resultado dessa visita, vejo como é importante ser artista-educadora na periferia.

O que despertou em você a vontade de trabalhar com crianças e adolescentes? Fiz uma faculdade focada em artes cênicas e não me sentia com capacidade para dar aula. Aí apareceu um concurso e eu estava precisando de um trabalho que me desse alguma segurança financeira. Fiz a prova virada, tinha acabado de sair de uma performance que durava seis horas e achei que não tinha passado. Um mês e meio depois, descobri que havia entrado e pensei: ‘bom, agora tenho que ir em frente’. Então, no começo, não foi por desejo de ajudar as crianças. Não é um trabalho fácil, tem toda a preparação para cada aula, são dez turmas que somam 300 alunos, alguns com necessidades especiais. Mas hoje sei que faço a diferença na vida deles. Vejo meninas de dez anos que já alisavam o cabelo e, por minha causa, decidiram assumir o crespo. Elas têm poucas referências negras positivas e, por isso, procuro mostrar a pluralidade da essência negra. Isso também é dar aula. Todo o meu trabalho converge para o corpo porque o corpo importa e ele chega antes. Se for um corpo, um ser empoderado, vai passar a mensagem que a pessoa quer.

Que artistas negros de teatro são referência para você? Da velha escola, Abdias do Nascimento, Ruth de Souza, Maria Carolina de Jesus. Fico emocionada quando falo de Mercedes Baptista, primeira bailarina negra a dançar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Entre os contemporâneos, tem o grupo de teatro As Capulanas, a Silvana de Jesus, que é uma mestra maravilhosa, Mestre Joana de Maracatu, Luciane Ramos. A cada aula que faço com a Luciane, penso: ‘nossa, é possível ser artista múltipla e pesquisadora’.

O que é Afrofuturismo para você e por que é importante falar sobre isso no Brasil? Neste momento de Covid-19, entendo que Afrofuturismo é se manter vivo. Quando eu soube do vírus, pensei: ‘cara, quando isso chegar na periferia nós estamos ferrados’. Sei que o Afrofuturismo é uma estética com o propósito de imaginar um futuro possível para os negros. Só que o povo preto já vive na distopia. Como uma mãe vai fazer isolamento em casa se o filho dela está pedindo leite? Não dá! E como eu posso fazer arte se primeiro preciso pensar em sobreviver? Acho que a importância de falar disso é poder colocar para o outro: ‘olha, essa questão não é só minha, ela é sua também’, porque não adianta nada eu refletir sobre a minha negritude se a pessoa branca não pensar nos privilégios dela. Seguiremos cada qual na sua bolha.

Ester e Monica em Tecendo Diálogos. Foto: Andressa Santos.

michel cena7 (@michelcena7)

Artista plástico e poeta, nasceu em São Paulo mas hoje vive e atua em São Bernando do Campo, onde há dez anos é um dos motores do Sarau do Fórum. Acompanhou a turma da primeira à última aula da disciplina e, durante essa jornada, compartilhou vivências e opiniões a respeito das formas como o racismo se sistematiza na sociedade e dos movimentos para combatê-lo. Além disso, ofereceu orientações importantes sobre como apurar artisticamente os trabalhos.

Em que momento da vida você percebeu que seu caminho de expressão seria por meio da arte? Como você começou a produzir? Tenho uma memória de passar pela cidade e ver muita pichação. Minha família morou em Heliópolis, na Av. Alencar, e lá tinha esse registro de ‘pixo’, e muito cedo, com 11 ou 12 anos, fui rabiscar umas coisas. Tanto é que arrumei um problema na família. (risos) Peguei uma graxa líquida com a minha prima, e saímos escrevendo nos prédios do condomínio onde a gente morava. Tive essa curiosidade e, com o tempo, fui apurando. Acho que no início acontece o chamado interior, depois vêm o aprimoramento e a dedição.

O que surgiu primeiro, as artes plásticas ou a poesia? Surgiram juntas. Sempre tive a necessidade de simular meu pensamento por meio da literatura. Lembro dos livros didáticos de português da escola, quando havia um texto e no rodapé, em destaque, as palavras difíceis, que não se usa cotidianamente, tipo ‘tresloucado’. Anotava essas palavras e pensava: ‘vou escrever um texto com isso em casa’. Tenho textos desde 1999, mas poesia mesmo só fui fazer depois de 2010, com o surgimento do Sarau do Fórum, pois aí passei a participar de uma rede que envolve essa atividade.

Qual o significado dos elementos recorrentes nas suas obras? As flores, os rostos, as máscaras? Dediquei quase um ano para desenvolver cada elemento desses. Os rostos e as máscaras acho que são retalhos de uma personalidade, uma tentativa de reconstruir o imaginário e dar uma história a quem não tem história. Criar um espelho para se entender no mundo. As flores nascem como uma quebra desses rostos, que eram muito rígidos. Elas trazem o convite para olhar para o cotidiano de forma renovada. O nome que dou para elas é “utopias póstumas”. Não consigo pensar nada simples, sempre viajo. (risos) Com elas, comecei também a quebrar o código de usar um muro quadrado, esperado. Tinha que ser num muro que pegou fogo e tá zoado, numa viela, num teto. Então caiu a ficha que, se você quer quebrar um código, você precisa buscar um suporte novo e sair do convencional.

Detalhe do mural Ba-Boom, de Michel Cena7.

Quais artistas plásticos negros brasileiros são referência para você? Gosto muito do Nunca, sempre gostei, desde a época em que ele fazia uma coisa jogadona com rolinho, gosto do Onesto... Alice Lara, uma amiga querida que faz um trabalho muito legal de pintura. Tem a Rosana Paulina, que é uma grande mestra, Sonia Gomes... Ah, cara, tem muita gente. Quando se trata de Brasil, fica difícil não falar na arte de pessoas negras, a maioria das coisas produzidas são produzidas por mãos negras, né?

E em outras áreas, como música, literatura, teatro, cinema? No cinema tem o Geo Oliveira, na música tem a Juçara Marçal, de quem sou praticamente devoto. Atualmente você tem o Moisés Patrício, que é um artista plástico incrível, o Jaime Lauriano, que é um cara muito embasado. E se a gente for falar de literatura, quando olha para o movimento que os saraus fizeram nos ultimos 15 anos, e que os slams têm feito, então a gente descobre uma gama de produtoras e produtores incríveis.

Depois de mostras como Histórias Afro-Atlânticas, no MASP e no Tomie Ohtake, e Ex-África, no CCBB, que pretendiam dar maior visibilidade à produção de artistas negros, você viu mudanças de cenário? Os museus começaram a perceber que eles precisam mudar de postura, que há· uma tragédia colocada historicamente que negligencia uma população que produziu e produz muita arte. Pensando em instituições, em curadorias, isso vai se popularizar mesmo e vai mudar. Porém, ao se tratar de mercado, acho que a hegemonia não muda. Quem mantém o mercado funcionando é quem tem muita grana. Essa grana teria de circular em outros espaços e acho que essa solução não virá das instituições, mas as instituições olharem para isso é muito importante.

O que é Afrofuturismo para você? Tenho dificuldade em falar o que as coisas são para mim, principalmente quando se trata de coisas já estabelecidas. Mas, pelo que entendi dos documentos que acessei e com as pessoas com quem eu troquei, Afrofuturismo é um movimento que perspectiva, sobretudo por meio da literatura, construir um imaginário das pessoas oriundas da diáspora africana para pensar o mundo presente e o futuro. Mas ele sobretudo nasce do fato absurdo de que o racismo não permite que se pense a vida na sua plenitude porque você é uma pessoa negra e não tem direito à vida. Ele é uma resposta criativa à dor do racismo.

De que formas o racismo brasileiro é mais efetivo e difícil de ser combatido? O que me incomoda bastante na vida é que ao mesmo tempo em que você tem acesso às coisas, você não tem. Você pode ir ao lugar X, mas se você for, vai passar por uma situação de constrangimento. Essa forma de racismo no Brasil é muito perversa. Tenho recebido no WhatsApp vídeos denunciando atrocidades que a polícia vem cometendo na periferia num momento em que a mídia está cobrindo outra coisa. Percebe-se que esse movimento da polícia de São Paulo, que é higienista pra caramba, vai se aplicar de forma mais forte nos próximos meses. Também acho que a forma como a Covid-19 vai se espalhar nas periferias no próximo mês, em favelas grandes, como Paraisópolis ou Heliópolis, será muito complicada, teremos uma letalidade imensa.

Já que estamos falando de futuro, conte um pouco de sua atuação como educador. Em 2006, a Angela Barbudi, professora da Belas Artes, levou uma turma de alunos para trabalhar numa galeria. Mal sabia eu que ela estava ensinando para a gente um modo de sobreviver como artista. De 2006 a 2013, tive uma atuação muito forte como arte-educador em vários projetos, na Pinacoteca, no Memorial da América Latina, na Fundação Casa e em diversas ONGs que trabalham com liberdade assistida e jovens em vulnerabilidade. Foi muito importante para mim porque me deu essa potência de fazer algo em que sempre acreditei.

patricia abòrisá (@patricia_aborisa)

Artista gráfica e diretora de arte, trabalhou em agências de comunicação e hoje atua de forma independente. Um de seus projetos principais no momento é a luthieria de pandeiros — ela confecciona e, depois, ilustra os instrumentos. Símbolos da cultura popular e sua ligação com a capoeira e o candomblé aparecem com força em suas criações. Na aula de Design Experimental da qual participou, Patricia falou sobre a discriminação que as religiões de matriz africana ainda sofrem e como a falta de conhecimento histórico alimenta o racismo.

Como a arte entrou na sua vida? Desde criança, gosto de desenhar, sempre participava dos concursos da escola. Lembro de ter ganhado um, no pré, desenhando a baleia Free Willy. (risos) Mas esse lado também vem do meu pai, que era artista plástico. Ele se chamava Osnir Fugazza e pintava realismo e algumas obras impressionistas. Infelizmente, não conseguia se sustentar com a arte. Com ele aprendi a técnica de usar as tintas e até hoje estou sempre produzindo telas. Já minha mãe, Maria Salustiano, é uma influência mais artesanal, tátil. Meu trabalho na luthieria de pandeiros é uma forma de unir as duas coisas.

Como a cultura brasileira está inserida no seu trabalho? Sou capoeirista e candomblecista e, por isso, a cultura popular faz parte do meu dia a dia. Acho a capoeira uma arte completa, pois envolve música, dança e espiritualidade. Ela é uma grande influência na minha forma de produzir. Fiz uma campanha para a Frente Nacional Contra o Genocídio Negro quando a morte da Marielle Franco completou um mês. Eram os ‘trinta dias sem respostas’ — e agora já se passaram dois anos. Além de desenhar a Marielle, tentei entender quais seriam os símbolos da luta dela e usei isso na ilustração. Trabalhar com símbolos é uma característica da cultura brasileira.

Quais artistas negros brasileiros inspiram você? Edson Ikê, Nina Silva e Jeff Mendença. Gosto muito do trabalho deles.

O seu sobrenome, Abòrisá, significa ‘aquele que cultua ou adora os orixás’ em iorubá. É muito significativo que você se apresente assim ao mundo. Em que momento isso aconteceu? Meu pai era descendente de italianos e espanhóis, e minha mãe é filha de um moçambicano e de uma indígena. Nessa mistura de culturas, você sabe quais serão as apagadas. A adoção desse sobrenome coincidiu com o momento, em 2014, em que alguns amigos e eu montamos um coletivo de artistas chamado Grupo Abòrisá. Fazíamos espetáculos de contação de histórias com dança afro. Sempre havia uma pesquisa muito grande por trás de cada produção e compartilhávamos esses aprendizados em rodas de conversa.

As religiões de matriz africana têm muitas vertentes no Brasil, e isso está relacionado à diversidade de origens dos escravos trazidos para cá. Mas, nas escolas, essa diversidade não é abordada. Por que você acha que isso acontece? Primeiro, a gente precisa lembrar que muita gente nem teve acesso a essa História bonitinha ensinada na escola. Outro dia, um amigo meu, que já viajou o mundo inteiro para apresentações de capoeira, ficou revoltado porque descobriu que Portugal invadiu o Brasil. Ele só estudou até a terceira série e soube disso agora, quando assistiu a um documentário que indiquei. O brasileiro tem pouca memória. As três nações mais conhecidas que chegaram aqui foram Ketu, Angola e Jeje, da qual faço parte. Essa captura e mistura de pessoas de diferentes origens foi proposital porque tirava a possibilidade de resistência. Como você vai se organizar se não fala a língua do outro que está na mesma situação? E houve a separação das famílias. Hoje sabemos que o banzo, a dor extrema dessa separação, é o que conhecemos como depressão.

Quais são as principais conquistas dos movimentos negros nos últimos anos? Um detalhe que muda tudo é a forma como as pessoas nos veem. Na TV hoje, há negros em papéis de advogados, médicos, professores, num lugar de patrão e não de empregado. Muita gente não gosta de falar de representatividade porque acha superficial, mas precisamos lembrar que isso muda o imaginário do povo e que o imagético sempre reflete a ética. Minha sobrinha foi ao posto de saúde outro dia e voltou empolgada porque o fisioterapeuta que iria tratar dela era negro. Vejo muita ocupação de cargos públicos, presença em faculdades. Agora surgiu outra problemática, que é a TV vendendo militância. Depois de uma luta, sempre aparece outra.

O que é Afrofuturismo para você e por que é importante falar disso no Brasil? Afrofuturismo para mim é pensar em sobrevivência, em vidas negras vivas, senão a gente cai no #vidasnegrasimportam, hashtag que aparece quando pessoas já morreram. Se fosse para inventar uma experiência científica mirabolante, faria uma máquina de injetar memória nas pessoas. Assim elas saberiam qual a etnia delas, de onde elas vieram, o que aconteceu com a família delas, e isso traria identidade e força. Precisa existir uma máquina que pare o genocídio, e rápido. No Brasil, isso bate na falta de conhecimento histórico, de que 500 anos atrás houve invasão e extermínio por aqui. O grande problema do Afrofuturo é o Afropassado: a galera não sabe, ou esqueceu, ou não quer saber.

Em que momento você percebeu que existia uma luta que era sua? Foi bem dolorido. Vou confessar que, quando era criança, eu contava vantagem de ser a pessoa com a pele mais clara da minha família. Dizia com o maior orgulho: ‘puxei meu pai’. Só que um dia, na escola, na quarta série, estava falando disso e um colega comentou: ‘mas seu cabelo é duro’. A sala inteira riu, o apelido pegou e ninguém parou aquilo, pois não se falava em racismo ou bullying na época. Acabei batendo num amigo que me chamou de ‘cabelo duro’ e fui parar na diretoria. Minha mãe quis saber por que eu havia feito isso e foi aí que tivemos uma grande conversa sobre cor de pele e porque estava escrito ‘parda’ na minha certidão de nascimento. Minha mãe é minha grande referência: entrou no Hospital das Clínicas em 1980 para fazer limpeza e chegou a se pós-graduar em administração hospitalar pela USP. Foi sindicalista e capoeirista por muitos anos também.

Ilustração Ogunhê, de Patricia Abòrisá.

silmara alves (@ssilmaralvess)

Formada em Design de Comunicação e Cinema, se especializou em direção de arte para produções audiovisuais. Também trabalha no IED-SP, onde é a responsável pelo relacionamento corporativo desde o início de 2019. Paralelamente, desenvolve diversos projetos, como roteiros de vídeos para campanhas e construção de identidade visual para marcas. Em sua participação numa das aulas de Design Experimental, reforçou a necessidade de construir experiências em que cada objeto de cena transmitisse as sensações planejadas pela turma.

Você estudou Design de Comunicação na Alemanha. Como isso aconteceu? Tenho um tio que é ator e vive em Hamburgo há muito anos. Quando eu estava com 18 anos, uma das minhas primas, filha dele, me ligou e perguntou o que eu acharia de passar um tempo trabalhando como babá na casa de amigos dela. Eu poderia estudar, aprender outra língua, passear… Na época, estava sem emprego e estudando para o vestibular. Achei interessante e iniciei o trâmite para o visto. Três meses depois, quando o visto saiu, a família já havia contratado outra babá, mas meu tio falou para eu ir mesmo assim. Quando cheguei lá, ele disse que eu precisava fazer de tudo para aproveitar a oportunidade e aprender. Você não falava alemão? Nem uma palavra. Mas fiquei tão agoniada de não conseguir me comunicar que logo estava matriculada em três cursos diferentes de alemão para imigrantes. Seis meses depois, me comunicava bem, havia arrumado emprego de babá em outra família e poderia dar entrada no visto de estudante, o que me obrigava a entrar numa faculdade num prazo determinado. Foi aí que comecei a pesquisar cursos ligados a arte e descobri o Design de Comunicação na HTK Hamburg, onde me formei em 2004. Nem sabia que iria estudar o que mais amo na vida. Como você entrou para a área de cinema? Quando voltei ao Brasil, achei que tinha tudo para encontrar meu emprego dos sonhos. Mas as pessoas não entendiam que faculdade era essa que eu tinha feito, não havia algo similar para comparar por aqui. Isso começou a me inquietar e decidi buscar outra formação. Entrei no curso de Cinema da Anhembi Morumbi que, na época, dava dupla certificação, como roteirista e produtor cinematrográfico. O conteúdo de direção de arte, o mais aguardado para mim, era dado em um semestre. Achei que poderia me aprofundar mais no tema e comecei a fazer cursos extras. Meu TCC foi assumir a direção de arte do curta Lembranças de Maura. Aí ficou mais fácil explicar o que você fazia? Sim. O diretor de arte é um prestador de serviços, que trabalha por projeto e com o apoio de uma equipe. Na época da faculdade, meus colegas e eu ríamos porque pegamos o vício de observar pessoas na rua e construir personagens

dentro da nossa cabeça. Carrego essa mania até hoje. Quando sou contratada para criar uma cenografia, preciso fazer um mergulho nos personagens e na narrativa. O formato dos ambientes, o figurino, cada cor, cada objeto de cena precisa ter uma intenção, um porquê. Nenhuma escolha estética é aleatória. Quais produções até agora foram mais especiais para você? Fiz dois trabalhos com a Ovo Frito Filmes, com direção geral de Mirrah Iañez, que têm muito valor para mim. O primeiro foi o curta-metragem documental Para Belo Monte. Criamos e filmamos tudo em quatro dias, dentro de um festival de curta-metragens que tinha como tema a água. Estava na época do leilão da Usina de Belo Monte e queríamos falar sobre a população indígena afetada pela construção da hidrelétrica. Como não podíamos sair de São Paulo, resolvemos procurar a aldeia indígena do Pico do Jaraguá e eles abraçaram a ideia de enviar uma mensagem para as tribos de lá. O segundo é uma ficção de 15 minutos chamada Bumba Bumba, que fala sobre moradores de rua. A produção levou seis meses e trouxe um grande desafio porque o filme é preto e branco. Acertar na escolha de cores para que os tons de cinza das cenas comunicassem as sensações que a direção queria transmitir foi um processo maravilhoso. O que é Afrofuturismo para você? Ouvi falar de Afrofuturismo pela primeira vez quando estava na faculdade de cinema. O professor de Teoria do Cinema Mundial, Mauricio Reinaldo Gonçalves, me contou que o cineasta Jeferson De havia escrito, em 2000, um manifesto chamado Dogma Feijoada. O nome fazia uma brincadeira com o Dogma 1995, dos diretores Lars von Trier e Thomas Vinterberg, e o texto exigia mais produções com realizadores e protagonistas negros e o fim dos personagens estereotipados. Por que só doméstica ou cobrador de ônibus? Depois fui descobrir que, em 2005, Jeferson lançou um livro sobre o assunto em que faz uma análise da presença negra na filmografia brasileira, antiga e contemporânea. Esse livro é uma grande defesa do resgate da ancestralidade. Que informações do passado podemos trazer para o presente e, com elas, construir o futuro? Após esse contato com o Dogma Feijoada, passei a ver sinais de Afrofuturismo em várias obras. O filme Besouro, de 2009, é afrofuturista

Cena Bumba Bumba.

total: uma narrativa de realismo fantástico em que um capoerista aprende um golpe voador. O manifesto surtiu efeito? Acredito que sim. Tem um dado importante sobre a Berlinale, o festival de cinema que acontece em Berlim todo mês de fevereiro. Neste último, o Brasil bateu o próprio recorde de produções selecionadas, foram 19 filmes, entre curtas e longas metragens, num evento de visibilidade absurda. Todos esses representantes brasileiros tinham a diversidade ou a aceitação como narrativa. Não significa que os produtores e diretores fossem todos negros, ou homossexuais ou trans. Para mim, a leitura desse conjunto de obras é clara: nossa sociedade quer falar sobre esses temas, são vozes aprisionadas que precisam gritar. Isso a despeito da forma como o poder brasileiro pensa ou age. Queira ele ou não, o Brasil é essa diversidade. Que artistas negros ligados à sua área inspiram você? Jeferson De é minha fonte primordial. Na velha guarda, Grande Otelo, esse gigante. Antonio e Camila Pitanga e, fora do cinema, amo a cantora moçambicana Cesária Évora, Seu Jorge, Musa Michelle Mattiuzzi, Elza Soares, Karol Conká, Iza e Nação Zumbi.

Favela no Brasil.

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